Discurso durante a 100ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Estranhamento pela população brasileira não se impactar com indicadores sociais deficitários da mesma forma como ocorreu em relação à derrota brasileira em partida da Copa do Mundo.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ESPORTE, POLITICA DE DESENVOLVIMENTO.:
  • Estranhamento pela população brasileira não se impactar com indicadores sociais deficitários da mesma forma como ocorreu em relação à derrota brasileira em partida da Copa do Mundo.
Publicação
Publicação no DSF de 10/07/2014 - Página 45
Assunto
Outros > ESPORTE, POLITICA DE DESENVOLVIMENTO.
Indexação
  • COMENTARIO, ATUAÇÃO, POPULAÇÃO, REFERENCIA, ELIMINAÇÃO, BRASIL, CAMPEONATO MUNDIAL, FUTEBOL, CRITICA, AUSENCIA, INTERESSE, PESQUISA, INDICE, DESENVOLVIMENTO SOCIAL, DESENVOLVIMENTO ECONOMICO, PAIS.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores e Srªs Senadoras, o Brasil é um país privilegiado. Nós sabemos desse privilégio na natureza, nas características do povo, mas há um privilégio na História: é o fato de que nós não temos nenhum dos traumas que outros países têm nas suas histórias.

            Nós nunca perdemos uma guerra e nos rendemos. A Alemanha sofreu duas derrotas e rendições em um mesmo século: uma delas faz 100 anos agora, quando perdeu a Primeira Guerra Mundial - um trauma, o 18 de novembro de 1914; um trauma, creio, o 8 de maio de 1945.

            Os Estados Unidos tiveram o trauma de presidentes, se não me engano, quatro, assassinados; cada um deles deve ter provocado um trauma muito grande. Nós não tivemos o trauma da França, que foi um país invadido, ocupado durante quatro anos pelo exército alemão.

            Nossos traumas se resumem ao suicídio de um presidente, que naquele momento gerou um grande trauma nacional, e, por incrível que pareça, o trauma, 60 anos atrás quase, em 1950, 64 anos, quando perdemos uma Copa do Mundo para o Uruguai, no último minuto.

            Agora, a sensação que nós temos de ontem para hoje é de um grande trauma nacional por causa da derrota que nossa seleção sofreu diante da Alemanha, e, claro, o trauma, alguns dias antes, com o acidente que sofreu o nosso grande jogador Neymar. O dia do acidente de Neymar, quando soubemos que ele não jogaria e que ele estava sofrendo, que ele estava ferido, esta é a palavra, nós sofremos um trauma nas proporções que outros países sofrem também.

            Nós temos todas as razões, pela característica de sermos o país do futebol, de termos os melhores jogadores do mundo há décadas, nós temos toda a razão de sofrermos o trauma que sofremos ontem, com a derrota para a Alemanha ou com a perda do Neymar nesses próximos jogos.

            Mas, Sr. Senador Alvaro Dias, o que me impressiona é como nós não temos outros traumas. Por exemplo, nós estamos profundamente abatidos no Brasil inteiro porque perdemos de 7 a 1 para a Alemanha, mas jamais nos lembramos de que a Alemanha teve 102 Prêmios Nobel, nós não tivemos nenhum.

            Com toda a tristeza que sinto pelo fato de termos sido derrotados e com um escore tão grande, do ponto de vista do interesse nacional, do ponto de vista das consequências para o futuro, o fato de estarmos perdendo de 102 a zero, no campeonato de Prêmio Nobel, que estamos perdendo para a Alemanha, é muito mais grave para o futuro do País do que a derrota de ontem, que, daqui a alguns dias, meses, anos, nós esqueceremos, sobretudo se, em 2018, ganharmos a Copa e o hexa que perdemos este ano.

            Nós não nos traumatizamos, no dia 14 de março de 2013, quando foi divulgado o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) do Brasil, que nos deixou em 85º lugar, entre 106 países analisados. Vejam o que estou falando: entre 106 países, entre os quais os mais pobres do mundo, como o Haiti, os países africanos, alguns países da América, entre todos esses 106, nós ficamos em 85º - quase lanterninha -, e não nos traumatizamos. E nós nos traumatizamos por sermos o quarto ou até o terceiro em futebol.

            O mundo inteiro selecionou seus times. Chegaram a um grupo deles aqui. Aqui, foram sendo eliminados. O nosso chegou ao último estágio, que são os quatro finalistas. Não chegamos à finalíssima, mas chegamos à anterior. Na pior das hipóteses, sairemos dessa Copa como a quarta melhor seleção de futebol do mundo. E o Brasil está de luto, num sofrimento que dói na gente, sobretudo quando a gente vê as crianças que choraram no estádio e nas ruas pela derrota que elas não esperavam.

            Nós nos traumatizamos por sermos o quarto, no dia de ontem, mas nós não nos traumatizamos no dia 3 de dezembro de 2013, quando foi divulgada a classificação do Brasil na educação, entre 65 países, e ficamos em 58º. Uma avaliação que analisa 65 países, feita pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, da Europa, deixa-nos em 58º, e não houve nenhum trauma no dia 4 de dezembro, dia seguinte à divulgação desse resultado. Aquele é um campeonato que não gerou nenhuma tristeza, mas cujas consequências para o Brasil são muito mais trágicas.

            Nós não tivemos o menor constrangimento, o menor trauma, a menor tristeza, quando, no dia 1º de março de 2011, a Unesco divulgou a sua classificação da educação, para 128 países, e nos colocou em 88º. Ou seja, um dos piores.

            E, quando a gente fala em 120 países, estamos incluindo aí os mais pobres do mundo, não estamos incluindo apenas os países da elite, não estamos incluindo aí os países dos BRICS, não estamos fazendo isso apenas pelos emergentes; se fizéssemos entre esses, provavelmente seríamos os últimos.

            Temos toda a razão emocional de estarmos tristes por termos sido excluídos da finalíssima decisão de quem será o campeão deste ano. Temos toda a razão de estarmos tristes, porque ainda não foi este ano que ganhamos o hexa, mas também precisamos ficar tristes com as outras classificações nossas, no que se refere ao estado social da nossa população, no que se refere ao quadro educacional, no que se refere a nossa posição, entre os países do mundo, que perde de 103 a zero em prêmios Nobel para a Alemanha. Isso é mais grave! Todo o direito da tristeza, mas não esqueçamos as outras razões para sofrer também, até porque são essas outras razões de sofrimento que nos levariam a superar os nossos problemas e aí até o campeonato de futebol pode chegar melhor.

            Precisamos ver, nessa derrota - que, se formos olhar, nos deixa entre um dos quatro melhores -, aquilo que o jogador David Luiz disse no final do jogo, transmitido pela televisão, ainda dentro do campo, onde ele, chorando, disse o seguinte, Senador Paim: “Desculpa, por não ter feito vocês felizes nesta hora”. Você vê que grandeza, ele não disse que estava triste por não ser campeão, ele, do mundo. Ele estava triste por não ter feito a nós, os brasileiros, felizes nessa hora. E ele disse: “Mas aqui tem um cidadão disposto a ajudar a todos”, ou seja, a derrota foi de um jogo, não foi a derrota de uma história. E continua: “Eu só queria dar alegria para o meu povo que sofre tanto por tanta coisa”. Esse sentimento vindo dele confesso que me surpreendeu, quando ele lembra: “queria dar uma alegria para esse povo que sofre tanto por tanta coisa”. E ele diz: “Queria pedir desculpa”, outra grandeza, “só queria fazer meu povo sorrir pelo menos no futebol”.

            Veja que sentimento esse rapaz teve. Sair daquela derrota chorando e lembrar-se do povo, lembrar-se do sofrimento do povo e lembrar-se, como ele diz, de o povo sorrir, pelo menos no futebol.

            Esse sofrimento fica restrito ao futebol - e por isso nós damos tanta importância - porque não estamos fazendo o dever de casa no resto, porque não estamos fazendo a luta para sermos campeões mundiais na educação, para sermos campeões mundiais no saneamento, para sermos campeões mundiais, por exemplo, na paz das cidades. Nós não estamos fazendo o dever de casa para o Brasil ser melhor. E aí sofremos porque o Brasil não é campeão de futebol. Sofremos porque o Brasil não é campeão mundial de futebol este ano - já foi cinco vezes até -, mas sofremos porque não estamos fazendo um Brasil melhor.

            Quando eu vi o David Luiz pedindo desculpas, eu pensei: quem devia estar ali pedindo desculpas éramos nós os Senadores, os Deputados, os Ministros, os Governadores, a Presidente da República, porque somos nós que estamos em campo para fazer um Brasil melhor.

            Eles estavam em campo para fazer o Brasil campeão. Nós estamos em campo para fazer um Brasil melhor e não estamos conseguindo chegar nem ao quarto, nem ao décimo, nem ao vigésimo, nem ao quinquagésimo lugar. Estamos chegando ao octogésimo oitavo no Índice de Desenvolvimento Humano. Estamos chegando ao quinquagésimo oitavo entre sessenta e cinco no índice da educação. Estamos chegando ao octogésimo oitavo entre cento e vinte em educação, pela Unesco.

            Nós não pedimos desculpas, Senador Paim, mas o David Luiz pediu desculpas por ser quarto ou talvez até terceiro, ainda. E esses jogadores estão sendo execrados porque são quarto ou terceiro. E o povo não está fazendo o mesmo com a gente, que não consegue ser nem perto dos melhores nas condições sociais. Agora na própria economia, que vive um atraso histórico do qual não saímos por falta de educação, de ciência, de tecnologia.

            O campeonato de futebol é uma coisa que toca muito na alma do brasileiro e nós temos que sofrer por isso. Mas é lamentável que a gente não sofra pelos outros indicadores terríveis dos outros campeonatos que o Brasil enfrenta na saúde, na educação, no ensino superior, na ciência, na tecnologia, na paz das ruas, na eficiência econômica, na competitividade com os outros países, em que somos uns dos piores.

            Nós precisamos, eu diria, é sofrer também por outras razões. Eu garanto que, a partir do sofrimento dessa derrota de ontem, nós vamos chegar muito melhor na Copa de 2018, lá em Moscou. Eu garanto! Eu garanto como este País vai fazer aquilo que se chama um repto, que é da tragédia tirar força para melhorarmos nossa Seleção.

            E por que não fazemos o mesmo cada vez que lemos os resultados do campeonato da educação e o Brasil entre os últimos? E por que não fazemos nada quando vemos o resultado do Brasil no campeonato do bem-estar social? E não fazemos nada!

            Eu acho que dessa derrota a Seleção vai tomar uma lição. Os dirigentes de futebol vão tomar uma lição, os jogadores vão tomar uma lição, e eles voltarão melhor.

            O que eu não acredito é que nós vamos fazer uma reflexão de que o único campeonato que o Brasil enfrenta não é o de futebol. Vou mais longe! O mais importante para o futuro do País não é o campeonato de futebol, embora esse toque mais na alma da gente. O maior campeonato que estamos perdendo e que é a base de tudo neste País são as condições sociais, são as possibilidades de eficiência na economia, e a educação e a segurança. Esses são os campeonatos que devem fazer com que nós brasileiros trabalhemos para superar.

            O David Luiz deu todo o seu esforço e nos colocou primeiro entre as seleções selecionadas para a Copa, porque muitas ficaram de fora; depois, nos fez passar para as oitavas, para as quartas e agora estamos nas finais, e, apesar disso, ele nos pede desculpas, ele nos pede desculpas por não ter feito o povo sorrir, pelo menos no futebol - como ele disse -, pelo menos no futebol, mas não basta só o futebol. Pelo menos no futebol, porque essa é a tarefa dele, mas aqui, para nós, não basta o futebol. E nós estamos muito pior classificados do que esses 23 meninos conseguiram nos colocar.

            Sofri ontem como qualquer brasileiro, mas eu quero agradecer aos jogadores que nos colocaram nessa posição.

            E quero agradecer, especialmente, ao que eu ouvi do David Luiz, quando ele dá esta lição para nós: “Eu só queria fazer meu povo sorrir, pelo menos no futebol”. Você não conseguiu, David Luiz, fazer o povo sorrir no futebol, mas você conseguiu despertar pelo menos uma pessoa...

(Soa a campainha.)

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - ... para o fato de que nós não estamos conseguindo fazer o povo sorrir pelas outras coisas das quais eu sou um dos responsáveis. Desculpa, David Luiz.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/07/2014 - Página 45