Discurso durante a 88ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comentários sobre a criação do “Tribunal de Crimes Contra a Natureza”.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DO MEIO AMBIENTE.:
  • Comentários sobre a criação do “Tribunal de Crimes Contra a Natureza”.
Publicação
Publicação no DSF de 06/06/2013 - Página 33513
Assunto
Outros > POLITICA DO MEIO AMBIENTE.
Indexação
  • HOMENAGEM, DIA INTERNACIONAL, MEIO AMBIENTE, PROPOSTA, CRIAÇÃO, TRIBUNAIS, AMBITO INTERNACIONAL, DENUNCIA, CRIME CONTRA O MEIO AMBIENTE.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Renan Calheiros, Srªs Senadoras, Srs. Senadores, muitos dizem, Senador Jarbas, que esses dias de comemoração não servem a nada. Eu acho que servem sim. Servem para lembrar o passado e sonhar com o futuro.

            Quando a gente, no dia 7 de setembro, comemora a Independência, o que nós estamos fazendo, Senador Renan, é lembrar uma luta secular desse povo para ser independente da metrópole portuguesa e, ao mesmo tempo, usar esse dia para pensar como é que este País fica realmente independentemente.

            Hoje é o Dia Mundial do Meio Ambiente, e é importante usar esse dia como provocação para pensar o que significa o meio ambiente, por que essa preocupação e como construir o futuro.

            É com a intenção de tudo isso que um grupo de pessoas, do qual eu faço parte, liderados nós pelo grande Sociólogo Edgar Morin, estamos criando, Senador Jarbas, um tribunal para julgar os crimes contra a natureza. Um tribunal que não vai ter característica nem finalidade legal, que não vai colocar ninguém na cadeia, que não vai condenar ninguém a nada, mas vai ser um tribunal moral, que vai denunciar. Em alguns momentos, a denúncia já basta. Em outros momentos, não há como ir além da denúncia, o máximo que a gente pode fazer é denunciar. Aliás, é o que estamos vivendo hoje com a Comissão da Verdade, impedida, pelo marco legal de hoje, de punir, no máximo, denunciar. Mas tem um papel essa denúncia, tem uma finalidade, tem um objetivo.

            Houve, nos anos 60, um tribunal que julgava os crimes dos Estados Unidos no Vietnã. Não prendia ninguém, mas teve um papel fundamental, o chamado Tribunal Russell, em nome do grande filósofo que foi o coordenador disso, como Edgar Morin é o nosso coordenador agora. O Tribunal Russell analisava as armas usadas pelos Estados Unidos, analisava as consequências do uso dessas armas - como o famoso Napalm, que queimava as pessoas, que matava as pessoas queimando-as vivas - e denunciava. E foi essa denúncia que levou - grande parte foi ela - ao despertar da consciência dos jovens norte-americanos na luta contra a Guerra do Vietnã. Uma simples condenação moral, sem nenhum aspecto nem força legal, mas que teve um papel fundamental na descoberta do papel de cada um que ouvia aquilo na construção da paz.

            É o que a gente está querendo com esse tribunal para julgar os crimes contra a natureza.

            E esse tribunal está fazendo uma pesquisa, pela Internet, que tem recebido a resposta de muitas pessoas, com sete perguntas. Vou tentar repassá-las aqui, apelando para que, aqueles que queiram, entrem no site do Tribunal e deem as respostas. O site é www.tribunal.nature.org.

            A primeira pergunta é: o que a natureza evoca em você?

            Durante muitos anos, a natureza evocava algo negativo, selvagem, era algo que inspirava medo. As cidades inspiravam paz, a natureza inspirava medo, monstros. Hoje, a gente sabe que não é mais assim. A natureza, ao contrário, inspira paz, inspira o bucólico. As cidades é que inspiram medo, hoje em dia, pela violência social.

            Mas o que evoca, realmente, a natureza? Duas coisas. Primeiro, o fato de que ali temos a reserva de materiais que servem de base à vida, tanto a vida biológica - respiração, oxigênio e comida, que vêm da natureza -, como também a base da nossa cultura, que é um produto também da natureza, através da mente humana.

            A primeira evocação da natureza é a fonte de vida. A segunda é o patrimônio natural que nós temos, o patrimônio que representa uma riqueza na natureza como ela é, antes de ser transformada para gerar os produtos da economia.

            Estas são as duas grandes evocações: a natureza como base da vida e a natureza como parte do patrimônio da humanidade. Além disso, é a natureza a base dos recursos necessários à produção da economia. Nada é produzido sem recursos naturais. Essa natureza que nos evoca esse papel de base da vida, de patrimônio da natureza e, ao mesmo tempo, de base da economia, hoje está ameaçada. Ela está ameaçada por conta de crimes que são cometidos contra ela. Mas na lei não existe clareza de crime contra a natureza.

            Por isso, a segunda pergunta, para a qual eu convido vocês, que estão assistindo, a responderem, neste site que eu citei - www.tribunal.nature.org -, é: qual evento pode ser considerado um crime contra a natureza? Qual evento é crime contra a natureza? Quando é que a transformação da natureza em bens e produtos é uma coisa saudável, boa? E quando é que essa transformação passa a ser algo negativo, pecaminoso?

            É muito simples. A transformação da natureza deixa de ser algo positivo e se transforma em um crime, quando ela é destruída sem possibilidade de ser reconstruída, a não ser por um custo muito maior do que o que ela tinha antes.

            Quando se derruba uma árvore para fazer um móvel, não se está cometendo nenhum crime, se plantarmos outra árvore para substituir aquela. Mas, se destruirmos uma floresta inteira e sabemos que, no lugar dela, vamos ter um deserto - porque sem árvore a água não segura, ao não segurar, a terra vira deserto ao longo de décadas -, estamos cometendo um crime. Estamos cometendo um crime pela distribuição do maravilhoso patrimônio natural que representa uma floresta e estamos cometendo um crime pela transformação de uma terra produtiva, uma natureza produtiva em uma natureza improdutiva, uma natureza desértica. Isso é um crime.

            Quando construímos uma central nuclear sabendo que essa central nuclear pode trazer consequências nefastas por centenas de anos, depois de algum acidente, estamos cometendo um crime, ou, pelo menos, estamos criando as condições para que surja um crime contra a natureza. Chernobyl foi um crime contra a natureza. Fukushima foi um crime contra a natureza, embora provocado por um fenômeno natural que foi o tsunami.

            Quando a gente transforma uma queda d’água em uma hidrelétrica que gera energia não é um crime contra a natureza, mas quando a gente, para fazer essa hidrelétrica, destrói um potencial natural, cria um desequilíbrio nas correntes da vida, da natureza, da ecologia, estamos cometendo um crime, sim.

            Quando colocamos uma indústria que gera poluição, não dá para dizer que é um crime, mas quando essa poluição passa de certo ponto e milhares de crianças começam a nascer com problemas cerebrais por conta daquela poluição, estamos cometendo um crime. E alguém tem que ser denunciado por isso, embora não responsabilizado criminalmente pelo fato, mas responsabilizado, sim.

            A terceira pergunta é: o que evoca para você um tribunal como esse? Evoca o despertar, em primeiro lugar, para um problema que muitos não viam até aqui. Aliás, que a maioria não vê ainda.

            Ao criar-se um tribunal, nós evocamos o crime, nós evocamos o pecado, o pecado de não tratar a natureza com o carinho que ela merece como mãe da vida, como patrimônio da humanidade, como base da economia.

            Nós, ao criarmos um tribunal, despertamos para a importância da natureza. Mas, não é só isso. Ao criarmos um tribunal e ele começar a funcionar e analisar com rigor e cuidado as diversas ações humanas sobre a natureza, Senador Campos, aí a gente começa a despertar não só para o problema, mas também para quem é o responsável, que pode não ser nem deverá ser, provavelmente uma pessoa, duas ou três, mas é um processo, o próprio processo do progresso, como nós temos hoje.

            Quando a gente cria um tribunal, Senador Jarbas, o que a gente faz é mostrar que o progresso não é um conto de fadas em que a gente começa a viver mais anos, graças à Medicina, a viver com mais conforto, graças a tudo o que a modernidade criou, mas que o progresso, também, tem uma parte de conto de horror, de terror, ao destruir a natureza, ao ampliar a desigualdade. O progresso como conto de fadas e conto de horror é despertado graças a um tribunal como esse. Sem um tribunal como esse a gente provavelmente nunca ia despertar e ia continuar vendo o progresso como um conto de fadas, onde tudo é bom. O tribunal vai ajudar a despertar para o lado tétrico, feito, perverso, horroroso que o progresso também tem. E, ao fazer isso, o tribunal pode despertar muitos de nós a buscarmos outro caminho, outro progresso, onde o lado Frankenstein do progresso começa a ser eliminado; em seu lugar, ficam aparecendo os lados positivos da maravilha de um progresso que parece conto de fadas.

            A quarta pergunta é se os Estados têm meios para sancionar os crimes contra a natureza. Não têm. Não têm por culpa da política como ela é feita. A política é uma atividade voltada para o local e o curto prazo, porque é isso o que o eleitor quer quando vota na gente. É por isso que o tribunal é necessário. Ele tem uma perspectiva de longo prazo e de todo o Planeta.

            Por isso não é possível que os Estados criem esse tribunal, porque cada presidente, cada parlamento representa o seu país, representa o imediato. E um tribunal como esse, para que houvessem leis legais, feitas pelos Estados, precisaria revolucionar tanto a política como se nós, aqui, tivéssemos a perspectiva planetária e de longo prazo. Por isso não sairá dos Estados. Por isso esse tribunal será uma entidade paraestatal, da sociedade civil.

            O quinto - e eu termino daqui a pouco. Se, na opinião de você que vai responder a pergunta, o desenvolvimento sustentável é uma solução para os crimes contra a natureza. Não. Sem o desenvolvimento sustentável, nós seremos prisioneiros da natureza. Mas só com o desenvolvimento sustentável não é possível respeitar a natureza, salvo se reduzirmos, controlarmos, definirmos limites para a produção e o consumo.

            Não há desenvolvimento sustentável que dê sustentação ao aumento da produção como nós fazemos de, por exemplo, energia para manter ar-condicionado geral na arquitetura moderna, ou da produção de combustível verde, como álcool, para o aumento de centenas de milhões de automóveis no mundo. O desenvolvimento só será sustentável, só respeitará a natureza se nós reduzirmos a produção de automóveis; se nós tivermos um sistema de transporte público de mais qualidade; se nós tivermos uma arquitetura casada com o meio ambiente. Com a arquitetura divorciada do meio ambiente nunca vai ser possível, mesmo que a gente use todas as células para produzir energia solar, mesmo que usemos energia eólica, energias verdes, não haverá suficiente se continuarmos a marcha da produção, a marcha do consumo como símbolo do progresso.

            A penúltima pergunta é: para que servirá o tribunal internacional da natureza? Servirá para despertar; servirá para criticar; servirá, também, para buscar rumos, caminhos diferentes de um progresso que possa ser não apenas sustentável, mas bonito.

            As pessoas criticam muito o PIB brasileiro, porque está crescendo pouco. O PIB brasileiro cresce pouco e é feio. Não é um PIB bonito, porque é um PIB baseado em bens primários, que não são compatíveis com a contemporaneidade. E é um PIB que destrói, que corrói a natureza.

            Vejam, por exemplo, que ontem o Inpe - Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais definia e mostrava que aumentou o desmate.

            E o IBGE mostrava, Senadora Angela, que aumentou a safra. É coincidência? Não. Não é coincidência que, no mesmo momento em que a safra aumenta, aumenta o desmate. Não é coincidência, é o modelo de produção que nós escolhemos. Isso vem do modelo de consumo que nós escolhemos.

            E a última: se você, que vai escutar, que vai responder, dará suporte, obviamente suporte de consciência, suporte moral, suporte de opinião a um tribunal como esse.

            Eu concluo fazendo um apelo: aqueles que estão assistindo, aqueles que entram no site, aqueles que procuram o site onde está o tribunal já existente hoje, por favor, deem o seu apoio, façam as suas críticas, deem as suas sugestões, analisem a proposta, mas deem o apoio, que não dá para continuarmos tratando a natureza como a despensa de onde a gente tira as matérias-primas e a lata do lixo onde a gente joga o resto da produção. A natureza é muito mais bonita, muito mais útil do que apenas uma despensa e uma basura, como se diz para chamar uma lata de lixo. Daí a busca de um tribunal que julgue os crimes que são cometidos contra a natureza.

            O Dia do Meio Ambiente eu escolhi, Senador Renan, para falar sobre esse tribunal, para fazer uma proposta desse tribunal e buscar o envolvimento de cada um de nós. Eu não falo só de nós aqui, mas nós todos que estamos ouvindo, falando, conversando, preocupados, para que, juntos, tenhamos a possibilidade de alertar e denunciar o que vai acontecer se as ações contra a natureza não forem tratadas como pecado, como crime.

            Obrigado, Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 06/06/2013 - Página 33513