Discurso durante a 46ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Críticas às autoridades políticas brasileiras pela apatia demonstrada diante dos problemas enfrentados pela população do País.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.:
  • Críticas às autoridades políticas brasileiras pela apatia demonstrada diante dos problemas enfrentados pela população do País.
Aparteantes
Rodrigo Rollemberg.
Publicação
Publicação no DSF de 05/04/2014 - Página 137
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.
Indexação
  • CRITICA, GOVERNO FEDERAL, MOTIVO, DEFICIENCIA, ESCOLHA, PRIORIDADE, INVESTIMENTO, REGISTRO, PRECARIEDADE, SITUAÇÃO, EDUCAÇÃO, SANEAMENTO BASICO, COMENTARIO, IMPORTANCIA, INSTALAÇÃO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), OBJETIVO, INVESTIGAÇÃO, IRREGULARIDADE, GESTÃO, PETROLEO BRASILEIRO S/A (PETROBRAS), CONSTRUÇÃO, METRO, LOCAL, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), DEFESA, PRODUÇÃO, ENERGIA RENOVAVEL.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, Senador Ruben, se nós fôssemos escolher como símbolo nosso, dos políticos de hoje, um animal, eu escolheria o avestruz, aquele animal que mete a cabeça debaixo do chão para não ver a realidade ao redor. Isso sendo gentil, porque, na verdade, talvez, devesse ser outro tipo, uma mutação de avestruz, que colocava a cabeça debaixo do chão para não ver a realidade e por debaixo do chão pegar propina.

            Para mim, é essa a imagem, hoje, do animal que se parece conosco, no sentido genérico, não no sentido individual. Nós estamos escondendo a cabeça para não ver a realidade do Brasil na sua perspectiva dos próximos anos.

            Despertei para isso, Senador, e acho que vou fazer mais de um discurso sobre esse assunto, analisando cada um dos pontos para os quais estamos fechando os olhos, mas despertei vendo, mais uma vez, a maneira como o Ministério da Educação considera os resultados das avaliações de nossas escolas por organismos internacionais e mesmo por organismos nacionais.

            O Ministério da Educação se comporta há anos como avestruz, não vê a realidade da tragédia. A palavra não é crise, a palavra é tragédia. Aí, para arranjar justificativas de que as coisas não estão sendo trágicas, diz que já foram mais trágicas no passado do que são agora, comparando ligeiros avanços do Brasil de ontem com o Brasil de hoje. É claro que tem que haver melhora. Nada no mundo piora, a não ser a violência. É claro que há um avanço, mas um avanço diminuto, que não permite quebrar três brechas que sofremos na educação:

            A primeira é uma brecha entre nós e os outros. Está crescendo, gente! Estamos ficando cada dia mais para trás. Éramos iguais à Irlanda, Coreia do Sul, éramos melhores que a China. Está ficando mais distante a situação do Brasil. É uma brecha horizontal. Agora está aumentando uma brecha vertical, que é a brecha entre onde nós estamos e onde estão as necessidades educacionais. Antigamente, estávamos muito ruins, mas as exigências educacionais eram pequenas, a distância era menor. Isso aqui até que avançou, mas isso aqui avançou mais.

            Hoje, não se consegue um emprego bom sem um mínimo de educação. Aqui em Brasília, há pouco, uma empresa de construção deixou de contratar operários, porque não sabiam o que era ângulo reto. Antigamente não precisava saber isso. Bastava saber pegar a enxada e misturar o cimento com areia. Agora é preciso operar uma máquina para fazer concreto. Agora as estruturas metálicas exigem conhecer um pouco de geometria.

            A brecha está aumentando. Nós estamos ficando para trás em relação às necessidades educacionais. Não vai demorar, é questão de poucos anos, ninguém vai conseguir um emprego se não falar idioma estrangeiro. A globalização já está exigindo.

            O que está acontecendo com a Copa, em que a gente vê a dificuldade que vão ter os garçons e os motoristas de táxi de falarem com os turistas, é de tudo no dia a dia. A brecha está aumentando, além da brecha nossa com os outros países. Aqui, essa brecha está crescendo. Além dessa brecha aqui, está aumentando a brecha na educação dentro do Brasil entre os filhos das classes média e alta e os filhos do pobre.

            Até poucos anos atrás, qualquer menino das classes alta e média tinha quatro horas de aula por dia. Aos poucos, os pais perceberam que, além das quatro horas, tinham que botar no inglês, no francês, na ginástica, na natação. Agora, estão percebendo e exigindo horário integral dentro da escola. Em questão de poucos anos, não vai haver mais filho de classe média e alta sem horário integral.

            Enquanto isso, as escolas públicas continuam sem ter, eu diria, não um horário integral, mas um horário desintegrador, porque têm aula um dia e não têm no outro, porque têm quatro horas num dia e têm duas no outro dia. As classes altas têm horário integral e as classes pobres, horário desintegrado. A brecha vai aumentar entre a educação dos ricos e dos pobres.

            Sem falar lá atrás. No século XIX, um escravo não sabia nada, mas o dono do escravo sabia pouquíssimo também. Eram analfabetos também muito deles. Aos poucos, a brecha foi aumentando. As pessoas não estão vendo essa brecha. Estão se comportando como avestruz. As autoridades brasileiras da educação se comportam como avestruz. Em vez de dizerem: “nós estamos em crise e temos que superar e precisamos do Congresso para isso”, dizem: “nós estamos hoje melhor do que ontem”.

            Isso vai ser uma tragédia para o Brasil, mas não é a única. Dessa, aliás, eu já falo há muito tempo. Nós temos uma clara tragédia, do ponto de vista da situação social no Brasil, e fechamos os olhos. Peguemos o saneamento básico. A situação em relação ao saneamento básico mostra que ainda somos uma nação basicamente, fortemente subdesenvolvida.

            O avestruz diz: nós somos a sexta potência econômica do mundo. Aí, não abre o olho, mete o pescoço debaixo da terra e não vê que o IBGE aponta que 71,8% dos Municípios ainda não possuíam, em 2011, uma política de saneamento básico. O avestruz não está vendo isso. Devem dizer: 71,8%, mas eram 72% há alguns anos. Gente, é muito trágico saber que, no Brasil, em cada 100 Municípios, 71 não têm uma política de saneamento básico. E 1.500 cidades possuem políticas dessa natureza, o que corresponde somente a 28% dos 5.564 Municípios. E o avestruz não vê. Nós, aqui, não estamos vendo essa tragédia.

            Não conseguimos atender um número expressivo. Um terço das casas brasileiras não contam com tratamento e coleta de esgoto. É muito um terço. A pior situação é no Norte do País, onde apenas 21% dos lares tinham serviço de saneamento em 2011 - 21%, Senador! É uma tragédia que nós não estamos vendo.

            Segundo o IBGE, 21 milhões de brasileiros com menos de 14 anos de idade estão sem rede de esgoto, água encanada ou coleta de lixo. São 21 milhões que faltam às aulas porque têm dor de barriga, porque pisaram em água suja. As pessoas não sabem o mal que faz à educação não haver um bom saneamento. Sem um bom saneamento, crianças, professores e funcionários faltam às aulas, repetidas vezes, por doenças que seriam evitadas se bebessem uma água limpa, se pisassem numa água limpa.

            Somos o 19º colocado em saneamento básico na América Latina. Não é no mundo, é na América Latina - 19º! Ou seja, estamos entre os piores. Como é que a gente aceita uma situação dessas? Salvo uma explicação, a explicação avestruz: fecha os olhos, coloca a cabeça escondida para não ver a realidade.

            Aqui no Distrito Federal, 56 mil habitantes - 6% das casas - têm acesso a rede de esgoto numa favela chamada Sol Nascente, uma cidade nova. Sol Nascente, Senador Rodrigo Rollemberg - o senhor sabe perfeitamente disso, porque está se preparando para disputar o Governo do Distrito Federal -, tem 56 mil habitantes e 6% das casas com acesso a rede de esgoto. O Distrito Federal, que recebe bilhões de reais do Governo Federal, todos os anos, do Fundo Constitucional, o Distrito Federal, que construiu, neste governo, um estádio que é considerado o mais caro já construído em todo o mundo, que gastou R$1,7 bilhão para ter quatro, cinco ou seis jogos da Copa, este Distrito Federal tem uma cidade com 56 mil habitantes, praticamente sem rede de esgoto. Por que isso? É óbvio: o governador é avestruz aqui no Distrito Federal. E o avestruz, lá embaixo do chão, vê o que quer, não vê a realidade ao redor.

            Em 10 anos, o Governo investiu quase R$10 bilhões em saneamento básico no total, considerando-se saneamento rural e urbano. Para fins de comparação, o trem-bala custará, se for feito, pelo menos R$40 bilhões, ou seja, R$10 bilhões para todo o saneamento básico no Brasil, R$40 bilhões para um projeto chamado trem-bala.

            Quanto foi na Copa? Ou seja, o que a gente fala do governador avestruz do Distrito Federal, que coloca a cabeça para fora e não vê a falta de esgoto em uma cidade de 56 mil habitantes chamada Sol Nascente e constrói um estádio com R$2 bilhões? O Governo Federal faz, tentando construir um trem-bala e deixando de investir em saneamento. Somos Avestruzes. Eu disse “somos”, primeira pessoa do plural, porque nenhum de nós pode ficar isento de responsabilidade por isso. Não somos omissos, mas estamos sendo incompetentes. No máximo, faz-se um discurso e não se consegue mudar a realidade. Então, nós estamos sendo aqui, certamente, políticos avestruzes.

            Tomemos o caso atual, que nos está tomando conta, da CPI. Aí, nós estamos sendo avestruz de duas ou três cabeças, todas elas enfiadas no chão. Primeiro, é a cabeça de não perceber que o povo brasileiro quer saber o que está acontecendo na Petrobras. O povo brasileiro que foi às ruas, se voltar agora, vai ter muito cartaz dizendo: “Queremos a verdade na Petrobras.” O Brasil tem uma Comissão da Verdade para ver os crimes cometidos pela ditadura; precisa de uma Comissão da Verdade para ver os crimes que podem ter sido cometidos na Petrobras.

            Nem estou acusando. Estou levantando a suspeição, mas exigindo o direito de saber da realidade, não como Senador apenas, mas como cidadão, como brasileiro. Estamos botando a cabeça para baixo. Por quê? Porque o Presidente de nossa Casa, Senador Renan Calheiros, está sendo um político avestruz, como o Governador do Distrito Federal, como o Governo Federal. Avestruz, por não perceber que o povo quer saber a verdade sobre a Petrobras, e usando esse artifício de dizer que o povo quer saber.

            E é verdade que o povo quer saber também o que aconteceu no metrô de São Paulo e nos outros metrôs, inclusive, de Brasília, e fui governador durante sua construção. Quero que saibam. Tem de haver uma CPI do metrô de São Paulo e de todos os metrôs onde essas empresas participaram. Tem de haver. Mas, juntar dois problemas em uma só CPI, é tão nítido, tão claro de que isso é uma enrolação que só pode ser feita por alguém que, ou despreza demais o Povo ou esconde a cabeça debaixo do chão, ou as duas coisas: esconde a cabeça por causa do desprezo; despreza tudo, aí esconde a cabeça para não ver a realidade.

            Mas não é só esta cabeça que está enterrada, a do avestruz da Petrobras. Aí é um avestruz com muitas cabeças. Existe a cabeça de não querer ver a realidade do povo na rua, querendo saber a realidade dentro da Petrobras; e existe avestruz que não ver a crise da energia no Brasil e que vai muito além de corrupção na Petrobras, que vai muito além de desmandos na Petrobras, que vai muito além da própria Petrobras, que é a energia em seu todo.

            Ainda que a Petrobras não tivesse nenhuma crise, ainda que tudo estivesse bem, ainda que o pré-sal estivesse dando certo - e ninguém sabe se está dando certo, ninguém sabe se isso vai dar certo, ninguém sabe se isso não é uma promessa vazia, pelo preço do petróleo, ninguém sabe qual vai ser, pelas dificuldades tecnológicas, pelas dificuldades de a Petrobras conseguir dinheiro para investir o suficiente -, se tudo der certo, ainda assim temos uma crise: o petróleo não vai durar para sempre. O petróleo é uma energia que se esgota, a chamada energia fóssil, que vem de fósseis, de plantas e animais que morreram há 200 milhões de anos. Depois que ela for queimada, ela não se substitui.

            E o avestruz que nós somos não está vendo a crise, por exemplo, do etanol, que é uma das alternativas.

            Fechamos os olhos para o etanol, e, aí, para impedir que a Petrobras aumentasse os preços do combustível - e daí a crise, em grande parte, é isso -, ao baixar o preço do combustível fóssil, gasolina, diesel, nós fizemos inviável o uso do etanol. Então, as empresas que produzem etanol param de produzir, porque não têm demanda, porque o consumidor é inteligente e não vai usar o combustível mais caro do que o outro. E elas, depois que param, têm dificuldade de voltar.

            Somos avestruz, por exemplo, ao não perceber que o mundo inteiro vai caminhar - é questão de 20, 30 anos ou menos - para energias alternativas, tipo solar, em que o Brasil tem um potencial enorme. O Brasil tem um pré-sal maior do que o pré-sal, que é o sol. O sol é um pré-sal e infinito, pelo menos por cinco bilhões de anos, como dizem os astrônomos.

            Fechamos os olhos para a energia solar. Fechamos os olhos para a energia eólica, poderíamos aproveitar os ventos que estão aí. E como só foram feitos uns moinhozinhos de ventos, alguns, dizem: ah, estamos fazendo muito. É um avestruz que não quer ver o que a gente não fez, e fica comemorando o pouco que fez. Claro que fez um pouquinho. É pouco. O avestruz só vê o que fez, não vê o que falta fazer.

            Nós temos uma crise séria, gente, e estamos fechando os olhos para o descontentamento popular, descontentamento popular que ameaça a democracia.

            Eu disse aqui diversas vezes: não se faz manifestações de 100 mil pessoas todos os dias, mas se faz 100 mil manifestações de mil pessoas quase todos os dias ou, pelo menos, 100 manifestações de mil todos os dias. E está aí, ligue a televisão! Tire a cabeça de debaixo do chão, ligue a televisão e veja quantas manifestações nós temos de 20, de 50, de 200 pessoas, que param uma estrada!

            Hoje, o Bom Dia Brasil mostrou uma manifestação onde ali não tinha 100, 150 pessoas, mas o trânsito estava parado.

            Eu chamei isso aqui de guerrilha cibernética e que nós entraríamos nela. O povo vai para casa, mas continua na rua por meio do computador e, de vez em quando, um grupinho de gente diz: “Vamos, amanhã, fazer uma manifestação em tal lugar.” E não aparecem 100 mil pessoas, mas aparecem 200, que fazem um estrago, às vezes, maior do que as 100 mil.

            Nós estamos em um processo de mobilização popular, de centenas de manifestações com algumas dezenas de manifestantes. Mas centenas de manifestações com dezenas de manifestantes é algo mais complicado do que poucas manifestações com milhares de manifestantes. Não estamos vendo o que está por trás disso. Não estamos vendo as consequências disso. Estamos fechando os olhos.

            A situação do transporte público no Brasil, não é possível que a gente não esteja percebendo e parando tudo aqui, durante alguns dias, para saber como é que a gente faz para que os brasileiros não tenham que usar esses malditos ônibus, esses superlotados metrôs, essas terríveis paradas de ônibus. Como é que a gente vai fazer? E a gente não está fazendo, Senador Rollemberg, porque somos políticos avestruzes, escondemos a cabeça. E alguns não só metem a cabeça debaixo do chão, metem as mãos também, para pegar propina.

            E, aí, vem outra coisa que a gente não está vendo: as consequências da corrupção não são apenas tirar dinheiro do Poder Público para o privado. Isso é a face mais visível da corrupção. A maior mesmo, ainda pior, é a falta de responsabilidade e de credibilidade que o Poder Público, que nós passamos a ter diante do povo por causa da corrupção. Mas estamos como avestruz, sem perceber o que está pesando a mancha sobre o Congresso por conta das notícias e dos fatos de corrupção. Estamos como avestruz. Se não estivéssemos como avestruz, já teríamos dado uma sacudidela para acabar com essa tragédia. São muitas tragédias que nós não estamos vendo por sermos políticos avestruzes.

            Vou continuar falando nisso. Vou fazer mais trabalho para mostrar onde estamos escondendo a cabeça. Vou voltar aqui com outros discursos sobre o político avestruz, que é o político brasileiro de hoje.

            Mas, antes de terminar, quero passar a palavra ao Senador Rodrigo Rollemberg, que pediu um aparte.

            O Sr. Rodrigo Rollemberg (Bloco Apoio Governo/PSB - DF) - Prezado Senador Cristovam Buarque, quero cumprimentar V. Exª pelo seu pronunciamento. V. Exª tem razão. Estamos vivendo fatos, em pleno século XXI, que parecem inadmissíveis e que representam um retrocesso muito grande em relação a conquistas que já tivemos e, ao mesmo tempo, aos desafios que estão colocados para todos nós. V. Exª falava da questão energética, por exemplo, do enorme potencial do Brasil, que se vangloriava até de estar produzindo, ainda que pouco, alguma coisa do ponto de vista da energia eólica. Mas a falta de planejamento tem demonstrado que, em parte expressiva do parque eólico brasileiro, a energia não está sendo aproveitada porque o planejamento não previu, conjuntamente com a instalação dos parques de geração, as linhas de transmissão. Nós estamos vivendo um momento neste País em que nunca usamos tanto a energia termelétrica, que, além de ela ser muito mais cara, acaba provocando um rombo fiscal. São quase R$15 bilhões o que o Governo está injetando para cobrir as despesas, em função de ser uma energia muito mais cara do que a outra - para um país que se orgulhava de ter uma matriz de origem limpa na sua grande maioria, estamos emitindo enormemente. Os dados do Instituto de Pesquisas Espaciais demonstram que o Brasil vem aumentando o desmatamento. Nesse último ano, o Brasil está aumentando, em relação ao ano passado, 35% do desmatamento na Amazônia. Com convicção, afirmo que o mesmo está acontecendo na região do Cerrado, que tem uma grande biodiversidade, que é tão importante, do ponto de vista da biodiversidade, quanto a Região Amazônica. Isso é algo inadmissível, não conseguimos entender por que o Governo Federal não tem atuado no sentido de evitar isso. Pelo contrário. As ações do Governo têm contribuído para isso. Estamos vivendo, neste momento, uma crise energética efetiva. Nunca tivemos um nível tão baixo nos nossos reservatórios. Está aí a crise no Sistema Cantareira, e o Governo, em vez de assumir o risco e ter uma posição responsável - indo para a televisão para pedir que as pessoas economizem energia, porque, efetivamente, há um risco de faltar energia -, com medo do resultado, da consequência eleitoral em relação a isso, prefere arriscar. E podemos ter uma situação com graves consequências de falta de energia. V. Exª falou do Governo do Distrito Federal, este Governo que tem uma única obra, uma única marca: o Governador Agnelo vai deixar o seu governo com a marca de ter construído o estádio mais caro do mundo. E só isso! Não há mais nada relevante no governo dele do que um estádio enorme, caro e, segundo o Tribunal de Contas do Distrito Federal, com um superfaturamento de R$431 milhões. Agora, veja que vergonha, Senador Cristovam: no Distrito Federal, onde a renda média per capita é a maior do Brasil, os dados do PISA demonstram que o resultado em Matemática, Leitura e Ciências vem caindo; caiu em relação a 2006. Portanto, em vez de o Governo estar reunindo todos os seus esforços no sentido de melhorar a qualidade da educação - uma educação de qualidade, ampliando efetivamente a educação integral, em tempo integral, garantindo atividades extraclasses -, não há prioridade alguma para educação, como não há prioridade para a saúde, como não há prioridade para a segurança. O Governo do Distrito Federal concentrou todos os seus esforços na construção de um estádio de futebol, um estádio caro, um estádio superfaturado, um estádio que será utilizado algumas vezes por ano, quando nós temos inúmeras necessidades da população do Distrito Federal, como, por exemplo, o saneamento básico da cidade do Sol Nascente, em que apenas 6% da população têm direito a esse saneamento. Portanto, eu quero cumprimentar V. Exª pelo tema que traz hoje, sobre o qual, efetivamente, é necessária a reflexão de todos nós.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - Obrigado, Senador Rodrigo.

            Eu vou parar por aqui, Senador, não porque o tema esgotou. Eu vou parar por aqui porque um discurso cansa quem está ouvindo - nem cansa quem está falando. Mas eu voltarei aqui para falar do avestruz. E voltarei, por exemplo, para falar sobre um fato que é, talvez, o mais dramático de todos, que é a violência de nossas cidades hoje.

            Nós estamos vivendo uma situação que, talvez, seja pior do que a da Síria, se a gente analisa que aqui a violência está espalhada em todo o País, enquanto lá são algumas cidades que estão sendo destruídas. Aqui é o País inteiro que está sob violência.

            Mas eu vou deixar isso para outro momento, porque cansaria quem está nos assistindo pela televisão, se eu continuasse falando hoje de um tema que, às vezes, até incomoda ouvir.

            Isso porque, na verdade, não somos só nós, os políticos, que somos políticos avestruz. O eleitor brasileiro está sendo avestruz também na hora de dar o voto e de dar o voto em pessoas, todas elas, avestruz. Quem vota em avestruz é avestruz também.

            É isso, Sr. Presidente. 

            O SR. PRESIDENTE (Ruben Figueiró. Bloco Minoria/PSDB - MS) - Senador Cristovam Buarque, V. Exª poderia continuar falando por tantos e tantos minutos que desejar, porque o que importa das suas palavras é o conceito que elas contêm. V. Exª precisa continuar falando, precisar usar desta tribuna, precisar usar dos jornais em que V. Exª premia com os seus escritos. A sua palavra não pode se apagar absolutamente.

            Eu ouvi com muita atenção V. Exª e realmente concordo que a política atual é a política do avestruz, é mais velha do que a Sé de Braga. Tudo o que V. Exª diz aí e que constitui um ônus pesadíssimo para a população brasileira, que é a questão educacional, sobre o que V. Exª é um apóstolo pela federalização do ensino. V. Exª mencionou o saneamento básico, citando um fato que ocorre na Capital Federal. V. Exª falou sobre a carência na política energética do País, com as suas diversificações, a eólica, a bioenergética, a hídrica e a solar. Enfim, V. Exª fez uma explanação que eu diria ecumênica, que merece ser ouvida e analisada pela população brasileira.

            Senador Cristovam Buarque, pela admiração que tenho por V. Exª, eu creio em apenas uma coisa, que talvez divergisse de V. Exª: é a de que a população brasileira não está como avestruz, com a sua cabeça enterrada. Pelo contrário. A população brasileira está alerta. Todos os dias, conforme V. Exª mesmo alertou, todos os dias ela está protestando. Infelizmente, quem está com a cabeça enterrada profundamente na areia, em posição inclusive abissal, são as autoridades que dirigem o nosso País.

            Vamos continuar alertando. V. Exª deve continuar falando.

            Meus cumprimentos.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - Obrigado, Senador. O senhor trouxe aqui uma boa provocação. Eu acho que a população não está como avestruz. Mas o eleitor está. Qual é a diferença? A população é o conjunto dos brasileiros; o eleitor é cada um deles quando chega à urna. Eu espero - faltam alguns meses - que possamos descobrir que o eleitor tirou a cabeça de debaixo do chão, que está vendo de fato a realidade, escolhendo pessoas que não se comportam como avestruz. Mas a população é um conceito amplo, geral, sentimento de Nação. Esse está na rua. Esse está na rua. Essa espécie população está na rua.

            Essa espécie população está na rua, mas a espécie eleitor, cada um, individualmente, ainda está se comportando como avestruz.

            Vamos ver se as vozes do povo na rua não chegam também. Vamos esperar que cheguem as vozes aos ouvidos do eleitor, já que não estão chegando aos ouvidos dos políticos. Vamos esperar que a voz do povo chegue ao ouvido do eleitor. Aí sim, a gente vai ter um casamento. Quando esse casamento acontecer, isso aqui vai ter que mudar. E aí nós todos vamos abrir os olhos ou vamos ter pessoas com os olhos abertos.

            É isso, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/04/2014 - Página 137