Pela Liderança durante a 203ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Defesa da aprovação de projeto que anula sessão do Congresso Nacional que declarou vago o cargo de Presidente da República no dia 1ª de abril de 1964.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Pela Liderança
Resumo por assunto
POLITICA NACIONAL, SENADO.:
  • Defesa da aprovação de projeto que anula sessão do Congresso Nacional que declarou vago o cargo de Presidente da República no dia 1ª de abril de 1964.
Publicação
Publicação no DSF de 15/11/2013 - Página 82145
Assunto
Outros > POLITICA NACIONAL, SENADO.
Indexação
  • DEFESA, APROVAÇÃO, PROJETO DE RESOLUÇÃO, OBJETO, ANULAÇÃO, SESSÃO, SENADO, DECLARAÇÃO, VACANCIA, PRESIDENCIA DA REPUBLICA, EX PRESIDENTE, JOÃO GOULART.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF. Pela Liderança. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, esta manhã, na Base Aérea do Distrito Federal, eu tenho certeza de que outros Senadores - o Senador Suplicy estava lá - devem ter compartido uma emoção muito grande diante da chegada dos restos mortais do ex-Presidente João Goulart.

            Eu fiquei ali vendo o esquife e lembrando do dia - porque eu já tinha idade para perceber o dia - em que houve o golpe de estado de 1º de abril de 1964. Ao mesmo tempo, fiquei lembrando, Senador Jorge Viana, que toda minha juventude foi passada sob a tutela ditatorial, nove anos dela no exterior.

            Naquele pouco tempo que durou a solenidade, muito singela, que consistiu, sobretudo, na colocação, pela Presidenta Dilma e pela ex-esposa do Senador, viúva do ex-Presidente, de flores sobre o esquife, naquele instante eu me lembrei de tanta coisa que passou neste País, de tanta coisa que passou na vida de cada um de nós que acompanhou esse tempo, daqueles que não são tão jovens a ponto de não terem visto o fato.

            Nessas lembranças vieram aquelas que dizem respeito a como o processo foi feito. E é triste dizer que aquilo foi feito a partir dessa cadeira, Senador Jorge Viana, em que está sentado o senhor, que tanto nos orgulha por ocupá-la agora.

            Foi um Senador chamado Auro de Moura Andrade que deu legitimidade, legalidade ao golpe militar, de uma maneira absurda. Ele declarou, daí, dessa cadeira, que o Presidente João Goulart tinha se afastado do País, abandonado a Pátria, quando o Presidente João Goulart tinha saído, pouco tempo antes, do Rio de Janeiro e ido para o Rio Grande do Sul para reuniões a fim de tentar impedir o desenlace do golpe.

            Tancredo Neves, que aqui estava, chegou a propor que Auro de Moura Andrade falasse por telefone com o Presidente João Goulart. Ele se propunha a vir imediatamente para cá, precisando apenas de algumas salvaguardas. Mas Auro de Moura Andrade se negou a falar. Ou seja, ele declarou que o Presidente não estava aqui sabendo que ele estava aqui. Ele mentiu. Ele mentiu para o povo, ele mentiu para os seus pares. Ele quebrou o decoro parlamentar tanto quanto ou ainda mais que todos os outros que nós já cassamos aqui por conta da falta de decoro. Talvez ninguém, na história deste País, nenhum Parlamentar, tenha faltado tanto com o decoro quanto esse Sr. Auro de Moura Andrade.

            Eu me pergunto se, da mesma maneira que nós devolvemos, aqui, Senador Suplicy, os mandatos de pessoas que foram cassadas, como devolvemos os de muitos Deputados - até a Luís Carlos Prestes foi devolvido o mandato -, eu me pergunto se não vamos ter que, um dia, cassar, simbolicamente, o mandato de Auro de Moura Andrade por quebra de decoro parlamentar.

            Alguns vão dizer que isso é irrelevante, que isso não serve a nada, como hoje ouvi a rádio dizendo que não serviria a nada a proposta do Senador Randolfe e do Senador Pedro Simon, que nós, o Senador Suplicy e eu, subscrevemos, como creio que o Senador Jorge...

            O SR. PRESIDENTE (Jorge Viana. Bloco Apoio Governo/PT - AC) - Poderia haver um ato como esse, mas ele se beneficiaria da anistia. Haveria o ato, mas ele seria beneficiado com a anistia.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - Essa é uma boa lembrança. Ele se beneficiaria com a anistia.

            O Senador Randolfe propõe que nós declaremos aquela sessão nula. O Senador Simon, o Senador Suplicy e tantos. Aquela sessão seria considerada nula.

            Eu ouvi, hoje, na rádio, dizerem que isso é ridículo. Nada há de ridículo em um gesto como esse. É um gesto de cunho histórico muito forte, porque ninguém vai apagar o golpe e o que ele fez, como o radialista disse hoje. Não se vai apagar o golpe. Não! Mas vai-se mostrar que ele foi ilegal, porque ali se deu legalidade. Vai-se mostrar que foi um golpe que não conta, pelo menos, com o apoio do Congresso de hoje. Enquanto ficarmos calados diante disso, reconhecendo o que está no Diário Oficial, assinado pelo Presidente do Congresso, que o Presidente da República estava fora do País, enquanto ficarmos calados diante disso, o golpe tem uma legalidade.

            Por isso, eu apoio firmemente a proposta do Senador Randolfe e levanto a questão, como eu fiz aqui durante a fala dele, como um aparte, de se não é o caso de a gente analisar o que fazer historicamente com aquele gesto de um Senador da República que mentiu para o povo, que mentiu para os pares, com uma mentira tão grave quanto dizer que o Presidente da República abandonou o País e com a gravidade tão imensa de usar isto para quebrar a ordem democrática implantando um regime militar que durou 21 anos.

            Hoje, na chegada dos restos do Presidente João Goulart, eu fiquei pensando como foi possível que isso acontecesse. Mas há uma explicação: a fragilidade das instituições democráticas, que depende da voz de uma pessoa que senta em uma cadeira com o cargo de Presidente do Senado e ali, em conluio com lideranças militares que traíram seus compromissos, seus juramentos, suas lealdades, implanta um regime por 21 anos, trazendo tanto sacrifício, tanto sofrimento para tantos milhares de pessoas, e, além disso, esparrando um processo histórico de reformas de que o Brasil até hoje ainda precisa.

            Nós temos 13 milhões de analfabetos. Eu duvido que, se tivéssemos mantido a sucessão democrática, não apenas o Governo Goulart, mas os que vieram depois, nesse período de 50 anos, a gente ainda tivesse esses 13 milhões de analfabetos, porque as reformas de base iriam pressionar por reformas educacionais, por reformas no sistema de produção deste País.

            Foi uma interrupção provocada por descontentamento de muita gente, é verdade. A população estava descontente com a inflação, com a incerteza, com a insegurança. Mas isso se resolve democraticamente, esperando mais dois, três anos, fazendo uma eleição. Nem reeleição tinha para João Goulart, que não podia ser candidato outra vez. Ele tinha que ser substituído por alguém. O próprio Juscelino já era candidato; Carlos Lacerda já se propunha a ser candidato. Não seria João Goulart; Brizola também, continuando João Goulart. Mas, mesmo assim, Brizola tinha uma dificuldade: por ser cunhado de João Goulart, não era permitido legalmente, dizia-se, ser candidato porque era parente. Havia até um slogan: cunhado não é parente.

            Então, bastava ter esperado mais dois, três anos. Em vez disso, a precipitação por interesses escusos de grupos, por pressão dos Estados Unidos diante da Guerra Fria que então se vivia, preferiu-se dar um rumo daquele tipo.

            A vinda de João Goulart tem que ser usada para despertar a juventude para a fragilidade das instituições democráticas, para a necessidade de responsabilidade de cada Parlamentar, porque não foi só Auro de Moura Andrade, foi votada a proposta dele, e muitos votaram - aliás, praticamente todos que ali estavam - a favor de declarar vaga à Presidência da República.

            Nós precisamos usar a história para construir o futuro. Muito difícil ou impossível construir o futuro sem ter a história conhecida. E essa história hoje, no caso do Brasil, deu um salto ao trazer João Goulart de volta.

            Eu espero que na próxima semana ou na seguinte aprovemos a proposta de resolução feita pelo Senador Randolfe de considerar nula aquela sessão. E que isso provoque uma discussão. O Presidente estava no Brasil, a sessão mentiu, ela não merece ter sido aceita como um fato, a não ser histórico porque passou, mas tendo que ser denunciado como fato, criticado como fato e punido pela história, já que obviamente não se pode punir mais na realidade.

            É isso, Sr. Presidente, foi uma cena muito tocante ver o Presidente Lula, o ex-Presidente Sarney, o ex-Presidente Collor, ali presentes, recebendo os restos mortais do Presidente da República que teve o seu mandato interrompido pelo conluio entre a força bruta militar e a força indecente, dentro do Congresso, que mentiu para a opinião pública, mentiu para o povo, mentiu para os colegas, querendo mentir para a história. Para a história, não conseguiu mentir, porque mentir para a história é muito difícil, porque a história é perseguidora, ela persegue até que a verdade surja. E no caso, surgiu outra vez a verdade. João Goulart volta e volta como ex-Presidente, e não como ex-Presidente cassado. Volta como ex-Presidente que teve o seu mandato interrompido ilegalmente, e não apenas ilegitimamente. Cassado por uma decisão tomada aqui dentro, por um Congresso covarde, naquele momento, assustado diante da força militar.

            É isso, Sr. Presidente. Eu espero o Brasil cultue sua história cada vez mais. E no que fizemos hoje, nós estamos ajudando a cultuar a história para construir o futuro.

            Obrigado, Sr. Presidente.

            O SR. PRESIDENTE (Jorge Viana. Bloco Apoio Governo/PT - AC) - Eu cumprimento V. Exª, Senador Cristovam. Eu falei também sobre isso, ao usar a tribuna. De fato, é um dia, é um acerto de contas do nosso País com a sua própria história. É a história do País da democracia, não do País da ditadura.

            E há mais, a própria Presidenta Dilma deixou claro que nós precisamos dar uma satisfação para a sociedade sobre as circunstâncias da morte do Presidente João Goulart. Ele recebeu as honras militares hoje e que tinham sido negadas a ele. V. Exª trouxe um episódio que diz respeito ao funcionamento desta Casa, a uma página que esta Casa também tem que virar, e para isso ela tem que ser lida. E a iniciativa do Senador Simon, que teve a assinatura de todos nós, liderado pelo nosso colega Randolfe, que já entregou a resolução que será apreciada provavelmente na semana que vem, é um acerto de contas também do Senado.

            Mas penso que muitas e muitas gerações precisam entender. Hoje houve uma das solenidades mais bonitas da República. Ele foi o único Presidente da história do País a morrer no exílio. Isso por si só mostra a exceção que nós vivíamos naquele período: não ter direito a receber as honras devidas. Agora, todos nós também devemos à sociedade ainda um esclarecimento final sobre as circunstâncias de sua morte. E a Presidenta Dilma colocou isso claramente, ou seja, que o Estado brasileiro está conduzindo isso.

            Hoje mesmo falei com o Presidente Lula, por telefone, e ele fez questão de estar presente, assim como outros ex-Presidentes, como o Presidente Sarney.

            Eu não tenho dúvida de que V. Exª, com muita propriedade, trouxe aquilo que mais cabe nesse episódio todo: as circunstâncias em que se encontrava quem estava sentado nessa cadeira, quando tomou uma decisão arbitrária, ferindo e rompendo definitivamente com o decoro parlamentar, já que o Presidente da República estava no País e não poderia ter sido decretada a vacância de cargo do Presidente, muito menos criando essa versão, que não era verdadeira.

            Parabéns a V. Exª, que é um estudioso da Constituição da democracia do Brasil e também um ator dela, pelo pronunciamento com muita propriedade.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - Obrigado, Senador.

            Eu só quero fazer uma colocação, provocado por sua fala. Creio que a gente precisa despertar também para a força que nós podemos ter quando queremos. Não se pode imaginar o que teria acontecido, se esta Casa tivesse reagido; se esta Casa não tivesse aceitado as pressões que os militares fizeram - porque precisavam desta Casa para dar legalidade -; se esta Casa tivesse resistido, tivesse dito: não é esse o caminho, nós não vamos deixar que esses tanques passem por cima desta Casa. Talvez os militares tivessem fechado o Congresso, talvez tivessem prendido todos. Primeiro, do ponto de vista moral, o Congresso sairia engrandecido, mesmo que alguns sofressem; segundo, tenho profundas dúvidas se isso não provocaria um recuo, ainda que um recuo negociando com o Presidente Goulart. De repente, voltaria a velha negociação do parlamentarismo,...

(Soa a campainha.)

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - ... como houve em 1961, quando não queriam deixá-lo tomar posse quando o Jânio Quadros renunciou. Mas negociou-se. Se esta Casa tivesse dito “não colaboraremos, não seremos coniventes”, muito provavelmente, embora não certamente, teríamos impedido aquele golpe militar.

            O SR. PRESIDENTE (Jorge Viana. Bloco Apoio Governo/PT - AC) - Se negar a participar de uma farsa.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - É, se negar a participar daquilo. Foi um grande equívoco que precisamos assumir diante da história.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/11/2013 - Página 82145