Comunicação inadiável durante a 50ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Críticas à falta de investimentos em saúde pública e às prioridades de gastos do Governo do Distrito Federal.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Comunicação inadiável
Resumo por assunto
GOVERNO DO DISTRITO FEDERAL (GDF).:
  • Críticas à falta de investimentos em saúde pública e às prioridades de gastos do Governo do Distrito Federal.
Aparteantes
Alvaro Dias.
Publicação
Publicação no DSF de 16/04/2013 - Página 18739
Assunto
Outros > GOVERNO DO DISTRITO FEDERAL (GDF).
Indexação
  • CRITICA, EXCESSO, DESPESA, GOVERNO DO DISTRITO FEDERAL (GDF), OBRA PUBLICA, ESTADIO, REFERENCIA, NECESSIDADE, INVESTIMENTO, SETOR, SAUDE, REGIÃO, REGISTRO, FREQUENCIA, MORTE, RECEM NASCIDO, MOTIVO, INSUFICIENCIA, INFRAESTRUTURA, HOSPITAL REGIONAL, COMENTARIO, UTILIZAÇÃO, GOVERNO, DISTRITO FEDERAL (DF), RECURSOS, ORIGEM, GOVERNO FEDERAL, FALTA, APLICAÇÃO, EDUCAÇÃO, SEGURANÇA PUBLICA, ANALISE, POSSIBILIDADE, PREJUIZO, ECONOMIA NACIONAL, RESULTADO, SEDE, CAMPEONATO MUNDIAL, FUTEBOL.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF. Para uma comunicação inadiável. Sem revisão do orador.) - Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores, nesta semana, Senadora Ana Amélia, Senador Vital do Rêgo, o Correio Braziliense, certamente vai estampar uma manchete sobre a inauguração do Estádio Nacional Mané Garrincha.

            Mas será uma manchete que talvez não diga que é uma obra de R$1,5 bilhão! E com recursos do Governo do Distrito Federal, que recusou dinheiro do Governo Federal - talvez para não se submeter ao Tribunal de Contas.

            Pois bem, dentro de mais alguns dias, no dia 21 de abril, na inauguração, a manchete vai ser bem diferente dessa aqui.

            Veja, Senador Paim, a diferença entre a manchete da inauguração do melhor estádio do Brasil, como se diz, e esta manchete “Morte de Bebês Fecha Maternidade no Hospital Regional de Ceilândia”. Esta é a manchete de ontem, e a manchete de amanhã vai ser a inauguração do estádio.

            Essa é a realidade de um Governo que temos em que toda prioridade foi concentrada na realização de um estádio monumental em uma cidade que nunca conseguiu encher um estádio de 30 mil que tinha e outro de 40 mil, no Gama - um bilhão e meio, e os hospitais sendo fechados porque estão morrendo crianças recém-nascidas!

            E não é a primeira vez, Srs. Senadores e Srªs Senadoras. Se a gente for olhar a história recente, em 2010, onze bebês também morreram, em menos de dois meses, em hospital do Distrito Federal. Ou seja, antes do atual Governo. E o atual Governo foi eleito para corrigir isso, prometendo que, em seis meses, a saúde no Distrito Federal estaria em ordem, até porque o novo Governador é um médico e vestiria roupa de médico para cuidar da saúde. Disse na campanha, e eu fui avalista dele, de que ele seria o Secretário de Saúde. A situação é tão vergonhosamente ao contrário que nem o Secretário é quem vai à televisão falar sobre isso aqui, é um subsecretário.

            Em agosto de 2011, já no Governo atual, um bebê prematuro morreu onze dias após o nascimento, na cidade do Gama, por falta de vaga em UTI neonatal, apesar de haver uma determinação judicial de receber essa criança.

            Em maio de 2012, em um intervalo de menos de dez horas, dois bebês morreram no Hospital Regional da Asa Norte, em Brasília, enquanto aguardavam vaga em leitos na Unidade de Terapia Intensiva neonatal.

            Em 25/06/12, um bebê morre após parto por falta de UTI neonatal no Hospital de Santa Maria.

            No mesmo período, a falta de vagas na UTI Neonatal de um hospital de Brasília fez com que nove - nove! - bebês recém-nascidos em situação de risco, fossem abrigados em leitos improvisados em uma sala reservada para parto.

            E Brasília conta - do investimento de diversos governos antes do atual - com 44 leitos de neonatologia. Não é falta dos leitos, é falta de organização, de vontade, de querer fazer com que isso funcione.

            Em dezembro de 2012, após denunciar desvio de função de 21 técnicos de enfermagem, foram eles demitidos por justa causa no Hospital Anchieta. Segundo a denúncia, os técnicos atuavam no lugar dos médicos auxiliares. Os funcionários fizeram imagem de uma cirurgia delicada no crânio de um paciente, onde a médica recebe ajuda de dois técnicos sem a presença de um médico auxiliar.

            Isso numa cidade que já foi orgulho e exemplo para o Brasil inteiro, com um programa chamado Saúde em Casa, que entre 1995 e 1998, tinha 297 equipes de saúde da família, quase 300, atendendo, Senador, 1 milhão de pessoas, metade da população, toda a população pobre, praticamente, que não precisava andar mais de um quilômetro para receber atendimento médico e, quando era preciso, recebia o atendimento médico em casa. Isso foi desfeito. Foi desfeito não pelo atual Governo, pelo governo que me sucedeu. Mas o atual fez campanha - e eu repito, fui avalista, isso que me entristece profundamente - de que retornaria o programa Saúde em Casa.

            Com o programa Saúde em Casa, não haveria necessidade nem mesmo de tantas UTIs, não haveria necessidade nem mesmo de tanta gente indo para o hospital, porque o atendimento anterior, preventivo, evitaria tudo isso.

            Mas, Senador Vital do Rêgo, o que surpreende é que esse é um Governo que dispõe de tanto dinheiro dado pelo Governo Federal, que no ano passado devolveu - devolveu! - R$496.029.763,06. Desse dinheiro, para se ter uma ideia, do Salário-Educação devolveu 81 milhões; do Programa Nacional de Alimentação Escolar, 35 milhões; do Programa Nacional de Apoio ao Transporte, 11 milhões, do Programa Brasil Alfabetizado, criado no meu tempo de Ministro, 358 milhões.

            E o Governador atual se comprometeu, durante a campanha comigo, que no dia 21 de abril de 2014, nós colocaríamos uma placa na frente do Aeroporto de Brasília dizendo: “você está entrando num território livre do analfabetismo”. Isto não é fácil fazer, em três anos, na Paraíba, em Pernambuco, mas em Brasília era: reduzir de 4% para 1%, porque a gente considera, na Unesco, que em 2% já é considerado erradicado o analfabetismo, como fez o ex-Presidente Chávez na Venezuela.

            Pois bem, em vez de fazer isso, devolveu R$358 mil. Isso soma, na Secretaria de Educação, R$117.824.150,42 milhões. Para outros gastos que nem se discriminam, como quadras esportivas, ProInfância, plano de articulação, Brasil Profissionalizado para a construção, são R$15 milhões devolvidos; no Banco Mundial, R$2,467 milhões não foram usados, e mais R$270 mil. Isso soma R$42 milhões. O Fundeb devolveu R$35 milhões; o FPE devolveu R$4 milhões; o FPM devolveu R$4,8 milhões; e, aplicações financeiras, R$6 milhões. O total geral, como eu já disse, são R$496.029.763 milhões.

            Eu devo esses números a uma Deputada local, chamada Eliana Pedrosa, cuja equipe fez as pesquisas para chegar a isso.

            Esta é a realidade: na mesma semana em que se inaugura o mais caro estádio do mundo - vou repetir -, o mais caro estádio do mundo - daqui a quatro anos, não vai ser; o do Qatar vai custar mais, porque vai ter até ar-condicionado por causa do calor; mas hoje é o estádio mais caro -, crianças estão morrendo em hospitais e maternidades são fechadas pela incompetência de resolver o problema, mantendo as maternidades abertas.

            Ao mesmo tempo, os Srs. Senadores e as Srªs Senadoras passam pelo aeroporto, toda a semana, quando vão para as suas cidades e de lá voltam, e devem ter visto o que foi feito, do ponto de vista ecológico, num imenso jardim que havia quando se entra na cidade de Brasília.

            O Governo age em nome dessa mesma ideia, de imposição pela FIFA. E todos dizem que vou perder muito voto, porque não estou batendo palmas para a Copa, mas prefiro perder votos a perder princípios. Eu acho que estamos usando as energias erradamente.

            Este era o jardim que havia na frente, na entrada do aeroporto. (Apresentação de foto.)

            Este é como está hoje. (Apresentação de foto.)

            Eu fui lá ontem ver.

            Este é como estava ontem. (Apresentação de foto.)

            E agora já nem há mais essas árvores no chão. (Apresentação de foto.)

            Limparam tudo, tudo, tudo, tudo!

            Esse era um jardim de flores, de esculturas e de árvores. Não tem mais a escultura - é preciso saber até para onde foi, pois era uma escultura famosa -, não tem mais árvores, não tem mais flores. É preciso alargar o caminho, porque a FIFA exige. Essa foi a explicação que me deram.

            Liguei para a Secretaria de Meio Ambiente do Governo que disse que não tinha conhecimento de que isso seria feito. Liguei para reclamar e não pude reclamar, porque eles não tinham conhecimento. Aí o Governo emite uma nota dizendo que isso foi aprovado pelo Ibram, e a Secretaria diz que não tinha conhecimento e que ia multar o próprio Governo, do qual a Secretaria faz parte, pelo que foi feito. E, segundo a Secretaria me informou, o governador disse que multasse, sim, o Governo. É claro! Um governo que pode devolver R$500 milhões pode pagar uma multa a si próprio, o que mostra um descontrole, uma desorganização por conta de prioridades equivocadas.

            Isso que eu mostrei na área de saúde, que é manchete de jornal, também se vê em outras áreas. Isso se vê na área de educação; isso se vê na área de transporte, inclusive, que não consegue funcionar; isso se vê na área de segurança. A exemplo disso, na semana passada, aqui em frente, dentro da Praça dos Três Poderes, entre o Palácio do Planalto e o Supremo Tribunal Federal, uma pessoa foi baleada porque estava em um processo de violência, de roubo. Ou seja, bandidos tomando conta da Praça dos Três Poderes, em frente ao Supremo Tribunal Federal e ao Palácio do Planalto! Tiroteio na frente do palácio do Governo só em momentos de grandes tragédias e revoluções.

            No Brasil, nós nos acostumamos com isso. Nós nos acostumamos com os 100 mil mortos no trânsito e na violência; nós nos acostumamos com a situação de maternidade sendo fechada por causa de bactérias - Senador Mozarildo, o senhor é médico -, porque dizem que não havia luvas, não havia protocolo, como vocês, médicos, chamam. Morreram crianças - não uma, não duas, não três, não cinco; foram seis, em dois dias -, e fechou-se a maternidade, o que deixa as mães esperando neném em situação difícil, porque chegam lá e não são atendidas, já que a maternidade foi obrigada a fechar por descontrole, por irresponsabilidade, por descaso. Ao mesmo tempo, há um controle em caso, uma ênfase, uma competência, eu diria, na construção de um estádio, que, tudo indica, nunca mais vai ficar cheio depois da Copa, apesar de dizerem que será usado para outras atividades.

            Gostaria muito, daqui a cinco, seis anos, de vir aqui dizer que eu estava errado e que essa arena, como chamam, se transformou em um centro importante da vida cultural de Brasília. Eu não teria a menor dúvida de vir aqui e pedir desculpa porque previ erradamente.

            Mas, hoje, nada indica que isso vai acontecer. Basta olhar para a África do Sul, que fez uma Copa e passou os estádios para a iniciativa privada. As iniciativas privadas estão devolvendo, e o governo está planejando derrubar os estádios porque não consegue fazer funcionar e o custo de manutenção é alto. Melhor fazer como o Catar, que vai fazer um estádio desarmável para depois dar de presente aos países da África. Melhor já prever que seria provisório. Terminada a Copa, terminava a finalidade, e o custo não ficaria em R$1,5 bilhão. Mas não faria mal nenhum que custasse R$2 bilhões, R$3bilhões se nossas crianças não estivessem morrendo por falta de atendimento médico no período imediatamente posterior ao nascimento.

            Srª Presidente, eu gostaria de passar a palavra, para um aparte, ao Senador Álvaro Dias.

            O Sr. Alvaro Dias (Bloco/PSDB - PR) - Muito obrigado, Senador Cristovam Buarque. Quero cumprimentá-lo pelo pronunciamento. É fundamental que vozes se levantem contra esse escândalo do superfaturamento dos nossos estádios de futebol. V. Exª tem razão quando coloca essa inversão de prioridades. As atenções deveriam estar voltadas para outro cenário, o cenário de pobreza que há, do analfabetismo, da ausência de oportunidades. Ou seja, a seleção de prioridades está sendo mal escalada. Mas eu fico pontualmente restrito à questão do superfaturamento. É um escândalo. Isso é roubo, Senador; estão roubando dinheiro do povo brasileiro nesses estádios de futebol. Basta que se estabeleçam parâmetros de comparação. Eu vou até ao Estado da nossa Presidente Ana Amélia, para citar o estádio do Grêmio, a Arena do Grêmio. Se nós compararmos os preços das obras da Arena do Grêmio com os de Brasília, verificaremos uma descomunal diferença de valores. Se compararmos também com a arena do Palmeiras, teremos descomunal diferença de valores. E por que isso ocorre? Porque, em Porto Alegre e em São Paulo, na Arena do Palmeiras e na Arena do Grêmio, os recursos são privados. São recursos dos clubes. Aqui em Brasília, são recursos públicos, do imposto pago pelo povo brasileiro. Portanto, V. Exa tem razão. É oportuno o seu pronunciamento. E pode ter certeza: V. Exa não perde um voto com essa posição; ao contrário. V. Exa não está preocupado com votos neste momento, está preocupado em cumprir o seu dever. Mas, se estivesse preocupado, deveria fazer também o mesmo discurso, porque esse discurso não tira votos. O povo não é ignorante. O povo tem sabedoria para verificar o que está acontecendo. Parabéns a V. Exa!

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF) - Obrigado, Senador Alvaro Dias.

            É dinheiro de imposto e, no caso do Distrito Federal, é dinheiro de algo que a gente pode dizer que é até mais sagrado do que imposto. Quando o Distrito Federal foi criado, o Presidente Juscelino doou a terra aqui desapropriada para o Governo do Distrito Federal. Criou-se uma empresa chamada Terracap para usar esse terreno a fim de financiar tudo de que a cidade precisava, ou seja, é como se a Terracap estivesse sentada em cima do nosso pré-sal - o pré-sal é o terreno. Estão vendendo o terreno que pertence não só às gerações de hoje, que pagam impostos, mas às gerações futuras, que vão precisar desse capital para outros projetos mais importantes. Ou seja, estão roubando dinheiro dos nossos contribuintes e estão roubando dinheiro dos futuros contribuintes que ainda nem nasceram e que têm direito a contar com esse patrimônio à disposição deles.

            É isso, Sra Presidenta, que eu tinha para colocar, manifestando o meu descontentamento, o meu repúdio, e lembrando uma expressão que o Senador Alvaro Dias falou: a expressão “inversão das prioridades” eu aprendi no Partido dos Trabalhadores, e o Senador Paim sabe disso. Era inversão nas prioridades de obras desnecessárias e faraônicas para educação e saúde. Nós estamos vendo uma inversão daquela inversão com que nós sonhávamos. Tira-se dinheiro das atividades mais importantes que a gente tem, salvar nossas crianças, para a construção de um estádio, para obras suntuosas, para obras desnecessárias.

(Soa a campainha.)

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF) - Eu concluo aqui dizendo que esse jardim, como essas crianças, já não tem mais jeito. As crianças já morreram; o jardim já foi destruído; as árvores foram derrubadas, mas ainda há um futuro a ser zelado. E esse futuro exige que nós todos de Brasília nos movimentemos para que não continue o desperdício não só com essa inversão das prioridades, mas também, o que é mais grave, Senador Alvaro, com a inversão de valores morais. É uma inversão de valores morais o que nós estamos sofrendo aqui.

            Era isso, Srª Presidenta, o que eu tinha para falar.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 16/04/2013 - Página 18739