Discurso durante a 106ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Críticas ao Governo Federal pela proposta de plebiscito para discussão da reforma política no País; e outros assuntos.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO, MANIFESTAÇÃO COLETIVA.:
  • Críticas ao Governo Federal pela proposta de plebiscito para discussão da reforma política no País; e outros assuntos.
Aparteantes
Pedro Simon.
Publicação
Publicação no DSF de 29/06/2013 - Página 40881
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO, MANIFESTAÇÃO COLETIVA.
Indexação
  • LEITURA, DISCURSO, AUTORIA, ORADOR, ASSUNTO, CRITICA, ATUAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, PERIODO, GOVERNO, EX PRESIDENTE, LUIZ INACIO LULA DA SILVA, MOTIVO, AUSENCIA, IMPLEMENTAÇÃO, POLITICAS PUBLICAS, PROMESSA, CAMPANHA ELEITORAL, COMENTARIO, FATO, POPULAÇÃO, REALIZAÇÃO, MANIFESTAÇÃO COLETIVA.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) -Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, eu creio que os que me assistem aqui sabem que eu evito fazer discurso lido. É uma prática que peguei talvez como professor. Mas hoje vou fazer um discurso lido, e não se preocupem que não é desse tamanho, é apenas um pequeno pedaço dessa coleção de artigos meus do passado.

            Eu vou ler, Senador Acir, Senador Pedro Simon, um artigo que fiz no dia 18/08/2005, ou seja, quase dez atrás. Um discurso que não é tão grande, mas que, se for preciso, cortarei parte dele.

            Começo, Senador, dizendo, no dia 18 de agosto, que, no dia 23 de maio, ou seja, cinco meses antes, estive aqui lembrando os movimentos que estavam ocorrendo em outros países, com o povo mobilizado nas ruas. Eu disse que aquilo era um aviso das ruas latino-americanas para as ruas brasileiras. Lembrei que, naquele tempo, naqueles países, os slogans que se usavam nas bandeiras, nas faixas, eram que todos se vão. Não havia diferença entre corruptos e não corruptos, não havia diferença entre esquerda e direita. O povo gritava nas ruas dos países irmãos que todos os políticos deveriam ir embora.

            Eu dizia, naquela época, Sr. Presidente, que me parecia que deveríamos chegar a esse ponto. E o Senador Mão Santa fez um aparte naquele momento. Faz tanto tempo, que vocês verão que os que fizeram aparte aqui muitos já não estão conosco.

            Sr. Mão Santa. Hoje o Correio Braziliense publica manchete [isso no dia 18/08/2005]: Fora todos. A manchete não é fora os corruptos, não é fora os petistas, não é fora este ou aquele, é fora todos.

            Isso foi em maior de 2005.

Por enquanto, foi uma manifestação com alguns poucos milhares, mas convido os colegas, Senadores e Senadoras, a uma reflexão: isso não vai demorar a se transformar em um movimento da maioria da população brasileira. Por enquanto são aqueles descontentes com a crise ética que vivemos, em breve serão aqueles descontentes com o salário mínimo, os descontentes com a falta de terra, de teto, de escola e, sobretudo, aqueles que têm o que hoje sobra no Brasil: frustração.

            Nós somos um país dos sem, muitos sem e uma imensa quantidade de frustração. Há no País, hoje, pronto para arrebentar o que eu, no dia 23 de maio de 2005, chamei de uma rebelião espontânea da população.

            Não será amanhã, não será neste mês, mas, se não agirmos, isso acontecerá no Brasil, e nós não estamos vendo ações para tentar impedir que isso aconteça.

            Esse não é um discurso que faço hoje; esse é um discurso de quase dez anos atrás.

            Vejam que, de repente, felizmente, despertamos para a necessidade de uma reforma política no Brasil. Eu já falava com base em algumas pequenas manifestações que pediam.

(Intervenção fora do microfone.)

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF) - Se fosse hoje, é verdade. Eu poderia ler o discurso e depois dizer a data. É uma verdade! Mas já cometi a falha de dizer que é um discurso antigo.

            Vejam que, de repente, felizmente, despertamos para a necessidade de uma reforma política no Brasil. Felizmente! Graças à pressão dos meios de comunicação, passamos a ver manifestações da necessidade de uma reforma política. Já estamos fazendo; estamos fazendo a reforma eleitoral porque os formadores de opinião nos pressionaram. Estamos fazendo hoje; estamos votando aqui, apressadamente, algumas coisas. Começamos ali.

            Mas cadê a reforma da educação de base? A reforma agrária? Cadê a reforma que permitirá a desconcentração da renda? Um conjunto de leis simples que permita não tomar repentinamente o dinheiro de ninguém, mas que permita, em dez anos, deixarmos de ser campeões da concentração de renda.

            Mas eu continuo, em 2005; mas não estamos levando a sério o humor da opinião brasileira. E esse humor começa discreto, de repente, tem uma faixa no meio de uma passeata de poucas pessoas e, logo depois, pode ser uma passeata com centenas de milhares de pessoas. Eu errei, porque não foram, no final, centenas de milhares de pessoas; foram 2 milhões de pessoas.

            Volto a insistir no risco de que esse exemplo possa contaminar a população brasileira. Volto a insistir no risco de que esse exemplo pequenininho que aconteceu naquela data possa contaminar a população brasileira.

            Eu não vejo, hoje, esperança de que essa mudança venha a partir de qualquer partido, especificamente no Brasil, mas não só no Brasil. Aliás, não é de hoje que é assim, nenhuma grande transformação brasileira, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, saiu de um partido.

            Senador Mão Santa, que estava presente e que sempre nos dá aula de história, espero que nos diga se o que eu falo é verdade ou não!

            Qual o movimento, qual transformação saiu de um partido? Não foi a Independência, não foi a República, não foi a Abolição, não foram as duas redemocratizações, não foi o próprio desenvolvimento, que saiu de uma figura como Juscelino, mas que liderou um movimento nacional ele próprio.

            Recentemente, a Anistia, a Constituinte, as Diretas, tudo saiu de movimentos, não de partidos. Eu não acredito que essa transformação venha de um partido, qualquer que seja. O PT, Senador Pedro Simon, o meu partido - eu era militante do PDT -, o PT, o meu partido, foi o primeiro a encarnar a transformação social e chegar ao poder. Outros encarnaram, mas não chegaram ao poder. O nosso encarnou, chegou ao poder e frustrou. Temos de reconhecer isso com todas as letras. O nosso partido, o PT, frustrou.

            O Sr. Pedro Simon (Bloco/PMDB - RS) - Desculpe-me uma pergunta: quando V. Exª se elegeu, e o Lula convidou V. Exª para ser Ministro da Educação, o senhor achava que tinha sido o momento e que começaria um novo Brasil?

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF) - Lógico! Claro que eu achava isso. Tanto que pedi para ser Ministro só da educação de base. Saiu nos jornais que não vejo como mudar o Brasil com um MEC que cuide da universidade e da educação de base.

            O Sr. Pedro Simon (Bloco/PMDB - RS) - Mas V. Exª estava na certeza de que o Governo queria isso?

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF) - Eu, Betinho e tantos outros conversávamos entusiasmados.

            Quando o Presidente Lula recuou da ideia de ter um ministério de educação de base, por pressão dos sindicatos das universidades, professores e alunos, e manteve o Ministério, comecei a ter uma pequena desconfiança, e aí, Senador, eu deveria ter trazido para aqui a matéria.

            Em maio de 2003, ou seja, cinco meses depois de ser Ministro, eu fiz uma reunião com estudantes, num colégio de Brasília, lembro-me que sentado no chão com secundaristas, e eles cobrando melhoria. Eu disse: “Vocês precisam fazer uma passeata à frente do Congresso e pedir mais dinheiro àqueles Deputados e Senadores” - inclusive eu, que sou um Senador licenciado. Eu não via saída a partir...

            O Sr. Pedro Simon (Bloco/PMDB - RS) - Quer dizer que tudo isso que está acontecendo foi V. Exª quem começou?

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF) - E faz dez anos. E, no dia seguinte, ao sair nos jornais - o serviço de informação desse Governo parece que nunca foi bom, só souberam disso no dia seguinte, pelos jornais -, o Presidente Lula me ligou para puxar fortemente minha orelha - lembro que eu estava fazendo outra palestra no Colégio Militar de Brasília - porque eu não podia ter dito isso. Como ele já tinha feito isso antes, quando eu disse “não precisa programa Fome Zero; basta Bolsa Escola para todos”, e ele levou um ano para entender.

            Então, eu achava que iríamos mudar, claro, porque não iríamos mudar a economia - nunca achei; não iríamos mudar a estrutura social; nós iríamos mudar a educação.

            O Sr. Pedro Simon (Bloco/PMDB - RS) - Quero dizer que V. Exª estava imbuído que aquele governo do Lula, do qual V. Exª pertencia, era para valer, que o Brasil iria mudar?

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF) - Claro que estava! Lógico que estava, porque era muito pouco que iria mudar, que era a educação.

            O Sr. Pedro Simon (Bloco/PMDB - RS) - Naquele Ministério do Lula, naquela ocasião, havia um grupo que pensava como V. Exª, que estava imbuído mesmo?

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF) - Alguns meses depois, lembro-me de que, em uma conversa com o Frei Betto, no meu gabinete de Ministro, falamos: “Nessa Esplanada, não se fala de propostas nem de ideias mais”. Lembro-me disso, não me lembro do mês. Mas, no primeiro momento, é claro que estava.

            Eu comecei a ter dúvida quando, no dia em que fomos assinar um contrato com a Confederação Nacional da Indústria, na minha campanha, minha que eu briguei, de erradicar o analfabetismo no Brasil, o Presidente Lula, presente, disse a seguinte frase: “Cristovam, apressado come cru” - como quem diz: “Querer erradicar o analfabetismo é uma ilusão”. E era possível! Claro que era possível! Erradicar significa chegar a 1% ou 2%. O número de analfabetos que há hoje é o mesmo que tínhamos quando o Lula começou praticamente. A percentagem diminuiu porque a população cresceu, tanto tempo que faz que está no Governo. Eu acreditava, sim.

            Aí começaram a surgir pequenas desconfianças, mas só vim realmente a perceber depois, e não quando saí do Ministério. Isso aqui já foi dois anos depois de ter saído. Tem gente que diz que saí do PT quando saí do Ministério. Não, eu fiquei. Saí quando vi - e tem tudo a ver com a sua pergunta - quando vi, e falei isso, que o PT tinha perdido o vigor transformador. Não falei nem em vigor revolucionário, mas transformador. Tanto que fui favorável ao Meirelles ir para o Banco Central. Tanto que, em 1998 - eu era governador, candidato à reeleição -, eu disse: “Se o presidente Lula ganhar em 1998, deve manter o Malan como seu ministro durante cem dias”. Disse isso porque a economia vive hoje na base da confiança - e, por isso, a nossa economia começa a ter problemas pela falta de confiança na atual equipe econômica e na postura da Presidenta. Houve um tempo em que a economia não tinha nada a ver com a confiança das autoridades, ela funcionava sozinha. Hoje, é tudo ilusão, porque o dinheiro flui de um lugar para outro sem você poder segurar. Então, eu defendia uma economia tradicional. Eu dizia que a revolução está no orçamento, não na política econômica. Elas se ligam, mas não são o mesmo.

            Então, eu acreditava, sim, mas esse discurso já foi depois.

            Vou repetir: o PT, meu partido, foi o primeiro a encarnar a transformação social e chegar ao poder. Outros encarnaram, como o Partido Comunista, entre outros, mas não chegaram ao poder. O nosso encarnou e chegou ao poder - temos que dizer com todas as letras -, mas frustrou!

            Vejo o Presidente pedindo desculpas por atos indecentes que ocorreram, quando ele foi à televisão falar sobre o mensalão, logo que foi descoberto. Não o vi, entretanto, pedindo desculpas por aquilo que ele não fez. Um governo não tem que pedir desculpas apenas pelo que fez de errado. Tem de pedir desculpas pelo que não fez, comparado com as promessas de campanha. Eu não vejo esse pedido de desculpas.

            Pedido que eu não vi no discurso da Presidenta Dilma, no domingo. A Presidenta Dilma deveria começar aquele discurso dela com duas palavras: “Nós erramos, nós, todos os políticos. Mais ainda: os do meu Partido, porque estamos há dez anos no poder. E mais ainda: eu, Presidenta, que estou há dois. Nós erramos!” E aí mostraria como iríamos sair do erro.

            O que eu vejo, entretanto, é a dificuldade de ela fazer isso, porque ela é candidata. A maior inimiga, a maior adversária hoje da Presidenta Dilma é a candidata Dilma. A candidata Dilma não deixa a Presidenta Dilma agir como deveria, porque ela tem que reunir quem vai votar nela e as gerações futuras, que vão admirá-la. Se ela não fosse candidata hoje, já teria feito uma reforma ministerial, convocando os melhores quadro deste País, independentemente do Partido, e dizendo “vamos por essa linha, e vamos com o povo convencer o Congresso”, porque o povo está pronto para isso hoje. Como, aliás, ela diz que vai conseguir - o Mercadante - o que o povo quiser no plebiscito o Congresso vai ter que aceitar. Aqui para nós, isso é mais ou menos verdade. Vai ser muito difícil a gente dizer “não”.

            Por isso, eu defendo, Senador, que a gente faça a proposta e a submetamos a um referendo, e que o povo diga: “Não queremos isso que o Congresso quis”. Muito bem, aí a gente vai ter de fazer outra vez, ou, então, chega a um conflito tal que todo mundo tem que sair do mandato, como acontece em muitos países, onde ocorre a antecipação de eleição.

            Mas o plebiscito vir com base nas perguntas que o Governo elabora, perguntas que terão certa manipulação, que farão votar como o Governo quer, se se mandar isso para cá, teremos de aceitar, ou criaremos uma crise muito séria de legitimidade. Isso disse o Ministro Mercadante.

            Aliás, quero dizer aqui, Senador Acir, que me preocupa quem está cuidando hoje do Ministério da Educação! A sensação que eu tenho é que o Ministério da Educação está abandonado, porque o Ministro Mercadante hoje é o porta-voz da Presidenta, é o assessor da Presidenta.

            O Sr. Pedro Simon (Bloco/PMDB - RS) - Mas, cá entre nós, o Senador Mercadante está mostrando uma capacidade impressionante: quando ele estava na Educação, era Ministro da Educação, e fazendo o planejamento, porque a especialidade dele é fazendo a economia; e, de repente, ele vai para a política, coisa que, de certa forma, ele nunca fez. Todo mundo mexia com ele aqui no Senado, um homem competente, capaz, responsável, mas uma simpatia difícil. Ele era difícil no trato. E agora até vemos ele simpático, alegre, aparecendo. Agora, essa heterogeneidade de competência dele... E dizem que ele está a caminho da Casa Civil.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Mas, Senador, eu acho que ele é capaz de qualquer ministério. Eu acho que ele não é capaz de todos os ministérios? Esse é o problema!

            O Sr. Pedro Simon (Bloco/PMDB - RS) - Mas a nossa pergunta é que ele está fazendo isso, e quem está cuidando da educação? Essa é a questão.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Claro, é isso que eu pergunto.

            Quem é o Ministro da Educação hoje?

            Mas continuando o velho discurso de quase dez anos atrás.

            Lembro que, como Ministro, fiz uma lista de metas, muito criticada no núcleo central do Governo. Uma lista, Senador, de onde deveriam chegar até 2022, em matéria de alfabetização, de menino na escola, de qualidade, de classificação no cenário mundial, e fui muito criticado porque disseram que algumas eram inviáveis, e eu tinha convicção de que eram viáveis, até porque algumas tinham prazo de 15 anos. E eu disse também: “Aquelas que são ambiciosas eu prefiro colocá-las com ambição e depois pedir desculpas porque não as realizei, a colocar uma pequenininha e comemorar depois o pouco que prometi”.

            Falta ao nosso Governo, ao nosso Partido - repito, ao Partido dos Trabalhadores - pedir desculpas também pelo que não fizemos, pelo que não cumprimos de nossos compromissos de campanha, para que o povo comece a trazer de volta a esperança no lugar de caminhar com a bandeira da frustração.

            Quero dizer, Senador Paulo Paim - que estava presente -, que não acredito que virá do meu partido - dele também -, nem dos outros partidos individualmente a chama da esperança outra vez para o Brasil. Ou a gente cria um movimento nacional pelas transformações sociais, aceitando pessoas de todos os partidos, aquelas que não são de partidos, ou não vamos conseguir trazer de volta a esperança. Ou seja, a esperança não viria daqui de dentro, viria de fora. E as manifestações pequenas, que dizem “todos fora!”, vão se transformar em manifestações de todos contra todos nós, os políticos. E manifestações que vamos ter que reconhecer que serão justas porque não teremos cumprido nossa missão.

            É o que hoje a gente está dizendo: essas manifestações são justas; nós não cumprimos nossa missão, senão elas não precisariam estar na rua. O meu medo é que, quando isso acontecer, já não dê tempo de pedir desculpas, porque a paciência do povo não aceita pedir desculpas depois da hora. Esse pedido tem que ser feito antes da hora, para que o povo aceite as desculpas.

            É isso que está acontecendo. O povo hoje não está aceitando as nossas desculpas porque elas estão sendo feitas de maneira posterior ao sentimento do que o povo quer.

            Sr. Presidente - não era o senhor na época deste meu discurso; não lembro quem era o Presidente, embora eu esteja aqui na frente; não diz aqui quem era o Presidente.

            Sr. Presidente, digo isso para reafirmar o meu descontentamento com os partidos.

            E quase... Quase não, apanhei muito na semana passada, quase fisicamente - diria -, quando eu disse que está na hora de mudar os partidos. Eu usei a expressão “abolir os partidos”. Não é abolir os partidos no processo democrático, o que seria uma estupidez; é abolir os atuais partidos e criar outros, que podem até ter a mesma sigla, mas têm que surgir com estatutos diferentes, ou, pelo menos, têm que cumprir seus estatutos, garantindo uma unidade partidária com base na unidade ética e na unidade programática.

            Eu disse porque já tinha dito dez anos antes e não tenho por que mudar. Posso até ter como ajustar. Mas lá estava escrito, na minha mensagem: “Proponho abolir os ATUAIS”... - pus em maiúsculas, inclusive.

            Não é mudar as siglas: é reajustá-las. Aliás, a minha proposta de reforma política, que tem três anos, no último item, diz: “É preciso declarar uma moratória partidária por seis meses, em que todo mundo possa se reaglutinar em novas entidades; mudar, inclusive”.

            Aí perguntaram: “E a fidelidade? Você foi eleito por esse partido”. Nós fomos eleitos por siglas, porque eles mudam de lado.

            Quando eu saí do PT, depois de um discurso como esse, e fui para o PDT, o PDT era a mais firme oposição ao governo; hoje, não é mais. Hoje, como diz o Senador Pedro Taques, outro militante, é um “puxadinho do Planalto”. É um puxadinho do Palácio do Planalto e do partido dos Trabalhadores. Ele mudou. Quando eu fui candidato a Presidente, fui candidato a Presidente contra Lula!

            Hoje nós somos absolutamente subordinados ao que o companheiro Lula quiser. Todos nós sabemos disso, Senador Acir. Essa é a verdade. Então é outra situação. Eu vou repetir essa parte.

            “O meu medo é que, quando isso acontecer [o povo for para a rua], já não dê tempo de pedir desculpas, porque a paciência do povo não aceita pedidos de desculpas depois da hora, têm que ser feitos antes da hora.”

            Sinceramente, esse discurso está tão arrumado, que eu tenho a impressão de que fiz uma revisão. Mas não houve, não. É a transcrição que eu estou lendo.

Sr. Presidente, digo isso para rea¿rmar o meu descontentamento com os partidos que temos. A minha convicção é de que vou continuar militando como um dos que sonham neste País que é possível uma transformação e que essa militância tem que ser mais no movimento do que num partido. E isso, Sr. Presidente, espero ter anos su¿cientes de vida, ainda, para poder ajudar o Brasil a levar adiante.

            Eu sinceramente achava que ia levar mais de dez anos. Quando eu disse "espero ter anos suficientes de vida", eu esperava que ia demorar mais, porque eu esperava estar vivo dez anos depois.

            "Quero encerrar o meu discurso, até porque a Mesa esqueceu de dizer quanto tempo eu tinha, e não ficou marcado quanto falta (...) [como hoje, porque é uma sexta-feira; talvez fosse uma sexta] (...) antes, porém, concedo um aparte ao Senador Alberto Silva", que já não está aqui conosco.

            O Senador Alberto Silva disse:

Senador Cristovam Buarque, V. Exª está colocando a questão do descontentamento e das esperanças do povo brasileiro diante do que está havendo e diante do que não está havendo, isto é, não tem nenhuma proposta. V. Exª diz isso com muita razão e se preocupa que reuniões aos poucos vão crescendo e se transformem em movimentos de descontentamento contra principalmente a classe política. É o que pude entender [do seu discurso]. V. Exª, quando Ministro, ofereceu várias soluções, como aquele programa de alfabetização, que se tivesse sido levado adiante, teríamos hoje, como V. Exª diz, mais de 10 milhões de pessoas alfabetizadas e, por conseguinte, mais conscientes, talvez, e com direito de formar juízo a respeito do Congresso Nacional diante do País.

            Esse programa de erradicação foi parado na semana seguinte à que eu fui demitido do Ministério. Nós criamos uma secretaria para a erradicação do analfabetismo, com o compromisso de só durar quatro anos. Foi extinta essa secretaria. Manteve-se o nome, “Programa Alfabetizado”, mas não se manteve o funcionamento, nem a concepção. Voltou-se à velha ideia de que analfabetismo não se erradica, alfabetismo se faz. E que se a gente for alfabetizando, um dia todos os analfabetos terão morrido. Isso é verdade, mas vai demorar muito, porque a torneirinha que fabrica analfabetos continua funcionando no Brasil dentro do ensino fundamental.

            O Brasil funda, faz! Eu um dia quis fazer, e não consegui, a redução do analfabetismo no Brasil. O número de analfabetos se dá mais porque alfabetizamos as crianças ou porque os analfabetos morreram? A gente não tem as estatísticas de quantos analfabetos morrem por ano; se nós os colocarmos, veremos que o número de alfabetizados na primeira infância é menor ainda do pensamos.

            O Sr. Pedro Simon (Bloco/PMDB - RS) - Se for analisado o número daqueles já de idade, que fazem o curso de alfabetização, que ganham até o diploma, mas que depois nunca mais leem, nunca mais sabem coisa nenhuma, é um percentual dolorosamente impressionante. Querem fazer, fazem, vão ali, tiram o curso, vão para casa, mas depois só veem a novela da televisão, não leem, não praticam e voltam a ser analfabetos.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF) - Obrigado, Senador.

            Eu termino o aparte do Senador e coloco uma resposta que fiz. Isso confirma a minha ideia de que precisamos de um movimento, mais do que de um partido. Se eu falei no movimento social pelas mudanças, imagine o movimento senatorial pelas mudanças.

            Aqui sempre venho cobrando: se tivéssemos feito um movimento pela mudança, não haveria gente precisando ir para a rua. Nós poderíamos ter tido a iniciativa de fazer tudo isso. Nunca nos preocupamos com a tarifa de ônibus, e o povo precisou ir para a rua para reduzi-la; deixamos aqui rolar, rolar, rolar projeto de crime hediondo, de corrupção como crime hediondo, e foi preciso o Senador Taques aprovar o projeto dele ontem. Nós não fizemos aquilo que era para ser feito, até porque ficamos muito tempo fora daqui, vazios.

            E por que não chegarmos a alguns pontos que nos unam? - uma pergunta. Somos divididos em muitas coisas, mas há coisas que nos unem. Veja como há coisa hoje, que é velha, Senador. Agora mesmo, o Senador José Jorge, que já não está aqui, o Senador Aloizio Mercadante, que não está aqui, e eu, graças a uma provocação da Unesco, do Sr. Jorge Werthein, representante da Unesco, estamos circulando uma ideia de pacto pela educação.

            A Presidente agora fala num pacto para a educação, para colocar 100% dos royalties. Faz 10 anos que se criou um pacto abstrato, ainda solto. Por que não sentamos com as lideranças, e aí sim os partidos têm a opção: costurar um projeto de revolução educacional no Brasil.

            Nós assinamos um pacto aqui. Creio que os 81 assinaram; como os governadores assinaram. Falo em educação, porque é a minha mania, mas pode ser outra coisa, como a transparência que o Senador João Capiberibe encarna.

            Nós temos, sim, um poder que não estamos usando por causa da nossa divisão e porque não estamos querendo transformar o Senado em um movimento cívico neste País. Nós não transformamos o Senado em um movimento cívico neste País, o movimento cívico teve de ir para a rua ser criado. E se fizéssemos isso, nós teríamos um poder e qualquer presidente teria de nos escutar.

            Aí vem um aparte do Senador Capiberibe, que está aqui, mas nisso ele já saiu e já voltou reeleito.

            O Senador Capiberibe diz:

Caro Senador Cristovam Buarque, compartilho inteiramente das suas preocupações com esse retardo sistemático para solucionar essas questões que causam graves problemas sociais e inquietações, como, por exemplo, o combate sistemático à corrupção [é a mesma palavra] ou a mudança necessária no sistema tributário para melhorar a distribuição da renda. O imposto que mais se arrecada neste País é um imposto injusto, que sobrecarrega os pobres, da mesma forma que sobrecarrega os ricos - o ICMS, o Imposto sobre Circulação de Mercadoria e Serviços, um imposto de consumo. Todos pagam, independentemente se ganha um, cem ou duzentos salários mínimos. Essa preocupação em se combater de forma sistemática a corrupção deveria ser dominante nesta Casa, porque existem mecanismos. Nós podemos aprimorar os mecanismos de controle e de prevenção da corrupção, melhorar, reformar completamente o sistema político-eleitoral, que está esgotado [o Senador Capiberibe dizia isso há dez anos]. Já deveríamos ter feito isso desde o início, acho que quando nós entramos no Senado.

            E por aí vai, até que eu dou uma resposta, reduzindo:

            Estou de acordo, Senador. Só que eu queria agregar mais: quando falamos em reforma tributária, falamos em quem paga. Temos que falar também para onde vai o dinheiro.

            É a mesma coisa, pois estamos fazendo a reforma tributária para que os royalties do petróleo possam ir para a educação. Mas não dizemos para onde, não dizemos como. Dez por cento do PIB para educação - mas não diz como, não diz onde, Senador. É a mesma coisa!

            E quero voltar a insistir que não basta lutar contra a corrupção.

            E aqui é algo que não surgiu ainda nas passeatas. Não é “lutar contra a corrupção no comportamento dos políticos, mas também contra uma corrupção muito mais grave, que é a corrupção nas prioridades das políticas públicas. Fazer um prédio de luxo para o setor público...”

            Aí houve uma pequena interrupção do som, mas eu já complemento.

            Fazer para o setor público, quando falta água e esgoto, é corrupção. Que coisa mais oportuna do que a discussão dos estádios hoje?

            Eu assinei uma proposta de CPI da Copa.

            O objetivo está sendo ver se houve ou não corrupção no comportamento dos políticos que administraram a construção.

            Mas nós ainda não vamos fazer a CPI da corrupção na prioridade de decidir fazer estádio em vez de fazer água e esgoto, em vez de melhorar a saúde.

            Um Senador me dizia aqui ontem que foi ao barbeiro, e o barbeiro estava furioso, porque precisa fazer uma ressonância magnética e não consegue, em Brasília. E, ao lado do hospital, há um estádio com esse valor de R$1,7 bilhão. Eu soube ontem que faltam R$300 milhões para fazer um túnel que vai do estádio a não sei para onde. Talvez ao Setor Hoteleiro, para que não precise passar pelas manifestações. Deviam estar prevendo isso.

            Então, essa corrupção nas prioridades ainda não entrou conscientemente nas manifestações, mas já está, quando elas pedem mais saúde, quando pedem mais educação.

            Senador, eu continuo:

(...) é corrupção mesmo que ninguém roube. Já é uma corrupção colocar dinheiro público em um prédio público de luxo, quando há necessidade de saneamento e de escola [etc]. Essa corrupção nas prioridades está clandestina; ela não é vista. Pensamos que ladrão é apenas quem se apropria de dinheiro público. Ladrão somos [e eu acho importante colocar na primeira pessoa do plural, para não ficar jogando culpa nos outros] os políticos que colocamos o dinheiro, que deveria ir para o povo, em projetos que servem à minoria privilegiada [ou para nos dar votos, iludindo o povo]. Isso também é corrupção. [Lamentavelmente, isso não vai entrar na Lei Pedro Taques, de crime hediondo]. Não sei se ainda dá tempo, Sr. Presidente, mas gostaria, nos trinta segundos que ainda me faltam, de conceder um aparte ao Senador Mão Santa [que não está aqui]. Concederei mais um minuto.

            O Presidente era o Senador Ribamar Fiquene, do Maranhão, que também não está aqui. Eu estou vendo que não só faz muito tempo como a gente muda muito aqui as pessoas.

            O Senador Mão Santa diz:

Senador Cristovam Buarque, seus pronunciamentos são sempre muito oportunos. Este País está vivendo momentos muito difíceis. Creio que essa paz ainda é originária da fé cristã que nós temos e que diz que “depois da tempestade vem a bonança”. Então, o povo cristão espera. E como estamos falando de Cristo e de reforma, lembro que a Igreja de Cristo já esteve como está o Brasil. Era (...) comprando e vendendo lugar no céu [antigamente]. Então, fizeram uma reforma. Lutero surgiu, teve coragem, e criou outras igrejas, que melhoraram o mundo cristão.

            E aí, concluindo, ficou faltando o aparte do Senador Flexa Ribeiro, que disse:

Senador Cristovam, quero parabenizá-lo pelo seu brilhante pronunciamento, como sempre profundo. Acho que todos os brasileiros e brasileiras que estão a nos assistir terão um momento de reflexão para lembrar das suas palavras na tarde de hoje. (...) Lamentavelmente, a esperança venceu o medo, mas não venceu a incompetência [nem] a corrupção.

            Essa frase é do Senador Flexa Ribeiro. É uma frase forte. A esperança venceu o medo e elegeu o Lula, mas não venceu a incompetência e não venceu a corrupção. E não venceu nenhum desses dois por causa da estrutura política e não só porque eles são maus. É que a estrutura política permite corrupção, incentiva a corrupção e permite e incentiva a incompetência, na medida em que, para ter uma maioria, como se procurou aqui, tem que se dividirem os Ministérios e os quadros abaixo dos Ministros entre os partidos; sem olhar o mérito de cada um, sem olhar se a pessoa está preparada para administrar. E é isso que está fazendo com que as coisas não funcionem, mesmo quando se toma a decisão certa.

            Eu soube que a obra de transposição do Rio São Francisco está com problema, porque os trechos não têm o mesmo tipo de terreno. Então, a estrutura prevista para o trecho maior não consegue servir a cada um dos pedaços do trecho, e a obra parou até que se façam novos estudos.

Penso que ao reformularmos, ao investirmos maciçamente na educação, teremos o Brasil com que todos sonhamos para o futuro. (...)

Sr. Presidente [aí eu encerro], para encerrar, ressalto que estamos pedindo desculpas, o povo está nos avisando, e o aviso é muito mais grave do que as desculpas [que estamos pedindo].

            Eu descobri esse discurso ontem, graças a uma garimpagem da minha assessoria. E, ontem à noite, quando eu o mostrei a minha esposa, ela disse: “Você tem que ler isso de novo no Senado”. Eu disse: primeiro, eu não gosto de ler discurso; segundo, eu não gosto de ler coisa antiga; e terceiro, eu não gosto de ler as coisas que eu escrevo, porque eu fico querendo ajustar a redação, não mudar o conteúdo, mas uma mania de ficar (...)

            Mas, sinceramente, Senador, eu não mudaria uma linha, eu não mudaria uma vírgula, eu não mudaria um ponto. Eu só mudaria o medo de que hoje estamos piores do que antes, de que talvez tenhamos perdido o tempo de pedir desculpas e agora ou agimos rápido, ou vai piorar, até porque eu não pensei na época - a revolução veio depois - o poder que a Internet daria às massas. Eu não imaginei que as manifestações seriam permanentes em todos os lugares e não só numa praça onde as pessoas estavam. As manifestações fisicamente podem até cansar e parar de hoje para amanhã, mas essa meninada volta para casa e continua se manifestando pela Internet. E qualquer um, Senador, qualquer um neste País é capaz de fazer uma manifestação com quinhentos, duas mil pessoas, por qualquer tema e lugar que quiserem. Basta colocar em um computador: “Um cachorro foi atropelado na rua. Vamos nos encontrar na frente de tal prédio, todo mundo vestindo camisa tal para protestar às 5h.” E juntam-se! Não vão fazer dez mil, cem mil pessoas... Isso exige algo mais forte. Mas, duas mil, cinco mil, quinhentas! E quinhentas param a rua. Nós vamos entrar em um período de “guerrilha cibernética”. E isso ficará irrelevante, Senador Simon, se não formos capazes de trazer essa guerrilha aqui para dentro. Não precisa entrar gente, mas ideias e levá-las em conta.

            Quanto a esse plebiscito a Presidenta fala levar em conta... Como? Considerar a opinião pública que nos mandou, um dia desses, um milhão e quatrocentos mil assinaturas, relacionadas com a eleição do Presidente do Senado e nós não fizemos nada? A gente vai fechar os olhos para todas as manifestações que vierem pela Internet? Ou o povo merece ser, pelo menos, mais um Senador e nós levarmos em conta o que ele está dizendo.

            Sr. Presidente, eu peço desculpas por estar repetindo algo que já fiz, mas eu achei que era importante fazer essa repetição.

            Era isso, muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 29/06/2013 - Página 40881