Discurso durante a 81ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Críticas a recentes declarações do Presidente do STF, Ministro Joaquim Barbosa.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
JUDICIARIO.:
  • Críticas a recentes declarações do Presidente do STF, Ministro Joaquim Barbosa.
Publicação
Publicação no DSF de 28/05/2013 - Página 30531
Assunto
Outros > JUDICIARIO.
Indexação
  • CRITICA, ATUAÇÃO, PRESIDENTE, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), REFERENCIA, DECLARAÇÃO, IMPRENSA, RELAÇÃO, PARTIDO POLITICO, CONGRESSISTA, MOTIVO, FATO GERADOR, DESEQUILIBRIO, PODERES CONSTITUCIONAIS.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Srª Presidenta, Srªs e Srs. Senadores, Senadora Ana Amélia, na semana passada, o Presidente do STF, o Ministro Joaquim Barbosa, fez declarações extremamente duras sobre políticos, partidos e, em consequência, o Congresso também.

            Eu, sinceramente, creio que aquelas opiniões representam uma verdade, mas que não fica bem na boca de um Presidente do Supremo Tribunal, diante da necessidade de zelarmos pelas instituições democráticas e pelo equilíbrio entre os três Poderes. Apesar de ser uma declaração que compromete o equilíbrio nos três Poderes, a verdade também, além do que ele disse, é que a opinião pública comemorou o que ouviu.

            Veja bem, Senadora, a opinião pública comemorou uma declaração que, de certa maneira, atrapalha, dificulta o equilíbrio entre os três Poderes. Eu creio que a gente deve refletir não só sobre as palavras dele, que, a meu ver, são verdadeiras, embora ele não devesse falar em público, mas devemos refletir por que o povo brasileiro gostou de ouvir da boca do Presidente do Supremo aquelas verdades, digamos assim. Porque, Senadora, o povo está com sede de indignação; o povo está um pouco cansado de nós usarmos a lógica para defendermos coisas quando o povo está é com raiva. Nós precisamos ganhar a opinião pública do ponto de vista moral, e não apenas do ponto de vista político.

            O Brasil é um país que se caracteriza por falta de indignação diante dos absurdos que caracterizam nossa sociedade. E não é de hoje. Durante quatro séculos, este País assistiu, com toda a tranquilidade, sem qualquer manifestação de indignação, à escravidão - inclusive de antepassados do Ministro Joaquim Barbosa. Assistia-se à escravidão sem indignação. E alguns que começaram a ser contra a escravidão começaram a usar análises lógicas de que o trabalho livre era mais eficiente do que o trabalho escravo.

            Naquele momento, século XIX, tempo já passado do próprio Iluminismo, ainda havia escravidão no Brasil. Nada disso levaria à abolição da escravidão. A abolição só começou a ganhar corpo quando se passou a ideia de raiva, vergonha e indignação com a escravidão.

            E não foi só aqui. Na Inglaterra, o grande abolicionista William Wilberforce disse uma vez que só conseguiu começar a ganhar quando sentiu que, do ponto de vista moral, a população estava descobrindo que era indigno um país ter escravidão. Nós não tínhamos indignação, por exemplo, diante de dez milhões de analfabetos adultos. Um país que tem 4,5 trilhões de renda nacional precisaria de 0,000 disso para abolir a escravidão, quase nada. Bastava aplicar, usar um pouquinho os 6,5 milhões de universitários para que fossem alfabetizadores por algum tempo, e a gente erradicava o analfabetismo. Por exemplo, se não pegassem todos os 6,5 milhões de universitários, bastavam aqueles que recebem dinheiro público para os seus cursos, seja em universidades estatais, seja com o dinheiro do ProUni.

            É fácil conseguir isso, mas nós não temos indignação com o fato de o Brasil, em pleno século XXI, ter tantos analfabetos adultos. Não nos indigna sermos culpados e responsáveis por isso. Nós não sofremos de uma indignação na sociedade brasileira diante de termos crianças abandonadas; diante de que, daquelas que não estão abandonadas, 3% delas não entram nem se matriculam em escola; e de que, daquelas que estão matriculadas, a imensa maioria estuda em pseudoescolas. Na verdade, nem estudam, elas frequentam; na verdade, elas nem frequentam, elas vão à escola, um dia, outro não. Elas assistem? Não, na verdade, elas nem assistem, elas apenas comparecem. E comparecem, muitas vezes, por causa da merenda escolar e não da escola.

            Falta indignação da sociedade brasileira diante das injustiças, dos equívocos, das maldades que nós cometemos. Felizmente, Senadora Ana Amélia, tem surgido a indignação, realmente, em relação à corrupção no comportamento dos políticos. Ainda não temos uma indignação diante da falta de ética nas prioridades, em como usamos o dinheiro público, como aqui se fez um estádio de R$1,6 bilhão, uma prioridade claramente equivocada, como está hoje em um belo editorial do Jornal de Brasília.

            Falta essa indignação. E o que fez com que o Ministro no Supremo seja aplaudido, Senador Mozarildo, reconhecido pela declaração dele, é esta sede de indignação que o povo começa a ter. Quando isso começar a crescer, quando a indignação crescer diante do analfabetismo de adultos, diante das escolas sem qualidade, diante das sucessivas greves que os professores são obrigados a fazer, quando a indignação crescer nesses setores, como cresceu um século e meio atrás diante da realidade da escravidão, só aí é que o Brasil vai começar a mudar.

            O nosso trabalho aqui hoje, no Senado, é menos de passar um argumento lógico em defesa das coisas boas do que passar a manifestação ética da imoralidade, da imoralidade que caracteriza uma sociedade com características de desigualdade social, de abandono da infância, de qualidade escolar, da forma como está, de uma saúde que não funciona. Despertar o povo para essa indignação é a principal tarefa, a meu ver, hoje, de um político que quer um Brasil melhor. Como foi com Joaquim Nabuco despertar a indignação diante da escravidão, hoje é despertar a indignação da população diante da falta de ética no comportamento dos políticos, que o Ministro Joaquim Barbosa disse, e da falta de ética na prioridade das políticas, que ele não disse, talvez até porque compita mais a nós próprios aqui dentro falar.

            É sobre isso, Srª Presidenta, que vim falar, lembrando que, do ponto de vista lógico, é uma declaração negativa, para as instituições brasileiras, aquelas verdades saírem da boca do Presidente de um dos Poderes nos criticando. Nós que deveríamos, pelo menos, fazer o outro Poder funcionar.

            E o povo aplaude porque viu naquela declaração a indignação que hoje falta no Brasil. A indignação diante da imoralidade que caracteriza a maneira como nós não apenas nos comportamos, mas como definimos as prioridades deste País.

            Por isso, mesmo sabendo que, logicamente, é uma declaração que incomoda o equilíbrio das instituições democráticas, eu entendo perfeitamente que ele a tenha feito e até me regozijo da contribuição que dá para o papel que nós deveríamos estar fazendo, que é provocar uma indignação neste País diante dos absurdos que caracterizam a nossa sociedade, pela desigualdade, pela maldade com que nós fazemos os assuntos públicos no País.

            Era isso, Srª Presidenta, que eu queria deixar aqui manifesto nesta tarde.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 28/05/2013 - Página 30531