Pela Liderança durante a 161ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Observações a respeito do julgamento, pelo STF, do caso “Mensalão”; e outro assunto.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Pela Liderança
Resumo por assunto
JUDICIARIO. ADMINISTRAÇÃO PUBLICA.:
  • Observações a respeito do julgamento, pelo STF, do caso “Mensalão”; e outro assunto.
Publicação
Publicação no DSF de 20/09/2013 - Página 65008
Assunto
Outros > JUDICIARIO. ADMINISTRAÇÃO PUBLICA.
Indexação
  • COMENTARIO, JULGAMENTO, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), EMBARGOS INFRINGENTES, REFERENCIA, PROCESSO JUDICIAL, CORRUPÇÃO, PAGAMENTO, MESADA, CONGRESSISTA, TROCA, APOIO, GOVERNO FEDERAL.
  • MANIFESTAÇÃO COLETIVA, POPULAÇÃO, CRITICA, SITUAÇÃO, PRECARIEDADE, PRESTAÇÃO DE SERVIÇO, ESPECIFICAÇÃO, EDUCAÇÃO, SAUDE PUBLICA, INFRAESTRUTURA, IMPORTANCIA, REFORMULAÇÃO, SISTEMA ELEITORAL, PAIS.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF. Pela Liderança. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, eu não julgo juiz. Juiz é que me julga. A polêmica que surgiu com o voto de ontem do Ministro Celso de Mello creio que merece uma análise, mas não para julgar se ele estava certo ou errado. Eu não sei. Isso aí é ele, são os pares.

            Eu não julgo juiz. Agora, eu julgo nós, políticos. E dá para saber que o voto que ele deu, sobre o qual não emito juízo, vai trazer uma grave perturbação à população brasileira. Vai trazer um aumento da indignação, que já vem caracterizando o Brasil nesses últimos meses, e nós precisamos estar preparados para isso.

            Eu me preocupo pelo fato de que não parecemos preocupados. Uma prova é esta Casa: em uma quinta-feira, de uma semana que é de esforço concentrado, e nós não estamos aqui, Senador Eunício, debatendo o que vai acontecer com este País, em função do voto dado pelo Ministro Celso - eu volto a insistir que não julgo o próprio voto que ele deu.

            Nós estamos há anos, décadas, talvez - e eu digo “nós”, mas não os que estão aqui hoje; “nós” os de antes e os de hoje -, acumulando uma dívida com esse povo. Nós estamos cumulando uma dívida pelos serviços que não contentam a população no transporte, na saúde. Nós estamos acumulando uma dívida deixando que este País se transforme em uma sociedade em plena guerra civil. Ainda não se usam tanques, ainda não se usa gás sarin, como na Síria, mas o resto a gente está usando.

            Nós estamos acumulando uma dívida com este País por não termos feito a revolução necessária para educar nossas crianças em escolas com qualidade e com qualidade igual para todas as crianças. Nós estamos acumulando uma dívida pela ineficiência de funcionamento da nossa economia, sem a necessária competitividade no exterior. Não só a competitividade do baixo custo de produção dos produtos como a competitividade mais importante de hoje, que é criar novos produtos graças à ciência e à tecnologia.

            Nós estamos com uma dívida, construída ao longo dos anos e décadas, de um sistema político permissivo. Digamos a palavra correta e enfática, que funciona usando formas diferentes e grandes de corrupção.

            Nós temos a dívida da corrupção, nós temos a dívida da educação, nós temos a dívida da saúde, nós temos a dívida da infraestrutura.

            E o povo descobriu a dívida. Caiu a ficha no povo de que nós estamos endividados com ele. E, ao cair essa ficha, imediatamente o povo começa a ficar indignado. Some-se a isso a facilidade de comunicação que hoje existe, graças à internet, que não requer jornal, rádio, televisão, partido, sindicato, e nem mesmo requer líder para mobilizar as massas. E aí está dada a situação: políticos endividados, população indignada e um instrumento que permite sitiar os políticos sempre que o povo quer, seja o cerco pela imagem de degradação que nós temos, de falta de confiança que nós passamos, seja o cerco físico, Senador Paim, do povo na rua.

            Eu não me lembro de que fossem necessários carros de polícia como têm tido nas últimas semanas em frente ao Congresso, Senador. Está cheio de carros de polícia aqui. Mesmo quando não há ninguém na rua, há carros de polícia, porque, hoje, sabe a segurança que, a qualquer momento, com pequenos toques num terminal de computador, com pequenos toques no teclado, isto aqui vira uma grande movimentação.

            Nós estamos endividados. Agora, o mais grave é que nós estamos sem bússola, sem clareza de para onde conduzir o País. Antigamente, a gente tinha bússolas, a gente sabia qual era o rumo que uns propunham, outros propunham, debatiam, se chocavam, e se encontrava um caminho. Havia alternativas. Nós estamos hoje num momento de políticos, nós todos, “desbussolados”, sem clareza de um norte para onde apontar.

            Pior, Senador, é que estas quatro coisas não são as mais graves. O mais grave não é a dívida, não é a indignação, não é o cerco, não é absolutamente nada disso. O mais grave é a falta de preocupação. A impressão que dá é que falta visão, falta percepção. Nós precisamos ver o que está acontecendo e não estamos vendo, e isso é uma ameaça grande. Não estamos vendo, por exemplo, Senador Paim, que, faltando um ano para as eleições, nós não sabemos quais vão ser os partidos.

            Nós não sabemos quais serão os partidos que vão poder disputar a eleição. Nós não sabemos se vai surgir um partido cuja líder é a segunda em todas as pesquisas de opinião e, mais do que isso, que já foi testada e, de fato, teve 20 milhões de votos. Mas nós não sabemos, faltando um ano para a eleição, se ela vai ter ou não um partido. Nós não sabemos se vão surgir mais dois, três partidos. Podem surgir três partidos ainda para disputar as eleições. O grave é que nós estamos, às vésperas de uma eleição, sem saber quais são os partidos. Isso deveria merecer toda a nossa preocupação.

            Não é só isso. Nós não sabemos as regras, Senador. Nós não sabemos quais serão as regras do próximo processo eleitoral. A minirreforma feita aqui vai ser aprovada a tempo? E, se não for aprovada, as regras atuais são as que satisfazem? E essa minirreforma serve para alguma coisa que traga credibilidade, um resultado eleitoral mais confiável? Todos nós sabemos que a resposta é não. Nós não sabemos como vamos votar. Essa insegurança é que deveria fazer com que esta Casa estivesse se mexendo, se movendo, borbulhando, querendo encontrar caminhos.

            Nós não sabemos, por exemplo, como vai chegar o eleitor, daqui a um ano, diante da impunidade que estamos vendo. Eu não vou discutir, repito, se o Ministro deu o voto certo ou errado, isso são eles que sabem, até por que não foi só ele, foram seis. É injustiça jogar a culpa só nele, como se ele tivesse votado sozinho. Eu não sei se foi certo ou errado, mas sei que aumentou a impunidade e ainda mais a sensação de impunidade. Até poderá vir a punição, daqui a alguns meses, com a continuação do julgamento, mas a sensação de impunidade veio e vai ficar.

            Como o eleitor vai chegar, daqui a um ano, diante da urna, nesse clima de indignação com a impunidade, Senadora Ana Amélia? Ele vai votar em quem? Ou em ninguém? Ele vai votar em A, B ou em ninguém? Eu tenho dito que se na urna, ao invés de estar escrito “voto nulo”, estivesse escrito “ninguém”, esse “ninguém” era capaz de ganhar as eleições. Ao colocar “nulo” e “branco”, despersonaliza. Aí as pessoas não sabem que estão votando em ninguém.

            Como é que vai ser o resultado desta eleição, sem saber as regras, neste momento, sem saber os partidos, sem saber a cabeça do povo diante do sentimento da impunidade, da desconfiança em relação a todos nós?

            Hoje, recebi uma propaganda do voto nulo, que eu acho que vai crescer muito. E tem mais: estamos a um ano da eleição, não sabemos quais serão os candidatos e nem sabemos o que os poucos candidatos que estão aí estão propondo para o futuro do Brasil.

            O PSB merece todo o nosso elogio, pela força como ontem soube, até com muita elegância, se afastar do Governo para ter um candidato próprio. Eu não vou negar, talvez até por ser pernambucano, que tenho certa simpatia por ele, mas o nosso candidato do PSB ainda não disse exatamente para o que veio. Ainda não acenou para um eixo com clareza que diga: “Eu sou diferente do que está aí, nas minhas propostas”.

            Nós estamos, então, Senador, nas vésperas de uma eleição, em que a população está indignada, e nós, políticos, “desbussolados”, para não dizer despreparados para o momento que a história vive, e, sobretudo, indiferentes, cegos, como se tudo estivesse bem e bastasse a gente, de vez em quando, aqui, votar um ou outro projeto, como fizemos hoje. Coisas corretas, como punir mais aqueles que fazem racha com automóveis e assassinam gente; como tentar votar, e não conseguir, o seu projeto, Senador Paim, do fim do voto secreto, que estão tentando colocar na gaveta. Aqui, no Senado, estão tentando engavetar e, depois daqui, vai para a Câmara. Então, coisas que serviriam a gente não está fazendo.

            Eu fico preocupado, Senador. Pelo menos, esse lado eu tenho. Eu tenho a preocupação de que o Brasil parece estar virando um personagem que, diante dele, nós não sabemos como nos comportar com clareza. Está se transformando numa sociedade em que não há o pacto social que o faz funcionar corretamente, em que, mesmo tendo uns mais, outros menos, eles dizem: “Essas são as regras do jogo, vamos ficar bem, e os de baixo vão chegar lá em cima”.

            Perdeu-se a confiança. Perdeu-se a confiança nas regras, no funcionamento da política, da sociedade, ao perder-se a confiança em nós, que devemos fazer a política e o funcionamento correto da sociedade. É muito preocupante a sensação de que nós não estamos à altura do momento que estamos atravessando.

            E para não dizer que eu não falei, eu sou de um partido que, hoje, está absolutamente perplexo, perdido e em situação vexaminosa diante da opinião pública. Ou seja, eu devia estar aqui falando em nome de um partido, oferecendo um caminho para o Brasil, diferente da morosidade, passividade, indignação que está ai. Mas em seu nome eu não sou capaz de fazer propostas porque nós não sabemos se essas propostas terão ou respaldo nas bases do Partido, preocupado hoje em estar dentro do Governo, quando a gente poderia estar colaborando muito mais com o Brasil se estivéssemos fora do Governo. Não precisávamos estar contra o Governo. Votaríamos aqui a favor do Brasil, sempre, votando sem precisar de cargos a favor e votando “Não” quando fosse preciso.

            Mas nós estamos envolvidos em uma crise interna que não se refere apenas às denúncias que surgiram. Se assim fosse, daqui a seis meses, acabava-se, punia-se os culpados, esclarecia-se que não houve nenhum culpado. O problema é que, mesmo que isso passe, não há um eixo, não há clareza, não há proposta, não há um rumo nesse “desbussolamento” que nós vivemos na política, na falta de um norte com clareza para onde conduzir o Brasil.

            Até quando o povo vai aguentar isso, Senador Paim? Até quando o povo vai aguentar e fazer mobilizações? Um dia, dois dias, vão para casa e voltam. Até quando o povo vai aguentar, voltando para casa, em vez de um dia a gente descobrir que veio para cá e não sai mais aqui da frente? Como, aliás, já fizeram em frente à casa de governadores; como, aliás, já fizeram em Câmaras de Vereadores. Isso vai acontecer aqui se nós não despertarmos, se não quebrarmos a principal causa da crise: a indiferença com que estamos olhando os problemas da sociedade brasileira.

            É isso, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/09/2013 - Página 65008