Discurso durante a 72ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Lamento pelo enfraquecimento da democracia brasileira; e outro assunto.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ESTADO DEMOCRATICO.:
  • Lamento pelo enfraquecimento da democracia brasileira; e outro assunto.
Publicação
Publicação no DSF de 16/05/2013 - Página 26267
Assunto
Outros > ESTADO DEMOCRATICO.
Indexação
  • COMENTARIO, CONFLITO, DISCUSSÃO, MEDIDA PROVISORIA (MPV), PORTOS, APREENSÃO, PREJUIZO, DEMOCRACIA, BRASIL, REFERENCIA, DESEQUILIBRIO, RELACIONAMENTO, PODERES CONSTITUCIONAIS, EXCESSO, PODER, EXECUTIVO, JUDICIARIO, REDUÇÃO, LEGISLATIVO, POLITICA PARTIDARIA, CORRUPÇÃO, AUSENCIA, CONFIANÇA, POPULAÇÃO, POLITICA.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Senador Jorge Viana, eu quero dizer que a interrupção da minha fala pelo Senador Figueiró é mais do que merecida e faço como minhas as palavras dele a seu respeito, a respeito do Tião e a respeito do seu pai também.

            O SR. PRESIDENTE (Jorge Viana. Bloco/PT - AC) - Obrigado, Senador Cristovam.

            Vindo de V. Exª, que conviveu com o Tião e convive comigo aqui, é uma honra para todos nós sermos merecedores de um comentário como esse de V. Exª.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF) - Convivi com ele e fiz muita força para que ele fosse Presidente desta Casa.

            Sr. Presidente, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, Senador Casildo, ontem, fiquei até muito tarde - ou muito cedo, depende da referência - assistindo o que acontecia na Câmara dos Deputados e o que é que está acontecendo com esse assunto da MP dos Portos.

            Quero dizer que, embora a maior parte de nós fique preocupada com a violência verbal ou até mesmo física que chegou a haver, eu fico mais preocupado ainda com o que está acontecendo com essa medida provisória. É a demonstração de uma crise muito mais profunda, é um esgotamento do atual modelo de funcionamento da nossa democracia.

            A nossa geração, Senador Casildo - e na nossa geração eu ponho quem tem de 35 até 80 anos -, deixa uma marca boa no País. Deixa uma marca boa do restabelecimento da democracia, da estabilidade monetária, de um programa generoso de transferência de rendas. Nós deixamos uma marca: da presença do Brasil no cenário internacional. Nós deixamos uma marca, mas o que fizemos está se esgotando.

            A estabilidade monetária está profundamente ameaçada e não estamos, aparentemente, despertando para isso. As transferências de renda que são a grande coisa, as bolsas estão se eternizando e isso é sinônimo de seu fracasso, como uma vez o Senador Casildo disse quando falei haver percebido dessa maneira: o fracasso do êxito da permanência.

            Está se esgotando outro êxito dos nossos tempos, que foi o crescimento da economia brasileira. Está se esgotando! Não dá para continuar crescendo um PIB baseado em agroindústria, baseado em agrobusiness, baseado em fabricação de automóveis; um modelo concentrador da renda, tão concentrador que é preciso abrir mão dos impostos dos automóveis, dinheiro que ia para o setor público, para servir a nós que compramos automóveis. Está havendo um esgotamento.

            E ontem, Senador Jorge Viana, o que percebi, nessa crise que a gente está vivendo, é um esgotamento; o pilar da democracia sendo corroído.

            Veja bem, eu listei dez pontos, Senadora Vanessa, que a meu ver ameaçam o funcionamento da democracia.

            Primeiro, a indefinição nas relações com os três Poderes. Essa indefinição, hoje, marca o funcionamento da nossa democracia, e não é bom para a nossa democracia. A gente não sabe quem foi eleito ou não, porque isso depende de processo que se manda para o Supremo para saber se, até o último momento, aquela eleição vale; nós não sabemos as regras da próxima eleição, não sabemos; nós não sabemos se o que aqui nós votamos o Supremo vai manter ou não, Senadora Vanessa. Faz 15 dias, o Supremo parou um processo de votação, de debate ainda, dentro do próprio Congresso. Mas, ainda mais grave - o Senador Jorge Viana também falou aqui sobre isso -, alguns dos Senadores foram fazer um beija-mão. Dois erros: erro do Supremo de interromper um debate, e erro de nós Senadores irmos lá pedir e parabenizar, como um beija-mão, para que continue isso.

            Este é um item: a indefinição das relações entre os três Poderes.

            Outro: o excessivo poder do Executivo. Tirando o período militar, nunca um Executivo teve tanta força como tem atualmente, inclusive com o poder de nomear Parlamentares. As pessoas se surpreendem quando digo isso, Senador Jorge Viana, mas o Poder Executivo (federal, municipal ou estadual) nomeia Parlamentares. Como? Nomeando secretários e ministros. Ao nomear secretário ou ministro um Deputado ou Senador, ele está nomeando o suplente dele, porque qualquer voz contra o Governo de um suplente, imediatamente o Poder Executivo manda de volta o titular. Isso faz com que o Poder Legislativo fique refém do Poder Executivo.

            Terceiro item: o uso rotineiro de medidas provisórias.

            As medidas provisórias não são instrumentos negativos, não são instrumentos antidemocráticos, são instrumentos necessários para um tempo em que o processo é muito dinâmico na vida social. Agora, usar medida provisória quando se podem usar projetos de lei, isso é uma interferência, é um autoritarismo, é um poder do Executivo que corrói a democracia. Medida provisória é para casos excepcionais de urgência, além daquela urgência que o Governo pode determinar, quando manda um projeto de lei. Manda um projeto de lei e diz: regime de urgência. Temos o prazo para aprovar, mas, enquanto não aprova, não vale. A medida provisória é a corrupção desse processo, por quê? Porque vale a lei enquanto o Congresso não se manifesta e, se ele não se manifesta no tempo, aquela lei morre, o que gera um caos.

            Temos, ainda, um quarto problema, a meu ver, que corrói a democracia: é a formação de um bloco majoritário tão avassalador que a oposição desaparece. Ontem, o Presidente Lula disse uma boa frase: “Imagine o Brasil sem o PT.” Realmente, não seria bom; mas digo: imagine o Brasil só com o PT. Seria pior ainda! Não porque é o PT, qualquer partido sem uma oposição ativa, presente, combativa e propositiva - que estão faltando, na nossa oposição, propostas - não temos uma boa democracia.

            Essa força avassaladora é ainda pior quando falo no quinto problema que, a meu ver, corrói a democracia: que é a falta de nitidez ideológica nos partidos, que faz com que tenhamos não só um bloco majoritário avassalador - pior -, um bloco avassalador, Senador Jorge Viana, composto sem nitidez ideológica, composto, em grande parte, fisiologicamente, seja por dinheiro, seja por cargos. E é isso que faz com que a votação entre nesse caos. Por que ela entra nesse caos? Porque se formou um bloco circunstancial, conjuntural, de interesses, não de propostas comuns. E, como os partidos não têm nitidez - que é uma tragédia à democracia -, os próprios partidos se dividem.

            Recentemente, tivemos a votação do ICMS. Dois únicos Partidos nesta Casa tiveram identidade no voto: o PSOL, que só tem um, não podia se dividir; e o PCdoB - que elogio aqui -, porque a Senadora Vanessa votou igual ao Senador Inácio. Não votou, mas se manifestou. Fora isso, todos os outros partidos se dividiram. E eu não estou acusando os outros. O meu é deste mesmo tipo: sem nitidez ideológica, sem uma composição de propostas que nos unifique. Isso ameaça a democracia.

            Um outro, é claro, é a corrupção, que provoca fragilidade da democracia. As democracias não resistem se toleram corrupção, porque o povo começa a ter saudade do regime autoritário, quando a corrupção não aparecia. Não é que não existia, mas não aparecia. Agora aparece. É bom aparecer? É, mas, se ela existe, fragiliza a nossa democracia.

            Outro ponto são as alianças espúrias, as fotos de candidatos durante o processo eleitoral. Candidatos que antes se acusavam de uma maneira radical e que, nas eleições, se beijam uns aos outros. Recentemente, o beijo de um ministro na mão da Presidente, depois que esse ministro - não faz meses, faz horas - batia de uma maneira duríssima! Na própria eleição para prefeito de São Paulo, aquela foto corrói a democracia! E todos sabem de qual foto estou falando, no jardim de uma casa.

(Soa a campainha.)

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF) - Um outro ponto - e eu peço um tempinho para concluir - é a falta de credibilidade da política. Hoje a política está sem credibilidade e nós todos, os políticos, também. E não tentem pôr exceção! Não tentem pôr que aqui há melhor ou pior, do ponto de vista da credibilidade. Há diferenças, sim!

            Essa falta de credibilidade traz um problema muito sério para a nossa democracia, que é o nono ponto de que falo: é a incapacidade para mobilizarmos os jovens. Não há democracia se os jovens não entram nos partidos, se os jovens não se mobilizam, se os jovens não fazem política nas universidades, nos grêmios estudantis do ensino médio, em partidos, em ONGs, na rua! E nós, hoje, não conseguimos mais atrair jovens para essas atividades da política. Não há democracia! Ou há uma democracia senil, de velhos, e não a democracia forte dos jovens.

            Finalmente, Sr. Presidente, a relação da mídia com a política: nós temos hoje uma oscilação da mídia que é muito preocupante.

            Por um lado, a tentativa de o Estado controlar a mídia, seja por meio de dinheiro das publicidades, seja por meio de propostas no Congresso. Mas, do outro, a mídia sendo manipulada por interesses privados, seja pelo pagamento de publicidade, seja pelo obscurecimento ideológico e a opção que fazem ver coisas erradas de um lado - sempre erradas - e certas, sempre do outro lado.

            Pois bem, Sr. Presidente, ontem, como eu disse ao começo, assistindo ao debate na Câmara dos Deputados,...

(Soa a campainha.)

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF) - ... eu fiquei assustado. Não assustado apenas com o fato de que uma medida necessária, da qual falarei no debate aqui - sobre a MP -, estivesse entrado num processo tão caótico de votação, mas a minha preocupação ao ver quase cada um destes itens se manifestando ali: as alianças espúrias, um bloco avassalador sem nitidez ideológica, os partidos divididos, o interesse nacional colocado em segundo plano.

            Eu virei aqui, Senador, mais tarde, falar da MP, quando chegar a hora, se é que vai chegar, porque amanhã termina o prazo. Mas eu não queria deixar de passar esta mensagem, esta preocupação, esta angústia com a maneira como a democracia brasileira está sendo corroída, e nós, que a construímos, incapazes de corrigi-la.

            Era isso, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 16/05/2013 - Página 26267