Pela Liderança durante a 11ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Considerações sobre proposta de iniciativa popular acerca da descriminalização da maconha.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Pela Liderança
Resumo por assunto
DROGA.:
  • Considerações sobre proposta de iniciativa popular acerca da descriminalização da maconha.
Publicação
Publicação no DSF de 18/02/2014 - Página 85
Assunto
Outros > DROGA.
Indexação
  • COMENTARIO, RECEBIMENTO, COMISSÃO DE DIREITOS HUMANOS (CDH), PROPOSTA, INICIATIVA POPULAR, OBJETO, REGULAMENTAÇÃO, UTILIZAÇÃO, CULTIVO, DROGA.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF. Pela Liderança. Com revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, recebi da Comissão de Direitos Humanos a tarefa de analisar a proposta de iniciativa popular que chegou ao Senado, com mais de 20 mil assinaturas, liderado, esse abaixo-assinado, pelo Sr. André Kieper, que pede a descriminalização da maconha, que pede a legalização do processo de produção e consumo da maconha, provavelmente inspirado nos moldes do que aconteceu recentemente no Uruguai.

            Não é um projeto de iniciativa de nenhum Senador. É um projeto que vem de fora, como proposta ainda, não como projeto.

            Pessoalmente, não é o tipo de trabalho que eu gostaria de fazer. Eu tenho dedicação a tarefas demais. Isso exige mudar o rumo das minhas atividades para um tema do qual eu não sou autor, não tem sido uma preocupação minha. Mesmo assim, não vejo como chegar para a Comissão de Direitos Humanos e dizer: “Eu não quero ser o relator”. Não tem por que eu fugir dessa tarefa, Senador Paim. É uma tarefa que chegou, e vou ter que cumpri-la.

            O único argumento que eu teria para recusar seria dizer: “Esse é um tema irrelevante”. Mas ele é, sim, muito relevante. É um problema que toca um número muito grande de famílias brasileiras. O Senador Paim tem sido um dos grandes batalhadores por uma reflexão sobre esse assunto. Nós temos hoje uma quantidade imensa de jovens brasileiros envolvidos com algum tipo de droga. Nós temos o problema da cracolândia tomando conta das cidades. A droga é um problema muito mais sério do que está sendo discutido nos fóruns que deveríamos discutir no Brasil. Por isso, recusar esse debate sob o argumento de irrelevância, Senador Paim, não seria certo. Por isso, eu não vou recusar.

            Eu vou enfrentar esse problema com uma neutralidade absoluta. Não entro a favor, mas não entro para boicotar a proposta que tem mais de 20 mil assinaturas. Eu vou analisar, e eu vou analisar sob algumas óticas que quero falar aqui, até para receber sugestões, comentários, propostas daqueles que estão me ouvindo.

            Eu quero analisar em primeiro lugar, por exemplo, se é fato que essa permissão de plantação, de consumo de maconha levaria a uma redução da violência. A gente sabe que uma parte da violência hoje, no Brasil, é decorrente de drogas, é decorrente do tráfico de drogas. E claro que drogas é um plural que não satisfaz, de tão diferente que é o sistema, a composição, a variedade das drogas.

            Então, a gente tem que saber se a legalização, a tolerância, que significa a legalização do uso e da produção da maconha, aumenta, diminui ou é neutra em relação à violência. Há dúvidas, há dúvidas. Eu não tenho certeza.

            O segundo é o que vem sendo defendido por muitos - 24 horas após ser nomeado como Relator, já recebi muitas, muitas mensagens -, ou seja, se a maconha traz ou não benefícios medicinais. Um problema científico que nós precisamos discutir. É verdade ou é falso? Não que isso sendo verdade já justifique, porque os custos outros podem ser maiores ainda. Nós precisamos analisar, de qualquer maneira, a possibilidade ou não desses impactos medicinais, do papel que teria essa legalização sobre o avanço científico.

            Um outro ponto, Senador Paim, que me preocupa muito, uma pergunta fundamental é saber: a legalização aumenta, diminui ou é neutra em relação ao consumo? Se aumentar o consumo, nós precisamos pensar muito cuidadosamente se deve-se ou não fazer isso, porque aumentar o consumo de qualquer droga é algo negativo e que, se a gente puder, deve evitar.

            E isso leva a uma outra pergunta: a maconha é ou não a porta de entrada para outras drogas mais perversas? Eu digo mais porque, na minha ótica, qualquer droga tem um grau de perversão. Até remédios que a gente toma têm efeito colateral. Mas há drogas mais perversas do que outras. E a minha pergunta, para a qual espero encontrar uma resposta nesse tempo de debate, que eu espero não seja muito longo, é saber se é ou não porta de entrada para outras drogas, porque, se for, eu creio que nós devemos ter um cuidado excepcional antes de tomar decisões desse tipo.

            O outro ponto, que me diz respeito diretamente, é o impacto disso sobre o nível de educação da nossa população. Isso trará um desastre, trará um prejuízo, trará desvantagens para o processo educacional dos nossos jovens? Temos que refletir sobre isso.

            Finalmente, mas não por último em termos de importância - talvez dos primeiros -, é saber qual o impacto de uma decisão como essa sobre os costumes, sobre os valores morais que tem a população brasileira. Ainda que tudo seja positivo, se uma decisão como essa ferir os valores morais da sociedade brasileira, se ferir as crenças do povo brasileiro, nós devemos pensar se é conveniente ou não.

            O Estado é laico: não pode submeter-se a religiões. Mas a imaginação do povo é crente, e nós temos que levar em conta essa imaginação, esse sentimento. Não podemos ignorar isso. Não é submeter-se a igrejas, mas ao pensamento, ao sentimento, aos valores do povo brasileiro.

            Então, Senador, como vê, nós temos muitas questões a analisar. Só não temos direito de dizer que isso é irrelevante. Na verdade, eu creio que esta civilização nossa é uma civilização da droga. Nós somos uma civilização em que o avanço técnico criou tantas alternativas de drogas, desde benéficas a negativas, que hoje o ser humano, o corpo de cada ser humano é um depósito, é um cadinho - aquele que se usa em Química - para processar drogas: drogas medicinais, drogas mentais, como o consumismo. É uma droga o excesso de consumo, o vício do consumo. O jogo é uma droga. Quantos milhões de brasileiros jogam todas as semanas?!

            Nós temos uma quantidade muito grande de drogas funcionando, agindo no mercado, algumas úteis, outras negativas, algumas viciantes, outras não tão viciantes. Temos uma civilização da droga, e, numa civilização da droga, não tratar o assunto da droga, considerar irrelevante o assunto é não saber o mundo onde se está caminhando.

            O mundo onde nós caminhamos exige refletir, ponderar e levar adiante a reflexão até chegar a uma proposta que permita dizer: nós estamos de acordo com todos os pontos que devem ser analisados: o problema da violência, o problema do impacto medicinal, o aumento ou não do consumo, o impacto sobre educação, se é porta de entrada ou não, o impacto sobre os valores culturais, sociais, religiosos, da nossa população. Tudo isso tem de ser analisado.

            Mas eu agradeço à Senadora Ana Rita, que me deu essa responsabilidade, devo dizer, sem me consultar. Ela não me consultou. Aliás, eu, como Presidente de Comissão, também não consultava os relatores. Não acredito que o Senador Paulo Paim consultasse um a um antes de indicar uma relatoria. Agradeço a ela por ter me escolhido, porque é um assunto relevante, que exige uma posição de cada um de nós, e eu vou tomar minha posição no momento certo, depois de um longo debate com cientistas, com usuários, na medida em que isso for possível, com líderes religiosos, filósofos, antropólogos, políticos. Vamos ver o que aconteceu nos países que tomaram essa decisão, na Europa, em algumas cidades americanas e, recentemente, no Uruguai, e vamos analisar e tentar fazer com que todos possam falar, dar sua opinião, comentar, para que, no fim, esse assunto, que não é irrelevante, que é relevante, seja também um assunto enfrentado, ao invés de ser um assunto guardado debaixo do tapete. O assunto deve ser enfrentado com coragem para se dizer “sim” ou “não”, não pode ser tratado com acanhamento, fazendo-se de conta que o problema não existe.

            Era isto, Sr. Presidente, que eu tinha a dizer.

            Agradeço, especialmente, ao jovem André Kiepper, que não conheço, mas que teve a ousadia de propor ao Congresso fazer uma análise desse assunto.

            André, vou tentar estar à altura do assunto. Não sei se você vai gostar do resultado, não sei se outros vão gostar do resultado e da minha posição, mas, de qualquer maneira, vou tentar estar à altura e agradeço-lhe o desafio que nos enviou.

            Era isto, Sr. Presidente.

 

            O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Senador Cristovam, só para ajudar, houve outro setor que pediu uma audiência pública sobre o tema. Eu vou encaminhar a V. Exª, porque entendo que V. Exª deverá fazer alguma audiência pública. Pelo menos eu estou entendendo, claro, que V. Exª, como Relator, é que vai decidir.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - Fico muito satisfeito que já haja essa possibilidade, que fará parte do esforço que realizarei nas próximas semanas ou meses - não sei quanto tempo - para chegar a uma solução que enfrente o problema. Eu só posso garantir o seguinte: não vou ficar escondido. O que vai acontecer, o que vou defender, minha proposta eu ainda não sei, mas não ficarei escondido, não colocarei debaixo do tapete.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/02/2014 - Página 85