Discurso durante a 96ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Críticas à subordinação dos Estados-membros ao Poder Executivo Nacional, devida à cooptação dos partidos; e outro assunto.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PODERES CONSTITUCIONAIS. DISTRITO FEDERAL (DF), GOVERNO ESTADUAL, SAUDE.:
  • Críticas à subordinação dos Estados-membros ao Poder Executivo Nacional, devida à cooptação dos partidos; e outro assunto.
Publicação
Publicação no DSF de 15/06/2013 - Página 37146
Assunto
Outros > PODERES CONSTITUCIONAIS. DISTRITO FEDERAL (DF), GOVERNO ESTADUAL, SAUDE.
Indexação
  • COMENTARIO, CRISE, PODERES CONSTITUCIONAIS, CONFLITO, COMPETENCIA, CONGRESSO NACIONAL, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), GOVERNO FEDERAL, CRITICA, SUBORDINAÇÃO, GOVERNO, ESTADOS, MUNICIPIOS, RESPONSAVEL, ADMINISTRAÇÃO FEDERAL, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT).
  • CRITICA, ATUAÇÃO, GOVERNO ESTADUAL, DISTRITO FEDERAL (DF), REFERENCIA, RESERVA, INSTALAÇÃO, CIRURGIA, HOSPITAL DE BASE, MOTIVO, REALIZAÇÃO, EVENTO, CAMPEONATO MUNDIAL, FUTEBOL, LOCAL, ESTADIO, MANE GARRINCHA, BRASILIA (DF).

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, em primeiro lugar, quero cumprimentar o ex-Governador do Distrito Federal Rogério Rosso, que está aqui, hoje, prestigiando esta Casa.

            Sr. Presidente, hoje em dia, está difícil escolher um tema para falar, de tantos problemas que nós temos, a cada dia, a cada momento, para enfrentar neste País.

            Eu vim aqui para falar da crise institucional que nós vivemos, a partir desse exemplo de a Câmara estar votando projeto de lei - que parecia ameaçador - das instituições democráticas que proibia os novos partidos de terem os mesmos direitos dos antigos.

            Projeto ruim, mas eu acho que pior ainda é o Supremo intervir no Congresso e barrar a discussão, a elaboração desse projeto de lei, que é um direito do Congresso fazer, mesmo que lei ruim e que, depois, o Supremo diga que é inconstitucional.

            O Congresso não tem o direito de dizer o que é inconstitucional neste País, tarefa do Supremo. Mas o Supremo não tem o direito de dizer qual lei que o Congresso aprova. O Congresso aprova a lei que quiser, e o Supremo, depois, diz que é inconstitucional.

            Mas estão misturando tudo: tem gente na Câmara querendo dizer que o Poder Legislativo pode derrubar uma inconstitucionalidade definida pelo Supremo e tem gente no Supremo dizendo que o Congresso não pode debater uma lei porque será, no futuro, se aprovada, inconstitucional. Ainda mais grave: tem Parlamentares que, quando querem pedir aqui um debate, vão ao Supremo, como foi esse caso, para que o Supremo intervenha. Ou seja, o Congresso se suicidando no poder que deveria ter.

            Eu vinha falar sobre isso e outras, mas, de repente, a gente percebe que acontecem tantas coisas que exigem pronunciamentos nossos. Por exemplo, eu não posso deixar de sair dessa discussão nacional e cair aqui, no específico do meu Distrito Federal.

            Governador Rosso, eu não acreditei quando recebi a informação até comprovar: o Governador atual determinou que o nosso principal hospital, chamado Hospital de Base, reserve todas as suas instalações cirúrgicas para o caso de que alguma coisa aconteça durante os dias de um jogo que vai haver aqui. Fui informado aqui, dentro do Senado, por um dos nossos servidores de que isso estava acontecendo.

            Sinceramente, no primeiro momento, eu disse: vou checar antes. E é fato! Há uma portaria do Governador suspendendo. Felizmente, só vai haver um jogo, porque, se fossem dez jogos, nós ficaríamos aqui semanas com as cirurgias adiadas. E a desculpa é de que não se trata das emergências.

            Ora, para uma pessoa que precisa de uma operação, existem emergenciais, mas não existem urgentes não urgentes. Todas são urgentes!

            Essa é mais uma crise, a crise do uso incorreto do dinheiro e dos serviços públicos para atenderem certos caprichos que, às vezes, são até de toda a população que não está doente, querendo o deslumbramento de um estádio, mas que ameaça as nossas instituições.

            E aí vem outro assunto também, em cima do debate que eu preciso fazer sobre o que disse o Senador Alvaro Dias.

            Ele usou uma palavra que eu não tinha escutado ainda, de que nós temos bombas programadas para explodir no futuro.

            Em vez de bomba, eu vou chamar de mina, porque a bomba explode, programada para um determinado momento. A mina explode quando a gente pisa nela. Então, quem pisa, e é vítima, foi quem causou a explosão. O culpado foi quem colocou a mina, mas quem provocou foi quem pisou.

            Nós estamos pisando no caminho traçado para o futuro do Brasil. Esse caminho está cheio de minas! E não estamos alertas suficientemente para desarmá-las a tempo.

            Nós temos uma clara mina ameaçando as instituições democráticas. E os sinais estão aí, à vista! Nós temos, por exemplo, essa crise das relações entre os três poderes, de o Supremo intervir aqui para dizer o que nós podemos ou devemos discutir. E isso feito pela incitação de Parlamentares que foram lá pedir que fosse determinado o impedimento.

            Mas nós temos a mina da nossa incompetência de aprovar coisas erradas, de não aprovar as coisas certas nos prazos determinados. E o Supremo tinha o direito, sim, de definir o prazo, como é o caso do Fundo de Participação.

            Nós temos aquela coisa vergonhosa de não termos votado dois mil vetos presidenciais acumulados ao longo do tempo. É uma vergonha!

            E a vergonha maior: para votar um determinado veto que interessava aos nossos Estados, querermos votar dois mil vetos em uma tarde. Era um documento desse tamanho que eu me lembro de que trouxe ao Plenário e mostrei.

            Como é que a gente ia votar aquilo? Uma vergonha, uma desmoralização!

            E essa vergonha, essa desmoralização, ameaça as instituições pelo descrédito que nós, o Congresso, sofremos diante da opinião pública. Nós temos uma clara ameaça futura às instituições quando vemos o poder do Poder Executivo sobre nós, do Congresso, através das medidas provisórias. E ainda mais quando consegue que, na última hora, no limite, nós sejamos obrigados a votar, de joelhos, para aprovar uma medida provisória, como foi o caso da Lei dos Portos, que ninguém pode nem dizer que é ruim, porque não leu direito, não sabe como é. Todos sabemos da urgência de uma lei dos portos, todos sabemos. Aí é inegável! E, aliás, devemos cobrar do Governo por que demorou tanto para fazê-la.

            Mas será que aquela era a melhor? Será que era daquele jeito que deveríamos fazer? Será que não houve coisa embutida, que terminava beneficiando grupos e não o País? Ninguém teve tempo de ver. E votamos aqui de joelhos.

            Isso ameaça as instituições. Ameaça as instituições o poder avassalador do Executivo sobre a política em geral, por meio da cooptação dos partidos, por meio da cooptação de ONGs, por meio da cooptação de sindicatos, fazendo com que haja, não vou dizer uma espécie de ditadura legal, uma espécie de ditadura macia. Não vou usar a palavra ditadura, mas por meio de um intervencionismo tão forte que quebra o respeito entre os poderes.

            Um exemplo disso é a dependência terrível de prefeitos e governadores em relação ao Poder Executivo nacional. Nós vimos agora três governadores do Partido Socialista Brasileiro negando, na prática, apoio a um candidato do partido deles, que é o Presidente do Partido, que é Governador do Estado, à Presidência da República, porque eles foram cercados pela Presidência da República de hoje.

            Não faz sentido uma dependência dessa! Eles fazem isso porque são dependentes do Governo Federal. Essa dependência é uma ameaça às instituições, mas nós estamos caminhando para pisar na mina da explosão da subordinação dos Estados ao Poder Executivo nacional, quebrando o espírito de federação. Fala-se em Federação. Tem Federação um País onde cada governador, cada prefeito é tão dependente da Presidência da República, que não consegue manifestar apoio a um candidato de seu partido nas eleições que virão no ano seguinte? Essa é mais uma das ameaças que nós temos às instituições. É mais uma das bombas.

            Faz parte dessas ameaças às instituições o poder exagerado que os prefeitos, os governadores, o Presidente da República têm sobre a mídia nacional, através da injeção imensa de recursos financeiros para financiar a mídia. A mídia, hoje, é dependente do financiamento público. Não tem plena liberdade. É falso dizer que a liberdade de imprensa no Brasil é plena. Ela é parcial, porque depende muito do financiamento de suas máquinas, e esse financiamento vem hoje não tanto do setor privado, mas do setor público.

            Há Estados em que se pode dizer que o Governador controla a mídia, controla os jornais. Há Estados - falo no plural para não ficar aqui explicitando qual jornal e qual governador - em que o governador consegue controlar parte da mídia. Há cidades em que o prefeito local consegue controlar parte da mídia. Isso é uma ameaça às instituições.

            Os acordos não são apenas espúrios. Houve um tempo em que nós tínhamos acordos como fruto da articulação política. Esta é a parte mais bonita da política: a unificação, a convivência entre grupos diferentes. Nós passamos a ter alianças espúrias entre grupos tão diferentes que o que parecia era que não eram alianças pelo País. Agora nós temos, pior do que espúrias, alianças vergonhosas. Alianças que, quando aparecem as fotos nos jornais, nós nos assustamos com o que vemos. Nós sentimos vergonha até daquilo que estamos vendo. Isso ameaça as instituições. Esse tipo de comportamento é uma mina que vai explodir mais adiante no caminho da história do Brasil.

            Nós temos a ideia que, de tão boa, tão bonita e, ao mesmo tempo, da maneira como é feita, pode trazer ameaça às instituições. Sabe o que é? Programas sociais belíssimos, necessários, fundamentais, que são feitos como se fossem uma bondade do Presidente, e não um serviço do Estado. Quando um programa como o Bolsa Família, tão importante como é, tão necessário hoje, é feito como se fosse uma concessão do Governo, do partido no poder ou dos partidos, nós ameaçamos as instituições, porque os recursos são públicos. Esse é um projeto do Estado, não é do Governo, não é do partido. Isso ameaça as instituições, porque coopta as populações todas em torno desses projetos.

            Eu poderia, Presidente, continuar aqui listando muitas das ameaças que há às instituições, muitas das pequenas minas que estão adiante, esperando que nós, os líderes deste País, caminhemos sobre elas, fazendo-as explodir, até que um dia o caminho esteja destroçado, e aí venha o que se chama de crise profunda.

            Nós precisamos enfrentar as minas adiante: as minas que pesam sobre as instituições democráticas; as minas que pesam sobre o equilíbrio ecológico; as minas que ameaçam o funcionamento da política; as minas que ameaçam o crescimento econômico por falta de competitividade, porque este País não tem inovação. Todas essas minas não estão sendo atacadas, como deveriam, por nós.

            Digam, se quiserem, que é mania, mas não posso fugir a lembrar que o principal elemento detonador de todas essas minas é a falta de um programa radical de educação neste País. Digam que é mania, mas não vejo, entre todas essas minas que ameaçam o futuro do Brasil, um fator mais determinante do que o baixo nível educacional que oferecemos às crianças brasileiras.

            Por isso, se queremos desarmar essas minas, temos de agir em cima de cada uma delas, como um verdadeiro desarmador de bomba faz. Mas, se queremos que todas elas desapareçam, o caminho melhor é fazermos uma revolução na educação de base neste País. Não vejo outro caminho, a não ser na federalização do sistema de educação de base neste País, na verdade, na criação de um novo sistema, paralelo ao atual, que vá substituindo o velho, enquanto o novo floresce.

            E isso, para ser igual no Brasil inteiro, para ser igual em todas as famílias, a única maneira é por meio da intervenção nacional na educação de nossas crianças. Em vez da intervenção política da Presidência da República sobre governadores e prefeitos, a intervenção benéfica, pagando todos os professores com recursos da União, construindo as escolas com o padrão das instituições federais deste País, que a gente sabe que são muito melhores do que as instituições, as instalações, os equipamentos municipais e estaduais.

            Fica aqui, Presidente, essa minha manifestação de assombro que qualquer analista, hoje, tem diante das minas no caminho do Brasil: as minas sob as instituições democráticas em especial, que é o que cabe mais diretamente ao Poder Legislativo cuidar.

            Era isso, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/06/2013 - Página 37146