Discurso durante a 39ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Críticas à mídia pelo tratamento dado a viagens de presidentes da República.

Autor
Roberto Requião (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PR)
Nome completo: Roberto Requião de Mello e Silva
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PRESIDENTE DA REPUBLICA, IMPRENSA.:
  • Críticas à mídia pelo tratamento dado a viagens de presidentes da República.
Publicação
Publicação no DSF de 02/04/2013 - Página 13959
Assunto
Outros > PRESIDENTE DA REPUBLICA, IMPRENSA.
Indexação
  • CRITICA, ATUAÇÃO, IMPRENSA, ENFASE, JORNAL, FOLHA DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), FREQUENCIA, DENUNCIA, DILMA ROUSSEFF, PRESIDENTE DA REPUBLICA, LUIZ INACIO LULA DA SILVA, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, EXCESSO, DESPESA, VIAGEM, REFERENCIA, PROBLEMA, RELAÇÃO, CORRUPÇÃO, ADMINISTRAÇÃO PUBLICA, NECESSIDADE, ATENÇÃO, MEIOS DE COMUNICAÇÃO, ANALISE, AUSENCIA, DIFUSÃO, ACUSAÇÃO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, EX PRESIDENTE, GASTOS PUBLICOS, DESLOCAMENTO, PAIS ESTRANGEIRO.

            O SR. ROBERTO REQUIÃO (Bloco/PMDB - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, hoje, venho à tribuna com uma grande preocupação. Ontem, acessando a Internet, eu assisti a uma pregação do Pastor Feliciano numa igreja de Minas Gerais, em que ele afirmava que, antes de ele ser o Presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, esta Comissão estava tomada pelo coxo, pelo torto, pelo cão, pelo capiroto, pelo satanás. Fiquei impressionado!

            E, se realmente existe o tal do capiroto, Senadores, se realmente existe, ele anda possuindo mesmo é a nossa gloriosa e nunca suficientemente louvada, exaltada, enaltecida, aclamada e entoada mídia, que continua a cumprir, com zelo - talvez sob a inspiração do capiroto, se é que ele existe -, maestria e muito proveito, seu papel de liderança e guia da oposição, como aquela senhora que dirigia a Associação Nacional dos Jornais, superintendia a Folha de S.Paulo e proclamava com a desenvoltura e a plasticidade dos que sabem o que dizem e querem.

            Pois bem. Cumprindo essa missão, a mídia - influenciada ou não pelo capiroto, quer ele exista ou não - foi atrás das viagens do ex-Presidente Lula depois de melindrar-se com a viagem da Presidente Dilma ao Vaticano para a entronização do Papa Francisco.

            Mas há os escândalos reais, verdadeiros que envolvem, por exemplo, os leilões da Agência Nacional do Petróleo; as concessões sem precedentes às empresas de telefonia; a monumental pizza que foi a CPI do Cachoeira, que nos impediu de lançar uma réstia de luz, uma réstia que fosse sobre o tenebroso mundo das empreiteiras; a privatização dos portos, tão radical que embaraçaria Reagan, Thatcher e Yeltsin. Desses escândalos, desses atentados brutais à soberania brasileira, disso a mídia e seu braço parlamentar não querem saber. Eles querem saber das viagens do Lula e eles querem saber da viagem da Dilma ao Vaticano.

            Sendo assim, eu também vou falar das viagens do ex-Presidente Lula. E, para isso, socorro-me de um texto de Hugo Carvalho, que recolhi no sítio do jornalista Luis Nassif.

            O título do texto, que é um artigo, é o seguinte: “As viagens de Fernando Henrique Cardoso e Lula e a escandalização seletiva.”

            Diz o autor - abre aspas:

Um ex-presidente brasileiro está rodando o mundo, em viagens patrocinadas por empresas e corporações que cresceram e ganharam muito dinheiro em seu período de governo. Nestas viagens, a presença do ex-presidente ajuda as empresas patrocinadoras a captar investimentos e ganhar mercados.

As empresas amigas também patrocinam palestras deste líder político no Brasil e contribuem com fundos milionários para o Instituto que leva o seu nome e destina-se a preservar a sua memória.

            Coisa terrível, não é, Senador Viana?

Se este ex-Presidente se chamasse Luiz Inácio, suas atividades no exterior seriam manchete da Folha de S.Paulo, colocando-o sob suspeita de atuar como lobista de empresas sujas.

Mas estamos falando de Fernando Henrique Cardoso, que também viaja fazendo palestras, a convite de empresas, ONGs e instituições diversas. A diferença mais notável entre eles (há muitas outras) [,mas a mais notável] é que Fernando Henrique Cardoso vai lá fora para falar mal do Brasil.

Nas asas do Itaú, seu patrocinador master, Fernando Henrique esteve no Paraguai em 2010, no dia em que o banco inaugurou a operação para tomar o mercado no país vizinho.

O Itaú também o levou a Doha e aos Emirados Árabes ano passado, como informou a imprensa financeira, com a intenção de morder parte dos US$100 milhões que o Barwa Bank tem para investir no mercado imobiliário brasileiro.

Itaú, Unibanco and Fernando Henrique Cardoso visiting Qatar and the UAE

A Folha estava lá (mas não diz quem pagou a viagem da colunista Maria Cristina Frias). “Fernando Henrique Cardoso vai ao Oriente Médio com o Itaú para atrair investimento”, ela escreveu. Escreveu exatamente isso. Zero de suspeição ou malícia. O jornal não se preocupou em saber se a embaixada brasileira alugou impressoras para apoiar o ex-Presidente em sua missão, mas registrou direitinho o que ele disse lá sobre o Governo brasileiro atual: “Corrupção cresceu em relação a meu governo, diz Fernando Henrique Cardoso”. Com esse papo, o ex deve ter atraído investimentos para o Chile. [Não, seguramente, para o Brasil.]

Fernando Henrique Cardoso também falou mal do Brasil quando foi à China, em maio passado, de novo pelas asas do Itaú (nem parece que é um banco, deve ser uma agência de viagens). Reclamou do ajuste do câmbio, da falta de planejamento, e fez o comercial do patrocinador: “Baixar a taxa de juros (no Brasil) é importante, mas tem que olhar as consequências” [- fecha aspas -], ele disse [exatamente] isso aos chineses. O Estadão resumiu no título a visão de Brasil que Fernando Henrique passou em Pequim: “Não se pode crescer a qualquer a custo, diz Fernando Henrique Cardoso”.

Em novembro do ano passado, a casa americana JP Morgan pagou Fernando Henrique Cardoso para falar do Brasil sem sair de casa: “O Brasil está pagando o preço por não ter dado continuidade aos avanços implementados” [- entre aspas -], ele disse, numa palestra para investidores estrangeiros em São Paulo.

Na edição deste sábado, a Folha sugere ao Ministério Público que promova uma ação para alguém devolver “gastos indevidos” com horas extras de motoristas e deslocamento de funcionários, nas embaixadas por onde Lula passou. Mas não se comove com o fato de a estatal paulista Sabesp ter pingado R$500 mil na caixinha do Instituto FHC (ah, se fosse o Visanet...).

            O que estaria dizendo em voz alta e com aquela sua firmeza característica, o Joaquim Barbosa?

Fernando Henrique ainda era presidente da República, em 2002, quando chamou ao Palácio da Alvorada os donos de meia dúzia de empresas para alavancar o instituto que ainda iria criar: Odebrecht, Camargo Corrêa, Bradesco, Itaú, CSN, Klabin e Suzano. A elas se juntaria a Ambev. Juntas, pingaram 7 milhões no chapéu de FHC. Mas foi o Tesouro que pagou o jantar, descrito em detalhes nesta reportagem da revista Época.

Todos à mesa eram gratos à Fernando Henrique pelo Plano Real e não se duvide de que alguns tenham coçado o bolso por idealismo. [Acredito que até isso poderia ter acontecido.] Mas, se a Folha utilizasse o mesmo relho com que trata Lula, teria registrado que o Itaú e o Bradesco eram gratos pela maior taxa de juros do mundo, [que passou a ser recorde no livro Guinness]; a Ambev deve seu monopólio ao Cade dos tucanos; a CSN é a primogênita da privataria e quase todos ali deviam algum ao BNDES.

FHC e seu instituto prosperaram. No primeiro ano como ex-Presidente, ele faturou R$3 milhões em palestras [abre aspas] (“o critério é cobrar metade do que cobra o Bill Clinton”, explicou, modestamente, um assessor de Fernando Henrique Cardoso). A primeira palestra, de US$150 mil de cachê, que serviu de parâmetro para as demais, foi bancada pela Ambev. [Valia muitas cervejas.] O Instituto Fernando Henrique Cardoso já tinha R$15 milhões em caixa e planejava gastar o dobro disso nas instalações.

O Instituto Fernando Henrique Cardoso abriga o projeto Memória das Telecomunicações (esqueçam o que ele escreveu, mas não esqueçam nunca o que ele privatizou), patrocinado, naturalmente, pela Telefónica de Espanha.

Todas as empresas citadas neste relato são anunciantes da Folha de S.Paulo e estão acima de qualquer suspeita enquanto anunciantes. Apodrecem, aos olhos do jornal, quando se aproximam de Lula. [Lula não pode. A Fernando Henrique tudo é permitido.]

Eis aí o segundo recado da série de manchetes: afastem-se dele os homens de bem. O primeiro recado, está claro, é: mãos ao alto, Lula!

A Folha também se considera acima de qualquer suspeita. Só não consegue mais disfarçar o ódio pessoal que move sua campanha contra o ex-Presidente Lula.

            Fecham-se as aspas da citação.

            A Folha de S.Paulo, como sabemos, é o mais provinciano dos jornalões brasileiros. Provinciano, Senador Vital, e tipicamente pequeno burguês, com aqueles tiques próprios dessa classe que revelam preconceito, despeito, inveja e tacanhice. E uma nada desprezível dose de sordidez, de torpeza, como comprova o caso da publicação da ficha policial, fraudada, da então candidata Dilma Rousseff.

            Matriz, nutriente e propagadora desses sentimentos, a Folha revela, mais uma vez, seu lado sombrio. Do sociólogo que se diz poliglota, perdoa tudo. Afinal, trata-se de um puro exemplar da casa grande, embora com um pé na cozinha, como ele, querendo ser engraçado, disse.

            Agora, o pau de arara, egresso da senzala, não tem perdão. Ora, que ousadia, viajar o mundo com a pretensão de representar o Brasil! Abespinham-se os antigos donos da rodoviária de São Paulo.

            Esse ressentimento tem outro motivo. O pau de arara, o torneiro mecânico que cruza os oceanos e é extraordinariamente bem recebido aonde quer que desembarque, é também o responsável por outro tormento: o acesso dos mais pobres às viagens áreas. Nas salas de embarque, dentro dos aviões, essa gente é um incômodo que provoca urticária nos enfatuados pequeno-burgueses e faz empinar o nariz da nova aristocracia, assim nobilitada pela frequência com que aparece nas colunas sociais; pois, acreditem, os nossos jornalões ainda têm, Senador Ferraço, colunas sociais. Eles ainda dão uma ênfase e uma importância enorme para as colunas sociais, dos endinheirados, dos que saíram da casa grande, do que têm receio e medo da senzala. Aquele medo conhecido: o medo dos que não dormem que têm pelos que não comem; os que não comem porque não têm o que comer e os que não dormem seguramente pelo medo que têm dos que não comem.

            Assim, quando reclama das viagens de Lula, no fundo, a Folha está deplorando o aborrecimento do acesso dos pobres às viagens aéreas. Ela gostaria que uns e outros ficassem em terra, ocupando “os seus lugares”.

            Imagina agora com esta brutalidade que o Congresso aprontou, trazendo para a legislação trabalhista todos os direitos das empregadas domésticas. A Folha de S.Paulo tem mais com se preocupar!

            Contam - mais de uma testemunha relata - que, em um encontro na Folha, a convite de Otávio, o Otávio pai, o filho, dito Otavinho, que agora comanda o jornal, apostrofou com indelicadeza e arrogância o então candidato Lula. Abre aspas: “Como é que você quer ser presidente se não sabe falar inglês”, teria dito o júnior, o Otavinho.

            Acho que é por aí: Fernando Henrique pode viajar patrocinado por quem quer que seja, pois a Folha acredita que ele fale inglês. E o Lula, Senador Viana, todos nós sabemos, de inglês, não diz, não fala, não sabe pronunciar uma única palavra que seja.

            Obrigado pelo tempo, Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 02/04/2013 - Página 13959