Discurso durante a 79ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Críticas à atuação da Presidente da República, Dilma Roussef, especialmente no que diz respeito a assuntos federativos.

Autor
Aloysio Nunes Ferreira (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/SP)
Nome completo: Aloysio Nunes Ferreira Filho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PRESIDENTE DA REPUBLICA, ATUAÇÃO.:
  • Críticas à atuação da Presidente da República, Dilma Roussef, especialmente no que diz respeito a assuntos federativos.
Aparteantes
Cristovam Buarque.
Publicação
Publicação no DSF de 24/05/2013 - Página 29084
Assunto
Outros > PRESIDENTE DA REPUBLICA, ATUAÇÃO.
Indexação
  • CRITICA, ATUAÇÃO, DILMA ROUSSEFF, PRESIDENTE DA REPUBLICA, REFERENCIA, POLITICA, ASSUNTO, PACTO FEDERATIVO, FALTA, COORDENAÇÃO, CONFLITO, FEDERAÇÃO, AUSENCIA, PROJETO, PAIS.

            O SR. ALOYSIO NUNES FERREIRA (Bloco/PSDB - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Com revisão do orador.) - Muito obrigado, Senador Paim.

            Penso que V. Exª falou em nome de todo o Senado nessa lembrança do grande líder que foi o Senador Mário Covas.

            Sr. Presidente, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, a revista Forbes indicou a Presidente Dilma Rousseff como a segunda mulher mais poderosa do mundo, atrás apenas da Primeira Ministra da Alemanha Angela Merkel.

            Poderosa realmente é a Presidente Dilma Rousseff. Poderosa, porque o Presidente da República do Brasil é sempre poderoso. Ele dispõe de um arsenal de medidas constitucionais, para começo de conversa, de que poucos presidentes dispõem - nem o Presidente dos Estados Unidos: iniciativa exclusiva, no início da tramitação de determinadas matérias; medida provisória; urgência constitucional; poder de veto, e vetos que ficam engavetados anos e anos. O Presidente da República tem instrumentais políticos inúmeros à sua disposição, a começar pela possibilidade de, mediante alianças políticas, compor uma base parlamentar que lhe dê sustentação e que lhe permita, no que diz respeito ao Legislativo, cumprir o seu programa de governo, assegurar a governabilidade. Ele tem um poder simbólico da Presidência. O Presidente da República é, em alguma medida, um pedagogo. Transmite ao país ideias, forças. Ele tem a capacidade de mobilizar as energias da Nação em torno de um projeto, quando há projeto, com acesso inclusive quase que irrestrito ao rádio e à televisão, não apenas nos horários ditos gratuitos, requisitados pela Presidência, mas também pela faculdade e capacidade que tem a Presidência de gerar a pauta dos noticiários. Basta dar um pontapé inicial num estádio de futebol e pronto: é a primeira página dos jornais e é matéria de destaque nos noticiários da televisão.

            A Presidenta Dilma é também ela mesma muito poderosa porque tem um grande prestígio político.

            As pesquisas de opinião mostram um grau elevado de aprovação do seu Governo.

            Agora, Srª Senadora Lúcia Vânia, eu, que não me deixo levar pelo ufanismo dessa notícia, me pergunto para que esse poder? Como esse poder está sendo utilizado pela Presidente e pela Presidência da República em relação a algumas questões que são absolutamente fundamentais e chaves para a Nação? Não me refiro aos assuntos do dia a dia da administração cotidiana, mas a questões que são decisivas para a coesão nacional, para o desenvolvimento do País, para maior homogeneidade na distribuição da riqueza nacional, para a paz política no Brasil. E aí tenho de tocar num ponto chave, objeto de tantos discursos, e que a cada momento é evocado a respeito de tudo, que é a questão federativa.

            A Federação é cláusula pétrea da Constituição.

            A Federação é compromisso no Brasil.

            A estrutura federativa do País é algo que define a nossa identidade como Nação, na medida em que consegue manter unido este País imenso, com culturas diferentes, com sensibilidades diferentes.

            Não é à toa que a Federação é cláusula pétrea, intocável da Constituição.

            Ora, não basta ter a Federação inscrita entre as cláusulas pétreas da Constituição, é preciso mantê-la. É preciso solidificá-la. É preciso torná-la algo que faça parte da nossa cultura política. E nesse ponto de vista, meus caros Senadores, infelizmente a Presidente Dilma tem falhado redondamente.

            Quero me referir agora a alguns pontos que ilustram essa minha afirmação e que são de conhecimento geral de todos, dos Senadores, da opinião pública, da imprensa.

            Em primeiro lugar, a omissão, de que quero lembrar agora e que foi objeto do tema de discurso do Senador Agripino, da Presidente Dilma no caso da disputa dos royalties do petróleo. Ao invés de agir para compor os interesses das unidades da Federação que estão hoje com as suas finanças estranguladas, inclusive por ação do Governo, que promove desonerações tributárias a custa dos cofres de Estados e Municípios - unidades da Federação diante das quais se acenou a miragem da riqueza infinita do pré-sal, essa cornucópia de uma generosidade inesgotável, que foi acenada durante a campanha eleitoral -, evidentemente quando se tratou de discutir e deliberar a respeito da partilha dessas riquezas, na falta de uma ação coordenada, de uma ação zelosa de quem tem a responsabilidade de liderar a Federação, de mantê-la coesa, de superar conflitos, de compor divergências, o que se viu aqui foi uma verdadeira guerra. Uma guerra no Senado. Não havia partido político, não havia liderança de governo, não havia nada, havia o interesse de Estados e Municípios querendo pegar o seu antes que outro pegasse.

            Na sessão do Congresso em que se deliberou sobre os vetos da Presidente Dilma, eu confesso que fiquei penalizado. Fiquei penalizado em relação à condição política dessa mulher que é a segunda mais poderosa do mundo, porque ela não foi defendida por nenhum dos seus Líderes. O veto que ela apôs ao projeto de lei da partilha dos royalties, relatado aqui desta tribuna pelo Senador Vital do Rêgo, numa sessão tumultuada, confusa; os vetos que foram lançados ao projeto por razões de defesa do interesse público e da constitucionalidade não mereceram uma palavra sequer de apoio dos seus Líderes, um muxoxo sequer, nenhum aceno de cabeça dos seus Líderes, nada. Ou ela não tem Líderes - e ela os tem, e valorosos e competentes - ou então os vetos que ela apôs ao projeto de lei cumpriram simplesmente o ritual de dizer: “olha, eu fiz a minha parte. Agora vocês é que se digladiem, vocês é que se matem, porque a minha parte eu fiz”. Vetou e não - como diria o Governador Brizola - vaquejou. Foi lá compor a sua base, empurrar, oferecer perspectivas, compensações. Simplesmente, lavou as mãos. Pilatos de saia.

            É uma atitude que, no meu entender, é prejudicial ao próprio Governo, porque, a cada episódio como esse, a base política do Governo vai se erodindo. Não é só a questão federativa que se agrava, a grande questão nacional, mas é a própria base operacional do Governo. É a própria governabilidade que vai se esboroando aos poucos.

            Outro exemplo de uma inação lamentável - de Pôncio Pilatos de saia - é o episódio da Medida Provisória dos Portos.

            Mais uma vez, como foi apontado aqui desta tribuna pelo Senador Agripino, o Governo se consumiu em sua própria contradição. Ele discursou para uma plateia em um tom e sinalizou para o mercado em outro.

            Precisava manter o discurso estatizante, compromissos com o seu passado intervencionista, compromissos com a base sindical, mas, ao mesmo tempo, estava consciente de que era preciso destravar as amarras que inibem o desenvolvimento do capital privado nos portos.

            Para fazê-lo, Sr. Presidente, era muito simples. Bastava revogar um decreto. Não precisava essa balbúrdia, essa confusão toda. Aquilo que foi a principal medida, o núcleo da Medida Provisória dos Portos, como ressaltado pelo Líder do Governo aqui Senador Eduardo Braga, poderia ser atingido com a revogação pura e simples do Decreto nº 6.620, de 2008, do ex-presidente Lula.

            Foi esse decreto que impôs uma restrição aos chamados portos privados de operarem carga de terceiros. Bastava revogar esse decreto. E se quisesse aperfeiçoar a legislação dos portos, por que não abrir um diálogo franco, aberto com a oposição, em vez de espremer o Congresso Nacional contra um calendário absurdo, imposto pela regra de tramitação de uma medida provisória?

            O que se viu foi aquele espetáculo - e eu não diria circense, porque o circo é divertido, o circo é bonito, o circo é alegre -, foi uma coisa tragicômica. Foi uma xingação: “ladrão” para cá, “MP dos Porcos” para lá, “quadrilheiro” para acolá. Entre o Governo e a oposição? Não. A oposição assistiu, estupefata, à briga entre Líderes de partidos e governistas: o Líder do PMDB, a principal Bancada nesta Casa, que tem entre seus quadros o Vice-Presidente da República, e o Líder do Partido da República, que tem, aliás, no seu acervo de cargos, o Ministério dos Transportes.

            E quando chegou ao Senado, então, foi o que se viu. Nós tínhamos um avulso, como se diz na nossa linguagem, que é o conjunto de papéis que vem da Câmara, resumindo toda a tramitação do projeto, de um palmo de altura. Um palmo! Não estou exagerando. Essa papelada foi colocada exatamente na hora em que se começava a discutir e a votar o projeto, sem que nós tivéssemos tempo para verificar se, junto com a mercadoria que veio da Câmara, preparada naquela sessão tumultuada, cujo resultado era imprevisível até minutos antes da sua conclusão, sem que nós tivéssemos tempo para examinar essa papelada, para ver se ali não estava embutido nenhum “peixe podre”.

            Nós fomos obrigados a votar. E obrigados a votar, nós não, Senadora Lúcia Vânia. Em protesto, a oposição se absteve, a oposição se colocou em obstrução, mas o Senado foi obrigado a se humilhar. A se humilhar! E mais: a Liderança do Governo e a Presidência da Casa foram premidas a algo que é quase que um pecado mortal na vida parlamentar, que é o rompimento de acordos. O rompimento de um acordo que previa, pelo menos, duas sessões deliberativas, com um tempo mínimo para que o Senado pudesse examinar uma matéria que chega aqui ao plenário.

            Felizmente, quero registrar isso. O Presidente Renan Calheiros, depois disso, profundamente constrangido, porque o constrangimento era visível na expressão do Presidente da Casa, tomou a decisão de que, enquanto for Presidente, pelo menos sete dias - é o mínimo que se pede - o Senado terá para examinar as medidas provisórias que chegam da Câmara.

            Mas disseram, a respeito desse episódio, que foi inabilidade política. Inabilidade da Ministra Ideli, da Ministra Gleisi Hoffmann. Do Ministro dos Portos nem falo, porque o Ministro dos Portos não deu uma palavra sobre a MP dos Portos. Ficou literalmente a ver navios, não disse nada - Leônidas Cristino, se não me engano, é o nome dele -, não se pronunciou, mudo como um peixe.

            Muito bem. Mas não é problema de articulação política. Eu já dizia -, poucos conhecem o verso de Camões -, “um fraco rei faz fraca gente forte”. Pode ter os melhores articuladores políticos do mundo, e aqui no Senado, nós temos, na Câmara também, nada adianta quando o Governo não tem projeto. A força da Presidência da República vem de um projeto capaz de mobilizar a opinião pública, de impulsionar as forças políticas, de dizer claramente ao País qual é o rumo que nós estamos seguindo. Então, a Presidente forte é fraca. É fraca, porque não tem um projeto que se possa compreender, que possa gerar, em torno dele, a confluência de opiniões, que possa fazer com que, mesmo a oposição sendo contrária ao Governo e procurando abrir uma alternativa política a ele, em determinados momentos, dialogue, e sente, e examine o que é melhor para o interesse do País. Mas nada disso aconteceu. A Presidente continua lavando as mãos, como, aliás, lava as mãos na questão da guerra fiscal e na questão do ICMS.

            Senadora Lúcia Vânia, V. Exª foi uma das participantes mais ativas, e, algumas vezes, nós tivemos posições diferentes a respeito da disciplina do ICMS, da alíquota do ICMS interestadual. Divergências legítimas, porque nós aqui, no Senado, examinamos a questão nacional, nunca a perdemos de vista, mas, evidentemente, o nosso olhar, de alguma forma, atravessa um cristal que decompõe a luz, e nós observamos a questão nacional sempre pela ótica do nosso interesse local: de onde nós viemos, onde nós vivemos. Isso condiciona a nossa visão nacional. Por que existe a política numa federação? Para que essas diferenças possam ser compostas, para que nós possamos continuar juntos, como estamos juntos há mais de dois séculos, como um grande País.

            Ora, na infindável questão do ICMS, mais uma vez, o que se verificou foi a omissão da Presidente da República, ao abrir mão de algo que é mais do que o poder, que é a autoridade.

            Lembremos um pouco os episódios. A Presidente poderia ter usado inúmeros instrumentos legislativos para chegarmos a um equacionamento das diferentes questões que envolvem conflitos tributários entre os Estados. Optou, evidentemente, pela medida provisória, que deveria se chamar medida ilusória, porque dá a ilusão de que vai resolver as coisas e, na verdade, complica as coisas, porque, ao não dar espaço para discussão e, ao se ver também condicionado pelo calendário, o Governo vê a sua margem de manobra reduzida. Nós somos premidos pelo calendário, somos obrigados a votar, sob pena da perda da validade da medida provisória. Mas o Governo também o é. Ele também está ameaçado pela perda de eficácia da medida provisória pelo decurso do prazo.

            Bem, a Presidente Dilma tem o vezo de enfileirar medidas provisórias, uma se sobrepondo às outras. Na segunda-feira, inclusive, farei um balanço de mais de trinta medidas provisórias, e a Casa verá que muitas delas são abandonadas no meio do caminho, morrem de morte morrida, nem precisam morrer de morte matada por oposição, por voto contrário. Elas se atropelam umas às outras.

            Enfim, a medida provisória disciplinava em detalhes, até a segunda casa decimal, as alíquotas nas transações entre os Estados, invadindo uma competência exclusiva do Senado. Ora, ao mesmo tempo em que mandava a Medida Provisória nº 599, o Governo também...

(Soa a campainha.)

            O SR. ALOYSIO NUNES FERREIRA (Bloco/PSDB - SP) - ... propôs um projeto de resolução, a pretexto de unificar as alíquotas do ICMS nas transações interestaduais. Lembro-me da proposta original do Governo, exposta à Comissão de Assuntos Econômicos pelo Sr. Nelson Barbosa - hoje demissionário, não sei se já saiu do Governo. Nelson Barbosa disse que haveria uma única alíquota de 4%, com um prazo relativamente longo para que os Estados pudessem se preparar, para que as economias estaduais que convivem com os incentivos pudessem migrar para outro tipo de incentivo; que o Governo ia bancar as diferenças com um fundo de compensação, com recursos para investimentos a serem feitos diretamente pelos Estados ou mediante agentes financeiros privados ou públicos; que ia estudar uma forma de equacionar o passado e promover uma nova negociação para convalidar os incentivos fiscais que foram dados no passado, uma vez que as situações já estavam consolidadas. Não é possível colocar pasta de dentes outra vez dentro do tubo, depois que a pasta saiu.

            Bem, o que aconteceu depois? O que era uma alíquota, quando veio o projeto, virou duas. E viraram três, na tramitação. Não é preciso ser tributarista para saber que três alíquotas são mais do que uma alíquota, que, ao invés de simplificar, tornou-se mais complexa, porque se abriram novas exceções - produtos agropecuários, comércio, mais um benefício para a Zona Franca. E aí criou-se uma enorme balbúrdia, porque, uma vez que estava franqueada a caça ao incentivo, cada um, evidentemente, queria pegar algo para o seu Estado. E o que fez o Governo? Nada. Rigorosamente nada. Ele prega uma coisa e a sua Base parlamentar faz outra.

            É falta de coordenação política? Não, é falta de projeto político. Em consequência disso, a CAE aprovou uma regra, uma proposta que aumenta mais os benefícios, que estimula a guerra fiscal e que não contentou os Estados, porque os Estados todos, escaldados, não acreditaram nas compensações anunciadas pelo Governo.

            E como resultado de tudo, o que aconteceu? A Medida nº 599, relatada pelo Senador Walter Pinheiro, que produziu vários relatórios, pois é um Senador zeloso, aplicado, sério, competente, procurou levar ao limite a sua capacidade de negociação, mas a Medida Provisória acabou morrendo. Ontem, acabou morrendo a Medida Provisória relatada pelo Senador Walter Pinheiro.

            E pelos fundos terem ido para o fundo, terem desaparecido, uma vez que a Medida Provisória perde a eficácia agora, o que acontece com a Resolução nº 1, do Senado, a que tanta discussão nos levou? Ela não vai ser votada. Ela, simplesmente, vai ficar aqui, no arquivo do Senado, e, com isso, perde-se a ocasião de promover não uma grande reforma tributária, mas alterações que pudessem pelo menos mitigar, minimizar, senão acabar, com a guerra fiscal.

            E a Presidente forte, o que fez? Rigorosamente nada.

            Eu penso que o mesmo destino terá o Projeto de Lei nº 238, de 2013, que trata da dívida dos Estados e Municípios. O Líder do PMDB na Câmara, Deputado Eduardo Cunha, em consequência de sua atuação na MP dos Portos, demonizado hoje pelo Governo, faz propostas que sequer são consideradas pelo Governo Federal, pela área econômica do Governo. E o que acontece é que, simplesmente, o Governo vai retirar o seu projeto.

            É muito barulho por nada, nome de uma peça de Shakespeare. Infelizmente, por nada. Eu não sei se infelizmente, minha cara amiga, Presidente interina, Lúcia Vânia - que eu gostaria que fosse Presidente permanente -, porque este Governo, quando quer melhorar as coisas, acaba piorando. Então, não tendo acontecido nada, menos mal. Paciência.

            Se nós estivéssemos em um regime parlamentarista, haveria uma troca de governo, porque está evidente que o Governo não tem projeto, não tem discurso, não tem Base parlamentar confiável, que está sem rumo. E a Presidente forte é forte para quê? Repito a pergunta inicial do meu discurso.

            Ouço o aparte do nobre Senador Cristovam Buarque.

            O Sr. Cristovam Buarque (Bloco/PDT - DF) - Senador Aloysio, creio que a chave do seu discurso é a ideia de um projeto não só de governo, Senadora Vânia, mas de nação, do País que a gente deseja. E, não há dúvida, não há projeto de nação no atual Governo. Existe um projeto de poder, que é um projeto para garantir votos fazendo as concessões que sejam necessárias, independentemente do custo que isso terá para o País. Mesmo os bons projetos - e o Governo tem alguns projetos bons, não tem projeto nacional, mas tem alguns projetos bons...

            O SR. ALOYSIO NUNES FERREIRA (Bloco/PSDB - SP) - Mas esse é o problema. Não tem um pano de fundo que costure os projetos.

            O Sr. Cristovam Buarque (Bloco/PDT - DF) - Isso. Mesmo esses projetos específicos, mesmo o ProUni, que é um bom projeto, tem um viés claro não só, ou talvez nem, sobretudo, de ajudar, mas de ganhar o voto dessas pessoas. Por isso, é incondicional.

             Por isso é incondicional. Quando o ProUni foi imaginado - eu era Ministro -, chamava-se Programa de Apoio ao Estudante. O aluno beneficiado deveria ser alfabetizador de adultos por seis meses. Seis horas de aula durante seis meses. Tiraram isso. Se alguém vai e recebe o dinheiro dando aula, não sente dívida, não compromete o voto. Mas, se recebe sem nenhuma contrapartida, está recebendo um presente. O mesmo pode-se dizer do Bolsa Família. Quando foi criado - e a Senadora Lúcia Vânia acompanhou isso -, o Bolsa Escola tinha contrapartida clara, tanto que o programa ficou no Ministério da Educação, com o Ministro Paulo Renato. Quando virou Bolsa Família, tiraram-no do Ministério da Educação, tiraram a sua conotação educacional e ele passou a ser um programa assistencial, como se fosse um simples favor à família. Por isso é tão amarrado o beneficiado pelo Bolsa Família ao Governo, porque é dado, é presente. Eu tentei colocar e passou aqui pelo Senado, chegou à Câmara, na última comissão…

            O SR. ALOYSIO NUNES FERREIRA (Bloco/PSDB - SP) - Cuidado Senador Cristovam Buarque ao falar do Bolsa Família, porque a Ministra de Direitos Humanos é capaz de dizer que V. Exª está na origem dos boatos do fim do Bolsa Família.

            O Sr. Cristovam Buarque (Bloco/PDT - DF) - É bem capaz.

            O SR. ALOYSIO NUNES FERREIRA (Bloco/PSDB - SP) - Cuidado. É um tema perigoso.

            O Sr. Cristovam Buarque (Bloco/PDT - DF) - Pois bem.

            O SR. ALOYSIO NUNES FERREIRA (Bloco/PSDB - SP) - Ela já acusou a oposição.

            O Sr. Cristovam Buarque (Bloco/PDT - DF) - Foi. Veja bem, eu fiz um projeto - passou aqui, passou em todo canto - que dava uma condicionante, Senadora Lúcia Vânia. V. Exª sabe bem o que são essas condicionantes, porque teve um papel importante nos programas educacionais com transferência de renda do Governo Fernando Henrique. Era uma condição simples: os pais que recebiam o Bolsa Família deveriam ir à escola dos filhos pelo menos uma vez por ano. Condicionante desse tamanho. A Ministra da Assistência Social - porque chamam de desenvolvimento social, mas é assistência social - foi muito clara. Eu nunca vou aos Ministérios, mas fui lá, porque ela estava contra e pressionando para que não fosse aprovado.

(Soa a campainha.)

            O Sr. Cristovam Buarque (Bloco/PDT - DF) - Eu fui lá. Não consegui convencê-la. Os argumentos são de que os pobres não sabem conversar com os professores e que se mora longe da escola. E eu disse: Ministra, ninguém mora longe da escola; a escola é longe de quem mora. A escola é que tem que ir para onde estão as pessoas. Depois, que não iam poder faltar ao trabalho. E eu disse: mas pode ser no domingo. Não aceitaram e derrubaram o meu projeto na penúltima comissão. Derrubaram o meu projeto, porque é o lado da assistência, é o lado do voto. Por isso é que a gente tem que começar a pensar bem em como proteger as instituições democráticas no Brasil, porque o governo que não tem projeto, que não tem articulação, que não tem... Qual foi a outra coisa que o senhor disse? Não tem uma visão consegue voto, consegue apoio da opinião pública atendendo ao imediato, descuidando do longo prazo. A própria Copa do Mundo, que todos dizem que falar dela é se suicidar politicamente, é olhando o imediato. Ninguém está olhando o longo prazo de R$50 bilhões o custo operacional, em vez de aplicar isso em programas de outro tipo, com efeitos de longo prazo. Ontem, eu fiz aqui uma fala, Senadora Lúcia, sobre o que podia se fazer com esse R$1,6 bilhão do estádio de Brasília. Eu fiz a seguinte conta: quanto custaria botar o menino na escola por 12 anos? Em superescola: R$9.500 ao professor por mês, equipamentos mais modernos, prédios bonitos. Quanto custaria? Aí eu fui fazendo isso. Com o custo desse estádio, nós poderíamos colocar 15 mil jovens e crianças por 12 anos, não é a cada... Por 12 anos em superescola. Se a gente pega e diz: cada criança que passar por essa superescola vai ter um salário ao redor de R$4.000. Você pega R$4.000 e põe durante a vida útil desse menino. Equivale a 17 vezes o estádio. A gente está trocando 17 por 1. Claro, dá mais voto 1, porque é hoje. Esses 17, ninguém vai ver, é muito lento, muito devagar, depende do esforço da criança. É um governo do imediato. É isso que me preocupa. Por isso nós caímos outra vez no uso de pacotes, em vez de uma política econômica de médio e longo prazo. A cada semana, um pacote; a cada mês, um pacote, por falta de visão de longo prazo. A gente fez isenções fiscais, quando poderia ter pego esse dinheiro... No caso da luz, é claro que dá muito voto reduzir a tarifa de luz. Claro que deu muito voto, e vai dar ainda em 2014, mas o sacrifício que a gente está fazendo à nação para que cada um se beneficie, esse sacrifício aplicado no desenvolvimento de fontes alternativas de energia traria um benefício muito maior para o País. Mas preferiu-se sacrificar o longo prazo para investir no curto prazo, perder-se a perspectiva de nação para beneficiar os indivíduos. Esse é um governo que beneficiou os indivíduos, e tem a ver também com a própria concepção sindical, em que interessa o grupo, interessa a corporação, não interessa a totalidade. E o grave - eu concluo - é que, de fato, no processo eleitoral que a gente tem, ganha voto quem pensa no imediato e no indivíduo. É difícil ter voto pensando o longo prazo com um projeto nacional. Esse é um desafio que nós, políticos, que pensamos o longo prazo e o projeto nacional temos diante de nós. Se você ficar só no longo prazo e no nacional, vai virar filósofo, não terá voto. Se ficar só no imediato e no indivíduo, vai virar um oportunista. Para virar um estadista é preciso ter projeto-nação de longo prazo e voto. Esse é o desafio. Por isso a gente não está tendo estadista. Com toda franqueza, aqui deveria ter. Aqui deveria ter uns cinco estadistas. Vamos falar com franqueza: nem eu... Não somos hoje, porque a gente não está sendo capaz de ter uma perspectiva de longo prazo e voto suficiente para eleger o Presidente da República.

            O SR. ALOYSIO NUNES FERREIRA (Bloco/PSDB - SP) - Agradeço o aparte, como sempre, inspirado de V. Exª.

            O mal, Senador Cristovam Buarque, é que também no curto prazo as coisas não andam bem: PIB raquítico, inflação sem controle, margem de política monetária se estreitando - não pode mexer no câmbio porque afeta a inflação -, a situação das contas externas, competitividade brasileira lá embaixo, nível de investimento raspando sempre aquela marca dos 18%, não indo adiante. Enfim, nem no longo prazo nem no curto prazo. Falta projeto, um projeto que oriente, que junte as pontas.

            V. Exª, Senadora Lúcia Vânia, foi uma das principais protagonistas de um projeto importantíssimo do Governo Fernando Henrique. V. Exª criou as bases para esse grande programa de transferência de renda que foi o Bolsa Escola, organizou um cadastro que depois o governo disse que não existia. Mas essa iniciativa vinha no conjunto de outras: da reforma do Estado, da estabilização da moeda. Era um projeto, um projeto que tinha partidários, tinha adversários, mas tinha um norte. Agora eu não sei o que temos. O que temos, simplesmente, na minha opinião, é inauguração de estádio de futebol, são explosões destemperadas em palanques, como essa que vimos recentemente a respeito do incidente da Bolsa Família. Enfim, medidas que configuram uma situação que é a seguinte: quando você espera que não vai acontecer nada é porque não vai acontecer nada mesmo. Está na hora de mudar de governo.

            Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/05/2013 - Página 29084