Discurso durante a 172ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Preocupação com o caos político instalado no País.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA POLITICA.:
  • Preocupação com o caos político instalado no País.
Aparteantes
Paulo Paim.
Publicação
Publicação no DSF de 05/10/2013 - Página 69701
Assunto
Outros > REFORMA POLITICA.
Indexação
  • CRITICA, CRISE, POLITICA NACIONAL, PROTESTO, POPULAÇÃO, MANIFESTAÇÃO COLETIVA, NECESSIDADE, ASSEMBLEIA CONSTITUINTE, EXCLUSIVIDADE, REFORMA POLITICA, IMPORTANCIA, DEBATE, CAMPANHA ELEITORAL, DISCUSSÃO, FIDELIDADE PARTIDARIA, LIMITAÇÃO, FINANCIAMENTO, PARTIDO POLITICO.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Mozarildo, Srªs e Srs. Senadores, nesses dias não pode haver outro tema.

            Por mais que eu fale sempre aqui quase só de educação, hoje não há como fugir: o tema é o caos político que o Brasil vive. Caos político que já levou o povo para as ruas para dizer que não está satisfeito com privilégios, que eles acham que nós temos; com a incapacidade de fazermos com que as coisas funcionem na velocidade; a ausência nossa dos grandes problemas nacionais. O povo foi às ruas para se manifestar contra isso.

            Mas parece que nós apenas vimos o povo nas ruas e não ouvimos o povo nas ruas. Nós vimos o povo nas ruas, mas não ouvimos o povo nas ruas. É como se alguém ouvisse um grito fotografado. Um grito fotografado é visto. Ele choca, mas não é escutado. É o grito da fotografia em outra dimensão. Não está dentro da realidade.

            É assim que eu acho que nós, os políticos do Brasil, estamos vendo as manifestações. Não estamos ouvindo. O que vimos nestes últimos dias? Migração de um partido a outro, em busca de mais facilidades eleitorais, oferecendo dinheiro público do fundo público de campanha, do Fundo Partidário; oferecendo tempo de televisão, que é uma concessão do processo; não somos donos cada um de nós.

            Essa migração nos envergonha, desmoraliza completamente o quadro partidário e desmoraliza a nós, que fazemos esse quadro partidário ou porque não mudamos a lei ou porque nos utilizamos dos métodos.

            Falam em 100 Parlamentares que mudaram de partido. Estes têm de assumir a responsabilidade deles de terem mudado de partido, e nós temos de assumir a nossa de não termos criado um mecanismo diferente, de não termos criado um mecanismo que fizesse a política funcionar sem esse tipo de coisa.

            Ontem, a gente viu a candidata com 20 milhões de votos impedida de disputar a eleição, e não dá para dizer que os juízes erraram. Não dá, primeiro, porque eu nunca digo que juiz errou, porque, aí, eu estaria julgando o juiz e quem julga é ele; segundo, porque, aparentemente, ela não cumpriu as condições - não cumpriu por razões que a gente sabe, de perseguição, por razões de inoperância dos cartórios, mas, no fim, o juiz chega ali e diz: “Como eu vou aprovar?” Não consegue.

            Agora, como a gente cassa uma candidata com 20 milhões de votos? Porque o sistema está tutelado. Nós vivemos num processo em que nós, políticos, e nós, eleitores, estamos tutelados. Estamos tutelados, por exemplo, pelos partidos, porque só se pode ser candidato sendo filiado a um partido e o partido querendo. As pessoas se esquecem, Senador Mozarildo, mas, para ser candidato, não basta ser filiado. É preciso que o partido ponha seu nome na nominata, e a gente sabe que, num partido que tem dono, o dono põe você ou tira você da nominata se quiser. Então, estamos tutelados pelos partidos, mas, mais do que isso, pelos dirigentes dos partidos, que nem sempre representam um processo de eleição democrático e nem para a democracia.

            Nós estamos tutelados pela Justiça. Tudo é feito conforme os juízes, como, ontem, a gente viu.

            Por que não deixam que seja candidato, livremente, quem quiser, desde que tenha uma base de apoio? Aí, você faz a tutela pelo eleitor. Se você disser: quem quiser ser candidato a Presidente pode ser. Não precisa de partido, agora, tem de ter um milhão de assinaturas, ou dois milhões de assinaturas indicando-o. Pronto. Aí, a tutela é por um milhão! A tutela é para quem é capaz de conquistar o apoio de algumas centenas de milhares de pessoas e que se apresente.

            Dificilmente ganha uma eleição um candidato sem partido. Aliás, dificilmente consegue-se um milhão de assinaturas de apoio a um candidato se não houver um partido por trás, mas se alguém conseguir isso... Por que os partidos não querem aquele tipo de candidato? Tem que deixar.

            Estamos tutelados.

            Para isso, precisamos de uma reforma política, e essa reforma não pode ser pequena, e ela não será feita grande por nós. Tem de ser, sim, por um grupo de pessoas com a única tarefa de elaborar essa reforma, o que a gente chama por aí de uma constituinte exclusiva, que não vai mexer no corpo da Constituição inteira, vai mexer naquilo que se refere a essa maneira errada de se fazer política que o Brasil vem seguindo. Uma constituinte exclusiva em que todos os que fizerem parte dela ficarão impedidos de serem candidatos por 20 anos, 30 anos, daí para frente, ou até por toda a vida, que cada um que quiser ser constituinte queira ser pai da Pátria, e não candidato na política.

            Eu acho que isso aí poderia trazer algumas mudanças, como, por exemplo, Senador, algumas coisas que eu acho que a gente não vai conseguir fazer: acabar com as coligações no primeiro turno. É uma vergonha isso. Isso é usado para trocas de favores. É partido? Então, tem que lançar candidato a presidente, a governador, a prefeito.

            Eliminar os fundos partidários com recursos públicos. O partido é uma entidade que não é do Estado, é uma entidade da sociedade. A sociedade pague, os filiados paguem, os filiados contribuam, como contribuem com as igrejas, como contribuem com os clubes, como contribuem com as ONGs. Por que você paga por um partido de que você não gosta? As pessoas não sabem, Senador Mozarildo, mas elas estão pagando com dinheiro delas, dos impostos que elas pagaram, para financiar partido que elas não escolheram, porque o fundo é rateado com base no número de Deputados, o que cria outra distorção. Por que a gente não diz: partido é financiado por seus associados, por seus simpatizantes?

            Proibir financiamento de campanha por pessoas jurídicas, um projeto do Senador Jorge Viana, e limitar o valor das doações particulares.

            Permitir apenas uma reeleição para os cargos.

            Redefinir a forma de escolha dos Ministros do Supremo e do Tribunal de Contas. Para o Tribunal de Contas, eu acho que devia ser concurso público. O Supremo devia ser um processo em que se envolvesse, ao mesmo tempo, Executivo, Legislativo e o próprio Judiciário. Hoje, não, o Executivo escolhe, manda para a gente, e a gente faz uma sabatina de fachada e nomeia. Esta semana, um senhor, indicado pela Presidenta Dilma, que passou numa sabatina no Congresso, foi nomeado presidente - eu acho - na Anvisa, teve de renunciar por suspeitas. Como a gente fica? Eu não vi nenhum Senador que é da Comissão que o sabatinou pedindo desculpas porque não analisou bem o currículo do “cara” ou, até melhor, a ficha corrida dele.

            Criação de mecanismos para a cassação de mandatos pelo eleitor. Muitos países já têm essa experiência.

            Eleição por voto distrital para vereadores e prefeitos. Acho que seria uma coisa interessante.

            Limitar o horário eleitoral apenas às falas dos candidatos, sem marketing, para baixar o custo, para não precisar ficar pedindo dinheiro para financiar campanha.

            O fim do voto secreto, como defende o Senador Paim. E eu defendo mais: o fim do voto por liderança, porque fico envergonhado quando vejo o Presidente dizer: “Quem estiver de acordo fique como está”. A gente nem sabe o que é que está sendo votado. Se o voto fosse nominal, a gente não votaria sem saber o que era. Mas, hoje, fique como está quem está a favor. No outro dia, lê-se no jornal que você aprovou coisas de que discorda. Isso porque, por uma questão de desatenção qualquer, não levantou o braço para dizer que era contra, ou espirrou, ou fez um movimento. Você estava parado, ficou parado. Tem que acabar com o voto de liderança tanto quanto com o voto secreto.

            Adoção de consultas populares por meio das modernas tecnologias de comunicação. Isso é possível, gente! 

            Perda de mandato do parlamentar nomeado para cargo de ministro ou secretário. Porque uma maneira que hoje o Poder Executivo tem de dominar o Parlamento, tira um vereador e coloca como secretário da prefeitura. Se o suplente começar a não votar como o prefeito quer, ele manda o secretário dele, e assim em muitos lugares. Se você quer ser ministro, vá ser ministro, mas abra mão do seu cargo. Como, aliás, no Brasil, o caso do Banco Central. O Henrique Meirelles foi eleito deputado. Quando foi convidado pelo Presidente Lula para ser Presidente do Banco Central, ele renunciou ao Banco Central. Isso deveria valer para todos os ministérios, todas as secretarias.

            Eu creio que a gente deveria acabar com o nosso recesso parlamentar e fazer como todo trabalhador, ter férias de 30 dias.

            O registro dos compromissos de campanhas devia ser feito, para que o eleitor saiba se o candidato dele cumpriu ou não. Não vai ficar só na conversa, na promessa, no santinho; ele tem que registrar num cartório os seus compromissos de campanha.

            A limitação de benefícios específicos da classe política. A gente tem que começar a ter benefícios dentro dos limites do aceitável pelo povo.

            Começar a usar os serviços públicos. O povo quer que nós usemos os serviços públicos pelos quais somos responsáveis. O povo quer que a gente use saúde pública, que a gente use a educação pública.

            Criar - o que foi recusado recentemente, um projeto meu, uma coisa que seria até positiva para nós -, nossa declaração de Imposto de Renda passar por uma malha fina da Receita, para alertar-nos sobre os erros que a gente comete - e a gente comete. Se houvesse esse princípio de toda declaração de Imposto de Renda de Parlamentar passar por uma malha fina, nós não teríamos passado o constrangimento de que, durante anos e anos, o Senado não nos descontava parte do Imposto de Renda, que ficamos devendo. Criou-nos essa vergonha e um problema financeiro para pagar. Eu gostaria demais de ter uma assessoria melhor do que a do contador que já consulto para saber se a minha declaração está bem ou não.

            Para não continuar falando e falando, cito, por último, a eliminação do foro especial.

            Essas são coisas que o povo está querendo e que, a meu ver, a gente não vai conseguir aprovar nas velocidades necessárias para entrar nas eleições. Por exemplo, já não aprovamos para esta eleição. Aprovaremos para 2018? Talvez, não. A saída é um grupo de pessoas que se dedique a isto: fazer uma reforma naqueles aspectos da Constituição que dizem respeito à política, ao funcionamento da política, à relação do eleitor com o candidato e do eleito com o povo. É o eleitor com o candidato, e o eleito com o povo. A gente tem que criar isso.

            O povo foi para a rua pedir. É preciso que, além de ver o povo na rua, comecemos a ouvir o povo na rua também.

            Era isso, Sr. Presidente. Mas o Senador Paim pediu a palavra, que eu passo a ele para um aparte.

            O Sr. Paulo Paim (Bloco Apoio Governo/PT - RS) - É muito rápido, Senador Cristovam. Primeiro, quero cumprimentá-lo. Nunca tive dúvida quanto à sua posição em relação ao voto secreto. V. Exª usou um termo que eu até já reproduzi em palestras que fiz sobre o tema. Digo o que V. Exª disse da tribuna: que se sente envergonhado na hora de votar. E cito, inclusive, a origem dessa argumentação; da vergonha de votar secretamente para a população nunca poder ficar sabendo como é que o senhor votou na verdade. Embora o senhor diga, ela sempre tem o direito de ficar na dúvida. Por isso, meus cumprimentos por essa posição em relação ao voto secreto. E, no fim, quero dizer que concordo com tudo que o senhor elencou aí, porque penso assim mesmo, inclusive sobre a candidatura avulsa. Casualmente, temos projetos idênticos, não é? E V. Exª levanta agora: quem deve fazer a reforma política? Não adianta. Quem está aqui dentro, em sua ampla maioria, os partidos farão a reforma política olhando - desculpe-me a expressão - para o seu umbigo, para o seu mundo, para a sua realidade partidária. E por isso V. Exª tem levantado, há muito tempo - e eu endosso -, que haja um grupo específico. Não sei nem se o nome seria Assembleia Nacional Constituinte, exclusiva para a reforma política. Enfim, um grupo de pessoas que elaborasse o projeto da reforma política - a proposta é sua - e que não poderia ser candidato, inclusive na sequência imediata, pelo menos na sequência imediata. Vejo com muita simpatia - eu que estou há muito tempo na política - essa sua proposta de não permitir mais que uma reeleição ao mesmo cargo; pode disputar outros cargos, mas pelo menos no mesmo cargo. Enfim, meus cumprimentos a V. Exª. V. Exª sabe que sou um admirador do seu mandato, pela sua história de vida, que é um exemplo para todos nós. Parabéns.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) Obrigado, Senador Paim.

            Encerro, portanto, Senador Mozarildo, dizendo: é preciso que, além de ver o povo na rua pela televisão, comecemos a ouvir o grito do povo que vem da rua.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/10/2013 - Página 69701