Discurso durante a 200ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Considerações sobre edital do Jornal O Estado de S. Paulo acerca dos problemas da educação no País.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
EDUCAÇÃO.:
  • Considerações sobre edital do Jornal O Estado de S. Paulo acerca dos problemas da educação no País.
Publicação
Publicação no DSF de 12/11/2013 - Página 80750
Assunto
Outros > EDUCAÇÃO.
Indexação
  • LEITURA, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, O ESTADO DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), ASSUNTO, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, EDUCAÇÃO, BRASIL, PROBLEMA, QUALIFICAÇÃO, MÃO DE OBRA, TRABALHO.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs Senadoras, Srs. Senadores, o Ministro Mantega, nesta semana, fez uma declaração no sentido de que as dificuldades maiores da economia estavam superadas e usou a expressão “inferno astral”, como se a economia fosse uma questão de astrologia. Não o é! Tanto não o é, que, nesta tribuna, nós - eu, inclusive -, há anos, temos manifestado nossas preocupações. Nós alertamos para os riscos que a economia brasileira corria, e ele esnobava, ridicularizava todas aquelas declarações, todas aquelas afirmações. Agora, lamentavelmente, por não tomarem as medidas corretas no momento certo, estamos vivendo a situação constrangedora e difícil que, todos os dias, aparece no noticiário.

            Mas devo dizer, em homenagem ao Ministro Mantega, que, todos os dias, ele vem fazer algum justificativa. Ele não deixa passar as notícias de maneira silenciosa, até porque ele sabe que, na economia de hoje, a credibilidade tem papel fundamental para fazer com que a realidade funcione bem. Nós entramos num tempo em que, para a economia funcionar bem, é preciso que as pessoas pensem que ela funciona bem. Se as pessoas pensarem que ela funciona mal, ela começa a funcionar mal. Esse não é um fenômeno que ocorre só no Brasil, mas é um fenômeno internacional, que vem de uma economia que foi perdendo sentido com o real, que vive de especulações e de manipulações. Infelizmente, o Ministro Mantega está cuidando de tentar vender a ideia de que as coisas vão bem, mesmo que elas não estejam bem, para tentar, com isso, segurar um pouco a crise, adiando o que vai acontecer.

            Não se pode dizer o mesmo, de que vem em público para tomar cuidado e para alertar, do Ministério da Educação. Não se pode dizer o mesmo. Hoje, um editorial fortíssimo do jornal O Estado de S.Paulo diz que a educação está em escombros. Nenhuma manifestação foi feita da parte do Governo. Que eu saiba, não foi dada nenhuma informação, não foi tomada nenhuma decisão. Que eu saiba, a Presidenta não convocou os Ministros para saber por que um jornal com uma responsabilidade dessa e com informações que eles colocam, vindas da Confederação Nacional da Indústria, diz que a educação está em escombros. E também isso ocorreu não por falta de alerta ao longo de anos, anos e anos. Há anos, todos sabem que a nossa educação está em escombros, e, há anos, não se faz o dever de casa.

            Eu vou ler alguns trechos, Senador, do que diz este editorial, lembrando o seguinte: este editorial é baseado num documento da Confederação Nacional da Indústria, cujo relatório é relacionado ao setor da construção. O setor da construção foi visto por muito tempo como um setor capaz de absorver mão de obra não qualificada, como um setor capaz de absorver mão de obra que precisava dos empregos mais simples e que, portanto, não precisava de muita educação. Pois o que se vê hoje é que o setor da construção já exige qualificação dos seus operários. Um pedreiro de hoje não é mais igual a um pedreiro de anos atrás do ponto de vista da formação. Hoje, o pedreiro, nas grandes construções, precisa saber um pouco de Geometria, não pode ser pedreiro sem saber que um ângulo reto tem 90º. Hoje, ele já precisa ser capaz de conversar com os engenheiros e precisa saber como usar máquinas inteligentes. O pedreiro da pá, misturando cimento com concreto, está sendo substituído por um profissional que maneja máquinas que fazem o trabalho que antes faziam as pás. Para isso, ele precisa de qualificação mínima, o que ele não está tendo.

            Não é só a construção que está em escombros, mas todos os setores. Ouvi de um empresário estrangeiro que ele deixou de investir em Alagoas porque não conseguiu número suficiente de veterinários capazes de entender a bula dos remédios escrita em inglês. Ele precisa de dois, três, dez veterinários, mas só conseguiu um. O negócio, o investimento desse empresário era a criação de cavalos, mas ele não conseguiu mão de obra qualificada, da mesma maneira que, de acordo com esse editorial, não se consegue mão de obra qualificada para a construção civil.

            Houve uma mudança radical no mundo da produção: a necessidade de inteligência no processo produtivo numa dimensão que antes não existia. Os primeiros escravos que aqui chegavam nunca tinham visto uma enxada. Colocava-se uma enxada nas mãos deles, e eles começavam a trabalhar. Não é mais enxada que se usa, mas são tratores movidos pela inteligência artificial, com computadores na direção. Por isso, exige-se hoje uma qualificação maior.

            Não faz muito tempo que os grandes cozinheiros aprendiam a cozinhar com a tia, com a avó, com a mãe. Hoje, aprendem a cozinhar em universidades, em faculdades, em cursos de Gastronomia, onde se aprende mais do que o instinto para ser um bom cozinheiro, aprendem-se técnicas novas. Precisa-se falar idiomas estrangeiros para conversar com os cozinheiros de outros países.

            Nós estamos vivendo um momento em que estamos ficando com a economia em escombros, porque a educação está em escombros.

            Quando o jornal diz “se ainda faltasse alguma prova da crise educacional brasileira, o novo Relatório da Confederação Nacional da Indústria sobre a escassez de pessoal para a construção seria mais que suficiente”, quando diz isso, o que O Estado de S. Paulo está mostrando é que mudaram os tempos, e não dá para fechar os olhos à realidade da triste tragédia da educação brasileira.

Durante muito tempo [continua o editorial] as construtoras foram uma das principais portas de entrada para o trabalho urbano. Absorviam enormes contingentes de mão de obra de baixa escolaridade e ofereciam ocupação mesmo a analfabetos. Programas de investimento em obras de infraestrutura e em construções habitacionais contribuíam de forma importante para a criação direta e para a manutenção de empregos.

            Hoje essa porta é muito menos ampla, porque a tecnologia mudou e a atividade requer outro tipo de trabalhador. Este outro tipo de trabalhador é o trabalhador com um grau de educação.

            E diz o editorial:

Mas a política educacional foi incapaz de acompanhar essa mudança e o descompasso é evidenciado, mais uma vez, pela sondagem da CNI.

Mesmo com o ritmo de produção abaixo do esperado, o setor da construção continua encontrando muita dificuldade para contratar mão de obra adequada às suas necessidades. O problema foi apontado por 74% das 424 empresas consultadas na sondagem recém-divulgada. Há dois anos a queixa havia aparecido em 88% das respostas, mas o nível de atividade era bem mais alto, e isso se refletia na procura de trabalhadores [e na aceitação de trabalhadores ainda mais]. Mas o detalhe mais alarmante é outro. A falta de pessoal para as atividades básicas - pedreiros e serventes - foi apontada por 94% das firmas com problemas para preenchimento de quadros.

            Vejam bem, 94% das firmas afirmam ter problema para preenchimento de quadros para pedreiros e serventes.

Parcela pouco menor (92%) indicou escassez de funcionários técnicos para ocupações ligadas diretamente à obra.

As indústrias consultadas mencionaram problemas para preenchimento de postos em todos os segmentos e em todos os níveis administrativos. Em relação à gerência, por exemplo, queixas foram apresentadas por 69% das empresas com dificuldades de contratação. De modo geral, os níveis de insatisfação quanto às condições do mercado foram tanto mais altos quanto maior o porte da companhia consultada.

            Claro, porque, quanto maior o porte da companhia consultada, mais equipamentos modernos ela usa e, portanto, mais qualificação da mão de obra ela precisa.

            “A qualificação de pessoal na própria empresa é a solução mais comum, mas também a aplicação desse remédio está longe de resolver o problema.”

            Ou seja, o escombro na educação, pelo desprezo dos seguidos governos, faz com que as nossas empresas tenham que aumentar os seus custos para gastar tempo com a formação de mão de obra. Isso aumenta os custos, isso aumenta o preço, isso aumenta o custo Brasil. Isso até supera, mas gerando um custo adicional.

            Além disso, a qualificação na própria empresa está longe de resolver o problema.

Alta rotatividade, pouco interesse dos trabalhadores e baixa qualidade da educação básica foram os principais obstáculos apontados pelas companhias consultadas [mesmo para que elas façam o trabalho de formação que não foi feito fora dela].

            Ou seja, nem mesmo os cursos que elas estão dispostas a dar, aumentando seus custos, aumentado o custo Brasil, gerando uma pressão sobre o preço, porque isso é transferido ao comprador, mesmo assim, elas não conseguem, porque a mão de obra que chega, por exemplo, Senador Jarbas, é de analfabeto funcional, e, aí, não se consegue ensinar o que é preciso se o analfabeto funcional não for capaz de ler as normas, as regras, os manuais que hoje são usados nas construções. Antes não existiam manuais. Não eram necessários.

            O documento continua:

Mas o terceiro item apontado, educação básica deficiente, talvez seja a explicação mais provável tanto do desinteresse dos trabalhadores como da rotatividade.

A sondagem do setor da construção complementa com um toque especialmente dramático o cenário mostrado, há poucos dias, na última pesquisa, sobre os demais segmentos da indústria. Também neste caso, é relevante levar em conta o baixo nível de atividade do setor: mesmo com a lenta recuperação registrada depois de um ano de retração, as empresas continuam com problemas para preencher seus quadros.

Praticamente dois terços das firmas indicaram dificuldades para encontrar pessoal qualificado.

            Eles não dizem para encontrar pessoal, porque o desemprego é baixo. Eles dizem pessoal qualificado, porque, antes, a construção absorvia qualquer mão de obra. Então, mesmo que o desemprego seja baixo no Brasil, comparado com outros países, é um desemprego existente, e não se consegue preencher as vagas.

            “Praticamente dois terços das firmas (65%) indicaram dificuldades para encontrar pessoal qualificado. Desse grupo, 81% procuram qualificar os trabalhadores na própria empresa.”

            Ou seja, Senador Rodrigo Rollemberg, a quase totalidade de nossas empresas de construção hoje arca com custos para a formação de mão de obra que elas não encontram no mercado, aumentando os custos dos prédios, dos apartamentos, das construções que elas vão vender, aumentando os custos dos aluguéis desses apartamentos, porque elas tiveram de aumentar o custo de produção ao ter que arcar com a responsabilidade da formação.

Mas também neste caso a tarefa é dificultada pela falha da escola. A baixa qualidade da educação básica foi apontada como a maior causa de dificuldade por 49% [metade] das empresas com problemas de preenchimento de postos.

Esses dados esclarecem facilmente um paradoxo aparente. Por que - muitas pessoas têm perguntado - as empresas têm evitado demitir, apesar do baixo nível de atividade a partir de 2011? A resposta é evidente. Além dos custos da demissão, os administradores levaram em conta as dificuldades para recompor os quadros.

            Alguém pode dizer: “Então, é ótimo que não haja muita qualificação, porque aí as empresas seguram os qualificados para não terem de recontratar depois”.

            Isso pode ser bom no primeiro momento, mas é uma tragédia no médio e no longo prazo para o Brasil. Essa é a prova de que vamos ter muitas dificuldades daqui para frente.

            Eu leio o último parágrafo, Senadores:

Durante quase dez anos, a administração petista deu prioridade à ampliação do acesso às faculdades, para facilitar a distribuição de diplomas. Quase nenhuma atenção foi dada aos outros níveis. A escassez de mão de obra com a formação mínima é uma das consequências desse erro, ao lado, é claro, da perda de competitividade.

            Quando diz quase dez anos, eu me alegro, porque elimina o ano em que fui Ministro da Educação do governo do PT. Talvez tenha caído pela importância que eu dava, Senador Jarbas, à alfabetização de adultos, à educação de base, à necessidade da federalização da educação.

            Nós vivemos num País, Senador Jarbas, em que, antes de fazer o transporte público, disseram que cada brasileiro teria um carro. Agora, estamos vivendo num País em que, antes de alfabetizar, estão dizendo que todo mundo vai ter um diploma universitário. Estão mentindo, estão vendendo uma ilusão, a ilusão de que todos teriam carro, porque não cabem todos os carros nas ruas. Agora, a visão de que todos terão diploma superior antes da alfabetização, porque não sabem como colocar em universidades as pessoas que não aprenderam a ler direito, que não aprenderam Matemática corretamente, que não sabem o mínimo necessário para fazer um curso superior.

            A manchete tem um erro, Senador: “O Brasil em escombros no futuro”. Educação em escombros hoje é país em escombros no futuro, porque o futuro de um país tem a mesma cara da escola pública de hoje. E aqui está mostrando que a cara da escola pública de hoje é incapaz de oferecer mão de obra qualificada de pedreiros, porque os pedreiros, hoje, têm que ter qualificação.

            Então, a manchete poderia ser: hoje, educação em escombros; amanhã, em consequência, o Brasil em escombros.

            Editorial como esse pode ajudar a alertar para que comecemos a corrigir o rumo, não com pequenos gestozinhos que há 50 anos a gente faz, mas com gestos radicais, para que o Brasil possa abrir as portas que impedem de nos transformarmos em um país inovador, criador, dinâmico, com novas tecnologias.

            Sr. Presidente, ao vir ler este editorial e fazer meus comentários, estou querendo dar a minha contribuição, mais uma vez, alertando que o futuro é feio se a escola de hoje for feia, alertando que a economia estava bem, mas ia mal. Eu alertei, escrevi, publiquei, falei, e o alerta não foi ouvido. E agora não dá mais para dizer que a economia está bem, mas vai mal. Agora temos que dizer que a economia está mal e pode ir pior.

            Lamento que daqui a alguns anos talvez eu tenha que vir aqui e dizer que a educação antes estava mal, mas ainda dava para o País sobreviver. Agora chegou a um ponto tal, daqui a 10 ou 20 anos, em que nem isso seja possível, e o País vire de fato uma economia de segundo time, mesmo com o PIB grande, graças aos bens simples da terra, puros produtos sem alta tecnologia.

            É isso, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/11/2013 - Página 80750