Discurso durante a 63ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Alerta para possível crise na economia e na democracia do País.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ECONOMIA NACIONAL, PODERES CONSTITUCIONAIS, EDUCAÇÃO.:
  • Alerta para possível crise na economia e na democracia do País.
Publicação
Publicação no DSF de 04/05/2013 - Página 23311
Assunto
Outros > ECONOMIA NACIONAL, PODERES CONSTITUCIONAIS, EDUCAÇÃO.
Indexação
  • REGISTRO, APREENSÃO, ORADOR, RELAÇÃO, ECONOMIA NACIONAL, ENFASE, INFLAÇÃO, RESULTADO, BALANÇA COMERCIAL, DEFICIT, PREVIDENCIA SOCIAL, AUMENTO, GASTOS PUBLICOS.
  • COMENTARIO, OCORRENCIA, CRISE, DEMOCRACIA, BRASIL, MOTIVO, CONFLITO, PODERES CONSTITUCIONAIS, ENFASE, EXECUTIVO, LEGISLATIVO, DEFESA, NECESSIDADE, AMPLIAÇÃO, INVESTIMENTO, OBJETIVO, MELHORIA, EDUCAÇÃO, PAIS.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Senador Vicentinho, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, eu agradeço que esteja a sua Presidência me permitindo falar alguns minutos.

            É apenas para relembrar, Senador, que faz quase dois anos que eu publiquei um pequeno texto chamado “A economia está bem, mas não vai bem”, ou seja, ela estava bem, mas ela dava sinais de que não iria bem, no futuro. Esse documento circulou e recebeu considerações de que era um documento de oposição, quando era um documento de alerta. Eu não estava preocupado em criticar, absolutamente, o Governo, mas apenas em alertar a sociedade brasileira, alertar-nos, as lideranças, de que a economia dava sinais preocupantes.

            Passados dois anos, quando a gente lê os jornais de hoje, a gente lê claramente as notícias que mostram que a situação é preocupante.

            Uma manchete aqui diz: “Metalúrgicos de São Paulo alegam que reajuste de 8% no ano passado já foi corroído por alta de preços”. Ou seja, abre-se negociação salarial, começando-se a ter o gatilho da indexação; ou não se faz o gatilho e os trabalhadores perdem o valor dos seus salários.

            E a gente esquece que as famílias do Bolsa Família começam a ter corroído o valor da bolsa que recebem, até porque, se a inflação está alta, acima de 6,5%, que era o limite da meta para o conjunto da economia, a chamada inflação dos pobres, aquela que mede o aumento de preço dos bens de consumo das camadas mais pobres, está acima de 10%. A gente precisa estar alerta a isso.

            A balança comercial tem o pior resultado desde 1995, ou seja, 20 anos quase. Esse é um sinal grave da nossa realidade, porque é no saldo da balança comercial que temos conseguido financiar os demais gastos da nossa balança de pagamentos.

            É claro que há a possibilidade do argumento de que alguns bens que não foram considerados, por conta de a Petrobras ter feito as importações há mais tempo, não estariam entrando aqui. Nós continuamos e vem o rombo nas contas da Previdência Social, que sobem 166%.

            Nós vamos continuando a ver e saiu ontem que há uma redução do superávit fiscal, porque houve uma queda da diferença entre a arrecadação e os gastos públicos, porque os gastos públicos estão crescendo. E o pior é que não crescem apenas por culpa do Governo; existem normas constitucionais que obrigam os gastos públicos a subirem no Brasil, o que é diferente de quase todos os países do mundo.

            Então, Sr. Presidente, nós temos de despertar. Um país pode dormir em berço esplêndido, mas os políticos, as lideranças, o povo, não. O país pode dormir em berço esplêndido, mas o povo tem de estar acordado; os seus líderes têm de estar acordados. E nós estamos aparentemente vivendo uma certa letargia, não apenas essa letargia diante da economia, que, apesar de todos os indicadores - e há dois anos eu comecei a falar disso, e outros também -, apesar disso, a economia continuou passando a ideia de euforia, que, aliás, era um dos itens para o qual eu alertava de perigo na economia, a euforia.

            Euforia, às vezes, é até bom quando você está lá embaixo na economia e isso cria um clima psicológico favorável à retomada do crescimento. Mas quando a gente está em fase de descendência, quando a gente está no ponto mais alto, em que vai começar a cair, a euforia é uma tragédia. E esqueci-me de citar aqui os indicadores de crescimento do Produto Interno Bruto, que também são indicadores preocupantes, para dizer o mínimo.

            Nós vivemos uma letargia diante do quadro da economia. Mas estamos também com uma letargia diante do quadro do funcionamento da nossa democracia. O que tem acontecido, Senador, nesses últimos dias, na relação entre o Legislativo e o Executivo, e nos últimos anos, na relação do Executivo com o Legislativo, tem que nos despertar para sabermos que a democracia não está funcionando bem no Brasil. E não é só a relação entre os três Poderes que não está funcionando bem, sendo isso um indicador grave da crise da democracia brasileira, que exige sairmos desse sono, dessa letargia, dessa passividade. É também o caos partidário deste País, o caos completo, em que as pessoas são de um partido e são de outro; em que, na campanha, a gente vê alianças mais espúrias possível; em que a gente vê medidas casuísticas para tentar impedir que um partido novo tenha direito aos benefícios que os outros partidos mais antigos têm. Casuísmo.

            Eu acho que, realmente, temos que acabar com isto, com a janela: cria-se um partido e todo mundo pode emigrar para ele. Acabemos com a janela. Ou, então, digamos: cria-se a janela, o novo partido pode levar as pessoas sem ser em fidelidade, mas não leva o tempo de televisão. Ou, melhor ainda, como eu defendo, não permitir coligação no primeiro turno. No primeiro turno, cada partido tem que ter o seu candidato ou nenhum. Tem direito de não ter candidato, mas não tem direito de estar na coligação do outro. Logo, os tempos não se somam. Mas não o casuísmo que está se tentando.

            A democracia exige que o Brasil desperte, porque ela não está com os seus instrumentos funcionando corretamente. Mas não é só essa letargia. Nós temos uma letargia clara, por exemplo, do costume que estamos criando de que a população pobre do Brasil não deve ter educação, que é o caminho para sair da necessidade de bolsas. Nós estamos numa euforia porque aumentamos o número de bolsas, quando nós devemos ter um objetivo de reduzir a necessidade de bolsas. Temos que fazer com que, neste País, enquanto uma família precisar de uma Bolsa Família, ela vai ter, e com um valor maior do que esse, corrigido de perdas da inflação. Mas com o objetivo de dizer que, em dez anos, o número será metade. É difícil tirar os adultos da dependência da bolsa, Senador, mas a gente pode tirar as crianças. As crianças que hoje têm dez anos, em dez anos terão vinte, já são adultas.

            O problema é que hoje, no Brasil, nós estamos entrando na segunda geração de famílias que necessitam de bolsa. Crianças cujas famílias recebiam a bolsa dez, quinze anos atrás, hoje são pais de família que continuam recebendo bolsa. E, se as coisas continuarem dessa maneira, os seus filhos vão ser pais de família, dependentes ainda da bolsa. Nós temos que acordar para a necessidade da abolição dessa necessidade. E essa abolição, a meu ver, só virá pela educação das crianças filhas dessas famílias pobres, fazendo com que, neste País, não haja desigualdade no acesso à educação.

            Em três coisas não deveria haver desigualdade no acesso: saúde, educação e justiça. Acesso a uma casa grande ou pequena, a um carro ou a um ônibus, a viajar ou não viajar, a comer em restaurante caro ou não comer, isso é desigualdade. Mas ir a uma escola boa ou ruim não é desigualdade, é imoralidade. Morrer antes do tempo porque não tem dinheiro para pagar o médico não é desigualdade, é imoralidade. E ser preso porque não tem dinheiro para pagar um bom advogado não é desigualdade, é imoralidade. Temos que despertar para as imoralidades deste País. Temos que despertar! Estamos com um País que até parece se acordar do berço esplêndido, mas um povo que, do lado de cá, com líderes, como nós todos - e eu não jogo a culpa nos outros, nós temos que assumir que somos um grupo aqui -, que parecemos estar dormindo diante dos riscos que acontecem ao redor.

            Essa semana foi o Dia do Trabalho. O Dia do Trabalho deveria ser o dia de os trabalhadores despertarem, mas a gente vê que são eventos de sorteio de prêmios, são eventos de shows. É o lado comemorativo do Dia do Trabalho, que não faz mal nenhum que exista, é até bom, mas sem aquilo que sempre houve no Dia do Trabalho: a chama da luta, a chama da mística, a chama da busca de avanços, e não só a comemoração pelo dia dos trabalhadores.

            Hoje, para mim, a grande luta dos trabalhadores deveria ser pela educação dos seus filhos, e ela não entra na pauta dos trabalhadores. Nos acordos trabalhistas em que se discutem novos salários, melhores salários, menos horas de trabalho, como a jornada de 40 horas, a gente não vê escola melhor para os filhos dos trabalhadores. E, assim, a gente perpetua uma situação.

            O Brasil é um dos países onde ainda o conhecimento é herdado, o conhecimento não é conquistado pelo talento, é herdado pelo dinheiro, porque a criança que nasce em uma família com dinheiro compra conhecimento através da escola boa. A criança que nasce em uma família sem dinheiro fica relegada a uma escola ruim. Ou seja, a gente herda ou não herda o conhecimento, conforme a fortuna da família.

            Nós precisamos acordar. O Dia do Trabalho é o momento de falar para os trabalhadores do Brasil: Acordem! E acordem a nós políticos também. Acordem a nós políticos no dia da eleição, acordem a nós políticos se mobilizando, reclamando, gritando que nós estamos dormindo diante da crise da economia, diante da crise da política, que é tão séria, diante da crise de condenar milhões a continuarem dependentes do Bolsa Família.

            Eu poderia falar de outras letargias, como diante do meio ambiente, diante da droga, essa tragédia, mas não vou gastar tempo. Eu quero apenas deixar aqui a necessidade de descobrirmos que o Brasil ficou conhecido como um país que dorme em berço esplêndido. O País começa a acordar, mas, lamentavelmente, nós políticos, o povo brasileiro e os trabalhadores que comemoraram esse seu dia, nós estamos dormindo, nós estamos letárgicos, como se chama.

            Está na hora de gritarmos bem alto: Acordem! Acordemos para enfrentar a crise!

            E não precisa ser muito visionário, não precisa nem ser pessimista, basta ter um pouquinho de lucidez e, talvez, anos de vida para comparar com o que já passamos, para saber que essa crise está se avizinhando, ou até que a gente já a está vivendo sem percebê-la na sua totalidade.

            Acordem! É o recado que eu daria aos trabalhadores brasileiros nesse dia 1º de maio de 2013.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/05/2013 - Página 23311