Discurso durante a 43ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Destaque para a necessidade de uma reforma educacional no País.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ESTADO DEMOCRATICO. EDUCAÇÃO.:
  • Destaque para a necessidade de uma reforma educacional no País.
Aparteantes
Aloysio Nunes Ferreira, Ruben Figueiró.
Publicação
Publicação no DSF de 06/04/2013 - Página 16047
Assunto
Outros > ESTADO DEMOCRATICO. EDUCAÇÃO.
Indexação
  • ANIVERSARIO, GOLPE DE ESTADO, REGIME MILITAR, PAIS, REFORMA AGRARIA, REFORMA BANCARIA.
  • NECESSIDADE, REFORMA UNIVERSITARIA, MELHORIA, ESCOLA PUBLICA, EDUCAÇÃO BASICA, REDUÇÃO, DESIGUALDADE SOCIAL.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador) - Bom dia a cada uma e a cada um.

            Sr. Presidente, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, quero iniciar, Senador Figueiró, falando sobre o aniversariante.

            Quero confessar aqui a idade que nós temos com base em uma coisa: nós nos conhecemos, eu e o Senador Aloysio - eu fiz as contas - há 47 anos. Nos conhecemos desde 1966!

            O Sr. Aloysio Nunes Ferreira (Bloco/PSDB - SP) - E somos amigos até hoje, felizmente, para mim.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF) - É verdade. E nos cruzamos em diversas partes, em encontros estudantis, em Paris, onde fomos contemporâneos.

            O Sr. Aloysio Nunes Ferreira (Bloco/PSDB - SP) - E, de alguma forma, trabalhamos junto com o Sérgio Amaral, que também é nosso amigo e colega de geração, em algo que, depois, veio a se transformar no Projeto Rondon. V. Exª se lembra disso.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF) - Claro, eu me lembro porque foi uma iniciativa minha a criação de uma cadeira universitária, que dizem que virou duas coisas: virou o Projeto Rondon, porque era aquela a ideia, e também o EPB - Estudos dos Problemas Brasileiros. Isso construímos juntos ali. E Sérgio Amaral, esse grande amigo que tenho até hoje e com quem convivi ainda mais durante esse período, foi de grande ajuda para mim, quando fui Governador do Distrito Federal, porque ele era Ministro e uma espécie de intermediário meu com essa grande figura também que é o Fernando Henrique Cardoso, de quem vou falar aqui no meu texto, na minha fala.

            Então, parabéns, Aloysio! Tem sido um prazer conviver politicamente e amigavelmente por todo esse período e conseguir algo raro nessa amizade, que é o respeito ir aumentando. Isso é raro.

            Mas, Sr. Presidente, eu volto aqui, correndo o risco da repetitividade, para falar de um assunto que eu abordei nesta semana, mas por apenas cinco minutos, no espaço da Liderança do meu Partido. É algo que passou um pouco em branco - e o Senador Aloysio, por coincidência, fez um aparte muito interessante -, que tem passado em branco: o aniversário do Golpe Militar de 1º de abril de 1964. Mas não venho falar mal do golpe. Ao contrário. Algumas coisas que vou dizer aqui até podem parecer positivas.

            O que venho fazer, dentro da linha de tentarmos manter viva a imaginação brasileira, é, primeiro, analisar quais foram as causas e, segundo, o que não foi feito de lá para cá.

            A gente pode colocar três grandes causas concretas - poderia haver mais uma, mas prefiro evitar, que foi certa incapacidade das lideranças políticas de esquerda de enfrentarem as dificuldades daquele momento.

            A Guerra Fria fez com que os Estados Unidos não aceitassem um governo de tendências de esquerda, com discursos simpatizantes do socialismo, especialmente de Cuba - os americanos não aceitavam isso.

            Havia também certo medo dos militares, medo até pelo lado positivo, vamos dizer, medo do fim da democracia. É interessante: os militares implantaram um regime de 21 anos de ditadura, mas, no momento anterior ao golpe militar, eles faziam isso pela crença de que deviam defender a democracia. Não era um discurso falso. De fato, muitos deles - eu diria, a maioria, a liderança - acreditavam que era preciso impedir um regime autoritário nos moldes soviéticos.

            Essas foram duas causas, mas houve uma terceira: o egoísmo, o reacionarismo, a brutalidade da elite brasileira, que não queriam aceitar as reformas de base que estavam - eu não diria em andamento - em concepção. Essa talvez tenha sido a mais forte causa que levou à interrupção da democracia, e durante 21 anos pagamos um alto preço.

            A gente sempre se lembra dos preços, e um desses preços - o Senador Aloysio é um exemplo disso - é o do exilado, do torturado, do cassado, que foi um preço imenso, sobretudo do ponto de vista individual. Mas há outro preço: a interrupção das reformas que o Brasil precisava fazer e que naquele momento foram interrompidas, embora feitas também, como bem lembrou o Senador Aloysio, ao longo dos 21 anos de forma talvez um pouco diferente. Eu vou me referir a isso.

            Começo por um reforma, a reforma agrária. Naquela época - vou falar de hoje -, se nós tivéssemos feito a reforma agrária, o Brasil seria diferente. Por exemplo, Senador Anibal, as cidades não seriam tão grandes. Nossas metrópoles não seriam, como eu gosto de chamar, “monstrópoles”, como são hoje. Foi a falta de uma reforma agrária que levou a população a migrar na quantidade que migrou ao longo dos últimos 60 anos, em busca de um emprego que a terra não oferecia.

            A reforma agrária era a proposta de libertar a terra aprisionada por cercas dos latifundiários - a terra estava ali e não podia ser usada para produzir - e libertar os que estavam do outro lado da cerca, os homens, as mulheres, prisioneiros da falta de um trabalho, que viam do lado de lá da cerca o emprego na terra, e a terra olhava para o lado dos trabalhadores, prisioneira da falta de trabalhador.

            A reforma agrária precisava liberar isso, o que, provavelmente, ia tocar na propriedade dos donos de latifúndios improdutivos. E é verdade. Aí entram talvez os militares, não os latifundiários - os latifundiários queriam proteger a propriedade, ponto. Havia alguns militares que queriam impedir que a reforma agrária se estendesse e se transformasse na estatização da terra, o que é uma diferença. Distribuição da terra é uma coisa; estatização da terra é outra. Havia um receio.

            O fato é que foi interrompido, e as consequências foram dramáticas. Nossas cidades estão absolutamente caóticas; há uma pobreza crescente e mantida no campo, que vive hoje do Bolsa Família; também convivemos com a violência, que tem a ver com a falta de uma reforma agrária, porque a migração para a cidade incentiva a violência; além, inclusive, de parte da seca. Não dá para dizer que a seca é toda criada pela falta de reforma agrária, porque a seca vem de mudanças climáticas, mas, se a terra tivesse sido distribuída ao longo desses últimos 60 anos - 50 anos, sobretudo -, não há dúvida de que, primeiro, as propriedades pequenas seriam mais capazes de organizar-se melhor para conviver com o Semiárido nordestino; e, segundo, os produtores rurais teriam força para exigir da União brasileira medidas que impedissem a situação da seca.

            Os países onde há propriedade bem distribuída da terra, Senador Paim, conseguem conviver com a seca de uma maneira muito mais eficiente. Conseguem até evitar as secas ou, pelo menos, as tragédias das secas.

            A inflação foi, em parte, causada - eu falo da inflação daquele período posterior a 1964 e mesmo de 1964 - pela falta de uma reforma agrária, porque reduziu a produção agrícola para o mercado interno. Os latifúndios, ou eram improdutivos, ou produziam para exportação. E a inflação vem do preço dos alimentos vendidos e comprados no mercado interno. Nós não conseguimos fazer com que a produção interna crescesse na proporção necessária para oferecer comida àqueles que saíram do campo e que antes plantavam no seu quintal e passaram a ter que comprar no mercado. Mas lá, no quintal deles, passou-se a produzir açúcar, café, laranja para exportação, e eles ficaram aqui sem comida, e aí o preço subiu. Tudo isso mostra como foi lamentável não ter sido feita a reforma agrária naquele momento.

            Mas e hoje? Hoje temos que reconhecer que a situação é diferente. A reforma agrária hoje não é uma necessidade para libertar a terra, porque ela está liberta, nos latifúndios produtivos, graças às máquinas e às novas técnicas que produzem, no Brasil inteiro, uma quantidade enorme de bens que são exportados.

            Não faz sentido falar hoje de reforma agrária com o mesmo conceito de 50 anos atrás. Ela ainda é necessária, sim, mas por razões sociais: para abrigar quatro, cinco milhões de brasileiros sem terra e pobres. É uma questão social. Não é mais uma questão econômica, na dimensão do que era em 1964.

            A reforma bancária também era uma necessidade. Os bancos trabalhavam para a especulação. Era preciso fazer com que o dinheiro que estava nos bancos fosse usado para a produção, para o investimento, para aumentá-los. Ou seja, mais uma vez, uso o conceito de libertar, liberar as forças produtivas, liberar o dinheiro que existia nos bancos.

            E hoje? Hoje não faz mais sentido falar em reforma bancária no Brasil, porque o sistema bancário é internacionalizado. A gente até deve falar assim na reforma do sistema bancário mundial, do sistema financeiro internacional. E a crise de 2008, que continua, está mostrando que isso é necessário. Mas já não é uma reforma bancária nacional, até porque, do ponto de vista da solidez, ela foi feita com o Proer, que garantiu a solidez do sistema bancário. É o sistema financeiro mundial que hoje precisa de uma reforma; no sistema bancário brasileiro não há como fazer uma reforma.

            A reforma universitária, que o Senador Aloysio mencionou aqui, visava, sobretudo, a aumentar o número de alunos e visava ao fim da vitaliciedade. O que aconteceu? O número de alunos passou de 150 mil para 5 milhões, e a vitaliciedade acabou, mas acho que com um retrocesso, Senador Aloysio - e eu fiz greve para que se acabasse a cátedra vitalícia. Naquela época, eram uns velhinhos competentes que chegavam à vitaliciedade. Hoje, o mais jovem professor faz concurso e fica estável pelo resto da vida. Nós universalizamos a vitaliciedade, que não é mais o resultado de um concurso cuidadoso, com exame da vida do professor. Isso ainda se faz com o titular, por exemplo, mas não com a provisionalidade.

            Ou seja, a reforma terminou sendo ao contrário. Do ponto de vista da dinâmica que se queria de exigir mais do professor, a gente fez o contrário, porque, apesar de haver certo aumento de salário ao longo da sua vida e da sua produção, há uma desigualdade que, cada vez, vai ficando menor, por força dos movimentos corporativos. A ideia que se quer é de que seja um salário só, quase.

            O número de alunos, aumentamos - vamos lembrar aqui -, em grande parte, graças a um trabalho muito criticado do Ministro Paulo Renato, quando tomou a iniciativa de facilitar a criação de novas universidades particulares, de centros universitários - se não fosse aquilo, não haveria o número que há hoje -; e, graças, sobretudo, ao assentimento do ProUni, um programa que permite que as pessoas possam pagar as faculdades que o governo Fernando Henrique incentivou que ocorressem. Foi importante isso. Houve um casamento: um governo incentivou o surgimento; o outro, o número de alunos.

            Falo isso tudo para mostrar que, hoje, há uma reforma que é necessária: a reforma educacional. Em relação à reforma trabalhista que o João Goulart defendia, os militares não deram nenhum passo atrás, não acabaram com o 13º que João Goulart tinha acabado de criar; mantiveram-no. Criaram até a aposentadoria rural, que foi um grande avanço e que, hoje, custa quase três vezes o que custa o Bolsa Família, atendendo à população que não pagou a Previdência, mas que precisa comer, precisa vestir, precisa viver e que ficou velha.

            Avançamos nos programas de bolsas: Fernando Henrique espalhou o Bolsa Escola; Lula ampliou isso, multiplicando por três, de quatro para doze milhões; e a Presidenta Dilma tem ampliado isso na medida do que é necessário.

            Qual foi a reforma trabalhista que a gente não fez? Abolir a necessidade de bolsas para a população brasileira. Outra vez a ideia de liberar. Nós não liberamos a população da necessidade de bolsas. Nós não abolimos - palavra de que o Senador Paim tanto gosta -, nós não fizemos a abolição da necessidade de bolsas. Comemoramos o aumento de bolsas, quando deveríamos cumprir a obrigação de aumentar o número de bolsas; cumprir a obrigação de aumentar o número de bolsas, mas não comemorar. A gente cumpre a obrigação de aumentar o número de bolsas, mas deve comemorar a redução do número dos que necessitam de bolsa para sobreviver. Essa reforma, a gente não fez, essa reforma, a gente não fez. Continuamos tendo de aumentar o número de pessoas, que, para sobreviver, recebem a previdência rural ou o Bolsa Família. Por quê? Porque não fizemos a verdadeira reforma, a reforma educacional, que assegura escola igual para todos os brasileiros e para as brasileiras.

            Veja outro exemplo de avanço nosso: semana passada, aqui, a PEC das domésticas. Foi um avanço nas regras trabalhistas, um avanço, inclusive, que demorou muito a vir. Mas não foi a abolição. Não foi a abolição das necessidades das nossas trabalhadoras domésticas, porque a verdadeira abolição era o filho da empregada doméstica estudar na mesma escola do filho da patroa. Ou, se quiserem, dizendo diferente, o filho da empregada estudar em uma escola com a mesma qualidade da escola do filho da patroa. Não precisava ser a mesma, fisicamente, até porque moram em lugares diferentes. Hoje, as empregadas domésticas passam a ter direitos que os outros trabalhadores têm: passam a ter um regime de horas de trabalho por dia; passam a ter direito às férias, que em alguns casos ainda não têm; passam a ter direito ao décimo terceiro; não podem ser demitidas sem justa causa. Mas elas continuam cuidando, de manhã, dos filhos dos patrões que vão à escola de qualidade. E elas continuam sabendo que os filhos delas não vão a uma escola com a mesma qualidade.

            Então, não houve abolição. Não houve a reforma. Houve um avançozinho. Um avançozinho que a gente deve comemorar, como eu teria comemorado se aqui estivesse no dia em que, em 1871, se votou a Lei do Ventre Livre. Eu teria votado e até ficado satisfeito com o passo, mas eu não teria ficado tão satisfeito com o passo. Satisfeito mesmo eu ficaria só 17 anos depois, quando se fez a Lei Áurea. A Lei do Ventre Livre foi um avanço, mas não foi a reforma necessária. A reforma necessária foi a Lei Áurea.

            A lei áurea das empregadas domésticas, a lei áurea de todos os trabalhadores, Senador Paim, será o trabalhador ter uma escola para o seu filho igual à escola do seu patrão. Essa é a reforma que falta. Esta é a mãe de todas as reformas: escola igual para todos. É imoral termos escolas desiguais. Eu não vejo nenhuma imoralidade em uma pessoa ter uma casa grande e outra ter uma casa pequena. Eu não vejo imoralidade em uma pessoa ir de carro para o trabalho e outra ir de ônibus para o trabalho. Eu não vejo imoralidade em uma pessoa comer num restaurante caro e outra comer num restaurante simples. Isso se chama desigualdade. Imoralidade é ter escola boa para uns e escola ruim para outros, hospital bom para uns e hospital ruim para outros, justiça boa para uns e justiça ruim para outros. Como vimos ontem, os mandantes do crime dos ambientalistas estão soltos, os executores vão ser presos, ou seja, duas justiças diferentes.

            Então nós precisamos, lembrando, 49 anos atrás, o Golpe de 1964, analisar o que foi feito, analisar o que falta fazer. E o que falta fazer, de fato, para mim, é garantir que a escola será igual para todos. Quando eu falo isso por aí, a maioria das pessoas acha que é uma grande bobagem, impossível, demagógico. Mas, gente, olhe ao redor no mundo. A maior parte dos países de nível médio e os ricos já têm isso. A desigualdade educacional pode existir, mas de uma maneira mínima, para aqueles que quiserem estudar numa escola particular por razões outras que não a necessidade de uma boa escola.

            Não faz muito, eu vi uma foto, num jornal, do Príncipe Herdeiro da Dinamarca indo, no seu primeiro dia, à escola pública - pública! À escola pública vai o Príncipe Herdeiro. Não é só na Dinamarca, é numa enorme quantidade de países do leste e do oeste, é na Coreia, é na Finlândia, em países até menores que nós temos essa realidade.

            Não há nenhuma justificativa moral para a escola desigual, como não havia justificativa moral para a escravidão, até porque se parecem. A escola ruim é uma forma de escravidão, porque a pessoa...

(Soa a campainha.)

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF) - ...será uma adulta condenada a uma ineficiência, uma falta de emprego, uma falta de renda.

            Então, nesta semana em que comemoramos... Desculpem-me, comemoramos não, lembramos - o vocabulário sempre é mais rico do que os oradores - os 49 anos do golpe militar, vamos olhar para os próximos anos, e eu espero que não 49, para que possamos fazer a verdadeira reforma de que o Brasil precisa, porque com ela as universidades vão ficar boas. Todo mundo quer melhorar a qualidade de educação. Não há universidade boa com educação de base ruim e não há universidade ruim com educação de base boa, porque, com educação de base boa, a universidade que seria ruim é fechada pelos alunos. Agora, no nosso caso, é o contrário. Puxa-se para baixo a qualidade para adaptar-se à má qualidade da educação de base.

            Eu vejo isso aqui, na Universidade de Brasília, onde dou aula. Somos obrigados a baixar o nível para poder garantir que alguns continuem estudando, porque se nós não baixarmos o nível, eles não são capazes de ficar na universidade. E não se esqueçam de que, no Brasil, cerca de 30% dos estudantes de engenharia abandonam o curso antes do final. Não é por falta de dinheiro, porque ou é público ou tem Prouni, é por falta de conhecimento de matemática básica para acompanhar as aulas de cálculo nas escolas de engenharia. Essa é a grande reforma.

            Eu vim aqui só para relembrar esses 49 anos. Eu vim aqui só para propor a necessidade da mãe de todas as reformas, aquela que conseguirá fazer com que a escola seja igualmente boa para todos, trazendo com isso a liberação do maior dos recursos hoje. Antes de 64, Senador Aloysio, o grande recurso era a terra, o grande capital era a terra. Hoje é o cérebro, hoje é a inteligência. Até mesmo para a agricultura, o principal fator - lembra o Senador Aloysio, fora do microfone - de produção hoje é a ciência e tecnologia, não é mais a terra. Já se consegue produzir em terra que era improdutiva, como aqui no Cerrado. A inteligência é a terra dos próximos anos, a reforma agrária dos próximos anos. Portanto é a reforma da educação, da educação igual. Até porque, como no Brasil poucos estudam, a maioria fica de fora, os poucos que estudam não precisam estudar muito porque não têm concorrência. Nós, da elite brasileira, escolhemos uma maneira de proteger nossos filhos de não terem que estudar muito, colocando de fora da escola os filhos dos pobres. Aí, nossos filhos disputam entre nós.

            Por que nossos filhos não conseguem estar na seleção brasileira de futebol? Porque a bola é redonda para todos. E, sendo redonda para todos a bola, pobres e ricos disputam com a mesma igualdade de oportunidade. E aí tem os talentos que se desenvolvem e os sem talento que ficam para trás, como nós aqui, que jogamos bola quando meninos.

            Mas, na educação, a gente subiu não só graças ao nosso talento, mas, sobretudo, graças à exclusão de muitos talentos. Nós nos beneficiamos da exclusão de talentos e disputamos nossos talentos entre nossos iguais, mas não entre todos os brasileiros. Essa é a grande reforma.

            Não vou falar porque já tomei muito tempo. Para mim, o caminho para isso é criar um sistema nacional de educação. Não dá para ter escola igual em qualquer cidade do Brasil, deixando nas mãos das pobres prefeituras.

            Eu fui analisar, um dia desses, descobri e não sabia, há uma cidade brasileira cuja receita anual per capita é de R$1,67. Um real e sessenta e sete centavos a receita do Município por pessoa, por ano! Como é que vai ter uma boa escola? Só a União assumindo a educação é que a gente vai poder fazer a educação igual e de qualidade para todos.

            Mas isso seria outro discurso mais uma vez repetitivo, como devo estar sendo, mas às vezes a gente tem que ser repetitivo, para tentar, senão quebrar algo que nos embaça a vista e não deixa ver, Senador Paim, como ninguém via que a escravidão era um problema.

            Até 1850, quando se proíbe o tráfico, ninguém via a escravidão como algo imoral, indecente. Era algo natural, até que um dia começou-se a descobrir que não era decente. E foi o primeiro passo. O primeiro passo para a reforma da educação é convencermos a mente brasileira de que é imoral escola desigual.

            As pessoas perguntam o que fazer para a escola ser igual. Pensando tecnicamente. E como fazer tecnicamente? E eu tenho a resposta, mas o problema principal não é técnico. Nem político é, é mental. O problema da educação desigual no Brasil é uma questão mental. Nós nos acostumamos com isso, como nos acostumamos com a escravidão.

            Na hora em que se quebrar a mentalidade de que escola pode ser desigual e surgir a mentalidade que a escola tem que ser igual, a gente resolve o problema político elegendo gente que defenda a educação. E, na hora em que resolvermos o problema político de termos gente que defenda a educação, o problema técnico é de uma simplicidade total. Aí, pode-se dizer: e os recursos?

            Os outros países têm recursos, o Brasil tem recursos. A revolução completa que a gente precisa fazer no Brasil, pelos meus cálculos, custa 6,4% do PIB, menos do que os 10% que estão propondo. Então, tem o recurso. Mas se não tiver, a gente tem uma solução: em vez de fazer em 20 anos, a gente faz em 25, em 30. Demora um pouquinho mais, mas faz.

            O grande problema é a mentalidade. A mentalidade de que é normal, natural, aceitável escola desigual conforme a renda da família ou conforme a cidade de moradia. Nosso desafio é quebrar a mente, como foi o desafio de Joaquim Nabuco e dos outros abolicionistas: quebrar a mente que aceitava a escravidão. Quebrando-se a mente, a gente quebra essa dificuldade política de trazer aqui para dentro o problema educacional. E, quebrando isso, a gente chama os técnicos e eles vão dizer como é que a gente faz.

            Era isso, Sr. Presidente.

(Soa a campainha.)

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF) - Mas eu faço questão de dar um aparte, se o senhor me der um tempinho, ao Senador.

            O Sr. Ruben Figueiró (Bloco/PSDB - MS) - Como é bom ouvi-lo, Senador Cristovam Buarque! Quando, ainda na minha terra, Campo Grande, eu acionava a TV Senado e ouvia os seus pronunciamentos, eu com eles me encantava, porque as ideias que V. Exª transmite em todos os seus pronunciamentos são ideias de um estadista, sem dúvida nenhuma. V. Exª referiu-se hoje à questão da reforma agrária, que, se tivesse sido implantada após o movimento, revolucionário ou não, de 1964, evidentemente que hoje nós estaríamos muito mais adiantados na questão. Eu me lembro mais ou menos de que o então Presidente Castelo Branco, através, se não me falha a memória, do seu então Ministro Roberto Campos, consignou no seu programa o início de um processo de reforma agrária, que infelizmente foi truncado pelos governos que o sucederam. Hoje o que existe neste País é aquilo que V. Exª está dizendo: uma situação anômala, em que os homens, os trabalhadores do campo vieram para a cidade, tornaram-na praticamente inabitável pelas consequências que isso redundou. Eu concordo perfeitamente com V. Exª de que deveria haver uma racionalização desse processo de reforma agrária. Eu tenho uma propriedade rural às margens de um assentamento do Incra. Não imagine V. Exª a situação em que se encontram aqueles assentados, que não têm a menor condição de viver...

(Soa a campainha.)

            O Sr. Ruben Figueiró (Bloco/PSDB - MS) - ...e não podem, absolutamente, procurar outros empregos para sustento da sua família. E o fazem de forma irregular. E nós somos obrigados, inclusive, às vezes, a acolhê-los, porque vemos as necessidades por que eles passam e as da sua família. O processo de reforma agrária, no meu modo de entender - e não vou me alongar sobre isso -, está absolutamente inadequado. Parece-me, agora, que a administração da Presidente Dilma está procurando dar outro sentido: primeiro, dar condições para que o assentado tenha condições de sobrevida. Se isso se realizar, é um caminho absolutamente certo. Mas o que eu gostaria de acentuar é a questão da educação, de que V. Exª trata. E quero recordar-me também de que, quando fui Deputado Federal e constituinte, eu ouvia sempre o então Senador João Calmon, que também era um grande pregador pela educação em nosso País. Agora, V. Exª dá uma dimensão muito maior. Essa ideia que V. Exª agasalha e proclama em todos os discursos que pronuncia, com relação à federalização da educação é extremamente necessária. Os Estados federados não têm, absolutamente, condições de dar vida condigna ao professor. O Estado não tem condições, absolutamente, de exigir deles o cumprimento de uma obrigação tão nobre. Creio, sinceramente, como acontece com as escolas federais, o Colégio Militar e as escolas técnicas...

(Soa a campainha.)

            O Sr. Ruben Figueiró (Bloco/PSDB - MS) - que elas constituem, sem dúvida alguma, um exemplo para que nós possamos conseguir, finalmente, ouvir a sua voz de federalização do ensino em nosso País. Eu me permito, excelência, cumprimentá-lo, de todo o coração, pela ideia que o senhor defende com tanta maestria em favor da educação no nosso País. Minhas sinceras homenagens.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF) - Senador Figueiró, agradeço muito e quero dizer que, se o senhor ouviu essas falas lá no seu Mato Grosso do Sul, aqui nós sabemos de sua história de vida, de sua militância política tão antiga e que o faz aqui ser um representante perfeito da Senadora Marisa, que nos deixou saudades, mas que não deixou um vazio aqui dentro, porque o senhor o preencheu perfeitamente.

            Quero concluir, Senador. O senhor traz a ideia da reforma agrária, e eu quero insistir: nós demoramos tanto a fazê-la que hoje ela ficou desnecessária, salvo como um problema social. A gente tem que analisar o problema social dos sem terra, e nem sei se a solução vai ser terra; pode ser que a solução seja outra. Mas eu temo que a gente demore tanto a fazer a reforma educacional, Senador Aloysio, que ela fique desnecessária. Porque, quem sabe, daqui a 50 anos, em vez de escola, a gente entre no hospital e coloque um chip aqui, e aí a gente saia sabendo geografia, saia sabendo inglês.

            Quem sabe isso não vai acontecer?

            Mas o que vai acontecer? Se não fizermos a reforma educacional agora, garantindo escola igual para todos, quando chegar esse outro tempo tecnológico, só vai ter o chip quem puder pagar, como hoje só tem a educação quem pode pagar a escola. No futuro, talvez, quem pode pagar o hospital e comprar o chip que, colocado na cabeça, casa a mente com a informática e permite que as pessoas sejam “educadas”, eu diria instruídas, eu diria melhor, programadas, em vez de educadas. Não vou discutir se isso será bom ou ruim, mas lamentarei se isso for, como é hoje, conseguido para quem pode pagar. Hoje, é quem pode pagar a escola; quem sabe, no futuro, será quem pode comprar o chip. De qualquer maneira, é uma sociedade que não desejamos.

            Era isso, Presidente, que eu tinha para falar.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 06/04/2013 - Página 16047