Discurso durante a 52ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Inconformismo com o modelo de políticas públicas voltadas à educação infantil.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • Inconformismo com o modelo de políticas públicas voltadas à educação infantil.
Aparteantes
Acir Gurgacz, Alvaro Dias, Casildo Maldaner.
Publicação
Publicação no DSF de 18/04/2013 - Página 19516
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • CENSURA, MODELO, POLITICAS PUBLICAS, BENEFICIO, EDUCAÇÃO, CRIANÇA, PAIS, CRITICA, CONGRESSISTA, CAMARA DOS DEPUTADOS, VOTAÇÃO, OPOSIÇÃO, PROJETO DE LEI, REFERENCIA, RESPONSABILIDADE, PAES, RECEBIMENTO, BOLSA FAMILIA.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Senadora Ana Amélia, Srªs e Srs. Senadores, fico satisfeito que V. Exª, Senadora Ana Amélia, esteja presidindo esta sessão pela sensibilidade que tem para alguns assuntos que nem sempre sensibilizam cada um de nós e a opinião pública.

            A opinião pública e nós, Senadores, finalmente descobrimos, tivemos a sensibilidade para enfrentar o assunto da corrupção, ainda de uma maneira muito tímida, mas, pelo menos, descobrimos que esse assunto tem de ser tratado com severidade.

            A Justiça, ainda mais do que nós, tomou a iniciativa de enfrentar o problema da corrupção visível, de dinheiro público que vai para os bolsos de agentes públicos, políticos ou funcionários.

            Mas, Senadora Ana Amélia, o que não se tem percebido é uma corrupção ainda mais dramática do que a corrupção que rouba dinheiro. É uma corrupção que rouba o futuro, que se apropria, que destrói e que corrompe o futuro. É o abandono das nossas crianças, a corrupção do abandono da educação de nossas crianças.

            Não dar o atendimento educacional correto a uma criança é roubar o futuro dela, da mesma maneira que não lhe dar saúde. São esses os dois pontos. O resto a gente pode dizer que é injusto, mas não é corrupto.

            Contudo, não oferecer a uma criança, ao nascer, o atendimento à saúde que ela precisa é uma corrupção em relação ao futuro dela.

            E não oferecer os serviços educacionais de que ela precisa para o seu segundo nascimento, que é o nascimento pela educação, é uma corrupção.

            Há três maneiras, Senadora Ana Amélia, Srªs e Srs. Senadores, de vermos essa corrupção.

            Há uma corrupção por conivência nossa aqui. Nós não temos a caneta para assinar para aonde vai o dinheiro; nós não temos o poder de definir o que fazer. Ao contrário até. Cada vez temos menos poder para decidir as ações de um Governo em benefício de setores, inclusive daqueles setores que corrompem, roubam o futuro das crianças.

            A outra corrupção é a corrupção por omissão, a corrupção feita por governos que, no lugar de realizar aquilo que é preciso fazer para que as crianças tenham seu futuro, não apenas são coniventes, se omitem e deixam que o futuro evapore, porque as crianças não entraram na escola na data certa, ou porque entraram numa coisa chamada escola, mas que, de fato, não é escola. Isso é corrupção, Senador Casildo! É corrupção! É roubo do futuro!

            Mas há outra, que quero deixar claro aqui e que foi cometida hoje, Senador Alvaro. É uma corrupção por ação. Corrupção, roubando o futuro por ação. Aconteceu, na Câmara dos Deputados. Hoje, a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados teve a chance, Senador Alvaro, de votar um projeto que passou por aqui. Passou por diversas comissões na Câmara e, na última comissão, a de Constituição e Justiça, um projeto de lei que dizia que, para receber o Bolsa Família, os pais ou os responsáveis pela criança devem ir à escola pelo menos uma vez por ano, a Câmara votou contra, por pressão do Governo. Mas com voto, inclusive, de pessoas que se consideram da oposição e pessoas que dizem defender os direitos humanos - e que, em algum momento, eu vou citar os nomes aqui, não hoje. Votou contra, por pressão, especialmente da Ministra da ação Social, a Srª Campello.

            Eu considero isso, Senador Alvaro, uma corrupção. Tomar ação para que os pais não sejam levados a comparecer à escola dos filhos, isso é uma corrupção, é um roubo do futuro das crianças.

            Porque educação é escola e família. Nós temos que fazer com essas famílias se envolvam, e essas famílias recebem um salário, por pequenininho que seja, porque, por mim, seria um salário maior - e eu pagava, quando fui Governador e criei o Bolsa Escola, um salário mínimo inteiro, um salário mínimo inteiro - é pequenininho, mas essas famílias têm que olhar que os filhos existem. Não podem usar os filhos apenas como a isca para receberem a bolsa. Têm que usar o filho como caminho para que as crianças fiquem independentes.

            Amanhã, Senadora, por coincidência, fará 18 anos que, eu, pessoalmente, entreguei a primeira bolsa escola da história, aqui na cidade do Paranoá, no Distrito Federal - 18 anos. Depois disso, o Presidente Fernando Henrique levou para o Brasil com 4 milhões; o Presidente Lula expandiu isso para 10 milhões ou 12 milhões; a Presidenta Dilma expandiu ainda mais. Sabe o que acontece? Quanto a essa família, que faz 18 anos que recebeu e muitas outras, é bem provável que os filhos daquelas famílias, hoje, sejam pais recebendo bolsa família, o que mostra o fracasso de um projeto que eu criei, mas que, no meio do caminho, foi desvirtuado porque abandonou-se a palavra escola; ficou-se apenas com a palavra família, e não só pela palavra, mas também pela escola em si, e aí, a bolsa família fica eterna, permanente.

            Isso é uma corrupção; corrupção que rouba futuro. Não é só dinheiro que se rouba; se rouba futuro também quando as medidas necessárias para proteger as crianças e lhes dar educação não são tomadas, e mais grave ainda, são impedidas.

            A SRª PRESIDENTE (Ana Amélia. Bloco/PP - RS) - Senador Cristovam, como o senhor está falando de educação, estamos recebendo a visita de alunos do ensino fundamental do Sesi do Gama, daqui do Distrito Federal - seus admiradores, certamente, porque o senhor é um Senador do Distrito Federal, ex- reitor, ex-governador do Distrito Federal. Há tudo a ver como tema que V. Exª está abordando.

            Desculpe pela interrupção, mas achei por bem para saudar os nossos jovens visitantes. Boa sorte. Obrigada. Senador Cristovam.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF) - Muito obrigado, Srª Presidenta, eu retomo dizendo que isso é corrupção e por ação. Não foi por omissão dessa vez, por ação, impedindo um gesto pequenininho ainda, mas que ajudaria a - o que chamam por aí - criar a porta de saída da necessidade da bolsa. Eu nem gosto de chamar de porta de saída; é ascensão. Nós precisamos começar a ter governos que queiram abolir a necessidade de bolsa; governos que assegurem que, enquanto uma família precisar vai receber bolsa, mas que em cinco, dez, vinte, trinta anos nenhuma vai precisar disso, nenhuma vai ter que votar porque o Presidente dá bolsa família. E a gente sabe que hoje existe isso.

            Quando é que vamos ter aqui alguém que queria se comprometer a abolir a necessidade de bolsa? E o caminho, qual é? É a escola. E a escola, como é? É com as famílias comparecendo ali.

            Eu fui à Ministra, não vou a ministro, mas fui a essa Ministra faz alguns meses para tentar convencê-la de deixar aprovar esse projeto. E os argumentos são de que os pobres não sabem conversar com os professores.

            Outro argumento é de que os pais moram longe. Então é a escola que está longe, nunca uma família mora longe da escola; é a escola que não está feita no lugar certo. No Brasil, considera-se como argumento para os pais não irem à escola o fato de que os pais estão longe da escola. Ministra, é a escola que o seu Governo faz que está longe da família!

            Depois, que as famílias trabalham. Consigam licenças para que eles compareçam; façam reuniões à noite; façam no sábado, no domingo, mas não podemos ter a ideia de que o Bolsa Família é para sempre, porque isso é prova de fracasso.

            Eu fico horrorizado quando vejo o Governo comemorando o aumento no número de Bolsas Famílias. Eu queria ver um governo que fizesse uma festa dizendo que já não é mais necessário Bolsa Família no Brasil. E o caminho não é pelos adultos, é pelas crianças. São as crianças que vão abolir a necessidade de bolsa quando essas crianças forem adultas. Mas para que essas crianças façam isso, ascendam, é preciso que os seus pais hoje participem da educação ao lado dos professores, ao lado da escola. E o Governo Dilma está impedindo isso.

            Eu vou repetir: não é que está sendo omissa, ou o Governo omisso, impediu hoje na Câmara dos Deputados que fosse aprovado o projeto que leva os pais do Bolsa Família para as escolas. Isso é uma corrupção! É um roubo de futuro das crianças do Brasil, sobretudo, das crianças pobres, porque os pais das crianças de classe média e alta comparecem E recebem do Imposto de Renda mais dinheiro do que o Bolsa Família. Mas comparecem, atendem, vão lá. Temos que fazer com que os pais pobres, que não foram à escola, que têm medo da escola, que eles percebam que a escola é deles, para eles, por meio de seus filhos.

            Eu confesso que já tive muitas frustrações, Senador Alvaro, Casildo, com o atual Governo, em que eu votei; mas hoje foi uma das maiores frustrações. Quando eu vi essa ação, pressionando os Parlamentares, colocando na comissão parlamentares que nunca vão, e todos votando em bloco para impedir esse projeto...

            O Sr. Casildo Maldaner (Bloco/PMDB - SC) - Concede-me um aparte, Senador?

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF) - Concedo, Senador Casildo.

            E fico triste que alguns Parlamentares do chamado bloco de oposição, do bloco de direitos humanos tenham votado contra isso. É prova do desprezo que muitos nesta Casa têm para com os pobres, para com os necessitados, que vêem cada um deles apenas como objeto da generosidade do Bolsa Família e não como seres humanos para ascenderem, com o futuro que nós roubamos dos seus filhos.

            Eu passo a palavra ao Senador Casildo.

(Soa a campainha.)

            O Sr. Casildo Maldaner (Bloco/PMDB - SC) - Eu quero cumprimentá-lo pela preocupação e pela maneira como V. Exª coloca as questões. Eu até - e é tão comum - vi, há algumas semanas, um debate seu sobre o Bolsa Família e chamou-me a atenção. Quando o Governo conseguiu expandir mais o Bolsa Família para o Brasil afora, o que era para vibrar, V. Exª lamentou; e disse que não é para vibrar. Até aí eu andava meio não consciente disso. E começou a despertar que quanto mais aumenta o Bolsa Família é que temos mais pobreza, quer dizer, que tem de aumentar... Se for para diminuir o Bolsa Família, quer dizer, que deu para colocar no mercado de trabalho, deu resultado, e não precisamos dar tanto assistencialismo, é que podemos comemorar. Isso me chama a atenção. A outra questão que chama atenção - veja V. Exª - é que estamos cansados de ouvir: “Porque superfaturou... Não sei o quê... Aquilo... Uma escola valia 500, foi feita por 600. Houve faturamento nisso, infraestrutura.” E V. Exª veio dizer que isso é um roubo; V. Exª veio dizer que, na questão da educação, na questão disso e daquilo, é roubo; na questão de não privilegiarem as crianças lá, foi um roubo; e, às vezes, não por omissão, mas por atuação, como no caso, agora, da decisão na Câmara dos Deputados. O Governo orientar nesse sentido é por atuação, não é pecar por omissão; não é roubar por omissão, mas é por se expor, é por concordar. E V. Exª taxa, chamando a atenção do Brasil, quando diz: “Isso é um roubo!” É um roubo dos inocentes, é um roubo da educação; é roubar o direito de saber se autodefender na vida, mais tarde. Quer dizer, a maneira como V. Exª coloca é que começa a despertar o Brasil. Até eu começo agora - nessa altura da minha vida - a ver como a gente aprende, no dia a dia, com V. Exª. Muito obrigado.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF) - Muito obrigado, Senador Casildo.

            Eu passo a palavra ao Senador Alvaro Dias.

            O Sr. Alvaro Dias (Bloco/PSDB - PR) - Rapidamente, Senador Cristovam. É para cumprimentá-lo e me associar à indignação de V. Exª, que, certamente, é de todos os brasileiros de bem. Trata-se de roubar cidadania. Nós lamentamos profundamente e consideramos muito grave a justificativa: a escola está longe. Se a escola está longe é porque quem governa não cumpre o seu dever, não cumpre a sua missão. A escola é um direito do cidadão. Se ela está distante, é porque o Governo está distante das expectativas populares, e essa passividade do Governo diante desse fato, confessando essa omissão, exige condenação. Eu estive, no final da semana passada, em uma localidade onde se construiu um conjunto habitacional, com mais de 1.200 pessoas vivendo, sem escola. A escola mais próxima estava a 6km de distância. Portanto, é uma omissão de quem governa, é um descaso com o futuro, é um descaso com o exercício da cidadania, que deve ser proporcionado a todos os cidadãos brasileiros. V. Exa tem razão nesse protesto. A sua indignação se justifica. A causa que defende é a causa do Brasil, e V. Exa está de parabéns, porque foi realmente um dos pioneiros do bolsa escola. V. Exa tem um papel preponderante na história do que se chama hoje de Bolsa Família, e que deveria se chamar, isso sim, bolsa escola, bolsa educação, enfim, com a presença das crianças onde elas devem estar: nas escolas.

(Soa a campainha.)

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF) - Obrigado, Senador Alvaro.

            Passo a palavra, se a Presidenta permitir, ao Senador Acir.

(Soa a campainha.)

            O Sr. Acir Gurgacz (Bloco/PDT - RO) - Senador Cristovam, nós do PDT sabemos do seu compromisso com a educação, e sabemos muito bem que o senhor tem uma visão muito apurada do que é que nós precisamos fazer para ajudar as nossas crianças. Nós entendemos que a participação dos pais na vida dos seus filhos na escola é de fundamental importância. Portanto, esse projeto de que os pais deveriam estar indo à escola pelo menos uma vez por mês, para dar o acompanhamento dos seus filhos, para ajudar na educação dos seus filhos, é de fundamental importância. E para isso nós precisamos ter metas e planejamento, para que um dia nós possamos ter um Brasil, se não sem Bolsa Família, com um mínimo necessário de Bolsas Famílias para a população brasileira. Isso quer dizer que nós teremos um Brasil desenvolvido, com...

(Interrupção do som.)

            O Sr. Acir Gurgacz (Bloco/PDT - RO) - Muito obrigado, Sra Presidente.

            Isso quer dizer que nós teremos um Brasil mais desenvolvido, com uma população desenvolvida também, com uma capacidade melhor de entendimento e uma satisfação maior das pessoas em ter esse acompanhamento dos seus filhos na escola. Portanto, solidarizo-me com V. Exª com relação a essa questão do Bolsa Família, do Bolsa Escola, como querem que sejam chamadas as bolsas que se colocam à disposição da nossa população. Nós temos que ter um planejamento para ir diminuindo essas bolsas famílias. Nós precisamos, realmente, fazer com que a população tenha condições de conseguir a melhoria na sua qualidade de vida pelas suas próprias pernas. Cabe ao Governo induzir, orientar, dar o primeiro passo, mas tem que haver uma boa vontade da população...

(Soa a campainha.)

            O Sr. Acir Gurgacz (Bloco/PDT - RO) - ... para que eles possam conseguir atingir essa boa qualidade de vida, que V. Exª coloca aqui com muita propriedade. Meus cumprimentos pelo seu pronunciamento, Senador Cristovam Buarque.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF) - Eu quero concluir - Senadora, um minuto mais - apenas dizendo, em primeiro lugar, em relação ao Senador Acir, que, neste momento, eu lamento que o meu Partido faça parte deste Governo com um Ministro. Fico triste. Não merece.

            Segundo, eu quero dizer que, quando eu defendo que um dia haja redução do número... E eu faço questão de dizer: enquanto um brasileiro precisar de Bolsa Família, tem que receber. Mas isso não merece comemoração. Merecerá comemoração quando ninguém precisar. Eu tenho autoridade para dizer isso, porque eu inventei esse conceito, intelectualmente, como professor da universidade. Eu divulguei pelo Brasil.

            O prefeito de Campinas, naquela época - eu era professor -, agarrou a ideia, levou-me lá, prestigiou-me. Eu fui eleito dois anos depois. O tempo que ele levou para implantar foi o mesmo que eu levei aqui em poucos meses. Amanhã, 18 de abril, comemoramos 18 anos que começamos esse programa, junto, mais ou menos, do ponto de vista físico, com Campinas.

            Hoje ele está em muitos países, mas, nos outros países, está começando a dar resultado, porque casaram educação e bolsa. No Marrocos, o nome Bolsa Escola, que eles traduziram, é uma palavra em árabe - portanto, eu não vou citar, não consigo dizer nem pronunciar -, Senador Paulo...

(Soa a campainha.)

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF) - ... que quer dizer “abrindo a porta”. É assim que se chama Bolsa Escola lá, um nome bonito e que diz o que é.

            Eu lamento muito que nós estejamos convivendo com corruptos que roubam o futuro.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/04/2013 - Página 19516