Discurso durante a 15ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Crítica à decisão do Governo Federal de contigenciar o orçamento recém-aprovado e preocupação com a economia do País.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ORÇAMENTO.:
  • Crítica à decisão do Governo Federal de contigenciar o orçamento recém-aprovado e preocupação com a economia do País.
Publicação
Publicação no DSF de 22/02/2014 - Página 101
Assunto
Outros > ORÇAMENTO.
Indexação
  • APREENSÃO, ECONOMIA NACIONAL, CRITICA, ATUAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, REDUÇÃO, ORÇAMENTO.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Obrigado, Senador.

            Senador, eu fico até triste de falar de outro assunto que não seja o que o Senador Jorge Viana aqui falou, porque eu acho que ele falou coisas tão interessantes sobre o papel da literatura, da biblioteca e das escolas no Acre, que dava vontade de continuar discutindo como replicar, reproduzir, o Acre no resto do Brasil.

            Mas ontem aconteceu um fato que eu acho que a gente precisava até parar o Senado para analisar, porque é muito temerária a situação do Brasil na economia.

            Eu falo da fala do Ministro Mantega, relacionada à criação de um contingenciamento no Orçamento. Veja bem: faz pouco tempo que a gente aprovou o Orçamento e já precisa de um contingenciamento? Significa, então, que foi malfeito, ou foi feito levianamente, ou, como alguns dizem, o Orçamento foi - como tem sido ao longo dos anos no Brasil - ficção aritmética, e aí, ao longo do ano, a gente vai mudando, vai mudando, vai mudando. Não pode o Orçamento continuar sendo feito com essa irresponsabilidade total que precisa de contingenciamento. E o pior é que precisa.

            Ou seja, aquilo que foi apresentado aqui quando a Presidenta veio no ano anterior, que seria feito no Brasil, foi falso, foi uma ficção. Porque agora vai ter que contingenciar, vai ter que parar os gastos. E o pior é que tem que fazer isso mesmo.

            Porque quando eu estudei economia nós falávamos que havia três fatores para fazer a economia funcionar: o capital, o trabalho e os recursos naturais. Hoje há mais dois: o conhecimento e a credibilidade. A credibilidade hoje é tão importante quanto a disponibilidade de capital. Até porque com credibilidade o capital vem e sem credibilidade o capital vai embora. Coisa que não havia quando eu era jovem. Quando eu era jovem o capital não saía e o capital não vinha com tanta facilidade, não havia globalização. Hoje existe. A credibilidade é fundamental para o empresário decidir investir no Brasil ou investir fora. E hoje o empresariado brasileiro pode investir fora, o que não podia antes. A credibilidade é fundamental para saber onde investir sem se perguntar se vai haver desoneração ou não vai haver desoneração.

            E o Brasil vem perdendo credibilidade. Desculpe, não é o Brasil. As autoridades monetárias brasileiras, elas vêm perdendo credibilidade sistematicamente. E uma dessas credibilidades que desaparece, que sai, é por conta do tal do superávit primário do setor público. É bom explicar para cada pessoa. O superávit fiscal é aquilo que a gente deixa de gastar para guardar e pagar juros das nossas dívidas. Cada cidadão brasileiro endividado tem um superávit fiscal. É quanto ele tira da sua renda para pagar os juros. Se esse superávit que ele tira da sua renda para pagar juros for maior do que os juros, ele consegue diminuir sua dívida; se o superávit fiscal que ele tira da renda para pagar os juros for menor do que os juros, aí ele tem que aumentar dívida. O tal do refinanciamento, que tanta gente conhece

            O País também tem que reservar um dinheiro da sua renda, que é o seu Produto Interno Bruto, tem que reservar uma parte para pagar os juros. Se não fizer isso, os credores ficam com medo de que amanhã venha a chamada moratória, venha o não cumprimento das obrigações. Ou o governo terá que fazer sacrifícios além do possível e gerará descontentamento e muitas mobilizações que terminarão inviabilizando o funcionamento da economia.

            Pois bem, o Brasil vem perdendo credibilidade porque, primeiro, o superávit que a gente precisava não está sendo conseguido e, segundo, o superávit que a gente vem prometendo a gente não vem cumprindo. Nós prometemos um superávit que foi caindo até chegar a 1,9% do previsto para 2014, que está muito abaixo do total dos juros que a gente precisa pagar. E se a gente não pagar, a credibilidade se esvai. E, ao ir-se a credibilidade, a economia entra em crise.

            Há pessoas que dizem: “Vamos suspender o pagamento da dívida para aplicar esse dinheiro.” Olha, gente, um país endividado é como um país sequestrado, porque os bancos usam seus computadores como revólveres e, através dos computadores, dão tiros na cabeça dos países, mandando dinheiro para fora. E a gente sabe que, quando a gente é sequestrado, tem de pagar o resgate sob o risco, se não fizer isso, de coisas muito piores, como perder a vida. Nós estamos sequestrados por uma dívida acumulada ao longo de décadas, pode-se dizer até de séculos.

            Então, temos que levar a sério, sob o risco de haver consequências muito negativas. Nós estamos prevendo um superávit primário menor do que a soma dos juros. Ou seja, já está implícito nesse 1,9% do PIB de superávit aumentar a dívida. Aí, a gente fala depois de dívida bruta e dívida líquida. O Governo viu que o seu Orçamento não ia conseguir ter o superávit. E olha que a gente está antes do final do segundo mês do ano e já contingenciando. Se isso fosse necessário lá para outubro, a gente poderia dizer: surgiu imprevisto. Mas que imprevisto surge no primeiro mês? Não, não é imprevisto. É incompetência mesmo para elaborar a coisa. Ou tentativa de manipular, de iludir. É isso que foi feito. E, agora, tem-se que cair na real. Ao se cair na realidade, tem-se que fazer o contingenciamento, que é uma palavra bonita para dizer “corte de gastos”, que devia ter sido previsto na hora de elaborar o Orçamento e não no meio do ano.

            De onde sairá esse dinheiro? Segundo o que está previsto, R$13 bilhões sairão de despesas obrigatórias do Governo e 30,5% das despesas discricionárias, aquelas que o Governo tem poder ou não de tirar de um lugar para o outro. Tudo indica que esse dinheiro sairá em parte das emendas dos Parlamentares. Não tenho problema em dizer, não sou contra, não. Eu sou contra até haver emendas parlamentares. O Governo deveria ser capaz de fazer o Orçamento e nós aqui elaborarmos o novo orçamento, sem precisar de emenda pessoal, mas é preciso ver que as emendas pessoais não vão para o bolso do parlamentar, as emendas pessoais vão para projetos e agora obrigatoriamente uma parte para a saúde. Das emendas que eu faço, coloco para a educação, quase todas.

            Então, quando se tiram as emendas parlamentares, talvez, dependendo de qual Parlamentar, está-se tirando dinheiro da saúde, dinheiro da educação, dinheiro de projetos culturais importantes.Tem-se que ver de onde está saindo isso, mas reconheço que é preciso fazer isso.

            Ontem elogiei a ex-Ministra Gleisi pelo fato do contingenciamento, mas sem deixar de dizer que é prova da incompetência ter que fazer contingenciamento no segundo mês do Governo. Ou pior! É prova de que tentaram nos iludir quando elaboraram a peça fictícia do Orçamento, que já exige mudanças agora.

            Veja bem! Em 2013, o País não conseguiu cumprir o compromisso fiscal estipulado inicialmente, que era de 3,1. A ideia é 3,1 da renda nacional, o PIB, não seria gasto pelo Governo da sua receita que chega a quase 40%, ele reservaria 3,1% para pagar o juro da dívida. Ao longo do ano, isso caiu para 2,3 e no fim terminou ficando 1,9. E agora, já se começa com 1,9, em fevereiro do ano, e tendo-se que fazer contingenciamentos que vão reduzir gastos.

            Da meta de 99 bilhões do setor público consolidado, previsto para 2014, o Governo central será responsável, ou seja, dos 99 bilhões que vamos cortar, 80, equivalente a 1,55 do PIB, a União que fará e 0,35, 18, os Estados e os Municípios. Alguém acredita que os Estados e Municípios vão fazer isso? Mais uma ficção, mais um engano! Eles não vão ter condições de fazer, eles não são obrigados a fazer isso e eles não conseguem fazer isso, porque são gastos não discricionários, aquele que o Governo pode mudar, são gastos obrigatórios. Não se vai poder deixar de pagar folha de pagamento, há Município cujo dinheiro vai todo para a folha de pagamento.

            O que acontece, por conta dessa perda de credibilidade, é a tragédia que aconteceu nessas duas semanas atrás com notícias internacionais falando da crise dos países emergentes, não só o Brasil, mas, entre os quais, o Brasil é o penúltimo mais vulnerável, arriscado, sob riscos. É um erro não ler esses relatórios e levá-los a sério, é um erro. Eu não vou dizer que a gente deve ser tutelado pelos relatórios de fora, mas devemos ler, analisar, cuidar, demonstrar que eles estão errados, ou aceitar que eles estão certos e fazer o dever de casa. Nós temos o mais importante deles, que foi o documento do Banco Central. A Senadora Gleisi disse aqui que a gente não podia ser tutelado por um relatório que era de um governo estrangeiro. O Banco Central não é do governo, isso é desvio nosso. O Brasil talvez seja o único país em que o Presidente do Banco Central é Ministro. É uma loucura isto, não existe isto: Presidente do Banco Central ser Ministro, no Brasil é. Por isso que aqui a gente confunde Banco Central com o governo, é um erro tremendo, Senador Ruben, porque o Banco Central é aquele que zela pela moeda, pela estabilidade da moeda, e a moeda no País, como o real, é tão importante quanto a bandeira que a gente tem. A moeda e a bandeira são dois símbolos fundamentais, e a gente colocando o Banco Central no governo, ele fica para trabalhar para as prioridades do governo, ele vira, então, um instrumento do partido no poder. Banco Central tem que ser independente.

            Nos Estados Unidos, o Banco Central é absolutamente independente, o Presidente tem mandato, ele não se reporta ao Presidente da República. Além disso, menos ainda, os técnicos que elaboram um relatório como esse, que não foi dirigido contra o Brasil, foi analisando quinze países. Nós não podemos ignorar um documento como esse pelo que ele mostra de riscos que estamos correndo e tomar as medidas necessárias para corrigir isso. Veja que, entre os parâmetros econômicos utilizados pelo Governo para fixar a meta da economia para pagamento de juros da dívida, está a previsão de crescimento econômico de 2,5% para 2014. Será que a gente vai conseguir isso? Tudo está indicando que não vai chegar a esse nível, porque essa previsão vem caindo gradualmente, tanto pelas previsões internas do Brasil como por aquelas, por exemplo, do Fundo Monetário Internacional, que até tem tido uma tradição de acertar nas suas previsões.

            Na Lei de Diretrizes Orçamentárias, a estimativa do PIB era de 4,5%. Vejam bem: poucos meses atrás, falava-se em 4,5%. O número recuou para 4% na proposta do Orçamento e para 3,8% no relatório de receita que consta do Orçamento sancionado para 2014. Agora, põem-se 2,5%.

            E aí carrega um dos maiores problemas das nossas autoridades econômicas: o otimismo ou a cegueira. Ou são otimistas, porque veem as coisas, mas acreditam que elas não vão acontecer da maneira negativa, ou, pior, são cegos e não veem o que está para acontecer. Uma vez, eu disse aqui que a Presidenta Dilma e o Ministro Mantega deviam ir ao oculista. Em vez de buscarem assessores, deveriam buscar oculistas, para tentar ver a realidade. Todos os dados que a gente está usando, o Produto Interno Bruto a 2,5%, o PIB nominal chegando a 5,2 trilhões, o IPCA, a taxa de inflação, ficando a 5,3%, o câmbio médio ficando a 2,44, tudo isso é fruto de um otimismo ou de uma euforia muito perigosa.

            O Governo trabalha ainda com uma estimativa de receita total de 1,3 trilhão para o ano, prevendo uma queda de 28 bilhões, o que é grave. Previram corretamente: aqui, felizmente, não caíram no otimismo, na euforia de supor que iriam aumentar a receita, estão prevendo cair em relação ao ano que terminou. Só para ver essa euforia: do montante, 176 bilhões correspondem a concessões, dividendos, royalties, que a gente fica se perguntando se estão dando os resultados que a gente esperava ter.

            No ano passado, o Governo fez um corte também de 38 bilhões em duas etapas: a primeira de 28 bilhões e a segunda para cobrir a incapacidade dos Estados e Municípios de cortarem 10 bilhões. Isso é a prova de que, neste ano, também não dá para prever a possibilidade de se cumprir esse contingenciamento. Aí há dois riscos: continuar aumentando o contingenciamento ao longo do ano ou, em ano de eleição, o Governo não fazer o contingenciamento e jogar para o próximo ano.

            Eu até digo, como disse ontem aqui, num discurso da Senadora Gleisi, que elogio o Governo, a Presidenta Dilma e o Ministro Mantega ao, em ano de eleição, tomarem a decisão de fazer o contingenciamento. Isso é difícil. Eu espero que eles mantenham, mas eu espero que eles mantenham levando em conta a totalidade, a soma total dos diversos riscos que nós corremos.

            Ainda é tempo de substituir essa euforia por um senso de realismo; ainda é tempo de ouvir as vozes contraditórias, as vozes críticas. Eu sugeri à Senadora Gleisi que convocasse a oposição para debater e que nós nos sentássemos com ela, os que temos visão crítica, sem partidarismo, porque não adianta criticarmos o Governo, porque está trabalhando com base na eleição, e nós ficarmos trabalhando com base na eleição. Eles para continuarem no mandato, e outros para derrubarem o atual partido do poder. Não adianta.

            É preciso, neste momento de tanta dificuldade, em que se pode ver o futuro, que no lugar de partidarismo, que nós tenhamos patriotismo e lucidez. Patriotismo para colocar os interesses nacionais na frente dos nossos partidos e lucidez para ver que certos relatórios, mesmo vindos do exterior, estão dizendo a verdade, dando um grito, um alerta: cuidado, a luz amarela acendeu, as coisas não vão bem.

            É isso, Sr. Presidente, que eu gostaria de falar.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 22/02/2014 - Página 101