Pela Liderança durante a 41ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Lembrança pelo transcurso dos 49 anos do início do regime militar; e outro assunto.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Pela Liderança
Resumo por assunto
SISTEMA DE GOVERNO.:
  • Lembrança pelo transcurso dos 49 anos do início do regime militar; e outro assunto.
Aparteantes
Aloysio Nunes Ferreira.
Publicação
Publicação no DSF de 04/04/2013 - Página 14726
Assunto
Outros > SISTEMA DE GOVERNO.
Indexação
  • COMENTARIO, HISTORIA, GESTÃO, REGIME MILITAR, PAIS, IMPORTANCIA, REFORMA AGRARIA, NECESSIDADE, GOVERNO FEDERAL, INICIO, REFORMULAÇÃO, EDUCAÇÃO, BRASIL.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF. Pela Liderança. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Paim, Srªs Senadoras, Srs. Senadores, em primeiro lugar, quero aproveitar para dizer que, por uma coincidência, nós temos aqui a visita da Ministra das Relações Exteriores da República da Geórgia, a quem desejo boas-vindas.

            O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco/PT - RS) - Que a sua saudação seja da Presidência do Senado e de todos os Senadores e Senadoras. Sejam bem-vindos!

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF) - Senador, eu quero aqui lembrar que, dois dias atrás, nós completamos 49 anos do início do longo regime militar que controlou o Brasil. É preciso lembrar aquela data de 1º de abril de 1964, mas eu quero não ficar na nostalgia.

            Eu quero lembrar que aquele movimento ocorreu, com todas as tragédias que trouxe, por três fatores que coincidiram naquele momento histórico: primeiro, durante aquela guerra fria que atravessávamos, o medo do império norte-americano de que o Brasil mudasse de lado na cortina de ferro e saísse do lado ocidental. Ou seja, houve uma influência externa fortíssima, Senador Aloysio, para impedir o risco de o Brasil ir para o lado socialista. O segundo fato é que os militares estavam desconfiados de que o Brasil poderia caminhar para um regime autoritário; e, para impedir um regime autoritário, terminaram eles criando um regime autoritário. E, terceiro - e é esse a que eu quero me dedicar -, o medo das elites brasileiras de que pudéssemos fazer as reformas de base que o Brasil precisava. Essa foi a principal causa, Senador Requião. Foi o medo da reforma de base.

            Entre essas reformas, não há dúvida de que a principal, naquela época, era a reforma agrária, que tinha por objetivo liberar os recursos então existentes para que fossem aproveitados, Senador Simon. Liberar a terra sem homens para que ela produzisse e liberar os homens sem terra para que eles produzissem também. A nossa terra era aprisionada, e os nossos homens eram aprisionados. A reforma agrária liberaria isso. Teria mudado o Brasil se, naquela época, 50 anos atrás, tivéssemos feito a reforma agrária, ou mesmo a reforma bancária, para liberar os recursos financeiros da especulação que então se tinha para investimentos produtivos no Brasil. Cada uma das reformas de base visavam, sobretudo, dar um salto para que o Brasil liberasse seus recursos, passasse a produzir, olhando para dentro.

            O Brasil seria mais rico e mais justo se aquelas reformas tivessem sido feitas. Não vou discutir o risco ou não de um regime autoritário aqui pela esquerda.

            Sem isso, se mantivéssemos a democracia, o Brasil seria muito mais rico. Nossas cidades não seriam verdadeiras “monstrópoles”, as metrópoles monstruosas que são hoje, porque não teria havido a migração. Nossa economia não seria dependente de bens de alto valor, como o automóvel, porque teria sido criada uma demanda de base de produtos simples.

            Mas o Brasil escolheu outro caminho. O Brasil, pela força dos militares, pela influência fundamental dos Estados Unidos e da elite brasileira, com medo de perder os recursos que controlavam, caminhou por não fazer a reforma de base.

            Cinquenta anos depois, quando a gente olha, vê que o Brasil continua avançando mesmo sem as reformas. Somos a sexta potência econômica do mundo, mas, ao não fazer as reformas, temos algumas das piores cidades do mundo, pela migração forçada do campo, pela incapacidade de gerar emprego; temos uma economia que é uma das maiores do mundo, mas dependente da vontade de os chineses comprarem ou não as nossas commodities, dependendo ou não da capacidade de aumentar as vias urbanas para comprarmos automóveis que representam 25% da produção industrial brasileira.

            Pois bem, hoje é hora de pensar quais reformas o Brasil continua pensando. E não tenho dúvida, Senador Aloysio: uma reforma seria fundamental, na mesma lógica daquela, 50 anos atrás, que é a reforma da educação. Naquela época, o principal recurso produtivo era a terra e as mãos dos trabalhadores rurais; hoje o principal recurso econômico é a inteligência do povo brasileiro. Naquela época, a gente queria liberar a terra; hoje a gente precisa liberar os cérebros. E eles estão prisioneiros. Eles estão prisioneiros da falta de escola. Eles estão prisioneiros, na incapacidade de liberar o poder intelectual latente em cada brasileiro e brasileira, desde o momento em que nascem até o fim da sua vida.

            Hoje, a grande reforma seria uma educação de base de qualidade - muito alta em qualidade e muito igual para todos -; seria fazer com que cada brasileiro, ao nascer, soubesse, mesmo sem pensar ainda, que vai ter o mesmo recurso para a sua educação ao longo da sua vida, que não haverá alguns com mais recursos do que outros para a educação; da mesma maneira, 50 anos atrás, a gente queria que todos tivessem a sua terra para produzir. Hoje nós queremos que cada um tenha o seu potencial intelectual, a sua mente desenvolvida, a sua capacidade de um ofício para poder, primeiro, produzir mais para o Brasil na economia do conhecimento e, segundo, ter uma sociedade mais justa pela possibilidade da igualdade. Não à igualdade plena, mas à igualdade diferenciada nos limites pequenos de uma sociedade onde todos são educados. E uma desigualdade que não seria hereditária, seria uma desigualdade resultado do talento, resultado da persistência no trabalho, que faria com que uns fossem mais do que outros, mas não porque herdaram e, sim, porque conquistaram.

            Quero dizer, Senador, que não poderia deixar passar esse dia em branco, sem lembrar 49 anos atrás. Ao mesmo tempo, não queria deixar em branco a reflexão sobre os próximos 49 anos.

            Para mim, isso que eu digo, Senador Aloysio, antes de lhe conceder um aparte, o que muito me orgulha, não será possível conseguir, essa liberação, essa reforma total, se as escolas continuarem dependendo dos poucos recursos dos Municípios e dos Estados. Se a escola de um Estado rico for melhor do que a escola de um Estado pobre, se a escola de um Estado onde o governador deseja fica melhor do que a de um governador que não deseja.

            Eu não sei qual é o nome certo, mas chamo de federalização da educação brasileira o caminho da reforma na base, que é a reforma da educação de base. Digo isso, lembrando 49 anos atrás e lembrando os próximos anos na frente.

            Senador Paim, peço permissão para conceder um aparte ao Senador Aloysio Nunes.

            O Sr. Aloysio Nunes Ferreira (Bloco/PSDB - SP) - Muito oportuno o pronunciamento de V. Exª. Se V. Exª me permitir e o Presidente for tolerante, gostaria de, em primeiro lugar, registrar, neste momento em que V. Exª lembra esse ponto de virada importante da nossa história, da sua história, da minha história, da história de nosso País, a figura do Presidente João Goulart. João Goulart era acusado, pela direita, de ser excessivamente radical e, pela esquerda, de ser excessivamente conciliador. Portanto, era um homem equilibrado, um homem que dirigiu e criou o primeiro grande partido de massas, popular, no Brasil, que foi o PTB, naquela época. Eu me lembro do comício do dia 13 de março de 1964. Eu estava lá no Rio de Janeiro. Fui com uma delegação de estudantes de São Paulo, com uma faixa que, depois, foi transformada por minha mãe em um pano de prato. A faixa dizia o seguinte: os estudantes comunistas exigem a legalidade do PCB. E ali, naquele comício, foi exposta a plataforma das reformas de base. E eu, me lembrando daquele elenco de reformas propostas, me dou conta de que muitas dessas reformas foram efetuadas inclusive durante o regime da ditadura civil e militar - não foi apenas militar.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF) - É verdade.

            O Sr. Aloysio Nunes Ferreira (Bloco/PSDB - SP) - Refiro-me à reforma agrária mediante desapropriação para utilidade pública e pagamento com títulos da dívida agrária; ao Estatuto da Terra, com a possibilidade de sindicalização do trabalhador rural; à reforma universitária, com o fim da cátedra vitalícia; à lei de limitação de remessa de lucros para o exterior; à reforma urbana, sob a forma da chamada Lei Lehmann. Tudo isso foi feito depois de derrubado João Goulart. O que quer dizer isso? Quer dizer que não era o conteúdo das reformas que assustava as elites conservadoras do Brasil, mas, sobretudo, o caminhar autônomo do povo brasileiro, de camadas do povo brasileiro que viviam sob o tacão do coronelismo, afastadas da política pela ignorância, pela repressão e, que, de repente, adquirem um protagonismo político. Foi isso, sobretudo, que assustou e que levou à derrubada de João Goulart. Algumas outras reformas foram efetuadas durante a Constituinte: o voto do analfabeto, a elegibilidade total e irrestrita dos militares, inclusive dos sargentos. Tudo isso foi consequência da Constituinte e foi adotado sem maiores polêmicas. O que se temia, na verdade, era a emergência do povo brasileiro como ator político. E eu espero que essa emergência contribua para que se alcance essa reforma que V. Exª delineia no horizonte como uma reforma absolutamente fundamental para que o Brasil possa ser a nação justa com que todos nós sonhamos, que é a reforma na educação brasileira. Obrigado.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF) - Agradeço, Senador Aloysio, e digo que, realmente, o grande medo era a ascensão e o poder das massas brasileiras. E esse poder, eu acho que hoje não virá da organização dos partidos, que não estão com competência para mobilizar as massas: virá de uma educação igual para todos. O latifúndio hoje é o controle da educação a serviço de uma minoria que gasta R$250 mil pela educação de uma criança ao longo de seu período escolar, o que é excessivo quando comparado com algo em torno de R$2 mil, que é o que gasta uma criança pobre por ano, ficando apenas seis anos na escola - os outros ficam 22.

            Essa desigualdade, hoje, é o latifúndio do século XXI. O controle da educação para poucos é o latifúndio pouco produtivo que impede a ascensão das massas, como dizia o Senador Aloysio, a construção de uma economia dinâmica e de uma sociedade justa.

            Era isso, Sr. Presidente, que eu tinha para falar.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/04/2013 - Página 14726