Discurso durante a 93ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Reflexão sobre a crise econômica no País.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ECONOMIA NACIONAL.:
  • Reflexão sobre a crise econômica no País.
Aparteantes
Aloysio Nunes Ferreira, Eduardo Suplicy.
Publicação
Publicação no DSF de 13/06/2013 - Página 36040
Assunto
Outros > ECONOMIA NACIONAL.
Indexação
  • COMENTARIO, SITUAÇÃO, CRISE, ECONOMIA NACIONAL, MOTIVO, REDUÇÃO, PRODUÇÃO INDUSTRIAL, AUMENTO, INFLAÇÃO, RESULTADO, DEFICIT, BALANÇA COMERCIAL, CRESCIMENTO, DIVIDA PUBLICA, CRITICA, ATUAÇÃO, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA FAZENDA (MF).

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, eu creio, Senador Paim, que esta Casa devia se debruçar, nestes dias, Senador Alvaro, para tentar responder a uma pergunta feita pelo Ministro Mantega - pelo menos é o que está nos jornais. Ao sair, ontem, da reunião com a Presidenta Dilma, ele perguntou: “Que crise? Onde está a crise?”

            Eu respondo daqui, Senador Paim. A crise está nessa pergunta. Quando o Ministro da Fazenda, diante dos indicadores que aí estão, pergunta que crise, esta é a maior das crises, porque é a crise de ele não estar vendo a crise. E, quando a gente não vê uma crise, não a enfrenta. E, quando não a enfrenta, não resolve.

            A crise está, por exemplo, para que ele veja, no fato de que as medidas fiscais tomadas ultimamente geraram uma perda de receita de R$50 bilhões por conta das desonerações, sem o impacto que se esperava no aumento da produção.

            A crise está no fato de que, no ano que termina em abril deste ano, a produção industrial caiu 1,1%; e a produção total, como todos sabem, não deve chegar, neste ano, a mais de 2%, quando, no ano anterior e no ano anterior ainda, cresceu tão pouco.

            A crise está, portanto, no fato de que o Ministro não está vendo que o crescimento não está vindo, apesar das medidas que são tomadas do ponto de vista fiscal, achando que o crescimento vem da redução do preço que viria da redução de impostos, quando nem quer dizer que a redução de impostos leva a uma redução de preço - porque isso depende se a demanda está alta ou não está -, nem quer dizer que esses impostos se transformam numa queda de custos do empresariado. O resultado é prova de que não houve o retorno que se esperava.

            A crise está em uma inflação de 6,5%, dois pontos acima da meta de 4,5%, no patamar superior de 6%.

            Essa é uma crise sobre a qual não se precisa perguntar; basta ir ao supermercado, basta ir às lojas, basta observar as indústrias, especialmente as indústrias de transformação.

            E ainda o Ministro pergunta: “Que crise?”

            A crise está, por exemplo, no fato de que o saldo comercial, que foi de 20 bilhões no ano anterior, caiu agora para 7,7 bilhões. De 20 caiu para 7,7! E a gente sabe que é esse saldo que serve para compensar e pagar os juros, que é muito mais do que o saldo de 20. E, agora, vai ser muito mais ainda do que o saldo de sete, porque o que acontece, que a gente vê, é que, por conta disso, a poupança fica em 14,1%. Essa é a crise, Senador Paim; a crise de uma poupança insuficiente para oferecer os recursos do investimento que levariam a aumentar a produção, única forma de impedir a inflação.

            O Senador Paim é um dos grandes baluartes aqui da defesa dos aposentados. Ontem eu conversei com ele. Não adianta aumentar os salários dos aposentados se não se controla a inflação, porque o primeiro segmento da sociedade que sofre com a inflação é o de aposentados, porque os trabalhadores na ativa eles conseguem reajustes. Perdem, mas recuperam. Se desorientam, porque não há um padrão de troca na sociedade que mereça credibilidade, mas eles conseguem recuperar. O aposentado não. O aposentado, para conseguir o reajuste, sofre muito.

            Há pouco eu lia que, na Alemanha, durante a inflação, na Rússia, durante a inflação, os generais que lutaram na guerra pediam esmola nas ruas, porque viviam do soldo de General do Exército na reserva, aposentado, soldo que, embora alto, a inflação corroeu tudo.

            Por isso, Senador Paim, eu acho que o senhor deve ser um dos grandes baluartes da luta para combater a carestia que virá da inflação.

            Mas eu passo a palavra ao Senador Aloysio que pediu um aparte, antes dizendo que, em seguida, continuarei falando qual é a crise para o Ministro Mantega.

            O Sr. Aloysio Nunes Ferreira (Bloco/PSDB - SP) - Senador Cristovam Buarque, apenas para acrescentar mais um dos malefícios da inflação a essa longa lista que V. Exª vem desfiando nesse bom discurso, como sempre. É um malefício que afeta ao trabalhador na atividade. Refiro-me ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, o FGTS, que é patrimônio do trabalhador; é uma poupança que fica ali guardada e que é utilizada pelo trabalhador quando perde o emprego, quando vai financiar uma moradia, quando quer fazer um investimento em um fundo de privatização etc. Ora, os dados que se têm são poucos, porque aquilo é fechado, é uma caixa-preta, nem os próprios membros do Conselho Curador têm acesso aos dados que retratam a situação efetiva do fundo. Mas a informação que eu tenho é de que, entre 2003 e 2010, o trabalhador brasileiro perdeu 34,4% do saldo do FGTS a que tem direito, porque a correção do fundo é baseada na TR mais 3% ao ano, o que não leva em conta a inflação do período, que, naquele período, medida pelo IPCA, foi de 5,22%; e agora é bem mais. De modo que esse patrimônio do trabalhador, na atividade, está sendo corroído aos poucos pela inflação e também pela utilização temerária desse fundo por parte do governo para financiar, a fundo perdido, programas meritórios, mas que não deveriam ser financiados pelo FGTS, como é o caso do Minha Casa, Minha Vida.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF) - Obrigado, Senador.

            Realmente, eu creio que esse é mais um item em que eu não havia pensado na hora em que preparei o discurso, mas que realmente deve ser incluído.

            Todavia, continuando na linha daqueles que eu imaginei, a crise está no fato de que a dívida que, em 2010, era de 53,3% do Produto Interno Bruto, em abril deste ano, chegou a 59,2%! É de 59,2% a dívida bruta! Até porque, sobre a dívida líquida, o governo sempre diz que é pequena, mas através de mecanismos de contabilidade criativa, que não garantem que, de fato, é aquele o montante correto da dívida.

            E, aí, vem mais uma razão da crise, Senador Aloysio. A crise vem dessas manipulações de contabilidade criativa, porque elas provocam uma degradação da confiança dos agentes econômicos. Porque, se o governo manipula alguns dados, pode manipular muitos outros, e os agentes ficam sem saber qual é a orientação que eles vão ter para seguir o mapa de seus investimentos.

            A crise está, por exemplo, nas contas públicas, que tinham um superávit primário de 3% e que, agora, será de apenas 1%. Mesmo os 3% não eram capazes de cobrir todos os custos, quando a gente incluía os juros da dívida. Agora, a gente vai ter de aumentar a dívida para cobrir o pequeno nível do superávit primário que o Brasil terá. Isso vai elevar a dívida, mais uma vez vai derrubar a confiança. Aí, diminuem os investimentos. Mais uma vez, isso termina ampliando-se em um verdadeiro círculo vicioso criado no Brasil pelo uso excessivo, eu diria mesmo irresponsável, de pacotes pontuais e conjunturais, sem a perspectiva geral da economia nem o longo prazo que ela deve seguir.

            O emprego - que é um ponto, devemos reconhecer, que o Ministro Mantega tem conseguido manter, mesmo com toda a crise internacional - está às vésperas de começar a sofrer por falta de investimentos. Ele está aí porque as desonerações não têm gerado novos empregos e gera uma perplexidade do empresário, que não sabe em que setor investir. E, então, o emprego vai estar ameaçado.

(Soa a campainha.)

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF) - Mesmo esse setor, que é positivo na economia, o desemprego baixo, está ameaçado também quando a gente vê a perspectiva de médio e de longo prazo, porque não cresce o nível de emprego quando os empresários não têm confiança em investir.

            A crise está no Real em relação ao dólar, por exemplo. Basta ler os jornais para ver o processo de diminuição do valor do Real, que pode trazer um lado positivo na dinâmica da produção industrial na concorrência, por exemplo, com a China; porém, trará, certamente, um aumento da taxa de inflação.

            As causas da crise, Senador Presidente - e eu peço mais dois minutos - está no descontrole dos gastos públicos, no uso pouco responsável de incentivos ao consumo, sacrificando as contas públicas e desincentivando a poupança. É bom no imediato, sobretudo para o consumidor, mas não é bom para o longo prazo, sobretudo para a poupança.

            A crise está em uma política industrial antiga, que visa a competitividade como uma questão de redução de custo, e não como fruto da inovação. O governo não percebeu que é preciso inovar para reduzir custos e, com isso, impedir que a demanda pressione os preços.

            Procura-se muito saber a causa da inflação. Mas é tão simples; é uma questão de Aritmética: com a demanda maior que a oferta, o preço sobe. O que precisamos saber é porque a demanda é maior do que a oferta. Por um lado, pelos incentivos ao consumo, inclusive taxa de juros e prazos muito convenientes, que endividam os indivíduos, mas aumentam o consumo, e também por falta de poupança e de investimento.

            Está na perda de credibilidade dos agentes econômicos por todas essas razões. É aí que está a crise. Sobretudo, a crise está em não ver a crise e não saber o que ela está causando, criando uma euforia, que, por ser falsa, sem base, agrava a crise que se nega à existência.

            O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - V. Exª me permite, Senador Cristovam?

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF) - Senador Suplicy, com muito prazer.

            O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - A ponderação de V. Exª é relevante, mas eu tenho a impressão de que, quando o Ministro Guido Mantega pergunta qual é a crise, é porque ele está levando em consideração alguns elementos que são positivos, da...

(Interrupção do som.)

            O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) -Tenho a impressão de que ele se baseia em elementos positivos da economia brasileira. Poderíamos citar que a taxa de desemprego é das menores desde que tem sido medida a taxa de desemprego nas seis regiões metropolitanas do País; que a taxa de crescimento, ainda que aquém daquela que gostaria, é positiva e ele tem a perspectiva de que poderá ser muito incrementada no próximo semestre e no ano que vem. Ele tem confiança, também, de que a taxa de inflação, que subiu ao teto de 6,5% da meta fixada - 4% -, ainda é considerada dentro da meta do Banco Central. Acho que são importantes as reflexões de V. Exª. A respeito do tema que V. Exª está colocando, sobre o quanto deveria ser definido, seja o aumento da demanda, seja o aumento dos investimentos, eu queria fazer uma recomendação. Hoje, o ex-Ministro Antonio Delfim Netto escreve na Folha de S.Paulo um texto denominado “Equilíbrio” - ainda há pouco eu comentava com o Senador Armando Monteiro, que também chamou minha atenção para esse texto -, que trata o assunto como um economista muito bem informado. Ele sugere a leitura do artigo de Christopher Sims, Prêmio Nobel de Economia...

(Interrupção do som.)

            O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) -... na American Economic Review recentemente. Acho que também essa consideração feita pelo ex-Ministro Antonio Delfim Netto pode ser lida com proveito por todos nós. Meus cumprimentos.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF) - Senador, eu gostaria de ter mais tempo, porque este assunto mereceria, sim - e não porque eu estou falando -, o debate.

            Eu queria responder ao Senador Suplicy, que colocou três pontos. O primeiro é o do desemprego. Eu próprio reconheci aqui que esse é um aspecto positivo do esforço feito pelo Ministro Mantega. Mas, quando a gente olha no presente, manteve-se o emprego; quando a gente olha a perspectiva, por conta da falta de credibilidade, por conta do desequilíbrio das contas, por conta de diversos fatores, não dá para comemorar a estabilidade do nível de emprego.

            No que se refere ao crescimento, não dá para comemorar essas taxas de crescimento, mesmo que sejam maiores do que em alguns países do mundo, como Estados Unidos e países europeus. Não dá. Não dá, pela dinâmica demográfica brasileira, que faz com que a renda per capita fique pequena, e não dá, sobretudo, porque nós partimos de um patamar muito baixo. Esses países...

(Soa a campainha.)

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF) -... estão num patamar muito alto. O Japão se dá ao luxo de ter crescimento zero há anos, e a qualidade de vida do povo japonês não cai, diminui um pouco o consumo.

            E, finalmente, sobre a inflação. Eu quero dizer aqui que é muito provável, Senador Aloysio, que nos próximos meses realmente tenhamos um alívio da dívida, que tenhamos uma melhoria das contas. E aí é que vem o meu medo porque, ao haver uma pequena melhoria, é provável cair-se outra vez na euforia geral, e a euforia é inimiga da economia estável. Como numa casa também, ao ser muito eufórico com seu salário, você tende a se desequilibrar rapidamente. Vai melhorar, a economia conjunturalmente não vai piorar nos próximos meses, mas essa melhoria será negativa para o médio e o longo prazo, se nós não percebermos que ela é circunstancial, conjuntural. Ela não é estrutural e ela não acena para o futuro. Essa é a crise.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 13/06/2013 - Página 36040