Pela Liderança durante a 191ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comentários acerca do contexto político e social que antecedeu a promulgação da Constituição Federal de 1988.

Autor
Inácio Arruda (PCdoB - Partido Comunista do Brasil/CE)
Nome completo: Inácio Francisco de Assis Nunes Arruda
Casa
Senado Federal
Tipo
Pela Liderança
Resumo por assunto
HOMENAGEM, CONSTITUIÇÃO FEDERAL.:
  • Comentários acerca do contexto político e social que antecedeu a promulgação da Constituição Federal de 1988.
Publicação
Publicação no DSF de 30/10/2013 - Página 76747
Assunto
Outros > HOMENAGEM, CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
Indexação
  • COMEMORAÇÃO, ANIVERSARIO, PROMULGAÇÃO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, COMENTARIO, CONTEXTO, POLITICO, IMPORTANCIA, PROCESSO, DEMOCRACIA, BRASIL, OBTENÇÃO, DIREITOS HUMANOS, VALORIZAÇÃO, TRABALHO ASSALARIADO, ALTERAÇÃO, JORNADA DE TRABALHO.

            O SR. INÁCIO ARRUDA (Bloco Apoio Governo/PCdoB-CE. Como Líder. Sem revisão do orador.) - Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores, hoje é um dia muito importante para o Senado da República, porque, além dos debates que realizamos nas Comissões - a Comissão de Educação, reunida pra discutir o Plano Nacional de Educação; a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, debatendo, também, a legalização infraconstitucional; a Comissão Mista da Medida Provisória nº 623, reunida para discutir e votar -, esta Casa demonstra o seu vigor, o que é muito importante no dia em que, também, o Senado Federal recebeu, em sessão solene, dois ex-Presidentes da República, um com mandato de Senador, e um contingente de ex-Senadores e Deputados que ajudaram a produzir o Texto Constitucional mais forte que nós temos na histórica política do Brasil.

            Desde a nossa Independência até hoje, esse texto de 1988 é o texto que foi construído com um debate muito intenso.

            Nós saíamos de um período ditatorial, de um período em que a Constituição foi enxovalhada e rasgada, em que se governou com as baionetas e com as botas, em que a liberdade foi suprimida, em que as pessoas foram cassadas. Os que defendiam a democracia, a liberdade, o desenvolvimento, o progresso econômico e social, a educação de qualidade, a saúde pública, a assistência social, todos esses que se reuniam em três ou quatro transformavam-se em suspeitos e tinham sua vida política ceifada, quando não a vida, em porões de torturas e de massacres.

            Foi exatamente esse o clima de retomada democrática, que aqui nos anunciou a cantora Fafá de Belém. Ela citou que esteve em São Paulo em 1964, quando as casas legislativas, as escolas e as universidades foram tomadas pela repressão. E, ao mesmo tempo, voltou para São Paulo quando as ruas eram tomadas pelo povo brasileiro, que clamava não só por eleições diretas, mas também por uma nova Constituição.

            Coube ao Presidente Sarney substituir o Presidente Tancredo Neves, eleito no Colégio Eleitoral, que era o instrumento por onde a ditadura consagrou o seu poder. E foi lá mesmo que a ditadura foi liquidada, ali no próprio Colégio Eleitoral, com a eleição do Presidente Tancredo Neves e de José Sarney, como Vice-Presidente. Com a doença de Tancredo e, na sequência, com seu falecimento, Sarney assume e convoca a Assembleia Nacional Constituinte.

            A Assembleia Nacional Constituinte acontece nesse clima, num clima de efervescência democrática e de disputa política, em que as forças conservadoras mantinham posições muito importantes no Congresso Nacional. Ainda permanecia presente a figura dos Senadores que não tinham sido escolhidos pelo voto direto. Havia um clima ainda difícil no País, mas as ruas estavam tomadas por gente que se manifestava abertamente. Ninguém precisava de máscara para se manifestar. Eram manifestações abertas, em defesa de uma Constituição que respondesse aos anseios maiores do povo brasileiro, que eram, entre outros, o desenvolvimento, o progresso, as garantias individuais, as garantias dos trabalhadores, a garantia de espaço para a diversidade, a emergência da questão agrária e urbana no nosso País, a educação pública de qualidade, uma saúde pública que respondesse às necessidades da maioria do povo.

            Então, foi esse clima de efervescência democrática que abriu espaço para que a Constituição pudesse receber a contribuição dos juristas, daqueles que, na vida profissional, eram dedicados exclusivamente a estudar e a examinar o Direito, a buscar como traduzir isso em um Texto Constitucional. As pessoas do povo, os sindicalistas, os movimentos sociais, o povo das periferias urbanas, as pessoas das universidades e das escolas, os professores, os metalúrgicos, os bancários, os comerciários, os trabalhadores em serviço, todos esses setores puderam se manifestar organizadamente e ajudar a elaborar o Texto Constitucional.

            Diante das pressões e das contrapressões, que eram fortes na Constituição, que, ao final, foi promulgada em 5 de outubro de 1988, ela não aconteceu num laboratório, ela não se produziu em uma sala do Congresso Nacional, em um gabinete do Palácio do Governo ou simplesmente nas mãos de um renomado jurista. Não! Ela foi fruto dessa efervescência, desse momento da vida política brasileira. E, por todas essas razões, ela se constitui como o instrumento mais avançado da história política do Brasil.

            Esta Constituição abrigou defeitos, com certeza, mas tem mais virtudes. É esta Constituição que garante a liberdade de expressão política para todos. Todas as correntes de opinião, todos os matizes possíveis no espectro ideológico podem se constituir no nosso País, podem se formar partidariamente, podem se organizar em associações, para discutir aquilo que consideram que é o mais importante para a sua corrente de opinião.

            Então, houve esse assento da Constituição na forte mobilização social que a precedeu e que foi instrumento básico para a sua formação, porque precedeu e se manteve como pressão durante todo o período de elaboração da Carta Constitucional.

            É claro que muitas questões que nós levantamos ficaram pendentes, mas considero que a mais importante foi consolidar o processo democrático no Brasil. As experiências, muitas delas dramáticas, que nós vivemos desde o Império, a República, a Revolução de 1930, que começa avançada e progressista, que tem esse sentido do desenvolvimento, mas que comete brutalidades e usa instrumentos legais, produzem a Constituição no ventre do arbítrio, do autoritarismo e da mais bruta repressão, durante o governo de Getúlio, no Estado Novo. A despeito de ser um governo que pensava e tratava de questões estratégicas do ponto de vista do desenvolvimento, ele cometeu esses abusos.

            Nem discuti as sequências, quando se enxovalhou a Constituição de 1946, retirando do Congresso Nacional opiniões e vozes que contestavam a doutrina da época de alinhamento automático do Brasil à nova onda mundial, que era a de se atrelar ao governo norte-americano na nossa região. Fruto disso, suprimiram-nas do Congresso Nacional, numa estupidez jurídica, com aberrações que não têm sustentação nenhuma. Usaram o Supremo Tribunal Federal, usaram o Tribunal Eleitoral e, o que é pior, usaram o Congresso Nacional para cometer o abuso de suprimir do Congresso Nacional a representação do Partido Comunista do Brasil, que usava, à época, a sigla PCB. Isso foi feito aqui.

            Volto ao Getúlio, às eleições. Quantas manobras foram feitas para impedir, talvez, o momento mais inspirado! Getúlio chegou ao governo sendo eleito pelo voto popular! Quando foi eleito pelo voto popular, ele, então, é atacado, porque tinha nas mãos a ideia de fortalecer os instrumentos que permitissem que o Brasil se desenvolvesse, como estes que, hoje, nós discutimos: a Petrobras, a Eletrobrás, o BNDES - que ganhou o S na sequência, mas que era BNDE -, o Banco do Nordeste e o CNPq. Esses instrumentos foram criados à época.

            Vem o golpe, suprimem a Constituição, liquidam a Constituição! Depois, constroem outra Constituição, parida novamente do ventre imundo da repressão ditatorial. E, com ela, exilam, matam, expulsam, aposentam, fazem o que desejam em atos também terríveis.

            A retomada democrática, com um assenso mais forte do movimento sindical e do movimento popular, permite não só a redemocratização do País, como o surgimento de um Texto Constitucional com um conteúdo democrático muito forte. E essa marca nós temos de garantir. É nossa obrigação de brasileiros, de gente comprometida com o progresso e com o desenvolvimento, fazer com que o caminho do Brasil seja o da democracia, mantendo o sistema democrático, permitindo que as vozes e as opiniões sobre como construir nossa Nação, sejam elas as mais diferentes possíveis, tenham assento não só no Congresso Nacional, mas entre o povo, pelos diversos meios.

            É essa Constituição que lança também e fortalece a ideia de que o poder será exercido pelos representantes escolhidos pelo povo, mas também o povo poderá exercê-lo diretamente. É essa Constituição que chama o plebiscito, que chama o referendo, pouco usados entre nós, que podem ser usados de forma mais frequente para decidir questões importantes da vida nacional, que podem fortalecer o processo democrático nos Estados e nos Municípios. Isso deve ser mais corriqueiro, mais usual, porque é a forma mais adequada de o povo exercer diretamente o poder em nosso País.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, garantida a essência da Constituição, que é o fortalecimento do Estado democrático e das liberdades, é preciso também reconhecer que essa Constituição... E nos disse aqui o Presidente Lula: o que precisa ser feito para se oferecerem dias melhores ao povo brasileiro está escrito na Constituição, está dito na Constituição. É só segui-la! Ela é o guia, a matriz que devemos usar nos nossos Municípios, nos nossos Estados e no País, para construir o projeto de desenvolvimento da nossa Nação.

            Sr. Presidente, quero aproveitar este momento para mostrar este lado que considero extraordinário: o da singularidade da Constituição brasileira, uma Constituição produzida a quatro mãos, pelos constituintes e pelas emendas populares. Mais de cem emendas populares foram aproveitadas pelos relatores setoriais e pelo relator-geral, permitindo-se que a Constituição tivesse esse conteúdo. Posso dizer a V. Exª que tenho buscado ler e estudar as Constituições das outras nações, como elas foram elaboradas. E, meu caro Senador Paim, que preside esta sessão, não há nenhuma Constituição produzida com essa efervescência de emendas populares.

            Mas não foi só isso. Nós fizemos as emendas e as entregamos, em um ato político fantástico, ao Presidente Ulysses Guimarães.

            As emendas vinham em carro de mão, as emendas vinham em carrinho de supermercado, vinham no ombro do povo e foram entregues aqui, num grande ato político. Todos não puderam entrar, porque o salão não podia recepcionar todos, mas o Presidente Ulysses foi ali e levou com ele um grande número de Constituintes, Deputados e Senadores, para receber as emendas populares.

            Depois, elas foram examinadas uma a uma pelos relatores setoriais. O Relator-Geral, não se dando ainda por convencido de que alguma daquelas pudesse ser arquivada, mandou chamar para si as próprias emendas populares. Na sequência, convocou as entidades para mandar os seus representantes, a fim de que eles fizessem a defesa do texto que produziram aqui, no plenário da Assembleia Nacional Constituinte.

            Foi assim que vim aqui defender emendas populares. E digo: as nossas emendas, aquelas nas quais mais nós nos empenhamos, foram aproveitadas. Uma que vim defender aqui foi a suspensão do pagamento da dívida externa e a auditoria da dívida. O Relator não aproveitou a referente à suspensão do pagamento da dívida, mas colocou nas Disposições Transitórias que deveria ser feita uma auditoria da dívida externa. E foi feita, com o apoio de uma Comissão Parlamentar de Inquérito, na sequência da Constituição.

            Outra emenda, com a qual nos mobilizamos intensamente, junto com a Confederação Nacional das Associações de Moradores, com os movimentos comunitários no Brasil inteiro e com o Movimento Nacional pela Reforma Urbana e Sanitária - juntamo-nos aos sanitaristas do Brasil inteiro -, foi a proposta de emenda à Constituição que propunha que ela recepcionasse um capítulo para tratar da política urbana do nosso País. E, pela primeira vez, uma Constituição trata da política urbana do Brasil, nos seus arts. 182, 183 e 184, que, na sequência, vai ser regulamentada, criando-se o Estatuto da Cidade, que começou aqui, no Senado, com o Senador Pompeu de Souza, e foi concluído na Câmara, na Comissão de Desenvolvimento Urbano, em que tive a oportunidade de ser o Relator.

            O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Permita-me só que eu diga: Olívio Dutra foi Constituinte. Foi na época dele, como Ministro das Cidades, que se criou o Estatuto da Cidade.

            O SR. INÁCIO ARRUDA (Bloco Apoio Governo/PCdoB - CE) - Claro! Na verdade, o Ministério das Cidades, inclusive, é criado sob inspiração desse capítulo da Constituição, porque havia um forte movimento dando sustentação à criação do Ministério.

            (Soa a campainha.)

            O SR. INÁCIO ARRUDA (Bloco Apoio Governo/PCdoB - CE) - E sobretudo à regulamentação da Constituição com o...

            (Interrupção do som.)

            O SR. INÁCIO ARRUDA (Bloco Apoio Governo/PCdoB - CE) - ... Estatuto da Cidade. (Fora do microfone.)

            Vou concluir, Sr. Presidente.

            Restaram questões importantes. Entre elas, existe muita coisa ainda para que possamos regulamentar. É de nossa responsabilidade. Está na nossa mão, mas uma delas, que foi uma batalha que nós travamos na Constituição com o movimento sindical, enfrentando setores mais conservadores do pensamento nacional, dizia respeito à questão do mundo do trabalho; de uma peleja centenária, digamos assim, do mundo do trabalho, que era a questão da jornada de trabalho no Brasil, uma das maiores ainda do mundo.

            Existem determinadas categorias que ainda realizam jornada de mais de 60 horas semanais no nosso Brasil, apesar de o máximo ser de 44 horas, mas há a permissão de realização de horas extras, que eleva substantivamente a jornada de trabalho de muitos setores no Brasil. Paim era Constituinte, e um grupo grande de Constituintes levantou, debateu e discutiu que, àquela época, no ano de 1988, a jornada de trabalho mais adequada para o Brasil era de 40 horas semanais. Depois de uma longa peleja, a redução da jornada caiu de 48 horas para 44 horas semanais. Essa questão está para ser resolvida.

            A Câmara tem uma emenda constitucional. Depois de passar na Comissão de Justiça e de ser votada na Comissão de Mérito, por unanimidade, não teve, na Comissão de Mérito, um voto sequer contrário, e todos os partidos estavam ali presentes. Essa matéria está na mesa da Câmara Federal. Cabe ao Presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves, pautar essa matéria e colocá-la em votação.

            O melhor momento para se discutir jornada de trabalho não é no alto desemprego, como se quis discutir em algum momento. É na hora em que o povo está empregado, é na hora em que há trabalho. Essa é a hora de mostrar que nós temos mais equipamentos, que nós temos mais máquinas, que nós temos mais automação, computadores na mão de todo mundo - o telefone celular já é um computador.

            Então, não existe mais razão para mantermos uma jornada de trabalho como a que nós temos, de 44 horas, ainda adicionadas a um volume grande de horas extras, no nosso País.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ao fazer essa referência à nossa Constituição, a mais democrática, com mais participação popular de todos os tempos da história no nosso País - e, se pesquisar, no mundo, essa foi a que teve mais participação popular -, ao comemorá-la, ao dizer que ela é, sim, como nos ensinou Ulysses Guimarães, a Constituição Cidadã, por todas essas razões, devemos buscar, no sentido de preservá-la, regulamentar ainda muitos dispositivos e estar vigilantes sempre, porque ela é o instrumento mais forte da democracia em nosso País.

            Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 30/10/2013 - Página 76747