Discurso durante a 191ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Referência ao decurso de 25 anos da promulgação da Constituição Federal de 1988.

Autor
Pedro Taques (PDT - Partido Democrático Trabalhista/MT)
Nome completo: José Pedro Gonçalves Taques
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM, CONSTITUIÇÃO FEDERAL.:
  • Referência ao decurso de 25 anos da promulgação da Constituição Federal de 1988.
Aparteantes
Ana Amélia.
Publicação
Publicação no DSF de 30/10/2013 - Página 76745
Assunto
Outros > HOMENAGEM, CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
Indexação
  • COMEMORAÇÃO, ANIVERSARIO, PROMULGAÇÃO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL.

            O SR. PEDRO TAQUES (Bloco Apoio Governo/PDT - MT. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores, cidadãos que nos acompanham pelos meios de comunicação do Senado, hoje, nesta Casa, houve uma cerimônia comemorativa dos 25 anos da Constituição da República.

            Foi uma cerimônia muito bonita, a que compareceram constituintes que criaram, que elaboraram a atual Lei Fundamental da República. Uma pergunta que nos vem à mente nesses momentos de festa - inclusive, o plenário hoje está todo enfeitado, como ocorreu no dia da promulgação da Constituição, dia 5 de outubro de 1988 - é a seguinte: o que é uma Constituição? Para que serve uma Constituição?

            A Constituição, no sentido que conhecemos hoje, Senadora Ana Amélia, surgiu com os americanos. A Constituição americana foi a primeira Constituição escrita nesse modelo que nós conhecemos hoje, em 1787. A segunda Constituição escrita foi a francesa de 1791.

            Muito bem, a nossa primeira Constituição, a Constituição Imperial, foi uma Constituição outorgada por D. Pedro I. Era uma Constituição contraditória. Estabelecia, formalmente, a liberdade, mas nós tínhamos a escravidão. Era a Constituição que estabelecia a liberdade entre os Poderes Legislativo, Executivo, Judiciário e Moderador, porque nós tínhamos adotado, em 1824, a teoria do quarto Poder, o Poder Moderador, de um francês chamado Benjamin Constant. Mas, apesar de estabelecer a liberdade entre os Poderes, nós tínhamos um Estado que era absoluto.

            Apesar da Constituição de 1824 trazer um rol de direitos e garantias, ela não era cumprida. Portanto, nós tínhamos uma Constituição que era uma mera intenção, uma mera declaração, era um conselho, uma vez que, naquele momento histórico, entendia-se que as Constituições não passavam de um conselho, de um aviso, de uma declaração.

            A nossa primeira Constituição republicana, de 1891, decorre daquele momento histórico. E, em 1891, nós estávamos voltados para os Estados Unidos da América. Por isso, a nossa primeira Constituição republicana foi quase que copiada da Constituição americana.

            É possível copiar uma Constituição; é possível copiar o texto de uma Constituição, mas não é possível copiar a história dos Estados Unidos. Não é possível copiar a cultura, a sociologia de um determinado povo.

            Essa Constituição de 1891 teve avanços, mas, por mimetismo, copiamos a Constituição americana.

            Em 1934, tivemos uma nova Constituição, mais ou menos copiada da Constituição alemã, a chamada Constituição de Weimar, de 1919, e da Constituição mexicana, de 1918. Portanto, tínhamos outro modelo de Estado, o chamado “estado do bem-estar social”, que surge na Alemanha a partir de 1919.

            Essa Constituição de 1934 serviu como um acordo para a Revolta de 1930 e em resposta à Revolução Constitucionalista de 1932.

            Em 1937, como todos sabemos, tivemos uma Constituição autoritária, uma Constituição outorgada pelo ditador de plantão, que era o Getúlio Vargas. Essa Constituição de 1937 reduz o que se denomina de Federação, reduz o que se denomina de divisão orgânica entre o Legislativo, Executivo e Judiciário, porque ela, a Constituição de 1937, não passou de uma “pseudoconstituição”, porque seu último dispositivo determinava que ela, para produzir efeitos, precisaria ser aprovada por uma consulta popular que nunca houve.

            De 1937 a 1946, nós sabemos, vivemos sob o manto de uma ditadura, um Estado autoritário, um Estado que centralizava poder nas mãos do Presidente da República; o Legislativo estava fechado; o Judiciário, a última palavra quem dava era o próprio ditador Getúlio Vargas.

            Apenas um exemplo: se o Supremo Tribunal Federal reconhecesse a inconstitucionalidade de uma lei, a partir de 1937, e o Executivo entendesse que a lei seria constitucional, não inconstitucional, o Getúlio Vargas poderia decidir de forma diversa do Supremo Tribunal Federal.

            Nada diferente do que ocorre com a Proposta de Emenda à Constituição nº 33, debatida na Câmara dos Deputados, copiada mais ou menos da Constituição de 1937.

            A Constituição de 1946 representou uma redemocratização do País. Alguns defendem que foi a redemocratização mais democrática que nós tivemos.

            Em 1967, depois do golpe de Estado.

            Em 1969, uma Constituição de fachada, porque alguns dizem que, em 1969, nós não tivemos uma Constituição, mas uma Emenda Constitucional nº 1 à Constituição de 1967.

            A Constituição de 1969 nada mais representou do que quase a concretização do Ato Institucional nº 5, de 13 de dezembro de 1968.

            A Constituição de 1988 inaugura um novo Estado; inaugura um Estado democrático, um Estado de direito, um Estado social. Este é o Estado pregado pela Constituição de 1988.

            Agora, a Constituição não pode ser uma folha de papel; a Constituição não pode ser um rabisco escrito em páginas muito bonitas da nossa história; a Constituição deve ser vivida. Por isso hoje, muito mais do que defender a Constituição, temos que defender a concretização dos direitos previstos na Constituição.

            Uma vez que o estabelecimento de direitos não é o bastante hoje, mais que o estabelecimento de direitos temos que buscar a concretização da Lei Fundamental da República.

            Ela é uma Constituição que tem virtudes e vícios. Um desses vícios nós sofremos todas as semanas nesta Casa: são as famigeradas medidas provisórias. Vejam que, hoje, a Ordem do Dia se iniciou e se encerrou em poucos minutos, porque a pauta está trancada por uma medida provisória.

            Medida provisória, como todos sabemos, é um instrumento normativo que se origina no Poder Executivo, mas é um instrumento notadamente do Estado parlamentarista. A Constituinte de 1988, Senadora Ana Amélia, desde seu início, no dia 1º de fevereiro de 1987, até mais ou menos julho de 1988, caminhava para um Estado parlamentarista. Em junho de 1988, com a formação do Centrão, houve quase que um golpe - e o Senador Paulo Paim, que foi Constituinte, sabe bem disso - com a mudança do regime de governo de parlamentarismo para presidencialismo. Mas ficou, quase que como uma alma penada, a medida provisória no art. 59 da Constituição.

            Aliás, no instante que a Constituição foi votada pelo Congresso Constituinte, no art. 59 não constava a medida provisória. Aí, quando foi remetido para a Gráfica do Senado, lá alguns dizem que uma alma penada introduziu a medida provisória no art. 59.

            É, pois, uma Constituição que possui vícios e possui virtudes. Um dos vícios é a famigerada medida provisória, que faz com que o Legislativo se subordine a um Executivo que é monárquico, um Executivo que é imperial.

            Para minha honra, concedo um aparte a S. Exª a Senadora Ana Amélia, nobre representante dos gaúchos.

            A Srª Ana Amélia (Bloco Maioria/PP-RS) - Caro Senador Pedro Taques, vou lhe dizer que estava aguardando essa parte do seu discurso, porque agora há pouco também, ainda participando da cerimônia alusiva ao primeiro quarto de século desta jovem Constituição de 1988 no Brasil - e o senhor lembra o ano em que foi feita a constituição dos Estados Unidos, a constituição francesa -, ficamos bem pequenos se comparados a essa força. O fato é que ela realmente teve muitos avanços: a liberdade de expressão, o direito das minorias e todos os aspectos de relevo democrático e institucional, mas este talvez seja o pior dos mundos. Esta alma pena, Senador Pedro Taques, continua vagando por esta Casa e é, talvez, o maior problema que nós enfrentamos aqui. Cada dia chega uma medida provisória; não temos praticamente espaço para produzir e para legislar. Quando conseguimos, soltamos foguetes, e, aí, nem esse foguete assusta a tal alma penada, porque, na verdade, como disse V. Exª com muita precisão, é um instrumento de poder do regime parlamentarista, além do que a medida provisória deveria ser só usada em caráter de emergência. Ocorre que a maior parte das medidas provisórias chega aqui sem nenhuma emergência, sem nenhuma necessidade da forma como ela tramita. Então, estamos convivendo com essa gravíssima distorção institucional e até do ponto de vista regimental nesta Casa, nos subordinando, de maneira desequilibrada, ao Poder Executivo. Então, a Casa está asfixiada com as medidas provisórias, e, lamentavelmente, essa é a herança nada bendita deixada pelos Constituintes de 88. Deviam ter realmente ajustado, naquele finalzinho do processo Constituinte, um texto, tirando a medida provisória, que, na visão de muitos constitucionalistas com os quais conversava e mesmo dos jornalistas, os Constituintes estavam passando um cheque em branco às mãos do Presidente da República - e tinham razão. Obrigada e parabéns pelo seu pronunciamento.

            O SR. PEDRO TAQUES (Bloco Apoio Governo/PDT-MT) - Muito obrigado, Senadora Ana Amélia.

            Nós sabemos que nenhum presidente, não interessa o seu partido, não interessa o seu sexo, pode governar sem medida provisória. Na Itália, existe medida provisória. Aliás, alguns dizem que lá formos nos abeberar para a nossa medida provisória.

            Muito bem. Contudo, não é possível a utilização da medida provisória, Senador Mozarildo Cavalcanti, como se utiliza no Brasil. A medida provisória é utilizada sem qualquer cerimônia, sem obediência aos requisitos da urgência e da relevância gravados no art. 62 da Lei Fundamental. Esse é um dos vícios da Constituição de 1988.

            Existem outros. Poderia citar aqui o chamado capítulo que trata dos direitos políticos. Lá, no capítulo dos direitos políticos, nós temos os partidos políticos, a possibilidade de criação de partidos políticos como se criam passarinhos. Nós temos 32 partidos políticos, o que é algo inacreditável na Ciência Política. Não é possível que nós tenhamos, dentro do arco ideológico, 32 posições ideológicas. A possibilidade de criação de partidos políticos como se criam passarinhos é um absurdo; é também um vício da nossa Constituição de 1988.

            Poderia aqui elencar outros vícios da nossa Constituição. Alguns dizem que é uma Constituição muito prolixa, uma Constituição que trata sobre tudo. Melhor seria que essa Constituição fosse mais concisa, mais sintética. Outros dizem que uma das características de um Estado subdesenvolvido é uma constituição gigantesca como a nossa. Nós respeitamos e acreditamos no que está escrito em uma folha de papel, tudo, tim-tim por tim-tim, como se diz no Estado de Mato Grosso. Por isso, nossa Constituição é muito prolixa; fala sobre quase tudo. E isso faz com que tudo chegue ao Supremo Tribunal Federal em razão de o Supremo ser uma Corte que faz a guarda a Constituição da República.

            Ela possui vícios, mas também possui virtudes. Senador Mozarildo, que foi Constituinte. Uma dessas virtudes - ao menos ao meu juízo a virtude mais importante: tratar o indivíduo como mais importante que o próprio Estado. O indivíduo, na Constituição de 1988, vem antes da organização do Estado. Por isso, a nossa Constituição, diversamente de todas as Constituições anteriores, trata dos direitos e garantias fundamentais logo na sua cara, logo na sua porta, a partir do art. 5º, e passa a organizar o Estado nos arts. 44, 76 e 92. Esta é, ao menos ao meu juízo, a principal virtude da Constituição de 88. Ela trata o indivíduo como o mais importante nessa relação com o que se denomina de Estado. Por isso, ele é tratado, em primeiro lugar, topograficamente, topologicamente, pela Constituição de 1988.

            Agora, não basta um texto escrito. Mais do que o texto escrito nós precisamos viver a Constituição, e viver a Constituição significa atender o que ali está sendo pregado. Infelizmente, nós não vivemos a Constituição na sua inteireza. Muito falta; quem sabe, mais 25 anos para que possamos viver a Constituição.

            O engraçado é que muitos que, em 1988, por ocasião da promulgação da Constituição, criticavam aquele modelo de Constituição, hoje batem palmas para a Constituição. Mas isso é muito bom, porque tudo é passível de mudança, inclusive a evolução da pessoa humana.

            Muito obrigado, Srª Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 30/10/2013 - Página 76745