Discurso durante a 14ª Sessão Solene, no Congresso Nacional

Destinada a comemorar os 90 anos da Coluna Prestes.

Autor
Inácio Arruda (PCdoB - Partido Comunista do Brasil/CE)
Nome completo: Inácio Francisco de Assis Nunes Arruda
Casa
Congresso Nacional
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Destinada a comemorar os 90 anos da Coluna Prestes.
Publicação
Publicação no DCN de 21/05/2014 - Página 8
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO, ORGANIZAÇÃO PARAMILITAR, NATUREZA POLITICA, PARTICIPAÇÃO, TENENTE, COMANDO, LUIS CARLOS PRESTES.

     O SR. INÁCIO ARRUDA (Bloco Apoio Governo/PCdoB - CE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sra Presidente Jô Moraes, nossa querida Deputada mineira; nosso Deputado Inocêncio Oliveira, que passa a dirigir os trabalhos neste instante; nossos convidados; nossa querida Maria Prestes, a Presidente...

     O SR. PRESIDENTE (Inocêncio Oliveira. Bloco/PR - PE) - V. Exa tem a palavra.

     O SR. INÁCIO ARRUDA (Bloco Apoio Governo/PCdoB - CE) - Eu lhe agradeço.

     Cumprimento todos da Mesa e quero pedir ao nosso Presidente que já acolha nos Anais do Congresso Nacional o inteiro teor do meu pronunciamento em homenagem a esta manifestação extraordinária do povo brasileiro, que foi a Coluna Invicta, depois chamada de Coluna Miguel Costa Prestes e, afinal, de Coluna Prestes,

a Coluna do Cavaleiro da Esperança, como assim chamou Jorge Amado, para imortalizar esse movimento extraordinário do povo brasileiro.

     O que faziam esses homens? É o que procuro retratar no texto que vai compor os Anais desta sessão. Eles queriam o progresso do País, um País com população ainda pequena, um pouco mais de 27 milhões de habitantes, naquela década de 1920. Mas o País era gigantesco, rico, poderoso, com um território vasto, com uma capacidade produtiva extraordinária, embora com a incipiente indústria nascente, que vinha da luta de Mauá, que passou por Delmiro Gouveia, em Pernambuco e em Alagoas, saindo de Ipu, no Ceará, por onde entrou a Coluna no meu Estado, o Estado do Ceará.

     Então, vejam, Sr. Presidente, Sras Senadoras e Srs. Senadores, Srªs Deputadas e Srs. Deputados, convidados e convidadas, jovens estudantes que aqui estão, que a Coluna Prestes era uma Coluna de jovens oficiais do Exército Brasileiro e incorporou os civis, todos desejosos do desenvolvimento da Nação, do progresso do País, acreditando que era possível o povo viver muito bem no Território brasileiro, no gigantesco território do Brasil.

     Não acontecia esse grau de desenvolvimento porque uma elite pequena e atrofiada na sua capacidade de gerar progresso dirigia a nossa Nação e frustrava todas as tentativas de desenvolvimento mais largo no nosso País. Vejamos as tentativas anteriores da independência com o patriarca José Bonifácio, da luta pela República, da busca do desenvolvimento industrial, da busca por trazer a ciência, a universidade, os cursos superiores. Tudo isso foi impedido de acontecer na nossa Nação por um largo período.

     Digo que o reflexo imediato da Coluna Prestes, daquele movimento dos tenentes, daquele movimento dos jovens oficiais brasileiros, resultou na Revolução de 30, e muitos desses oficiais da Revolução de 30 passaram a comandar o País, a governar a nossa Nação. Isso resultou no processo de industrialização, embora nós não tenhamos conseguido resolver os graves problemas em áreas tão importantes como a educação, a saúde do nosso povo, a distribuição da riqueza neste País extraordinário, que é o Brasil.

     Por isso, Presidente Inocêncio Oliveira, nós estamos prestando esta homenagem.

     (Soa a campainha.)

     O SR. INÁCIO ARRUDA (Bloco Apoio Governo/PCdoB - CE) - É uma homenagem do povo brasileiro.

     O SR. PRESIDENTE (Inocêncio Oliveira. Bloco/PR - PE) - Eu queria pedir a cooperação de V. Exª para encerrar. V. Exª tem mais um minuto.

     O SR. INÁCIO ARRUDA (Bloco Apoio Governo/PCdoB - CE) - É claro! Não há dúvida.

     É o Congresso Nacional, são os Senadores e Senadoras, os Deputados e as Deputadas do nosso País reconhecendo o papel histórico da luta travada por esses jovens oficiais, muitos reincorporados ao Exército Brasileiro. São oficiais, generais, estudiosos da história brasileira.

     O fato de comemorarmos significa resgatar, no presente, esse período da história, para que a juventude brasileira o examine e veja o resultado que conseguimos oferecer à nossa Nação.

     Destaco aqui, Sr. Presidente...

     O SR. PRESIDENTE (Inocêncio Oliveira. Bloco/PR - PE) - Ilustre Senador Inácio Arruda, eu pediria a V. Exª que encerrasse seu pronunciamento, porque vou encerrar a sessão.

     O SR. INÁCIO ARRUDA (Bloco Apoio Governo/PCdoB - CE) - Vou encerrar.

Sr. Presidente, vou concluir, mostrando o movimento que ora a União da Juventude Socialista busca desempenhar para fazer esse grande resgate da história da Coluna Prestes, das lutas do povo brasileiro.

     Faço esse registro, Sr. Presidente.

     SEGUE, NA ÍNTEGRA, PRONUNCIAMENTO DO SR. SENADOR INÁCIO ARRUDA.

O SR. INÁCIO ARRUDA (Bloco Apoio Governo/PCdoB - CE. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, no dizer de Caio Prado Júnior, a Coluna Prestes foi “um dos episódios máximos da história brasileira”. A Grande Marcha percorreu entre 25 mil e 36 mil km do interior de nosso país - seus historiadores, analistas e comentaristas nunca chegaram a um consenso sobre o total de seu percurso. Envolveu homens e mulheres idealistas, abnegados, que abandonaram o conforto de seus lares e suas famílias para se embrenharem no Brasil, ansiando por uma vida melhor para a nossa gente.

À época da Coluna, o mundo vivia grave crise econômica e a Europa se reconstruía, após a guerra que ocorreu em seu território entre 1914-18. Na Rússia, a construção do socialismo dava seus primeiros passos. O Brasil era um país dependente. De acordo com o Censo de 1920, existiam pouco mais de 27 milhões de brasileiros. A estrutura política estava deteriorada.

Já durante o Império, os militares brasileiros manifestaram seu inconformismo e atuaram politicamente, tanto na luta pela abolição, quanto na luta pela República. Mas, com a nova forma de governo, o poder federal continuou dominado por reduzido grupo de políticos. Governadores e prefeitos tinham poderes quase absolutos, subordinando os legislativos e o judiciário. A ordem social perversa, imposta pela oligarquia latifundiária; o sistema eleitoral extremamente corrupto, onde até mortos votavam, impossibilitando a mudança pelas urnas, causavam descontentamento generalizado. Esse sentimento mobilizou os oficiais das Forças Armadas, nos anos 1920, em especial. Em 6 de julho de 1922, os militares se rebelaram na Escola Militar, no Rio de Janeiro, então capital do país, e no Forte de Copacabana. Protestavam contra o fechamento do Clube Militar e estavam insatisfeitos com a derrota do candidato presidencial que apoiavam, Nilo Peçanha, para Arthur Bernardes, ligado à oligarquia de São Paulo. O Forte foi bombardeado e a rendição dos rebeldes foi exigida. O tenente Siqueira Campos e um grupo de militares pegaram armas e marcharam pelas ruas em direção ao Palácio do Catete (sede do governo federal na época). Durante a marcha, alguns militares desistiram, ficando apenas 17 que receberam o apoio na rua de um civil, totalizando 18. Os rebeldes foram cercados pela tropa do Governo Federal. Após forte tiroteio em frente ao Posto 3 da praia de Copacabana, somente Siqueira Campos e Eduardo Gomes sobreviveram, e foram presos. Os outros dezesseis foram mortos. A rebelião foi esmagada, mas a revolta não. Os tribunais condenaram 50 oficiais que participaram do levante a pena de prisão, de 5 a 20 anos. A patente da maioria dos oficiais revoltosos era a de tenente, eram jovens com menos de 30 anos. Seu movimento ficou conhecido como Tenentismo - e a Coluna Prestes, dois anos depois, foi a sua expressão máxima.

Na madrugada de 5 de julho de 1924, remanescentes do movimento de 22, rebelaram-se, em São Paulo, e tentaram depor o governo do Estado. O governo respondeu com artilharia pesada e aviões que bombardearam os bairros ocupados pelos rebeldes. Foram 18 mil governistas contra 7 mil rebeldes. Para evitar a continuidade dos bombardeios e o cerco por tropas vindas de outros Estados, os tenentistas organizaram a retirada de seus 3.500 combatentes, levando peças de artilharia, munições e meios logísticos para prosseguimento da luta. A Coluna Paulista, como ficou conhecida, era chefiada pelo general Isidoro Dias Lopes, major Miguel Costa e pelos tenentes Eduardo Gomes e Juarez Távora (seu irmão, capitão Joaquim Távora, morrera nos combates em São Paulo). Seguiu para o Paraná, onde se instalou em Catanduvas. Ainda no mês de julho, na Amazônia, os tenentes lançaram um manifesto, denunciando que o povo “ignora o que seja o regime democrático, vive maltrapilho e faminto”.

Em outubro, novo movimento tenentista surge na região de Missões, no Rio Grande do Sul, liderado pelos tenentes Siqueira Campos e João Alberto e o capitão Luís Carlos Prestes. Cercado pelas tropas governistas, os rebelados conseguem escapar. Em Santa Catarina, no combate de Maria Preta, quando se viu atacado por forças legalistas do norte e do sul, Prestes determinou a retirada de seus soldados, e as tropas governamentais combateram entre si, por mais de 4 horas, sofrendo mais de 200 baixas. Os rebeldes gaúchos se encontraram com os rebeldes de São Paulo, em Foz do Iguaçu, no Paraná. No dia 14 de abril de 1925, editaram o Boletim nº 1 do Comando da 1ª Divisão Revolucionária, o que pode ser considerado o início da Coluna Prestes.

Por proposta de Luís Carlos, os militares resolveram não se exilar e formaram quatro destacamentos, comandados por Cordeiro de Farias, João Alberto, Siqueira Campos e Djalma Dutra, com Miguel Costa como comandante e Prestes como chefe do Estado-Maior. O general Isidoro não participaria das batalhas, devido à sua idade avançada. Prestes defendeu a guerra de movimento, acolhendo os inconformados que fosse encontrando pelo caminho. “A guerra no Brasil, qualquer que seja o terreno, é a guerra de movimento. Para nós, revolucionários, o movimento é a vitória. A guerra de reserva é a que mais convém ao governo, que tem fábricas de munição, fábricas de dinheiro e bastantes analfabetos para jogar contra as nossas metralhadoras”, justificou a decisão, em carta para o general Isidoro. Em 30 de abril, a vanguarda da Coluna entrou em Mato Grosso, depois de uma rápida passagem pelo Paraguai. Enfrentando destacamentos governistas bem-dotados de efetivos e suprimentos, inclusive meios de transporte, combatia somente em condições favoráveis, conseguindo assim armamento e munição. Levou 53 dias para chegar, da serra de Maracaju, fronteira mato-grossense com o Paraguai, à serra de Santa Marta, divisa com Goiás. Neste Estado, foi para o divisor entre o Tocantins e o Araguaia, de onde se dirigiu para Minas, para o trecho deserto da Bahia e retornou a Goiás, chegando a Porto Nacional no dia 28 de outubro. Em seguida, cortou o Maranhão, de oeste para leste, e entrou no Piauí. Daí, seguiu para Pernambuco e, de lá, para o Ceará.

Em janeiro de 1926, cerca de 130 homens da Coluna, comandados pelo capitão João Alberto, estiveram na cidade de Ipu. Os poderosos locais espalharam boatos de que aquela era uma “coluna de ateus interessados em prostituir as mulheres”. Na noite de 12 de janeiro de 1926, o batalhão da Coluna, saindo do Piauí, chegou ao Ceará passando por Ipueiras, Ipu, Nova Russas, Crateús, Novo Oriente, Quiterianópolis e Arneiroz. No dia 15, os revolucionários trocaram tiros com a polícia em Crateús. (Em 2006, foi inaugurado na cidade um monumento, criado por Oscar Niemeyer, para celebrar a passagem da Coluna Invicta). No povoado de São Domingos, já sob o comando de Luís Carlos Prestes, a Coluna novamente enfrentou as forças governantes, no dia 22. Sempre evitando conflitos desnecessários, os revolucionários foram para Acopiara, Iguatu e Solonópolis e entraram na Paraíba. Uns trinta rapazes cearenses, sob a chefia de Alfredo Sobreira, iam se reunir à Coluna, mas foram aprisionados pela polícia paraibana, foram todos sangrados, com exceção do próprio Sobreira, que conseguiu escapar dando 500 mil réis ao bandido que ia matá-lo. Orelhas dos cadáveres dos colunistas foram cortadas por jagunços, para apresentarem aos comandos governistas e receberem prêmios. A 3 de março de 1926, a Coluna atingiu a divisa do Rio Grande do Norte, de onde foi para a Paraíba e, novamente, Pernambuco. Novamente foi à Bahia. A coluna entrara no Maranhão, em novembro de 1925, com cerca de 900 homens; chegou à Bahia com perto de 1.200. Entrou em Minas e retornou à Bahia e a Pernambuco. Nas operações na Bahia, que levaram quatro meses, enfrentou forças calculadas em mais de 30 mil homens, entre tropas legalistas e grupos de jagunços ligados aos latifúndios. Perdeu pouco mais de 200 homens. De Pernambuco, retornou ao Piauí e novamente à Bahia e Goiás, transpondo a zona do Jalapão. Em 22 de outubro, seu efetivo era de menos de 600 homens, praticamente desarmados e desmuniciados. Em 3 de fevereiro de 1927, entrou na Bolívia, com 620 homens, 90 fuzis, quatro metralhadoras, e cerca de 8 mil tiros. Percorrera, segundo Lourenço Moreira Lima, o secretário da Coluna, 25.500 km; segundo Prestes, 36 mil km.

Em algumas ocasiões, a tropa carecia de mantimentos. Quando atravessou o Pantanal, “estava a pé e sem recursos, alimentando-se só de palmitos e dos poucos bois que lhe restavam para as montadas, sem ter sequer um pouco de sal para temperar a carne. Essa marcha era feita, muitas vezes, com água pelos peitos e, em certas ocasiões, a nado, quando se deparava com algum corixo. Descansava-se, trepando nas árvores. Quase todos estavam descalços e mais ou menos nus”, narrou Lourenço Moreira Lima. Prestes, mesmo sendo o principal comandante da tropa, marchou 200 km a pé, porque cedeu seu cavalo para transportar doentes e feridos.

As deserções não eram coibidas. As punições, inclusive expulsões, eram dadas àqueles que abusavam da força ou eram violentos ou roubavam civis. Uma expulsão, em especial, merece ser mencionada. O

Boletim nº 5 da Coluna, de 25 de abril de 1925, noticia a Exclusão de oficial: “Seja excluído do estado efetivo das forças revolucionárias o capitão Filinto Müller, por haver, covardemente, se passado para o território argentino, deixando abandonada a localidade de Foz do Iguaçu, que se achava sob sua guarda (...) levando armas e munição pertencentes à Revolução. Oxalá que esse oficial futuramente se justifique perante seus companheiros que ainda lutam em defesa da República dessa acusação, que pesa na sua consciência de filho desta grande pátria”. Assinado, general Miguel Costa, comandante da 1ª Divisão Revolucionária.

Esse Filinto Müller, durante a ditadura Vargas, foi chefe da polícia política e realizou prisões arbitrárias e torturou prisioneiros. Foi ele quem prendeu a judia alemã Olga Benário, militante comunista e companheira de Luís Carlos Prestes, à época grávida, e depois deportada para a Alemanha, onde foi executada em Bernburg, em 1942. Foi ele, também, quem prendeu Prestes, durante o Estado Novo. Foi eleito senador e apoiou o golpe de 1964. Há, no Senado, uma ala com o seu nome, onde, inclusive, fica o meu gabinete. Mas a história não para, e aguarda votação no Plenário o projeto de resolução do Senado (PRS 36/2011), de autoria da senadora Ana Rita (PT-ES), que altera a denominação da Ala Filinto Müller do Senado para Ala Senador Luís Carlos Prestes.

Lendas se formaram em torno da bravura daqueles brasileiros da Coluna Prestes e sua saga. Em Porto Nacional, surgiu o boato de que a Princesa Isabel integrava a Coluna, e o povo local queria vê-la. Em Goiás, moradores da barranca de um rio acreditavam que os lutadores só comiam as partes dianteiras do gado, para assim andar mais depressa. No Maranhão, os sertanejos acreditavam que uma negra feiticeira tinha “fechado o corpo” dos soldados da Coluna, que, por isso, nunca morriam em combate. Em Crateús, ocorreram alguns confrontos entre as forças governistas, que resultou em mortes de alguns dos membros da Coluna, ainda hoje lembrados no “Cemitério dos Revoltosos”, monumento fúnebre no qual foram sepultados dois de seus participantes, tidos como objetos de devoção popular. No contorno das cruzes dos dois “revoltosos” foram erguidas variadas outras, representando sepultamentos de crianças filhas dos devotos. Chamados de “anjinhos”, os mortos prematuramente eram levados até o espaço e sobre ele erguidas pequenas cruzes, que rodearam o monumento fúnebre central.

A Coluna enfrentou as forças regulares, do Exército, mas o que mais combateram foram as forças irregulares, a tropa do latifúndio, com ajuda ou em aliança com as polícias militares estaduais, ou sob comando militar, ou, na maioria dos casos, os jagunços eram conduzidos pelos próprios latifundiários. Nunca foi derrotada, pois só travava as batalhas em que tinha condições de vencer. O governo mobilizou mais de 20 mil homens das tropas oficiais para combatê-la. Travou mais de 50 combates contra as tropas federais e os jagunços do latifúndio. Quando os rebeldes não venceram, fizeram retirada e ruptura do cerco. O Pentágono classificou as operações da Coluna Prestes como “modelo de guerrilha”. Aproximadamente 50 mulheres acompanharam a Coluna, segundo Lourenço Moreira Lima. Na travessia do rio Uruguai, um grupo de mais de 20 mulheres que haviam aderido à Coluna em São Luís Gonzaga e Santo Ângelo, apesar de proibidas de permanecer junto à tropa rebelde, continuaram a acompanhar a marcha. Foram hostilizadas por alguns líderes. Prestes contou, em entrevista a O Estado de S. Paulo, em 1978: “Fui contra a entrada e permanência de mulheres na Coluna”. Mesmo assim, elas seguiram as tropas. As gaúchas que acompanharam a Coluna eram de origem humilde, inclusive camponesas. Algumas foram citadas como exímias combatentes. Carregavam armas e munições, deslocavam-se para os campos de batalha, onde atacavam e defendiam suas vidas e as dos rebeldes. Várias atuaram como enfermeiras. Retiravam os feridos nas linhas de fogo e, por vezes, os tratavam no próprio campo de batalha. A maioria, jovens maiores de 18 anos, mas havia também algumas com aproximadamente 50. Durante a Marcha, nasceram algumas crianças que migraram para a Bolívia com mais de 2 anos de idade; outras, morreram durante a jornada. “Seus papéis foram diversos: cuidaram dos feridos, espionaram, deram e receberam amor, combateram, cozinharam, estimularam a tropa, costuraram, tiveram filhos, amortalharam os mortos”, conta a pesquisadora Maria Meire de Carvalho. Em Piancó, escreve Lourenço, Tia Maria (quase todas as mulheres eram conhecidas apenas pelos seus apelidos), preta velha que acompanhava a Coluna desde o início, como cozinheira, foi capturada pela polícia paraibana, que a sangrou cruelmente, no cemitério, obrigando-a, inclusive, a abrir a própria cova. Também nesta cidade, a enfermeira e o irmão do tenente Agenor Pereira de Souza, que ali ficara por estar ferido, foram degolados. Em Amarante, os governistas prenderam a mãe do capitão da Coluna, Manoel Mendes de Morais, uma viúva de mais de 60 anos, surrando-a, queimando sua casa e destruindo seus pertences.

Quando iniciaram a saga da Coluna, seus integrantes pouco conheciam do Brasil profundo. Eram, em sua maioria, oficiais do Exército e da Polícia Militar de São Paulo; oficiais e sargentos, que se tornaram tenentes, capitães e dirigentes de seus batalhões. Além disso, havia soldados do Exército, da Polícia Militar e trabalhadores. Não tinham um programa político. O objetivo era derrubar o Governo Artur Bernardes e adotar um regime democrático no país. Segundo o historiador Hélio Silva, a marcha “não era uma retirada militar, nem tinha um plano guerreiro. Destinava-se a manter acesa a chama revolucionária. Tornou-se o grande assunto da imprensa e dos líderes da oposição”. O general Isidoro Dias Lopes, logo após o 5 de julho de 1924, escreveu que, apesar do Brasil ser “fantasticamente rico”, “está falido e não pode pagar os fabulosos juros de sua fabulosa dívida, apesar dos milhões de contos de réis extorquidos ao povo nestes últimos 20 anos”. O general Olinto de Mesquita Vasconcelos, na retirada de São Paulo, em 7 de setembro de 1924, doou terras aos índios das barrancas do Paraná e conclamou-os a “varrer o capitalismo do Brasil”, pois, “só haverá realmente povo, quando desaparecerem as castas. O comunismo é o único processo capaz de resolver esse problema”, disse. Mas este não era o pensamento dominante do Tenentismo. Segundo Prestes, ele, Siqueira Campos, João Alberto, Juarez Távora, haviam sido criados nas cidades e no litoral e não conheciam a situação dos homens do campo, “tão miserável, apesar de conhecermos as favelas das grandes cidades. O quadro era realmente de horrorizar. O que vimos pelo interior de Mato Grosso, Goiás, Nordeste, foi miséria e exploração. Além disso, em condições sanitárias terríveis”. O general Emídio da Costa Miranda contou: “O nosso pensamento político se resumia em levar a Revolução ao maior número de Estados e durar o maior tempo que fosse possível em armas, provando-se, com isso, a incompetência do Governo, por um lado, e, por outro lado, o que poderia fazer o povo, em seu próprio benefício, se resolvesse se organizar e reagir”.

Lourenço conta: “Nunca destruímos as repartições públicas e apenas inutilizávamos os troncos, gargalheiras e correntes que encontrávamos nas cadeias e as horríveis palmatórias que existiam nas escolas para o esbordoamento das crianças. ... Os documentos que destruímos publicamente eram os livros e as listas de cobrança dos impostos para livrarmos o povo, pelo menos por algum tempo, das extorsões do Governo”. Em Goiás, lembra ele, “estava preso, numa corrente, na cadeia pública, um preto, acusado da prática de um homicídio. Absolvido pelo júri, contra ele fora lavrada sentença condenatória de 30 anos de prisão celular, por se achar o juiz inteiramente embriagado. E, como o seu advogado não houvesse apelado da iníqua decisão, jazia encarcerado havia onze anos, tendo passado os sete primeiros num tronco e os quatro últimos naquela corrente”. O negro foi libertado pelos revolucionários e seu processo queimado.

Durante a Coluna, Prestes teve seu primeiro contato com o Partido Comunista, através do dirigente pernambucano Cristiano Cordeiro, que foi encontrá-lo durante a preparação do ataque a Teresina, no Piauí, para saber se apoiaria um programa de reivindicações da classe operaria, pois preparava um movimento reivindicatório em Recife; mas a Coluna não chegou a Recife. Na Bolívia, os revolucionários entregaram as armas e foram trabalhar numa companhia inglesa, por um ano, e os soldados, pouco a pouco, voltaram ao Brasil. Os oficiais ficaram, principalmente, na Argentina e Uruguai. Prestes ficou na Bolívia, depois Argentina, e, depois de aderir ao Partido Comunista, foi para a URSS. Além do exemplo vigoroso de luta por um Brasil voltado para os brasileiros, a Coluna revelou um líder do gabarito de Prestes que, no dizer do general Miguel Costa, “era o exemplo perfeito. Sua austeridade

de costumes, sua humanidade, davam, com efeito, o exemplo constante. E note-se: a vida na Coluna não era amena. As condições do voluntariado eram ditas com fraqueza a quem quisesse entrar na luta. ‘Aqui não tens soldo, não tens cavalos, não tens espingarda, uniformes, vencimentos. Escolhe. Deste lado, está a verdade, não tens roupa. Do lado do governo, tens armas, munições; uniformes, vencimentos. Escolhe. Deste lado, está a verdade a honra. Do lado do governo...’ O voluntário escolhia, sabendo muito bem o que escolhia. A Coluna encarnava o heroísmo a abnegação, o patriotismo. Deu-nos grandes ensinamentos militares; mostrou a fibra do homem brasileiro, deu a medida da grandeza de nosso povo. É também um símbolo de juventude heroica, porque os comandantes na Coluna eram quase todos jovens. Prestes estava em plena mocidade. Moço, bem moço, mostrava o sou imenso desinteresse pessoal, o estoicismo, a confiança no seu ideal, queria servir unicamente à Pátria. E víamos, durante a marcha, o ‘vasto hospital’ no sertão, a escravização, o analfabetismo do nosso povo. Uma das lições da Marcha era que o Brasil reclamava reformas radicais para vencer o sou atraso, progredir. Não sou comunista. Mas creio que todo homem honesto, seja católico, seja espírita, de ideias diferentes, não pode negar esta verdade: Prestes é um homem de bem”.

Segundo Edmar Morel, a bibliografia sobre a Coluna envolve mais de 5 mil livros, artigos e reportagens, em português e outros idiomas.

Os tenentes tinham grande amor pelo Brasil e desejavam vê-lo grande e respeitado, e esperavam que o povo os ouvisse. O Tenentismo pretendeu purificar o regime republicano, despojá-lo dos desvios, dos erros, dos desmandos que a realidade brasileira lhe impusera. “... no rastro da Coluna ficava a Esperança”, escreveu Jorge Amado.

Recentemente, no mês passado, a União da Juventude Socialista (UJS), em meio às atividades que marcam os 50 anos do golpe de 1964, realizou o projeto “Lutas que construíram o Brasil: da Coluna Prestes à Guerrilha do Araguaia”. Um grupo de 40 jovens visitou e percorreu trechos pelos quais passaram esses dois levantes. Em Palmas, visitaram o “Memorial Coluna Prestes”, onde assistiram filmes

e debates sobre esse movimento revolucionário. Depois, foram para Xambioá, São Geraldo do Araguaia, Vila Santa Cruz dos Martírios e Marabá, ambiente onde ocorreu a guerrilha de militantes do PCdoB contra a ditadura militar no país. O objetivo foi desenvolver atividades pedagógicas junto aos moradores locais, promovendo a integração, da mesma forma como os guerrilheiros fizeram na década de 1970. Em Marabá, houve uma sessão oficial da Comissão de Anistia.

O Brasil mudou, para melhor. Em especial nos últimos dez anos, nos governos Lula-Dilma, quando vivenciamos uma vigorosa inclusão social em todas as regiões do país. Estamos também acertando contas com o nosso passado, valorizando nossos heróis, reescrevendo a nossa história para incluir, nela, as lutas e personagens ligados à construção de uma nação justa e soberana. Os mandatos dos constituintes comunistas de 1946, inclusive do senador Luís Carlos Prestes, foram restituídos. Também foram restituídos os mandatos do presidente João Goulart e dos parlamentares federais cassados pela ditadura imposta em 1964. A Grande Marcha segue nas lutas do povo e nas atividades da juventude, para fazer avançar o Brasil que a Coluna Prestes descortinou.

Encerro com as palavras do general Henrique Cunha, outro participante da Coluna Invicta:

- A melhor homenagem que se pode prestar aos heróis revolucionários que se sacrificaram por um Brasil progressista, economicamente independente, é manter e conservar em mãos firmes a bandeira libertadora dos 5 de julho. E’ um dever que incumbe a todos os brasileiros patriotas: conquistar a libertação econômica da nossa pátria; lutar em defesa do nosso patrimônio, de nossas riquezas minerais estratégicas e radioativas, de nosso petróleo, contra a cobiça dos trustes internacionais, de lutar sem desfalecimento pelo prosseguimento da industrialização do pais, garantia de nossa segurança e defesa; de lutar por uma reforma agrária que elimine a miséria, a fome, as doenças e o abandono dos campos; de lutar pelo respeito ao exercício dos mandatos conferidos pela vontade soberana do povo livremente expressa nas urnas; de lutar pelo ideal de paz, pela proibição de guerras de conquista, consagrado em todas as nossas Constituições, enfim, manter bem vivo o espírito de confraternização com o povo nas suas lutas pelos ideais de independência econômica, de paz, democracia e progresso. É esta a melhor maneira de homenagear aqueles bravos revolucionários e sermos dignos de suas gloriosas tradições.


Este texto não substitui o publicado no DCN de 21/05/2014 - Página 8