Discurso durante a 72ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Reflexões sobre a redução da maioridade penal; e outro assunto.

Autor
Ângela Portela (PT - Partido dos Trabalhadores/RR)
Nome completo: Ângela Maria Gomes Portela
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
CODIGO PENAL.:
  • Reflexões sobre a redução da maioridade penal; e outro assunto.
Publicação
Publicação no DSF de 16/05/2013 - Página 26252
Assunto
Outros > CODIGO PENAL.
Indexação
  • CRITICA, PROPOSTA, REDUÇÃO, MAIORIDADE, RESPONSABILIDADE PENAL, COMPARAÇÃO, DIREITO PENAL, PAIS ESTRANGEIRO, RELAÇÃO, VIOLENCIA, VITIMA, JUVENTUDE, DEFESA, MEDIDA SOCIOEDUCATIVA.

            A SRª ANGELA PORTELA (Bloco/PT - RR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Senador Jorge Viana, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, quero também aqui, meu caro amigo, Senador Jorge Viana, declarar a minha solidariedade ao Governo do Acre, ao Governador Tião Viana, sabendo da seriedade, da competência e do trabalho que o Senador Tião Viana realiza no Estado do Acre. Sem dúvida nenhuma, ele vai tomar todas as medidas para resolver essa questão em que a Polícia Federal já está atuando. E, com a dedicação e o cumprimento do seu trabalho, que sempre pautou a vida do então Senador Tião Viana - hoje, Governador do Acre -, certamente, vai superar esse momento no Estado do Acre. Não tenho dúvida disso. Por isso, Senador Jorge Viana, quero que leve o nosso abraço, a nossa solidariedade, ao Governador Tião Viana.

            Senhores Senadores, gostaria de trazer um tema de extrema relevância, aqui, hoje, nesta tarde, no Senado Federal: é a questão da maioridade e menoridade penal.

            Estamos assistindo, nos últimos dias, a um vendaval de opiniões acerca desse tema. Como em outras ocasiões, sempre que acontece um crime hediondo, praticado por um menor de idade, a sociedade brasileira é arrebatada por uma sensação de impunidade. Essa sensação se transforma em sentimento de revolta e entra em cena a discussão sobre a necessidade de os poderes instituídos adotarem medidas rigorosas de punição aos menores infratores da lei.

            Neste cenário, testemunhamos um desfile de opiniões a favor da redução da maioridade penal. Mas, afinal, o que é maioridade penal? Podemos dizer que é a definição de um patamar de idade, um período no qual o indivíduo que venha a cometer um crime, não pode ser condenado pelas regras do Código Penal.

            Desta forma, o art. 228, da Constituição Federal, estabelece que são "penalmente inimputáveis os menores de 18 anos", ao mesmo tempo em que determina que os menores em conflito com a lei estão "sujeitos às normas da legislação especial".

            Trata-se do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que assegura, em seu art. 112, que medidas socioeducativas são aquelas aplicáveis a adolescentes que praticarem atos infracionais. Essas medidas têm caráter predominantemente educativo.

            Senhor Presidente, nobres Senadores, é bem verdade, que estamos vivendo num contexto de banalização da vida. No Brasil, todos os dias, somos arrebatados por atos de violência: é a violência policial, a violência de gênero, de raça/etnia, de crença, de classe social e a violência no trânsito também.

            Nos últimos anos, muitas famílias estão sendo destroçadas por atos de violência - urbana e rural - que afetam, especialmente, mulheres, idosos, crianças e adolescentes.

            Mas, verdade seja dita, são atos de violência praticados não só por menores de 18 anos, mas, principalmente, por pessoas que são maiores de idade.

            Nesse universo de desesperança, a sociedade só consegue enxergar na redução da maioridade penal o caminho para a solução de um problema social que, sabemos, é permeado de complexidades. Complexidades que vão desde conceitos até as condições sociais, econômicas e culturais dos indivíduos envolvidos.

            Nesse jogo de alteração da lei, em que as cartas tentam imprimir aos jovens a responsabilidade individual por delinquência, vale ressaltar alguns dados da ONU. Tomando 55 países da pesquisa da ONU como base, constatamos que, na média, os jovens representam 11,6% do total de infratores nos países pesquisados. Já no Brasil, a participação dos jovens na criminalidade está em torno de 10%.

            Mesmo assim, sob o argumento de que "a medida já é adotada no mundo inteiro", alguns defensores do enrijecimento da punição aos menores de idade sequer se dignam a aprofundar o debate acerca desse fenômeno social que nos inquieta.

            No mundo, não somente a concepção do que seja juventude, mas também a idade para a ampliação da maioridade penal varia muito de país para país. Em muitos países, o conceito de juventude está diretamente ligado à cultura, fazendo com que varie bastante a idade para ser considerado jovem ou criança.

            De igual maneira, no caso da definição da maioridade penal, em muitos países, a idade mínima para a responsabilidade criminal também sofre grandes variações. Há países que estabelecem a idade mínima de seis anos para a punição da prática de crimes, mas há também aqueles que consideram importante respeitar o tempo da adolescência das pessoas.

            No México e nos Estados Unidos, por exemplo, a idade penal é estabelecida entre os 6 e os 12 anos, conforme o Estado. Em países como a Argentina, Chile e Cuba, a maioridade penal começa aos 16 anos.

            Em Portugal, embora a maioridade penal esteja estabelecida a partir dos 16 anos, o agente está sujeito a regime penal especial previsto no Código Penal português até os 21 anos de idade.

            Na Polônia, a maioridade penal começa aos 17 anos, e, no Brasil, Colômbia, Peru, Luxemburgo, a maioridade penal é estabelecida aos 18 anos. Recentemente, a Alemanha e Espanha elevaram para 18 anos a idade penal.

            Mirando-me nesse cenário, Sr. Presidente, trago a esta tribuna dados da ONU que revelam ser minoria o total de países que definem o adulto como pessoa menor de 18 anos e que mostram que a maior parte desses países não assegura aos seus jovens os direitos básicos da cidadania.

            O estudo da ONU sobre 57 legislações mostra que apenas 17% adotam idade menor do que 18 anos como critério para a definição legal de adulto. São eles: Bermudas, Chipre, Estados Unidos, Grécia, Haiti, Índia, Inglaterra, Marrocos, Nicarágua, São Vicente e Granada.

            De acordo com o estudo, exceto os Estados Unidos e a Inglaterra, os demais países são considerados pela ONU como nações de médio ou baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) - um IDH muito baixo.

            Enquanto nesses dois países os jovens têm asseguradas condições mínimas de educação, saúde e alimentação, nos demais países, esses direitos estão longe de serem garantidos à população mais jovem.

            No caso do Brasil, Sr. Presidente, não há como igualar a legislação penal de nosso País à da Inglaterra e à dos Estados Unidos sem considerar a qualidade de vida que, diferentemente da realidade daqui, os jovens desfrutam em nações desenvolvidas.

            Neste Congresso Nacional, tramitam mais de 50 propostas relativas à mudança da maioridade penal. No Senado, temos hoje cinco propostas de redução da maioridade penal. Mas a discussão está centrada em torno da redação do art. 228 da Carta Máxima, que, aliás, constitui uma cláusula pétrea, que, sabemos, não pode ser modificada.

            Todavia, o debate sobre a redução da maioridade penal está na pauta da sociedade, e essa sociedade quer uma resposta.

            Desta discussão, é claro, não podemos fugir. Porém, o debate sobre a redução da maioridade penal não pode ser feito à luz do descaso, do distanciamento e da indiferença sobre as condições em que vivem nossos jovens e nossos adolescentes.

            A Presidente da Comissão de Direitos Humanos, a Senadora Ana Rita, já informou ao Colegiado que vai discutir a maioridade penal com especialistas, parentes de vítimas e entidades da sociedade civil, do Governo e do Poder Judiciário.

            Penso que, nesse debate, precisamos ouvir com parcimônia teóricos e pesquisadores do assunto, assim como famílias que foram destroçadas pela violência causada por menores de 18 anos, assim como juristas, políticos e atores sociais ligados à questão.

            O Brasil, atualmente, tem cerca de 20 mil crianças e adolescentes - que ainda não completaram 18 anos - internados em centros para jovens em conflitos com a lei, por envolvimento em casos de roubo, tráfico de drogas, estupros e até mesmo assassinatos.

            Mas não temos como pensar em soluções para o problema em pauta de uma forma única, insensata ou mesmo sob o efeito da dor e do ódio. Estamos tratando de um assunto que envolve diretamente e claramente pessoas que são vítimas do sistema excludente que, por muitos anos, vigorou...

(Soa a campainha.)

            A SRª ANGELA PORTELA (Bloco/PT - RR) - ...em nosso País e que, de certa forma, ainda não foi superado, apesar das ações de inclusão social e cultural adotadas pelo Governo brasileiro nos últimos anos.

            São, em muitos casos, cidadãos e cidadãs que, pela origem e classe social, vivem em situação de vulnerabilidade social e que, antes de serem incriminadas, precisam mesmo é de atenção, é de educação, é de oportunidade.

            Não podemos esquecer que eles também são vítimas em potencial da violência que tanto tememos. Dados oficiais dão conta de que, somente em 2010, mais de 8,6 mil crianças e adolescentes foram assassinados no Brasil. Portanto, os jovens são as maiores vítimas da violência no País.

            Ademais, não é com o endurecimento da legislação que vamos inibir a prática de crimes bárbaros por menores.

(Interrupção do som.)

            A SRª ANGELA PORTELA (Bloco/PT - RR) - Quanto mais tenra a idade, mais possibilidade terá o menor de praticar crimes, porque são incitados por bandidos e chamados pelo narcotráfico.

            Temos saídas. Várias, aliás. Ontem mesmo, em audiência na Comissão de Educação, o ex-Senador e hoje Ministro Aloizio Mercadante defendeu que, em vez de reduzirmos a idade de imputabilidade penal, ampliemos a pena para os criminosos que, sem medo de punição, se utilizam de crianças e adolescentes para o crime.

            Considero muito procedente essa proposta que, indo diretamente ao cerne do problema, propõe que o rigor da lei seja direcionado para aqueles que, em grupo ou individualmente, induzem, constrangem menores à prática de ações delituosas ou ajudam esses menores na prática de crimes.

            Como educadora, como mãe e como cidadã, penso que, em vez de transformarmos crianças e adolescentes em vítimas...

(Soa a campainha.)

            A SRª ANGELA PORTELA (Bloco/PT - RR) - ...sem esperança do sistema prisional, precisamos dar-lhes cidadania, proteção e educação.

            No caso das medidas socioeducativas, podemos, sim, aperfeiçoá-las, de forma a fazer com que os adolescentes envolvidas em crimes mudem de vida, passando a respeitar a vida dos outros, como forma de garantir a sua liberdade, os seus direitos e suas próprias vidas.

            Por isso, Sr. Presidente, queríamos aqui registrar a nossa opinião contrária à redução da maioridade penal.

            Era isso que tinha a dizer, Sr. Presidente.

            Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 16/05/2013 - Página 26252