Discurso durante a 74ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Questionamentos sobre a aprovação, ontem, no Senado Federal, do projeto de lei de conversão que dispõe sobre a regulação dos portos.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SENADO.:
  • Questionamentos sobre a aprovação, ontem, no Senado Federal, do projeto de lei de conversão que dispõe sobre a regulação dos portos.
Publicação
Publicação no DSF de 18/05/2013 - Página 27137
Assunto
Outros > SENADO.
Indexação
  • JUSTIFICAÇÃO, ABSTENÇÃO, REFERENCIA, VOTAÇÃO, MEDIDA PROVISORIA (MPV), MODERNIZAÇÃO, PORTO, MOTIVO, VELOCIDADE, APRECIAÇÃO, ASSUNTO, FATO GERADOR, PERIGO, DEMOCRACIA, PAIS.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Ruben Figueiró; Srªs e Srs. Senadores, ontem nós votamos aqui o que poderá ser uma boa lei para o Brasil. Ainda não acredito que seja a melhor lei para cuidar dos portos. Ela podia ser melhorada, mas acredito que poderá ser uma boa lei. Ainda tenho um pouco de dúvidas, porque ninguém sabe o que vai acontecer exatamente nessa confusão que ficou a lei, mas acho que nós votamos o que poderá vir a ser uma boa lei.

            Eu me abstive, como o Sr. Senador também, como o Senador Cícero também. Nós somos, Senador, dos cinco que nos abstivemos. E eu me abstive, porque eu preferi votar pelo Senado, pela democracia, sem pressa, em relação à busca da melhor lei possível para modernizar os portos brasileiros, inclusive para modernizar o Brasil. Mas não bastam os portos. E a educação, que é o centro da modernização? Um país pode até ter portos ruins, mas não pode ter uma educação ruim se quer ter um bom futuro.

            Ontem, nós votamos uma boa lei, possivelmente. Mas nós votamos de joelhos. Nós ontem votamos de joelhos. E isso, ainda que faça bem aos portos, ao comércio, à indústria, à agricultura, pode fazer muito mal à democracia. Porque, Senador, quando o Legislativo se ajoelha, a democracia se deita. E nós corremos esse risco não apenas pelo que aconteceu ontem, mas por muitas outras coisas! Por exemplo, o próprio comportamento aqui ontem de alguns dos nossos companheiros amigos Senadores que estavam contra a medida provisória foi ir ao Supremo pedir que interrompesse o debate. Isso também é “joelhos”. “Joelhos” não é só em relação ao Executivo, é também em relação ao Supremo.

            Eu me nego a interromper qualquer processo que esteja em marcha aqui dentro indo ao Supremo, porque é uma submissão também a um dos Poderes. Se fizermos algo aqui inconstitucional, depois de feito, se aqueles que defenderam a Constituição não prevaleceram, perderam, depois da lei, a gente vai ao Supremo, como cidadão. Mas a Casa usar o Supremo para interromper um processo? Não é correto.

            Nós estávamos de joelhos ontem!

            Por isso, como o senhor, eu me abstive. Não estava pronto para votar uma lei que tinha 1.200 páginas - não a lei, o processo, com as emendas - em quatro horas. Não havia tempo de melhorar aquela lei. Nós votamos o que pode ser uma boa lei, mas de joelhos.

            O mais grave é que não é o único indicador de que querem colocar a democracia de joelhos. Vou dar outro exemplo. Hoje a submissão dos prefeitos e dos governadores ao Poder Executivo nacional é uma ameaça à democracia. Ontem eu vi, na manchete de jornais, uma entrevista de um governador do PSB dizendo que a candidatura do Governador Eduardo Campos, do seu PSB também, ainda tinha que tomar cuidado, ainda não era tempo, ainda não estava preparada. Por quê? Porque, sendo Governador hoje, é dependente do Governo Federal. E ser governador dependente do Governo Federal não é democrático.

            Hoje o Vice-Presidente do PSB coloca nos jornais que, de fato, é irreversível a candidatura do Eduardo Campos, mas que "não podemos ameaçar os nossos [deles] companheiros prefeitos e governadores." Isso mostra que nós estamos de joelhos. Os governadores e prefeitos estão de joelhos em relação à Presidência da República. Isso não é democrático.

            Eu tenho certeza de que, se o PDT outra vez me escolhesse para ser candidato a presidente, dificilmente os prefeitos do PDT iriam para a rua defender a minha campanha, porque são dependentes.

            Não estou reclamando, nem criticando. Estou aqui analisando o sistema democrático brasileiro com a sua falha de colocar Estados e Municípios de joelhos, Legislativo de joelhos, o Supremo interferindo no Legislativo mais do que deveria. Ao mesmo tempo, o Legislativo com projeto na Câmara para tolher poder do Supremo. Essa é uma tentativa de colocar o Supremo de joelhos diante do Legislativo. Isso não é democrático também.

            A gente vê também propostas - aqui e ali saem, se recua, alguns do Governo apoiam, outros dizem que não -, medidas que tentam, eu não diria manipular, não diria influir, mas medidas que tentam regulamentar a mídia. É muito perigoso. Regulamentar a mídia é um passo para controlar a mídia. Regulamentar a mídia é um passo disfarçado de censura. Ao mesmo tempo, nós estamos de joelhos diante da imprensa, porque a imprensa age de uma maneira que não é apenas livre: é de uma maneira, muitas vezes, irresponsável, fazendo acusações que, anos depois, meses depois, são desmentidas, mas a imagem de quem foi acusado fica.

            Nós estamos de joelhos diante da imprensa, mas não podemos colocar a imprensa de joelhos diante de nós, porque seria mais perigoso ainda. Quando a imprensa faz acusações que tocam na honra de uma pessoa, tocam na honra de uma pessoa; mas, quando a gente controla a imprensa, a gente toca na honra do País inteiro.

            Nós estamos ficando de joelhos. E isso não faz com que a democracia funcione bem.

            Hoje, Senador Figueiró, eu recebi, como todo dia de manhã, minha correspondência pelo tal do Twitter, até porque tenho o número muito significativo de 333 mil seguidores. E coloquei meu voto de abstenção. E alguém perguntou: “Mas por quê?”. E eu respondi: “Porque eu não estava preparado para votar.” Logo, vieram duas respostas: “Isso se chama ficar em cima do muro”.

            Sabe o que isso quer dizer, Senador? Que o Brasil não está mais dividido entre as posições A e B: está dividido entre quem é a favor do Governo e quem é contra o Governo. Para os favoráveis ao Governo, tudo que for favorável ao Governo vale; para quem é contra o Governo, tudo que for contra o Governo vale. As pessoas perderam a capacidade de refletir o que para elas parece certo ou parece errado.

            O muro não é em cima de governo ou oposição. O muro é em cima de ter ou não ter convicção. Isto é o que diz se uma pessoa está em cima do muro: não ter convicção. Mas, se tem convicção, tem de ficar a favor do Governo, contra o Governo, e, às vezes, dizer “Eu não estava preparado para votar”. Se a pessoa não está preparada para votar, ou sai daqui, ou se abstém. Sair daqui é ausência. Então, abstém-se.

            Nós votamos ontem uma lei que pode ser boa, mas votamos de joelhos. Quando a gente vota de joelhos, nem as melhores leis são boas, até porque as leis podem esperar um pouco, mas a democracia, quando ela se rompe, quando ela se arranha, é muito difícil reconstruir. E hoje já é muito difícil reconstruir plenamente a democracia, Senador. Já está difícil.

            Como reconstruir uma democracia em que a imprensa seja totalmente livre e, ao mesmo tempo, totalmente responsável? Como reconstruir uma democracia em que os três Poderes funcionem harmonicamente, mas sem submissão de nenhum deles? Submissão que vem, por exemplo, da vergonha de se falar que, para aprovar a lei, foi preciso liberar emendas de Parlamentares.

            Ou seja, eles votaram pelas emendas? Eles não votaram pela convicção da modernização dos portos? Como já se acusou do uso de mensalão, como se acusa de compra de votos para aprovar a mudança na Constituição, que permitiu a reeleição de Presidente que elegeu, como primeiro Presidente reeleito, o Presidente Fernando Henrique Cardoso.

            Está difícil reconstruir essa democratização; está difícil fazer com que os governadores não fiquem de joelhos, os prefeitos não fiquem de joelhos, o Legislativo não fique de joelhos, o Supremo não fique tolhido, o Executivo não fique tutelado, mas que fique em harmonia com o poder do povo, que é nesta Casa, no Congresso Nacional.

            Outras mensagens disseram: “Mas que Congresso é esse que nós temos?” E vamos falar com franqueza: que Congresso é esse que nós temos que passa a imagem de que vota por liberação de emendas? Que vota por fisiologismo? A maneira como funcionou, na Câmara, a Base de Apoio do Governo demonstra a fragilidade da democracia, porque é uma Base de Apoio organizada não conforme os contornos ideológicos, que separam um grupo do outro, mas contornos fisiológicos, que permitem migrar de um lado para o outro.

            Vota-se num dia de um jeito; no outro dia, de outro, não porque a consciência está sempre num mesmo rumo e as coisas que chegam é que mudam. Não. Vota-se de um lado para o outro, conforme os interesses imediatos do processo eleitoral, ou conforme outros interesses escusos - porque o interesse eleitoral a gente nem pode dizer que é escuso -, mas não é o melhor.

            Nós votamos ontem o que pode ser uma boa lei, mas votamos de joelhos. E isso é muito perigoso. O Presidente Renan, como o senhor mesmo disse há pouco, assumiu o compromisso aqui de que essa foi a última aberração. Dizer que uma aberração foi a última é muito correto depois de ela ter ocorrido, mas ele disse antes de ela ocorrer. Isso não foi bom; não foi bom para a educação do nosso povo, para a educação dos nossos jovens, que olha para a política, que diz: “O Senado só vai cometer essa última aberração.”

            E muita gente não acredita que foi a última. Por quê? Porque nós estamos de joelhos diante das chantagens de que se não aprovar aquela medida provisória ela cai e aí vem o caos. O pior é que pode ser verdade. Há medida provisória que se for barrada aqui depois de 45 dias gera um caos, porque ela já está em vigor há 45 dias. Como é que fica quem já se beneficiou de uma medida provisória que cai? Então há medidas provisórias que vão chegar aqui como um sequestrador com um revólver na nossa cabeça. Ou vota-se a favor da medida provisória ou o País explode. Isso é chantagem. Chantagem a gente só enfrenta correndo risco de todas as consequências que vierem.

            Nós ontem votamos uma boa lei, possivelmente - não estou certo ainda -, mas uma lei necessária, senão daquela forma, mas votamos de joelhos. Isso é perigoso, isso é uma ameaça à democracia. E a democracia é mais importante do que todas as leis, porque é ele que fabrica as leis, é ela que permite corrigir o que as leis fazem de errado.

            Eu disse ontem aqui, Senador, durante o debate, que não foi a primeira vez que o Senado aprovou uma lei em poucas horas. A mais importante lei, para mim, que este Senado já aprovou em toda a nossa história de quase 200 anos, é a Lei que abolia a escravidão. Ela chegou de manhã e saiu de tarde daqui. Mas era uma lei que tinha sete palavras. Essa eu não consegui fazer as contas direito, mas deve ter - não a lei, mas o processo da lei - dezenas de milhares de palavras. Vinte mil talvez, pelo tamanho que a gente vê - que eu devia até ter trazido para mostrar hoje aqui o que é o tamanho do documento. É isso assim! O tamanho do documento que nós votamos ontem lido em quatro horas. Era desse tamanho. A Lei Áurea tinha sete palavras: “Fica abolida a escravidão no Império do Brasil”. Além disso, tinha uma nitidez que era abolir a escravidão. Além disso, tinha uma imediaticidade, na hora em que ela foi assinada ela entrou em vigor. A Lei dos Portos não. A Lei dos Portos, mesmo depois de sancionada, vai levar meses, anos para que ela de fato surta o resultado.

            Ou seja, se levou tanto tempo para ser aprovada - dez anos de Lula e Dilma, oito anos de Fernando Henrique Cardoso; dezoito anos -, por que não podia esperar aqui mais dois, três meses? E, se ela vai demorar dois, três, cinco anos para dar resultados, por que não podia esperar mais 45 dias, um mês, dois meses, três meses?

            A Lei Áurea não. A Lei Áurea não podia esperar mais nem um dia, pelo sofrimento de quase 1 milhão de escravos. E ela os libertou naquela tarde. Os escravos foram dormir escravos no dia 12, mas não foram dormir escravos no dia 13, porque o Senado, em poucas horas, pegou uma lei que veio da Câmara, aprovou-a, e a Princesa Isabel a assinou imediatamente. Foi aprovada e levada lá para o Paço - onde a Princesa ficava, no Palácio - para ser assinada.

            Mas essa? Essa não tinha essa urgência do ponto de vista de minutos, embora tivesse, sim, do ponto de vista histórico. Há uma coisa que as pessoas não estão percebendo: existe uma urgência histórica e uma emergência do imediato.

            A seca no Nordeste hoje traz emergência. O atendimento dos pobres traz uma emergência. A mudança dos portos tinha, sim, uma necessidade imediata e emergente do futuro, histórica. E a história a gente não mede no mesmo relógio que a gente mede a vida. A vida a gente mede no relógio dos segundos. A história a gente mede no relógio de anos, de meses, que seja, mas nunca de segundos.

            Olhando-se para o relógio se daria meia-noite; submetendo-se a essa chantagem do relógio. Eu temi, Senador. Eu fiquei de olho, porque, se demorasse mais algumas horas, eu temia que a gente atrasasse o relógio para poder cumprir a lei antes da meia-noite. Quando desse 11h30, iriam colocar 10h30. Já se fez isso em alguns lugares, em alguns momentos. Eu temi que isso pudesse vir a acontecer. Isso não seria, obviamente, democrático. Obviamente.

            Não é tão óbvio, que não foi democrático da maneira que a gente fez. Mas algumas coisas mostram isso. Por exemplo, o constrangimento dos Senadores que eram a favor da lei. Fazia tristeza os Senadores que não podiam se manifestar, que eram contra aquele tipo de pressão e que tinham que votar a favor da lei - não por serem governistas, mas porque querem modernizar os portos. E não havia condições de demorar um pouquinho mais de tempo para a gente analisar, porque o Governo preferiu uma medida provisória em vez de um projeto de lei. Porque projeto de lei não tem aquele prazo da meia-noite. Haveria tempo, sairia uma lei melhor e sairia uma lei por um Senado de pé, e não de joelhos, como, no final, saiu a Lei dos Portos daqui ontem.

            Eu votei, ontem, não foi contra a modernização, não foi contra o Governo, não foi com a oposição, eu votei aqui com o Senado, eu votei aqui com a democracia, eu votei aqui para o Senado ficar de pé, em vez de aprovar uma lei que pode ser até boa, mas que foi votada de joelhos.

            Senador, é isso o que eu tinha para colocar aqui hoje, nesta sexta-feira de manhã, dizendo que, às vezes, a gente pensa depois e diz: “Caramba, esse voto podia não ser o certo”. Pois eu estou, absolutamente, tranquilo e consciente de que a abstenção, que não é uma coisa de que a gente goste, foi certa, foi a única coisa que eu podia fazer corretamente diante de um projeto desse tamanho, que me chegou aqui agora - desse tamanho -, com quatro horas para ver, mesmo que digam que a gente já devia ter vindo estudando isso há tempo.

            Mas como é que Câmara votou? Ela tinha o poder de mudar. E alguns dizem: “Mas não mudou nada”. Mas cadê o papel para a gente ver que não mudou nada? Porque já aconteceu de se dizer uma coisa e, no Diário Oficial, sair outra; de se dizer e de não ser feito. Faz-se de uma maneira, diz-se de outra e sai como foi feito. Tinha que ver direitinho.

            Será que essa é a melhor lei para os portos brasileiros? Essa era a minha pergunta. E eu não tinha tempo de saber se era ou não. Como eu ia votar “sim” ou “não”? E como é que eu ia embora faltando? Não, eu optei por ficar e por dizer: “Não tive tempo de olhar, não tive tempo de ler, não tive tempo de estudar. Por isso não tenho tempo de votar ‘sim’ ou ‘não’ pela modernização dos portos, como eu desejo.” Mas eu pude, sim, votar para que o Senador ficasse de pé. Eu votei pelo Senado, pela democracia!

            É isso Senador.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/05/2013 - Página 27137