Discurso durante a 61ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Reflexões sobre o impacto das drogas, especialmente do crack, na saúde e segurança públicas.

Autor
Vital do Rêgo (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PB)
Nome completo: Vital do Rêgo Filho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DROGA, SEGURANÇA PUBLICA.:
  • Reflexões sobre o impacto das drogas, especialmente do crack, na saúde e segurança públicas.
Aparteantes
Ana Amélia, Ricardo Ferraço.
Publicação
Publicação no DSF de 01/05/2013 - Página 22840
Assunto
Outros > DROGA, SEGURANÇA PUBLICA.
Indexação
  • APREENSÃO, ORADOR, SITUAÇÃO, MERCADO, CRACK, DROGA, SAUDE PUBLICA, PAIS, REGISTRO, CRIAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, PROGRAMA, PREVENÇÃO, TRATAMENTO, VICIADO EM DROGAS, FATO, AUMENTO, VIOLENCIA, TRAFICO.

            O SR. VITAL DO RÊGO (Bloco/PMDB - PB. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Cumprimento o Sr. Presidente, meu querido Senador pelo Estado do Tocantins Ataídes Oliveira, e as Srªs Senadoras e os Srs. Senadores.

            Em minhas primeiras palavras, Senador Jorge Viana, tenho a honra e a satisfação - e as divido agora com o Presidente Ataídes - de reverenciar V. Exª. Primeiro, quero fazer referência ao mandato de V. Exª e de reverenciar o seu discurso. Acabei de ouvi-lo e quero dizer a V. Exª que me orgulha muito participar do Parlamento e ter V. Exª como colega, pelas posições que V. Exª assume de forma corajosa, de forma condizente com sua história, com suas lutas e com suas tradições democráticas. Por isso, recolha minha admiração e meu respeito.

            Srªs e Srs. Parlamentares, neste momento, assumo a tribuna muito mais como médico e, depois, como advogado, para falar de dois temas que se interligam, que comungam entre si, que fazem parte de uma mesma tragédia: crack, saúde e segurança pública.

            No início deste mês, Sr. Presidente, o Brasil inteiro ficou chocado ao receber a notícia de que o jovem Isaque Nilton, designer gráfico de apenas 28 anos, casado, pai de uma filha de sete anos, havia sido espancado até a morte por usuários de crack em frente ao prédio onde morava com a família no Guará II, próximo de nós, uma das regiões administrativas de Brasília. É mais uma vida inocente que se perde na guerra contra as drogas. É mais um futuro interrompido de forma brutal, de forma bárbara, inaceitavelmente. É mais uma família dilacerada por um flagelo que, infelizmente, parece crescer e se multiplicar a cada dia, não obstante os esforços do Estado e da sociedade para combatê-lo. A morte de Isaque, Sr. Presidente, reforça a existência de uma estreita relação entre drogas e violência, uma relação tão próxima que se autocontamina.

            Na qualidade de médico, tenho plena consciência do impacto da questão das drogas na saúde pública. Mas o problema das drogas não é apenas e primordialmente uma questão de saúde pública, como muitos querem defender; é também um problema de segurança pública, que não se traduz apenas nos atos de violência praticados por traficantes em luta com a polícia ou com os grupos rivais, mas que chega ao nível do usuário, capaz de qualquer coisa para sustentar seu vício, particularmente no caso desta droga maldita chamada crack.

            Desde seu surgimento nos Estados Unidos, há cerca de 30 anos, o crack vem se tornando uma droga cada vez mais popular e, consequentemente, mais perigosa. No início, era chamado de “cocaína dos pobres”, pois era usado principalmente, Senador Ataídes, por moradores dos bairros mais carentes das grandes cidades, dos grandes centros, das áreas metropolitanas. Hoje, o tráfico e o uso do crack já não se restringem mais às áreas periféricas dos grandes centros urbanos. O fenômeno é mundial: o crack está nas grandes cidades, nas pequenas cidades, no campo, na periferia, e seu uso está disseminado entre pessoas de todos os sexos, de todas as cores, de todas as raças, de todas as classes sociais.

            É importante observar, Sr. Presidente Romero Jucá, que os fatores que determinam a popularidade do crack também são responsáveis por sua alta periculosidade. Seus efeitos são similares aos da cocaína - talvez, segundo estudos científicos, sejam muito maiores do que os da cocaína -, mas se manifestam de forma mais intensa e concentrada. Enquanto o efeito da cocaína cheirada pode durar horas, a cocaína fumada em forma de crack é absorvida quase instantaneamente pelos pulmões e começa a agir em segundos, e seus efeitos, embora sejam intensos, duram apenas poucos segundos.

            A euforia da droga, portanto, termina rápido, é fugaz, e isso estimula o usuário a tomar mais uma dose, e outra, outra e mais outra, o que, no início, não representa um problema para o usuário, pois as doses de crack custam apenas alguns reais. No início, o acúmulo se torna até barato. Essa combinação entre baixo custo e efeito intenso, mas de curtíssima duração é o que diferencia o crack das outras drogas e o torna tão popular e, portanto, tão perigoso e tão nocivo à vida social. As doses são baratas, mas, por se tratar de uma droga altamente viciante, mais doses são necessárias num período cada vez mais curto. Não é raro que um usuário avançado de crack consuma mais de R$1 mil da droga em uma única noite, segundo fontes de diversas secretarias de segurança pública e de clínicas de tratamento que consultamos. Temos, assim, uma droga com altíssimo potencial de endividamento e, consequentemente, de geração de violência.

            O crack pode ser barato no início, mas a necessidade do uso frequente o torna uma droga cara. Depois de vender ou trocar pela droga todos os seus bens de valor, restam ao dependente as opções do furto e do roubo. Em seguida, rompem-se laços familiares e de amizade, abandonam-se os estudos e o trabalho. Os contatos dos usuários de crack com o submundo do tráfico são muito mais frequentes do que nos casos de outras drogas, o que intensifica os conflitos entre dependentes e seus traficantes, que logo se tornam credores insatisfeitos, gerando mais violência e mais pressão sobre os usuários. Furtos e roubos logo degeneram em agressões físicas e em crimes bárbaros como o latrocínio e assassinatos por motivos fúteis, como no recente caso do jovem Isaque, no Guará II.

            Isso tudo nos leva a uma conclusão muito clara, Sr. Presidente: o crack exige do Poder Público e da sociedade em geral uma abordagem distinta da que é dedicada a outras drogas. O potencial de dano social do crack não tem paralelo nas demais substâncias ilícitas. E nós, brasileiros, deveríamos saber disso como ninguém, pois somos, segundo estudo da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), o principal mercado mundial dessa droga.

            Embora não tenhamos dados oficiais sobre o número de usuários de crack no País, o estudo da Unifesp estima que, no ano passado, mais de um milhão de brasileiros consumiram crack - mais de um milhão de brasileiros consumiram crack! - ou os principais derivados da cocaína. Antes restrito, como falei há pouco, às periferias das grandes capitais, o crack já está presente, desde 2010, em 98% dos Municípios brasileiros, segunda pesquisa da Confederação Nacional dos Municípios (CNM).

            Corroborando esses dados, o último relatório da ONU sobre as drogas descreve o Brasil como um mercado em expansão para a cocaína e seus derivados, relatando, por exemplo, que as apreensões federais da droga mais do que triplicaram desde 2004, chegando a 27 toneladas em 2010. Repito: foram apreendidas 27 toneladas em 2010!

            Além de ser o principal mercado de crack, o Brasil também é a principal rota empregada pelos traficantes da droga. Nosso País está cercado pelos três maiores produtores mundiais de coca: juntos, Colômbia, Peru e Bolívia respondem por praticamente 100% da produção mundial de coca, e, nesses três países, estão 99% dos laboratórios que processam as folhas de coca em pasta-base de cocaína, a matéria-prima do crack.

            O produto chega ao Brasil pelas fronteiras dos países produtores com o Acre, com Roraima e com o Estado do Amazonas. Parte da cocaína fica aqui mesmo no Brasil, onde é transformada em crack em laboratórios localizados, principalmente, nos Estados das Regiões Sudeste e Sul do País, e parte continua sua rota até os Estados Unidos, a Europa e outros pontos do mundo.

            Ouço-o com atenção, para aperfeiçoar meu discurso com sua inteligência e com seu raro brilhantismo, Senador Ricardo Ferraço, meu companheiro do Espírito Santo.

            O Sr. Ricardo Ferraço (Bloco/PMDB - ES) - Senador Vital do Rêgo, o tema que V. Exª traz à reflexão, ao debate, da tribuna do Senado, tem elevada importância e relevância, porque há uma escalada da violência e da criminalidade em nosso País, o que não é apenas uma característica e uma marca das grandes e médias cidades, dos médios e grandes centros urbanos. Nós já conseguimos perceber tudo isso nas pequenas e médias cidades do interior do nosso País, no meu Estado do Espírito Santo e também, quero crer, nas pequenas cidades do interior do Estado de V. Exª, a Paraíba. A questão da violência tem no seu cerne, no seu centro, o tráfico de drogas e o consumo de drogas. Essas drogas não são produzidas em nosso País. Essas drogas são importadas. Na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, nós estamos debatendo isto permanentemente: a necessidade de o Governo Federal intensificar os esforços e os investimentos numa política de fronteiras efetivamente forte, robusta, presente. É de nosso conhecimento que é pelas fronteiras que essas drogas podem entrar aqui, e se faz necessária a ampliação dos investimentos não apenas em recursos materiais e em recursos humanos, mas também em sistemas de informações, para que, mediante o monitoramento dessas informações, nós possamos agir. Esse é um problema grave que se tem traduzido em angústia e em sofrimento para centenas de milhares de famílias brasileiras. Por isso, faz-se necessária uma atuação firme do Governo Federal na política de fronteiras. Mas o que quero mesmo, afinal, é cumprimentar V. Exª pela sensibilidade de, não apenas como Senador, mas também como pai de família e como médico, abordar um tema dessa dimensão, para que nós possamos debatê-lo no plenário do Senado. Meus cumprimentos a V. Exª!

            O SR. VITAL DO RÊGO (Bloco/PMDB - PB) - Senador Ferraço, quando V. Exª solicitou um aparte a este orador, eu sabia da importante contribuição que daria V. Exª, que é um estudioso dessa matéria. Como meu colega na Comissão de Constituição e Justiça, V. Exª traz assuntos de interesse naquela Comissão. E destaco, principalmente, a relevante missão que tem V. Exª na condução da Comissão de Relações Exteriores.

            Talvez, tenha havido uma omissão imperdoável da minha parte, porque, no binômio que este discurso trouxe à reflexão, saúde e segurança pública, crack e violência, eu devia ter abordado o assunto - e V. Exª socorre este pronunciamento - da defesa nacional, porque assim o discurso ficaria completo.

            Eu enriqueci este pronunciamento com dados que me chocam muito, quando vejo que, hoje, em 98% das cidades brasileiras, há a presença do crack, segundo a Confederação Nacional dos Municípios. Eu trouxe números que chocam os pais de família, pois mostram a escalada do vício, na forma inalante, como a droga é conduzida pela corrente sanguínea, e todo esse estudo de saúde e da geração inevitável da violência e da desconstrução familiar, do trabalho, das relações familiares, das relações profissionais, das relações de amizade, da desconstrução humana, afetiva e profissional desse ser humano. Ele pode ser evitado se você cortar o mal pela raiz, ou, pelo menos, a condução do mal. E essa condução do mal tem rotas certas, ou, pelo menos, as Forças Armadas já têm serviços de inteligência e monitoramento dessas rotas.

            Falta, Senador Ferraço, o País escolher suas prioridades, e, entre elas, efetivamente, dar às Forças Armadas condições para, nas fronteiras, diminuir a entrada e o ingresso dessa importação maldita no Brasil. Somente assim, a capilarização dessa droga em âmbito nacional e o comércio desenfreado do crack hoje em nosso meio poderiam ser minimizados.

            Incorporo o pronunciamento de V. Exª como um socorro à conclusão, dizendo que o combate ao crack não é apenas o combate de uma patrulha sanitária, de saúde pública, como o nosso Ministro da Saúde quer, em boa hora, não é apenas o combate das forças de segurança, como o nosso Ministro da Justiça quer, também em boa hora, mas um combate de defesa nacional. E, aí, o debate na Comissão de V. Exª será oportuno e importante.

            Ouço a Senadora Ana Amélia, sensível e companheira, que tem, desta tribuna, em todos os momentos, colocado este assunto como prioridade do seu mandato.

            A Srª Ana Amélia (Bloco/PP - RS) - Caro Senador Vital do Rêgo, eu diria que o tema não pertence apenas ao Ministério da Saúde ou ao Ministério da Justiça. É um problema que precisa ser enfrentado e assumido pela sociedade brasileira. Enquanto a questão não fora assim entendida, Senador, haverá pouco resultado concreto a esse respeito, até porque existem visões e percepções diferentes sobre a questão do crack. Hoje, o debate é sobre internação compulsória de dependentes. E essa é a droga que mais cria dependência, com maior rapidez e agilidade, como V. Exª bem...

            O SR. VITAL DO RÊGO (Bloco/PMDB - PB) - Seis segundos...

            A Srª Ana Amélia (Bloco/PP - RS) - ... ressaltou no seu pronunciamento. E é a que também tem efeitos mais danosos sobre isso. Nós fizemos, no âmbito da Comissão de Assuntos Sociais, sob o comando do Senador Wellington Dias, um grande debate - eu fui relatora - sobre esse tema. Chegamos à conclusão de que, hoje, precisamos trabalhar intensamente - e penso que é essa a preocupação de V. Exª - na recuperação dos dependentes. A recuperação se faz com o envolvimento de todos nós, não só dos Ministérios do Governo envolvidos diretamente. É uma questão de saúde pública, é também uma questão de segurança pública, é também uma questão de segurança nacional, porque nós, nas fronteiras, estamos desguarnecidos, precisamos de proteção em relação ao contrabando de drogas. Nesse particular, penso que seja necessário que o Governo, o mais rapidamente possível, implemente a liberação de recursos às chamadas comunidades terapêuticas, cujo marco regulatório nós estamos trabalhando para mudar. Várias representações religiosas têm feito um trabalho relevante para a ressocialização dessas pessoas que estão marginalizadas, adoecendo as famílias e perdendo a condição de viver. Então, eu cumprimento V. Exª. Estejamos juntos, sempre, nesse debate, Senador Vital do Rêgo.

            O SR. VITAL DO RÊGO (Bloco/PMDB - PB) - Agradeço a V. Exª, Senadora Ana Amélia.

            Vejo que nem tudo está perdido no meio de tantas histórias tristes, de tantas famílias seccionadas, fraturadas, de tantos destinos sepultados...

(Soa a campainha.)

            O SR. VITAL DO RÊGO (Bloco/PMDB - PB) - ... de tantas mortes prematuras, de tantos assassinatos fúteis, de tantas vidas banalizadas, de tantos jovens cujos sonhos foram tragicamente ceifados.

            A sociedade começa, realmente, a se mobilizar. V. Exª foi muito feliz quando disse que, quando, muitas vezes, o Governo demora em agir, a sociedade civil procura seus caminhos, entre riachos e becos, e vai, através da igreja, através das comunidades eclesiais de base, através das pastorais, através das igrejas evangélicas, procurando, aqui e ali, meios de retirar desse vício dominante e que incrementa, a cada dia...

            E eu trouxe um fato - permita-me, Senador Jucá, só mais quatro páginas - que é diferente e relevante.

            Por ser uma droga barata, com efeito rápido e de custo muito barato, o usuário precisa estar muitas vezes em contato com o traficante e passa a fazer parte do ciclo do tráfico, diferentemente de outras drogas, em que o usuário vai ao ponto e volta para o seu meio. O usuário do crack passa a viver o mundo da droga. E é a droga - como V. Exª colocou com muita propriedade e os estudos científicos demonstram - de maior efeito para a dependência.

            (Soa a campainha.)

            O SR. VITAL DO RÊGO (Bloco/PMDB - PB) - Em seis segundos, ela já atinge o cérebro. Em seis segundos já atinge.

            Então, essa é uma droga, até pela própria condução pulmonar, com um grau de letalidade impressionante.

            Esse crescimento do tráfico e do mercado de crack no Brasil tem reflexos claros na saúde pública. Aumenta a cada dia o número de internados para tratar da dependência do crack. No Centro de Recuperação Desafio Jovem, entidade tradicional de recuperação que funciona há 40 anos, a cerca de 60 quilômetros de Brasília, quatro em cada cinco internados são dependentes de crack.

            Olha o tamanho da gravidade do problema: quatro em cada cinco internos são dependentes de crack.

            Esse, porém, a meu ver, não é o maior custo que o crack impõe ao País. Quero insistir na tecla da violência. A relação entre o aumento do consumo de crack e o aumento da violência não é mais apenas uma sensação, uma intuição: é algo que pode ser comprovado por fatos e deduzido dos dados que temos sobre o assunto.

            Entre dezembro de 2008 e junho de 2010, o Dr. Luís Flávio Sapori, Secretário-Adjunto de Segurança Pública de Minas Gerais, coordenou, na PUC de Minas, uma pesquisa que resultaria no livro Crack - Um Desafio Social, publicado em dezembro de 2010.

            A dimensão da segurança pública é, no mínimo, tão grave quanto a dimensão da saúde pública na questão do crack.

            O Professor Sapori e seus colaboradores concluíram que - para finalizar, Sr. Presidente -, para solucionar esse problema,...

            (Soa a campainha.)

            O SR. VITAL DO RÊGO (Bloco/PMDB - PB) - ... o Brasil precisaria de um programa nacional de controle do consumo de crack, com campanhas maciças de prevenção, plano emergencial de atendimento ambulatorial e de internação de usuários compulsivos e ações policiais repressivas qualificadas para reduzir a violência associada ao tráfico.

            Coincidência ou não, um programa exatamente com essas diretrizes foi criado pelo Governo Federal há um ano, após publicação do estudo do Professor Sapori. Trata-se do programa Crack, É Possível Vencer. E aí nós nos congratulamos com o Governo Federal.

            Infelizmente, porém, o programa não tem alcançado os efeitos e os resultados necessários que a urgência requer. Segundo o canal Globo News, que trouxe reportagens veiculadas, nos dias 23 e 24 de março deste ano, o programa esbarra na burocracia e na ineficiência. Usuários que voluntariamente buscam ajuda nos hospitais da rede pública, muitas vezes, não encontram vagas. Mesmo quando há leitos disponíveis, os hospitais não contam com pessoal especializado no tratamento da dependência, que exige abordagem diferenciada em relação às outras drogas.

            Nos Centros de Atenção Psicossocial de Álcool e Drogas (Caps AD), criados em 2002, usuários e parentes de usuários relatam que, após uma rápida consulta inicial, são orientados a voltar dali a apenas três ou quatro meses depois. Dos 310 Caps em todo o País destinados exclusivamente ao tratamento de dependentes...

            (Soa a campainha.)

            O SR. VITAL DO RÊGO (Bloco/PMDB - PB) - ... apenas 37 oferecem possibilidade de internação, por no máximo uma semana. Os casos mais graves, como os de dependência de crack, são encaminhados a Unidades de Acolhimento, onde o tratamento dura seis meses. Mas há apenas 60 dessas unidades no País.

            Para aumentar a quantidade de atendidos, o Governo Federal, por meio de um programa, paga entre R$1 mil e R$1,5 mil por cada paciente enviado para centros de recuperação.

            Sr. Presidente, eu quero falar ainda, mas meu tempo já está concluso, há outros oradores, e deixo para consignar...

            (Soa a campainha.)

            O SR. VITAL DO RÊGO (Bloco/PMDB - PB) - ... em termo e na Ata o restante deste pronunciamento, desejando a todos os nossos companheiros esta reflexão: não podemos imaginar que o País continue vivendo esta escalada de criminalidade, acompanhada de falta de ação política e de gestão de governo. As mortes de Isaque e de outras vítimas do crack são a cruel manifestação da violência gerada por essa droga demoníaca que, desgraçadamente, hoje assola a nossa família, que nos envergonha e que precisamos extirpar da vida social.

            Muito obrigado, Sr. Presidente.

 

SEGUE, NA ÍNTEGRA, PRONUNCIAMENTO DO SR. SENADOR VITAL DO RÊGO

            O SR. VITAL DO RÊGO (Bloco/PMDB - B. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs Senadoras e Srs. Senadores, no inicio deste mês, o Brasil inteiro ficou chocado ao receber a notícia de que o jovem Isaque Nilton Alves Boschini, designer gráfico de apenas 28 anos, casado, pai de uma filha de 7 anos, havia sido espancado até a morte por usuários de crack em frente ao prédio onde morava com a família no Guará II, uma das regiões administrativas de Brasília.

            É mais uma vida inocente que se perde na guerra contra as drogas. É mais um futuro interrompido de forma bárbara, brutal e inaceitável. É mais uma família dilacerada por um flagelo que, infelizmente, parece crescer e se multiplicar a cada dia, não obstante os esforços do Estado e da sociedade para combatê-lo.

            A morte de Isaque reforça a existência de uma estreita relação entre drogas e violência.

            Na qualidade de médico, tenho plena consciência do impacto da questão das drogas na saúde pública. Mas o problema das drogas não é apenas e primordialmente uma questão de saúde pública, como muitos querem defender; é também um problema de segurança pública, que não se traduz apenas nos atos de violência praticados por traficantes em luta com a polícia ou com grupos rivais, mas que chega ao nível do usuário, capaz de qualquer coisa para sustentar seu vício - particularmente no caso dessa droga maldita chamada crack.

            Desde seu surgimento nos Estados Unidos, há cerca de 30 anos, o crack vem se tornando uma droga cada vez mais popular e, consequentemente, mais perigosa.

            No início, era chamado de "cocaína dos pobres", pois era usado principalmente por moradores dos bairros mais carentes das grandes cidades. Hoje, o tráfico e o uso do crack já não se restringem às periferias dos grandes centros urbanos: o fenômeno é mundial, o crack está nas cidades grandes, nas cidades pequenas, no campo, e seu uso está disseminado entre pessoas de todos os sexos, todas as cores e todas as classes sociais.

            É importante observar, Senhor Presidente, que os fatores que determinam a popularidade do crack também são responsáveis pela sua periculosidade.

            Seus efeitos são similares aos da cocaína, mas se manifestam de forma muito mais intensa e concentrada. Enquanto o efeito da cocaína cheirada pode durar horas, a cocaína fumada em forma de crack é absorvida quase que instantaneamente pelos pulmões, começa a agir em segundos, e seus efeitos, embora sejam intensos, duram apenas alguns poucos minutos.

            A euforia da droga, portanto, termina rápido, e isso estimula o usuário a tomar mais uma dose, e outra, e mais outra - o que no início não representa um problema para o usuário, pois as doses de crack custam apenas alguns reais.

            Essa combinação entre baixo custo e efeito intenso, mas de curta duração, é o que diferencia o crack das outras drogas e o torna tão popular e, portanto, tão perigoso e tão nocivo à vida social. As doses são baratas, mas, por se tratar de uma droga altamente viciante, mais doses são necessárias num período cada vez mais curto. Não é raro que um usuário avançado de crack consuma mais de mil reais da droga em uma única noite.

            Temos, assim, uma droga com altíssimo potencial de endividamento e, consequentemente, de geração de violência.

            O crack pode ser barato no início, mas a necessidade do uso freqüente o torna uma droga cara. Depois de vender ou trocar pela droga todos os seus bens de valor, restam ao dependente as opções do furto e do roubo. Em seguida, rompem-se laços familiares e de amizade, abandonam-se trabalho e estudos. Os contatos dos usuários de crack com o submundo do tráfico são muito mais freqüentes do que nos casos de outras drogas, o que intensifica os conflitos entre dependentes e seus traficantes, que logo se tornam credores insatisfeitos, gerando mais violência e mais pressão sobre os usuários.

            Furtos e roubos logo degeneram em agressões físicas, latrocínios e assassinatos por motivos fúteis, como no recente caso de Isaque.

            Isso tudo nos leva a uma conclusão muito clara, Senhor Presidente: o crack exige, do poder público e da sociedade em geral, uma abordagem distinta da que é dedicada às outras drogas. O potencial de dano social do crack não tem paralelo nas demais substâncias ilícitas.

            E nós, brasileiros, deveríamos saber disso como ninguém, pois somos, segundo estudo da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), o principal mercado mundial dessa droga.

            Embora não tenhamos dados oficiais sobre o número de usuários de crack no País, o estudo da Unifesp estima que, no ano passado, mais de um milhão de brasileiros consumiram crack, merla ou oxi, os principais derivados da cocaína. Antes restrito às periferias das grandes capitais, o crack já está presente, desde 2010, em 98% dos municípios brasileiros, segundo pesquisa da Confederação Nacional dos Municípios.

            Corroborando esses dados, o último relatório da ONU sobre as drogas descreve o Brasil como um mercado em expansão para a cocaína e seus derivados, relatando, por exemplo, que as apreensões federais da droga mais do que triplicaram desde 2004, chegando a 27 toneladas em 2010.

            Além de ser o principal mercado de crack, o Brasil também é a principal rota empregada pelos traficantes da droga.

            Nosso país está cercado pelos três maiores produtores mundiais de coca: juntos, Colômbia, Peru e Bolívia respondem por praticamente 100% da produção mundial de coca, e nesses três países estão 99% dos laboratórios que processam as folhas de coca em pasta-base de cocaína, a matéria-prima do crack.

            O produto chega ao Brasil pelas fronteiras dos países produtores com o Acre, Roraima e Amazonas. Parte da cocaína fica aqui mesmo no Brasil, onde é transformada em crack em laboratórios localizados principalmente nos Estados das regiões Sudeste e Sul, e parte continua sua rota até os Estados Unidos, a Europa e outros pontos do mundo.

            Esse crescimento do tráfico e do mercado de crack no Brasil tem reflexos claros na saúde pública. Aumenta a cada dia o número de internados para tratar da dependência do crack. No Centro de Recuperação Desafio Jovem, entidade tradicional de recuperação que funciona há 40 anos a cerca de 60 km de Brasília, 4 de cada 5 internados são dependentes de crack.

            Esse, porém, a meu ver, não é o maior custo que o crack impõe ao País. Quero insistir na tecla da violência. A relação entre o aumento do consumo de crack e o aumento da violência não é mais apenas uma sensação, uma intuição: é algo que já pode ser comprovado por fatos e deduzido dos dados que temos sobre o assunto.

            Essa, por exemplo, é a conclusão dos estudos do professor Luis Flávio Sapori, secretário-adjunto de segurança pública no Estado de Minas Gerais entre 2003 e 2007 e um dos maiores especialista sobre a questão do crack no Brasil. Entre dezembro de 2008 e julho de 2010, ele coordenou, na PUC Minas, uma pesquisa que resultaria posteriormente no livro Crack - Um Desafio Social, publicado em dezembro de 2010.

            A dimensão da segurança pública é, no mínimo, tão grave quanto a dimensão da saúde pública nessa questão do crack.

            O professor Sapori e seus colaboradores concluíram que, para solucionar esse problema, o Brasil precisaria de um programa nacional de controle do consumo de crack, com campanhas maciças de prevenção, plano emergencial de atendimento ambulatorial e de internação a usuários compulsivos e ações policiais repressivas qualificadas para reduzir a violência associada ao tráfico.

            Coincidência ou não, Sr. Presidente, um programa com exatamente essas diretrizes foi criado pelo Governo Federal um ano após a publicação do estudo do professor Sapori. Trata-se do Programa Crack, É Possível Vencer, lançado em 7 de dezembro de 2011, Com previsão de 4 bilhões de reais a serem investidos até 2014, por meio de parcerias com Estados e municípios, o programa pretende atuar em três frentes: a prevenção, o tratamento e a segurança, com investimentos em ações que promovam a orientação da população, a capacitação de profissionais, o aumento da oferta de tratamento e atenção aos usuários e o enfrentamento mais intenso do tráfico de drogas.

            Infelizmente, porém, o programa não tem alcançado resultados com a urgência que o problema requer. Segundo reportagens do canal Globo News veiculadas nos dias 23 e 24 de março deste ano, o programa esbarra na burocracia e na ineficiência.

            Usuários que voluntariamente buscam ajuda nos hospitais da rede pública muitas vezes não encontram vagas. Mesmo quando há leitos disponíveis, os hospitais não contam com pessoal especializado no tratamento da dependência de crack, que exige uma abordagem diferenciada em relação a outras drogas.

            Nos Centros de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (CAPS AD), criados em 2002, usuários e parentes de usuários relatam que, após uma rápida consulta inicial, são orientados a voltar dali a apenas três ou quatro meses. Dos 310 CAPS em todo o País destinados exclusivamente ao tratamento de dependentes, apenas 37 oferecem possibilidade de internação, e por no máximo uma semana. Os casos mais graves, como as dependências de crack, são encaminhados a Unidades de Acolhimento, onde o tratamento dura seis meses, mas há apenas 60 dessas unidades no País para dar conta de milhares de potenciais pacientes.

            Para aumentar a quantidade de atendidos, o Governo Federal, por meio do programa, paga entre 1.000 e 1500 reais por cada paciente enviado para centros de recuperação privados.

            O problema é que, para se cadastrarem e fazerem jus a esses recursos, esses centros têm que enfrentar uma burocracia absurda e apresentar um extenso rol de certidões negativas, comprovantes, registros em vários órgãos e relatórios os mais diversos.

            Muitos desses centros, porém, funcionam de maneira quase informal, com recursos provenientes de doações e com o apoio de médicos que atendem voluntariamente, sem cobrar nada.

            O tradicional Centro de Recuperação Desafio Jovem, que citei anteriormente, é um exemplo de entidade com essas características e que, justamente por isso, não conseguiu reunir toda a documentação exigida pelo Governo.

            Para se ter uma idéia, Senhoras Senadoras e Senhores Senadores, dos 400 centros que se inscreveram no programa, apenas 42 conseguiram apresentar toda a papelada necessária para o cadastramento, e desses poucos cadastrados apenas 8 haviam sido aprovados quando a reportagem foi ao ar há cerca de um mês.

            A participação dos Estados, um dos pilares da estratégia do programa, também é tímida: até agora, somente 14 Estados e o Distrito Federal aderiram ao programa.

            As mortes de Isaque Boschini e de outras vítimas do crack são a cruel manifestação da violência gerada por essa droga demoníaca da qual, desgraçadamente, somos hoje o principal mercado - condição que nos envergonha e que precisamos extirpar da nossa vida social com a máxima urgência, estabelecendo assim um exemplo a ser seguido em outras partes do mundo.

            Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 01/05/2013 - Página 22840