Discurso durante a 46ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Apelo às trabalhadoras domésticas para que lutem pela educação dos seus filhos.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
EDUCAÇÃO.:
  • Apelo às trabalhadoras domésticas para que lutem pela educação dos seus filhos.
Aparteantes
João Capiberibe, Vanessa Grazziotin.
Publicação
Publicação no DSF de 10/04/2013 - Página 16578
Assunto
Outros > EDUCAÇÃO.
Indexação
  • SOLICITAÇÃO, EMPREGADO DOMESTICO, LUTA, OBJETIVO, MELHORIA, EDUCAÇÃO, FILHO, EXIGENCIA, IGUALDADE, ENSINO, ESCOLA PUBLICA, RELAÇÃO, ESCOLA PARTICULAR.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Capiberibe, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, aqueles que me escutam aqui, há quase dez anos como Senador, devem ter percebido que, raramente, eu falo dirigido a qualquer grupo social, Senador Diniz. Eu, em geral, falo sobre o problema do Brasil. Até mesmo no Distrito Federal, que eu represento, as pessoas reclamam que eu não falo muito sobre o Distrito Federal, só falo sobre o Brasil.

            Hoje, eu vou falar, corporativamente, para um pequeno grupo. Aliás, não pequeno, mas um grupo grande de pessoas, neste País, que são as trabalhadoras domésticas. Mas eu não vim comemorar a vitória dos direitos trabalhistas, que já comemoramos muito. Um dos orgulhos que eu tive aqui foi votar a PEC das Domésticas. Mas eu vim dizer para elas que não podem se contentar apenas com esses direitos; elas devem lutar por aquilo que, de fato, vai resolver o problema da família de cada uma delas: a educação dos filhos.

            Quando eu, como professor, votei aqui pela PEC das Domésticas, lembrei - e estou falando para elas, estou falando para as empregadas domésticas que possam estar assistindo a isso ou que venham a assistir na próxima vez - que a abolição da escravatura passou por algumas etapas. Primeiro, proibiram que viessem novos escravos. Depois, fizeram uma lei dizendo os filhos dos escravos e das escravas não seriam mais escravos. Uma lei que recebeu o nome de Lei do Ventre Livre. Nome até muito poético. O ventre da escrava era livre, não era escravo. Só quase 20 anos depois, é que foi feita a Lei da Abolição.

            Senadora Vanessa, Senador Capiberibe, quando eu votei aqui pela PEC, tive a sensação de estar votando pelo contrário do ventre livre. As domésticas passam a ter os direitos, mas seus filhos não. Porque os filhos das famílias para que elas trabalham, cuidados pelas domésticas, vão para escolas boas, mas os filhos das empregadas vão para escolas ruins. Eu diria até para não-escolas, porque escola só devia ser se fosse boa.

            Nós temos que comemorar, sim, cada passo que damos para melhorar as condições de vida de qualquer trabalhador, mas não podemos mentir, enganar, dizendo que estamos fazendo tudo que é preciso.

            A verdadeira PEC das Domésticas seria os filhos delas estudando nas mesmas escolas dos filhos dos seus patrões. Ou pelo menos em escolas diferentes, mas com a mesma qualidade, Senador Capiberibe.

            Eu falo para as nossas trabalhadoras domésticas, que a partir de agora têm os seus direitos trabalhistas assegurados, graças a um bom trabalho feito aqui no Congresso Nacional, que não parem de lutar pelas escolas de qualidade dos seus filhos. Não se contentem com os direitos trabalhistas de vocês! Exijam o direito maior de todos, que é o direito dos seus filhos a uma boa escola.

            Vocês podem perguntar: como é que a gente luta por isso? De uma maneira muito simples: daqui a um ano, vocês vão votar - o direito ao voto já vem até de antes desta PEC das Domésticas, já vem de antes dos direitos trabalhistas para os trabalhadores e trabalhadoras domésticos -, e o direito ao voto vocês já têm há muito tempo. Basta vocês escolherem Deputados Estaduais, Deputados Federais, Governadores, Presidente, que vocês sintam, pelo que ouvem, pelo que olham nos olhos desses candidatos e candidatas, que vão dar importância à educação dos filhos de vocês, e não só à educação dos filhos dos patrões de vocês. Procurem votar pensando nos seus filhos. Até porque os direitos trabalhistas vocês já têm. Agora chegou a hora de vocês lutarem pelos direitos dos filhos de vocês. E não se esqueçam que esse direito é uma escola de qualidade igual no Brasil inteiro.

            A gente não vai acabar com a desigualdade, mas tem de acabar com a imoralidade. A desigualdade que a gente não vai acabar é a de gente que tem roupa bonita e de gente que tem roupa feia; de gente que tem um carro e de gente que anda de ônibus. Isso é desigualdade. Mas, quando a escola não é com a mesma qualidade, não é desigualdade, Senadores e Senadoras; quando a escola não é igual, é imoralidade. E o Brasil é um país com a imoralidade da escola desigual, conforme a renda do pai da criança. Temos de romper com essa imoralidade! É uma imoralidade quase do mesmo nível daquela que existia na escravidão, ou daquela que existia quando as trabalhadoras domésticas não tinham direitos trabalhistas. Era uma imoralidade. Resolvemos a imoralidade. Chegou a hora de resolver outra imoralidade. Isso depende de vocês. Depende da luta de vocês. Vocês podem votar. Procurem votar certo. Procurem colocar, na hora de votar, como objetivo central saber quem vai melhorar a escola dos filhos de vocês.

            Outro item que vocês podem fazer é ir às escolas dos filhos de vocês. As escolas onde os filhos de vocês estudam são públicas, pagas por vocês, pelos impostos que vocês pagam, que eu pago, que qualquer um paga. Vocês têm o direito e a obrigação...

            O SR. PRESIDENTE (Anibal Diniz. Bloco/PT - AC) - Senador Cristovam, desculpe-me interrompê-lo. É só para dar a V. Exª a oportunidade de cumprimentar os alunos e professores do Colégio Marista de Taguatinga, no Distrito Federal.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF) - Obrigado por estarem nos visitando. Eu conheço muito bem o colégio de vocês e peço que levem um abraço para um que ali mora e que foi meu professor muitos anos atrás, o Irmão Afonso.

            Quem conhece o Irmão Afonso?

            A Srª Vanessa Grazziotin (Bloco/PCdoB - AM) - (Fora do microfone.)

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF) - É. Até porque, se não o conhecem, sabem que ali todas as árvores foram plantadas por ele, nos seus 92 ou 93 anos.

            Mas eu quero então que vocês também participem dessa luta. Essa luta de fazer com que o Brasil acabe com a imoralidade de existirem escolas boas e escolas ruins. E que as mães compareçam às escolas onde estão os seus filhos, exijam a maior qualidade possível, apoiem os professores quando não tiverem as condições necessárias. Mas cobrem dos professores, porque eles têm a obrigação de trabalhar, porque recebem um salário. Ajudem, sobretudo, a vencer uma mentalidade que está na cabeça de vocês, que está na cabeça de todo mundo, qual seja, a de que alguns nasceram para ter uma escola boa e outros nasceram para ter uma escola ruim, conforme a renda do pai. Esta é uma mentalidade que nós temos que quebrar.

            Eu lembro a vocês que durante 300 anos, neste País, houve uma mentalidade que aceitava a escravidão. A escravidão não foi imposta; a escravidão era aceita. Era aceita pela Igreja; era aceita pelas faculdades, pelos intelectuais. Aqui e ali vinha um poeta, como Castro Alves, que ficava contra. Mas, em geral, a maioria da intelectualidade, neste País, ficou a favor ou tolerando a escravidão.

            Os próprios escravos eram tão submissos, depois de uma, duas, três gerações - e foram 15 gerações de escravos no Brasil -, passando tanto isso de pai para filho, Senador Diniz, que eles terminavam aceitando a escravidão, salvo um ou outro que fugiam, correndo riscos, e criavam um quilombo, como foi o Quilombo de Palmares, liderado por Zumbi e o Ganga Zumba.

            Pois bem; nós temos uma mentalidade hoje parecida com aquela da época da escravidão: a mentalidade de aceitar escola desigual. Não pode existir escola desigual!

            Por isso, vocês, que estão comemorando a conquista que tiveram de uma lei que lhes assegura os mesmos direitos trabalhistas dos outros trabalhadores, não se contentem e comecem a lutar para que as escolas onde estudam os seus filhos tenham a mesma qualidade, ainda que não seja a mesma, que a escola onde estudam os patrões de vocês. Isso é possível!

            Ninguém acreditava, Senador Capiberibe - e já lhe darei a palavra -, que um dia acabaria a escravidão. Era impossível acreditar que existiria um Brasil sem escravidão, e aconteceu. Muitos não acreditam que é possível haver um país, um Brasil, onde as escolas sejam todas boas e de qualidade, mas já é assim na maioria dos países que têm um mínimo de renda como o Brasil. Já é assim! Nós estamos ficando para trás, como ficamos na escravidão. O Brasil foi o último país a abolir a escravidão no mundo inteiro do lá de cá, no Ocidente. Último!

            A gente vai ser o último a ter escola de qualidade para todos? Não podemos. E isso depende não só dos que estão aqui, mas depende de vocês que nos escolhem para vir para cá. Escolham bem, visitem as escolas de seus filhos, peçam, quando for preciso, a seus patrões que deem apoio para que eles estudem bem, mas não se conformem apenas com a lei que deu direitos trabalhistas para vocês. Exijam os direitos trabalhistas que os filhos de vocês precisam ter, e um desses direitos se chama escola de qualidade.

            Senador, era o que eu tinha isso para falar, mas eu não posso, obviamente, deixar de ter o aparte do Senador Capiberibe. Por isso, eu lhe peço uma extensão.

            O Sr. João Capiberibe (Bloco/PSB - AP) - Senador Cristovam, eu tenho grande admiração e respeito pela luta de V. Exª em torno da educação, essa luta para tornar a educação no Brasil não apenas universal, mas que seja universal e de qualidade.

(Soa a campainha.)

            O Sr. João Capiberibe (Bloco/PSB - AP) - E que, certamente, fará de nosso País o país dos nossos sonhos, dos nossos desejos. É verdade que a sociedade brasileira é extremamente conservadora; foi a última a libertar os escravos e só os libertou porque os ingleses fecharam o mar e passaram a atacar os navios negreiros. A pressão inglesa, naquele momento - e o domínio era inglês ainda no século XIX -, fez com que, então, o Império agilizasse a libertação dos escravos. Mas eu vi que a sociedade brasileira, conservadora, foi a última nessa luta pela libertação dos escravos, depois dos Estados Unidos, que estão entre os primeiros países a libertar os escravos. E a luta deles também foi algo surpreendente. Eu assisti ao filme Lincoln e recomendo...

(Soa a campainha.)

            O Sr. João Capiberibe (Bloco/PSB - AP) - ... a quem está nos ouvindo, a quem está nos assistindo que assista ao filme. Nos Estados Unidos, para libertar os escravos, Lincoln teve que corromper a câmara de deputados; teve que fazer uma articulação enorme, porque havia a Guerra de Secessão, a guerra entre Norte e Sul, e ele decretou a libertação dos escravos, mas sabia que, depois da guerra, voltaria a escravidão. Então, ele apresentou a 13ª Emenda, mas, para aprová-la, ele teve que fazer aquilo que nós conhecemos aqui: distribuir cargos para os deputados da câmara americana. Mas isso não foi suficiente. Ele terminou comprando - um mensalão - para libertar os escravos americanos. Veja quanta resistência das elites para impedir os avanços da sociedade. No caso das empregadas domésticas, estamos no século XXI e só agora os empregados e empregadas domésticas ganharam o direito de registro como todos os trabalhadores. Eu gostaria de parabenizá-lo. Acho que esse é um segmento que merece um discurso de V. Exª. Esse discurso está sendo muito bem feito.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF) - Eu quero agradecer o aparte do meu amigo Capiberibe.

            Antes de passar a palavra à Senadora Vanessa, o que muito me satisfaz e orgulha, eu queria de dizer que há algumas diferenças entre o Lincoln e o que acontece hoje: primeiro, não foi o mensalão, porque foi uma vez que ele teve de atrair os votos dos parlamentares; e, segundo, havia uma causa. Ou seja, não era pelo poder, mas para que o poder pudesse ser exercido. E a causa, mais que nobre, era a abolição da escravatura em todo o país.

            Então, apesar da semelhança que vejo muita gente falando por aí, há essa diferença: nada sistemático; foram acordos; e havia uma grande, uma imensa causa.

            Senadora Vanessa.

            A Srª Vanessa Grazziotin (Bloco/PCdoB - AM) - Senador Cristovam, da mesma forma, quero cumprimentar o pronunciamento de V. Exª. Não vou entrar no mérito do filme. Assisti ao filme e gostei muito dele.

(Soa a campainha.)

            A Srª Vanessa Grazziotin (Bloco/PCdoB - AM) - Não vou entrar no mérito, porque faríamos um debate não de uma tarde, mas quem sabe de um dia e talvez fosse muito pouco para debatermos, inclusive se as causas justificam os meios, nobre Senador. Mas V. Exª, mais uma vez, vem falar de educação, e falar para quem mais precisa ouvir sobre a educação. Ao mesmo tempo em que comemora um importante avanço - e talvez esse seja um dos mais importantes... Nem a Constituição cidadã foi capaz de imprimir esse avanço. Só agora, 25 anos depois, é que o Congresso brasileiro reuniu as condições necessárias para aprovar essa extensão para os empregados e as empregadas domésticas em relação aos direitos dos demais trabalhadores. Mas V. Exª fala de educação e, mais uma vez, estou aqui falando com V. Exª: nós precisamos ampliar e fortalecer, a cada dia, a luta por investimentos, por fontes de financiamento para a educação pública brasileira, Senador. V. Exª me falava hoje, pela manhã - prestei muita atenção e concordo plenamente -, sobre a proposta de desonerar completamente os planos de saúde. V. Exª se mostrava contrário à matéria, assim como eu sou contrária a ela, porque temos o mesmo entendimento de que isso virá para enfraquecer o sistema público de saúde brasileiro. E na educação não é muito diferente: nós precisamos de fontes de financiamento. Então, o que se coloca em relação aos royalties, à riqueza do petróleo, é um caminho, uma luz que temos diante de nós. E precisamos travar grandes debates neste País, principalmente com os dirigentes públicos, Senador Cristovam, com os Prefeitos dos mais de 5,5 mil Municípios do Brasil, que, penso, ainda não compreenderam corretamente a importância dessa questão: a de priorizar a educação brasileira, para que possamos, juntos, construir um Brasil que tenha educação. Um país que tem educação é um país que tem saúde, cultura, desenvolvimento, tudo enfim. Então, cumprimento, mais uma vez, V. Exª pelo pronunciamento.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF) - Obrigado, Senadora Vanessa. Só tenho a agregar ao meu discurso a sua fala.

            De fato, conversamos, hoje, de manhã, sobre a proposta de permitir que a totalidade dos gastos com educação particular seja descontada do Imposto de Renda. E, depois da educação, virá a saúde. Isso é um absurdo!

            Quero dizer que comparto totalmente da sua esperança de que os recursos do pré-sal possam ser usados integralmente para a educação. Só acho que a gente não precisa esperar por isso. O Brasil não esperou pelo pré-sal, para fazer aeroporto, estrada, para montar indústria, para fazer Copa do Mundo, para fazer Olimpíada. Por que esperar o pré-sal para fazer a educação dos filhos dos nossos trabalhadores e trabalhadoras domésticas?

            Por isso, fiz questão de dizer, Senador Diniz, no começo, que este era um discurso, pela primeira vez na minha carreira, aqui, corporativo, dirigido a um público específico - não estou falando no geral: o público que teve uma grande vitória, na semana passada, ao adquirir direitos trabalhistas iguais aos das outras categorias.

            Eu peço a essa categoria, dos trabalhadores domésticos e das trabalhadoras domésticas, que não se contentem, que lutem agora, para que os seus filhos tenham direito a uma escola igual à dos filhos de seus patrões, para acabar com essa sensação que ficou de termos aprovado o contrário da Lei do Ventre Livre, que libertou os filhos e manteve os pais escravos: agora nós libertamos os escravos, mas mantemos os filhos escravizados por falta de escola.

            Era isso, Sr. Presidente que eu tinha a falar.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/04/2013 - Página 16578