Discurso durante a 77ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Pesar pelo falecimento do arquiteto João Filgueiras Lima; e outros assuntos.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. EDUCAÇÃO. ECONOMIA NACIONAL. GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.:
  • Pesar pelo falecimento do arquiteto João Filgueiras Lima; e outros assuntos.
Publicação
Publicação no DSF de 23/05/2014 - Página 160
Assunto
Outros > HOMENAGEM. EDUCAÇÃO. ECONOMIA NACIONAL. GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, ARQUITETO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), ELOGIO, VIDA PUBLICA.
  • APREENSÃO, REFERENCIA, FALSIFICAÇÃO, LAUDO MEDICO, OBJETIVO, AUMENTO, TEMPO, ESTUDANTE, REALIZAÇÃO, PROVA, EXAME NACIONAL DO ENSINO MEDIO (ENEM), COMENTARIO, DECADENCIA, EDUCAÇÃO, PAIS.
  • APREENSÃO, RELAÇÃO, ECONOMIA NACIONAL, MOTIVO, BAIXA, COMPETITIVIDADE, PAIS.
  • REGISTRO, PRESENÇA, PRESIDENTE, PAIS ESTRANGEIRO, CHILE, LOCAL, CONGRESSO NACIONAL, OBJETIVO, DEBATE, POLITICA EDUCACIONAL, SOLICITAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, PROVIDENCIA, RELAÇÃO, MELHORIA, EDUCAÇÃO, BRASIL.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Ruben Figueiró; Srs. Senadores e Srªs Senadoras, uma coisa que a gente tenta aprender quando começa a falar em público, como professor, por exemplo, e como político também, é que falar de mais de um assunto é falar de nenhum. Você quer fazer um bom discurso, arranje uma ideia, Senador Ruben Figueiró, e concentre-se nela. Mas o mundo está tão dinâmico, as coisas estão mudando tão velozmente que é impossível falar de uma coisa só.

            Se eu fosse falar aqui sobre as coisas de hoje, eu ia falar de, pelo menos, nove assuntos. Eu queria falar sobre o assunto de que falarei aqui; eu queria falar mais tempo sobre a morte deste grande arquiteto, o Lelé; sobre essas mobilizações; sobre a violência; sobre a corrupção; sobre o discurso da Presidenta Bachelet; sobre as metas do PNE, comparando com as metas que apresentei ao Presidente Lula em 2003, quando eu era Ministro, que coincidem totalmente, e perdemos mais de dez anos; sobre a competitividade - hoje, saiu um relatório mostrando que o Brasil caiu na lista, palavra que usam por aí, no ranking, na ordem de posição de país com competitividade. Eu teria todos esses assuntos e mais um, que é uma preocupação que tenho há muito tempo, que é a energia nuclear. E esta última semana, como bem colocou um dos lutadores contra o uso da energia nuclear, o Chico Whitaker, foi uma semana destruidora para os que são contra a energia nuclear. No mundo inteiro, aconteceram coisas que estão derrubando a luta contra a energia nuclear.

            Não vai dar para falar sobre os nove. Mas não vai dar para falar só sobre...

            Eu quero começar pelo Lelé. O arquiteto Lelé, que eu conheci bem quando era Reitor da Universidade, faleceu anteontem, ou na madrugada de ontem, é uma das figuras mais importantes que nós tivemos no mundo da arquitetura brasileira. Ele foi quem criou concepções novas, como os CIEPs, concepções novas como os CIACs, como os hospitais de Rede Sarah. São soluções radicais e diferentes por serem pré-fabricadas, por serem baratas as obras, por serem eficientes.

            Mas há uma coisa que eu quero deixar aqui mais clara ainda sobre o Lelé: ele foi o arquiteto do social. Quando a gente olha, Senadora Ana Amélia, as obras dele, percebemos que elas se caracterizam pela Rede Sarah, na área de saúde, e pelos CIEPs e prédios da UnB, na área da educação. Ele fez outras obras também, mas essas duas obras são fundamentais para nós colocarmos o Lelé entre os grandes arquitetos do Brasil.

            O corpo dele vai estar daqui a pouco aqui na Câmara Federal, e eu creio que cada um de nós deve ir lá manifestar a sua tristeza e a sua homenagem.

            Eu diria que, depois do Niemeyer, nós temos o nome do Lelé como o segundo mais importante arquiteto do século XX no Brasil.

            O segundo assunto, Senador, é uma preocupação que me foi trazida por uma psicóloga aqui de Brasília chamada Júlia Vasconcelos, que há algum tempo me falou de uma indústria do que ela chama de laudos.

            Ela me disse que existem pessoas laudadas. Eu nunca tinha escutado este conceito: laudado. Laudados são estudantes que têm laudos para ficarem fora da sala de aula, que têm laudos para tomarem drogas para mudar a atenção baixa nas salas de aulas.

            Hoje há uma rede de pessoas, Senador, de jovens laudadas, laudados, com laudos para tirarem proveito disso, porque nem todos, de fato, têm aquela síndrome.

            E ela me trouxe um artigo grande publicado no Estadão, que eu não vou ler obviamente, até porque tenho mais dois temas, com o título “A droga da obediência no Enem”. É uma dessas sacadas de jeitinho que os brasileiros usam para dar soluções, de uma maneira inconveniente, em benefício próprio. Quem tem déficit de atenção tem direito a um tempo maior para fazer prova.

            Pois bem, os alunos hoje estão chegando laudados, com um laudo, dizendo que têm deficiência de atenção, para poderem ter uma hora a mais, na hora de fazer o Enem. Pode-se acreditar numa coisa dessas? Podemos acreditar que isso está acontecendo no Brasil?

            Primeiro, da criança que tem déficit de atenção devemos cuidar dela lá na escola. Lá na escola, deve-se dar uma atenção especial, deve haver acompanhamento de psicopedagogos, de tal maneira que essa deficiência da falta de atenção seja compensada, aprendendo. Não. A gente não faz isso. “Deixa para lá; a escola continua como está”. Mas, na hora de fazer o exame, “já que a gente não fez o dever de casa, a gente dá uma horinha a mais para essa pessoa.” É uma espécie de cota do tempo. Cota do tempo para os que sofrem de deficiência de atenção, ou até para os que não sofrem, e chegam com um laudo, o que a gente sabe que acontece muito no Brasil, laudos sem convergência com a realidade.

            E fico muito preocupado, mas isso mostra a fragilidade da educação brasileira, porque, já que não se compensa as deficiências de algumas crianças e adolescentes dentro da escola, a gente pega e dá um tempinho a mais para elas fazerem as provas. É um jeitinho. É inacreditável que a gente faça isso!

            Mas faz parte da política brasileira o jeitinho, para corrigir o dever de casa que a gente não fez. Jeitinhos necessários! O jeitinho da própria Bolsa Família é necessário - eu faço parte da criação dela -, mas é porque a gente não fez o dever de casa lá atrás. Se a gente tivesse feito o dever de casa lá atrás e tivesse feito uma sociedade mais justa, com melhor distribuição de renda, não precisaria agora dar Bolsa Família; sobretudo se a gente tivesse dado uma boa educação lá atrás. Não iria precisar.

            Quanto às cotas, sou defensor das cotas para negros nas universidades, mas é prova de não termos feito o dever de casa lá desde 1888 em diante, quando nós não colocamos os filhos dos ex-escravos na escola. E os descendentes que estão aí, para poderem entrar na universidade, em vez de uma boa escola, a gente dá cotas para eles. E eu sou favorável. Mas é um jeitinho!

            Jeitinho é jeitinho. Jeitinho não é solução! Solução é uma escola boa, de qualidade, para evitar o problema dos que tenham deficiência de atenção e também para evitar os problemas das cotas, para evitar o problema de Bolsa Família, todas essas saídas necessárias, mas que não deixam de ser formas de jeitinho.

            Mas, Senador, o que eu talvez queira me dedicar mais aqui são duas coisas. Primeiro, essa queda na competitividade brasileira. O Brasil está ficando para trás. E não é de agora que se fala. Um documento do próprio jornal Financial Times diz que a produtividade tem que virar obsessão nacional, porque nós não estamos ligando. Por causa do jeitinho, Senador.

            A gente perde competitividade, aí faz isenção fiscal. A isenção fiscal é uma maneira de compensar a baixa produtividade, a perda da competitividade. A gente não consegue competir internacionalmente, aí a gente faz a Lei Kandir. Tira imposto do que é exportado, porque a gente não consegue exportar, por falta de capacidade e competitividade.

            É triste, mas o que se vê é um País cuja economia não tem um longo futuro. Nós temos o presente. Dentro da linha do que eu falei aqui tantas vezes, a economia está bem, mas não vai bem. Aliás, eu já mudei esse discurso. Eu já tenho dito: a economia não está bem e irá pior. Três anos atrás, eu dizia: a economia está bem, mas não vai bem, gente; vamos ter problemas. Os problemas chegaram. São visíveis. E vão piorar por falta de competitividade.

            E competitividade hoje vem primeiro de dentro da fábrica, como sempre foi. Mas também fora da fábrica. Em que sentido? Dentro da fábrica é você ser capaz de produzir mais, de maneira mais barata. Mas fora é você produzir coisas novas, que é o que faz a competitividade hoje. O que faz a competitividade de um telefone deste não é só você fazer mais dele com menos recursos, de maneira mais barata; o que faz a competitividade é você inventar um novo a cada ano! A competitividade do produto novo, a produtividade da tecnologia dentro do produto, e não só da tecnologia de produzir o produto.

            Nós estamos fracassando nos dois. Nós nem estamos fazendo de maneira mais barata, por causa da política tarifária, que é muito pesada; porque a infraestrutura não gera a facilidade que é necessária para produzir; falta energia, há risco de apagão; você produz, mas não chega ao porto; chega ao porto, mas fica dormindo lá, não sai em duas horas, como deveria ser o caso.

            Nós estamos perdendo competitividade, e isso é muito grave. E estamos perdendo mais do que os outros países. Aqui há uma nota neste material que diz uma coisa interessante: antes, nós estávamos na companhia de alguns países; agora estamos na companhia de outros piores, na posição que estamos dentro do grupo de países por competitividade.

            Aí vem o último tema, Senador, senão esse discurso fica vazio, porque discurso com ideias demais, com temas demais, é discurso sem ideias nem temas. É que a base de tudo isso é uma revolução na educação.

            Hoje encontrei a Senadora Ana Amélia logo cedo e falei sobre esse assunto. A Presidente do Chile, Michelle Bachelet, em primeiro lugar, é diferente da nossa. Ela foi ao Congresso levar a sua mensagem, a mensagem anual. Ela não mandou pelo Ministro. Ela foi e leu, ponto por ponto. Mas o que achei importante foi que ela assina a ideia de que educação é uma obsessão do seu governo - e esse é o primeiro ponto; mas tem outro melhor: é que ela diz que o caminho é a federalização, só que ela chama de desmunicipalização, e lembra que a municipalização que foi feita no Chile durante o regime militar foi um retrocesso, que levou a uma queda na qualidade da educação das crianças e adolescentes brasileiros, isto é, chilenos, desculpem-me, embora valha para os brasileiros também. Ela quer corrigir isso, ela diz que foi eleita para corrigir isso.

            A maneira de corrigir que ela coloca é esta - vou ler como está aqui: “Vamos terminar - entre aspas - a “municipalização” da educação, que a ditadura deixou como herança, um modelo que finalmente fez aprofundar a desigualdade, condenando meninos e meninas a não saírem da pobreza”.

            Isso é tão óbvio, que a municipalização condena as crianças das cidades pobres a continuarem pobres, que é surpreendente alguém dizer que não acredita nisso. Portanto, acredita, mas não quer mudar.

            A Presidente do Chile quer mudar. Ela anunciou, nesta quinta-feira, o envio de um projeto de lei para iniciar a comprometida reforma da educação, como parte das 56 medidas para os seus primeiros cem dias de Governo. Ela vai propor, provavelmente - os detalhes a gente ainda não conhece -, uma carreira nacional do professor. A responsabilização das escolas em cima do Governo Federal.

            Ela vai propor que não sejam mais os Municípios que cuidem das escolas, porque os Municípios, além de pobres, são desiguais. Ela vai propor aquilo que eu propus em um documento que enviei à Presidenta Dilma em setembro de 2011, e nunca nem recebi um cartão dizendo que chegou lá. Três anos perdidos. Três anos perdidos!

            A gente já podia ter começado esse processo, dentro de um ritmo. Não se faz isso de um dia para o outro, mas se inicia num certo dia. E nós estamos adiando. Pior é que a Presidenta Dilma não deu a menor atenção a isso. Na verdade, o Governo Lula já está aí há 12 anos e não fez - salvo em 2003. Eu comecei essa ideia, com um programa chamado Escola Ideal, em 28 minúsculas cidades, porque, com um dinheiro que não vinha do conjunto do Governo - não dava para convencer o Ministro da Fazenda -, tiramos do próprio MEC e começamos a ideia da Escola Ideal, o Governo Federal agindo nas cidades.

(Soa a campainha.)

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - Mas pior, como eu dizia, é que a Presidenta Dilma e o Lula não se interessaram, e eu não vi nenhum dos outros candidatos até aqui falando sobre esse assunto. Nós já temos pelo menos cinco candidatos a Presidente visíveis - PV, PSOL, PSB, PSDB e PT -, e eu não os vejo falando em educação. Eu não os vejo se comprometendo com a mudança. Não; apenas com o blá-blá-blá. Mudança? Como é que vai fazer? A minha proposta de mudança concreta é federalizar a educação. Talvez são seja a melhor. Traga outra, mas diga o quê. Não fique no blá-blá-blá, como estão ficando.

            E eu vou mais longe na evolução da minha proposta: que seja feita por adoção de cidades. Não precisa mexer em lei nenhuma. A cidade que quiser, o prefeito chega aqui em Brasília e diz ao Presidente:

Presidente, por favor, eu não tenho como dar uma boa educação aos filhos da minha cidade. Eu não tenho como pagar um salário alto para os meus professores, selecionar os melhores do Brasil e levar para a minha cidade, construir escolas bonitas e bem equipadas, tudo em horário integral. Minhas crianças têm o direito disso, e eu não tenho recursos! Adote minha cidade, Sr. Presidente. Adote as crianças da minha cidade. Adote as escolas da minha cidade!

            E, num ritmo em que os prefeitos viessem buscar, a gente começaria a fazer essa federalização com uma carreira nacional do magistério bem remunerada, onde os professores, ganhando bem, aceitem ser avaliados regularmente, com consequências da avaliação. Que sejam de dedicação absolutamente exclusiva, selecionados entre os melhores, recebendo todos os equipamentos que são necessários para uma boa escola...

(Soa a campainha.)

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - ... em horário integral. Só o Governo Federal pode fazer isso.

            Será que só no Chile é que se percebe que a desmunicipalização da educação... Do ponto de vista da manutenção; do ponto de vista da gestão, eu até acho que o Município tem um papel; mas, da manutenção, não. Uma coisa é manter, outra coisa é gerir. Na gestão, a gente pode até considerar que o Município tem um papel. Na manutenção, não tem. Não tem como. E são muito desiguais.

            Vamos olhar o Chile, um país pequeno, mas que, de vez em quando, dá uns exemplos para a gente. Eu acho que um exemplo foi nesta semana, ontem, quando a Presidenta Bachelet foi ela própria levar a sua mensagem ao Congresso. Não a mandou por intermediário e, ao mesmo tempo, deixou claro que a educação é o caminho de um Chile novo. E não ficou no blá-blá-blá. Disse, com clareza: “Vamos desmunicipalizar a educação chilena”, que, como eu li aqui ...

(Soa a campainha.)

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - ...condena nossos meninos e meninas à pobreza, por falta de recursos no Município.

            Sr. Presidente, desculpe ter falado de tantos assuntos, sabendo que falar de muitos assuntos é correr o risco de falar de nenhum; mas é que eles estão interligados. Todos estão interligados: o Lelé, porque foi o arquiteto da educação; a ideia que me foi trazida pela psicóloga Júlia Vasconcelos de que os “laudados” estão recebendo um jeitinho, porque não se fez o dever de casa na hora; a perda de competitividade; e o exemplo chileno. Quatro ideias, mas que têm uma nota só, como costumam me acusar de ter. Uma nota só: educação.

            Com educação, não tem outro jeito - se queremos mudar o Brasil -, a não ser com criança brasileira sendo brasileira, responsabilidade do Brasil...

(Soa a campainha.)

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - ... e não da cidade.

            Era isso, Sr. Presidente. Vamos olhar o Chile e trazer para nós essa experiência da desmunicipalização da educação de base.

            Era isso, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 23/05/2014 - Página 160