Pela Liderança durante a 61ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Defesa da socialização do conhecimento; e outro assunto.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Pela Liderança
Resumo por assunto
DIREITOS HUMANOS.:
  • Defesa da socialização do conhecimento; e outro assunto.
Aparteantes
Ataídes Oliveira.
Publicação
Publicação no DSF de 01/05/2013 - Página 22704
Assunto
Outros > DIREITOS HUMANOS.
Indexação
  • DEFESA, ORADOR, GARANTIA, TRABALHADOR, ACESSO, CONHECIMENTO, SOLICITAÇÃO, EDUCAÇÃO, BENEFICIO, FAMILIA, TRABALHADOR EXTERNO.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF. Pela Liderança. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, nobre Senador Jorge Viana; Srªs Senadoras e Srs. Senadores, também venho aqui, Senador Jorge Viana, para falar sobre o Dia do Trabalho.

            Quero falar sobre o Dia do Trabalho, primeiro lembrando que havia duas maneiras de lutar no Dia do Trabalho - aliás, antes disso, é preciso dizer que o Dia do Trabalho é um dia de luta, não é um dia de comemoração apenas, não é um dia de festa apenas. Historicamente, esse dia foi escolhido, 1º de maio, foi o dia de luta, de uma greve com trabalhadores mortos. Esse é um tempo de luta, um dia de luta. Essa luta, como dizia, Senador Jorge Viana, se fazia por duas formas: um grupo socialista, um grupo capitalista.

            O grupo socialista usava o dia do trabalhador para lutar pela propriedade do capital, fazer com que o capital, as máquinas, os prédios das indústrias, as terras, tudo isso pertencesse aos trabalhadores que usavam as máquinas e as terras. Essa era a visão socialista.

            Outros trabalhadores lutavam pelos salários, não estavam preocupados em quem era o dono do capital, quem era o dono da máquina, mas, sim, quanto esse capitalista pagaria pelo trabalho do trabalhador.

            Hoje em dia, não está em debate, pelo menos neste momento na história, a ideia da propriedade estatal do capital. Hoje em dia, portanto, o que temos visto é a luta pelo salário, pelos direitos trabalhistas, como nós fizemos aqui com a PEC das domésticas, como amanhã certamente será o tema de debate nos grandes encontros de trabalhadores pelo País, como será o tema das centrais sindicais e dos sindicatos em geral. Eles vão lutar pelos direitos trabalhistas, pelos salários, por outros direitos, e menos por aquilo que lutávamos antes, que era a propriedade estatal do capital.

            Quero trazer aqui, Senador Jorge Viana, que é preciso trazer de volta a luta pelo capital. Mas outro capital: o capital conhecimento. Hoje o que precisamos socializar, garantir para todos não é mais a propriedade da fábrica, não é mais a propriedade das máquinas. Isso, um dia, talvez volte. Mas a luta que devemos ter hoje, os trabalhadores do mundo inteiro, é para que o capital conhecimento esteja ao acesso de todos.

            É uma pena, mas não prevejo para amanhã discursos dos presidentes das centrais sindicais lutando para socializar o capital conhecimento, exigindo escolas para os seus filhos tão boas quanto as escolas dos seus patrões. Esta que é a luta hoje: além da luta pelo salário, pelos direitos trabalhistas, a luta pelo capital conhecimento. Fazer com que, neste País - em muitos outros, já foi resolvido -, o conhecimento não seja transmitido hereditariamente, como antigamente nas capitanias hereditárias.

            Conhecimento deve ser o resultado do talento, da persistência, da vocação da pessoa, e não do dinheiro que seu pai tem. Hoje, no Brasil, o conhecimento é transmitido hereditariamente, Senador Ataíde, porque aquele que tem dinheiro compra conhecimento para seus filhos através das boas escolas; os que não têm dinheiro deixam seus filhos em escolas que não são capazes de dar conhecimento. E aí nós caímos na vergonha de que aquilo que deveria ser o produto do talento, no Brasil, é comprado pelos que têm dinheiro.

            Eu gostaria de ver amanhã as centrais sindicais lutando por isso, mas, sinceramente, não acredito que eles tenham nem a consciência, nem tenham o sentimento de urgência de lutar por um sistema educacional, Senador Moka, em que o filho do trabalhador possa estudar em uma escola tão boa quanto a do filho do seu patrão; em que o filho do mais pobre estude numa escola tão boa quanto a do filho do mais rico. E aí, sim, a gente socializa o conhecimento.

            Não é mais tempo de querer socializar a fábrica, a terra. É tempo de socializar o conhecimento, que é algo de cada um, do seu talento, da sua persistência, da sua vocação, mas que tem origem na possibilidade do acesso aos meios educacionais. O socialismo hoje, para mim, é a escola igual para todos.

            Socialismo não é mais o capital nas mãos do trabalhador, que foi inclusive uma grande ilusão, porque ficou nas mãos do Estado, e não nas mãos do trabalhador. Ficou nas mãos do partido, que se referia como liderança dos trabalhadores, e não nas mãos dos trabalhadores. O capital, mesmo onde se fez socialismo, continua privado, só que não nas mãos de um capitalista, e, sim, nas mãos dos dirigentes do Estado. O que a gente precisa lutar hoje é pela socialização do conhecimento, assegurando escolas iguais para todos. E isso é muito difícil de a gente conseguir no Brasil.

            Veja, Senador Ataídes, que os escravos conseguiam fugir para a liberdade, mas hoje uma criança não pode invadir uma escola para ter boa educação. Era mais fácil o escravo ficar livre do que uma criança pobre hoje ter uma boa educação, porque invadir escola não existe, fugir da escravidão existia. Invadir terra existe, mas invadir escola não existe.

            Por isso, é uma questão de políticas públicas. E políticas públicas que façam com que no Brasil aconteça o que já acontece hoje na maior parte dos países que têm um mínimo de condições, como todos os europeus, todos da América do Norte, um país como a Coreia, que não é um país que faz parte dos mais ricos: escola igual para todos, socializando o conhecimento.

(Soa a campainha.)

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF) - Essa deveria ser a bandeira de luta de hoje dos trabalhadores no seu 1º de maio.

            Mas, além disso, a grande vantagem é que, ao fazer essa socialização, em vez de tomar do capitalista, a gente está é distribuindo para todos. E o que vai acontecer é que o país fica mais rico. O país fica mais rico porque potenciais que estão escondidos dentro da cabeça das pessoas que não têm escola, esse potencial aflora e passa a ter um papel fundamental na construção de um novo país.

            O Brasil de hoje, em que apenas 40% terminam o ensino médio, desses, no máximo a metade com bom ensino médio, ou seja, 20%, essa situação é como se, para cada 100 postos de petróleo que a gente encontrasse, tapássemos 80 e só deixássemos ficarem aflorados 20.

(Interrupção de som.)

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF) - Preciso de mais um ou dois minutos para dar a palavra ao Senador Ataídes, que pediu.

            O Sr. Ataídes Oliveira (Bloco/PSDB - TO) - Obrigado, Senador Cristovam. Senador, eu sou um principiante na política nacional. Posso dizer que acabei de chegar nesta Casa. Mas eu fico muito contente, muito feliz, não canso de dizer, de chegar aqui e encontrar nesta Casa um Senador com toda a sabedoria que Deus lhe concedeu, carregando essa bandeira da educação. Sempre que vejo o senhor nesta tribuna, procuro correr para este plenário, porque, mesmo quando V. Exª está tratando de outro assunto, o senhor sempre agrega ao seu discurso o problema da educação no País, que é extremamente grave. É sabido por todos nós que um país que não tem cultura, que não tem educação jamais crescerá, e, se crescer, crescerá de uma forma errada. Eu queria, Senador Cristovam, neste momento, dar um testemunho meu, coisa que nunca digo por aí. Vim de família muito pobre. Até os 11 anos de idade, eu nunca tinha sentado numa cadeirinha de escola. Fui à cidade, aqui no interior de Goiás, vender galinha com a minha mãe para comprar o café e o açúcar, e lá resolvi ficar. Não tinha experiência de nada, só sabia capinar e roçar, coisas da roça, mas alguma coisa me dizia que eu precisava estudar

(Soa a campainha.)

            O Sr. Ataídes Oliveira (Bloco/PSDB - TO) - E fiquei. E minha mãe disse: “O seu pai vai me cobrar muito caro”. E cobrou muito caro da minha mãe, sim. Pois bem, Senador, matriculei-me numa escola pública e fui, então, procurar trabalho, mas não encontrava, porque eu não tinha profissão. A única coisa que eu sabia fazer era carpir, capinar e roçar, mexer com a lida da roça. Sofri tanto, muito, muito! Até que, num certo dia, eu capinei o quintal, limpei o quintal de um cidadão que tinha uma escola de datilografia, e esse cidadão me permitiu fazer o curso de datilografia. Com esse curso de datilografia, na época, consegui um emprego de office boy no Frigorífico Bordon, hoje falido, mas uma tremenda grande empresa em Anápolis, Goiás. Daí, eu comecei a caminhar. Hoje, graças a Deus, sou um homem bem-sucedido em tudo que fiz, concluí um curso de Direito e Contabilidade.

Estou querendo colocar esse depoimento, Senador, para dizer que, além da educação precária neste País, a corrupção, essa coisa danosa, maldita, que tira a condição de pagar um bom professor, de ter essa igualdade que V. Exa acabou de colocar de o filho do rico estudar junto com o filho do pobre, e vice-versa, essa corrupção realmente retira o dinheiro. Mas o pior é a oportunidade, eu vejo. Naquela época, Senador, se eu tivesse tido oportunidade de fazer um cursinho de eletricidade, um cursinho de datilografia e outros, eu não teria sofrido tanto no início da minha vida. Então, hoje eu vejo o seguinte: no norte do meu querido Estado do Tocantins, àqueles garotos que estão fora da escola, com 11, 12, 13 anos, se alguém der a eles a oportunidade de um curso técnico, de um curso profissionalizante, esses garotos vão ter oportunidade, vão crescer na vida, vão estudar. Por isso, a minha briga, a minha encrenca com o Sistema S. Eu peço o aprimoramento do Sistema para que eles coloquem mais escolas no Norte e no Nordeste deste País para dar essa oportunidade. E esse Pronatec é uma ideia maravilhosa, porque tem que dar, Senador, a oportunidade a esses jovens que o crack está matando de ensinar a eles alguma coisa. Porque aí eu acho até que eles vão para a escola. Eu agradeço muito este aparte, Senador. Quero dizer que sou um admirador sempre de V. Exa.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF) - Muito obrigado, Senador.

            Eu quero apenas concluir mostrando como hoje a educação é mais importante ainda. Quando V. Exa era pequeno, bastou um curso de datilografia.

(Soa a campainha.)

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF) - Hoje, nem datilografia existe mais. Hoje tem que saber usar o computador. Hoje tem que conhecer os meandros dos programas de Windows e outros para poder conseguir esse emprego. E, para saber usar um computador, precisa-se ter mais formação do que precisávamos nós para bater à máquina. Era uma tarefa quase que mecânica. Hoje exige uma formação.

            Isso vale para o trabalhador, porque as máquinas ficaram inteligentes. A máquina de escrever de hoje, que é o computador, é inteligente. Então, exige alguém com inteligência, conhecimento para fazer funcionar.

            Por isso que a gente sabe que a educação no Brasil até que vem crescendo um pouquinho, mas a brecha tem aumentado na necessidade, porque a educação cresce um pouquinho, e a necessidade cresce muito mais.

            Até 30 anos atrás uma pessoa que não soubesse ler podia ser cozinheiro; hoje é muito difícil. Hoje, você precisa saber ler para qualquer coisa. Hoje você precisa saber de computação para ser datilógrafo, cuja expressão nem se usa mais. Nós estamos ficando para trás mesmo quando avançamos, porque avançamos numa velocidade menor do que as exigências de educação que o mundo exerce sobre cada um e sobre o País inteiro. Por isso, Senador Jorge Viana, eu concluo dizendo...

(Soa a campainha.)

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF) - ... Dia do Trabalhador tem que voltar a ser dia de luta e não apenas de reivindicação. E essa luta hoje continua sendo a socialização, mas não mais das máquinas, e, sim, do conhecimento necessário para fazê-las funcionar. E eu espero que as Centrais Sindicais descubram como educação é importante no aprimoramento da vida dos trabalhadores, sobretudo dos seus filhos.

            O SR. PRESIDENTE (Jorge Viana. Bloco/PT - AC) - Eu cumprimento V. Exª, Senador Cristovam, e fiquei atento, aqui, ouvindo o nosso Senador Ataídes contando a história de vida dele, e que se traduz numa coisa muito bonita. Eu também sou um dos primeiros, junto com meus irmãos, como muitos brasileiros, que têm próximo da minha idade, os primeiros a alcançar fazer o nível superior, a geração que conseguiu, graças ao esforço dos pais, alcançar isso, e, de alguma maneira, isso, certamente, foi o que me trouxe para cá, como trouxe o Senador Ataídes, e muitos exemplos de colegas, e para outras atividades também.

            E é um encontro, como V. Exª bem coloca, no Dia do Trabalho, quando celebra aqui no pronunciamento, que o Brasil tem que intensificar. Esse encontro dos brasileiros e brasileiras com a oportunidade do conhecimento, de aprender. Essa, talvez, seja a melhor escola para a vida e para o trabalho, e para que a gente possa usufruir dessa vida de forma adequada.

            Então, cumprimento, mais uma vez, V. Exª, Professor Cristovam Buarque e querido e bom amigo.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF) - Obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 01/05/2013 - Página 22704