Discurso durante a 101ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Críticas ao Governo Federal pela maneira supostamente improvisada de agir, em especial no que tange à edição da medida provisória que propõe fórmula alternativa ao fator previdenciário; e outro assunto.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL:
  • Críticas ao Governo Federal pela maneira supostamente improvisada de agir, em especial no que tange à edição da medida provisória que propõe fórmula alternativa ao fator previdenciário; e outro assunto.
ECONOMIA:
Publicação
Publicação no DSF de 19/06/2015 - Página 220
Assuntos
Outros > GOVERNO FEDERAL
Outros > ECONOMIA
Indexação
  • CRITICA, AUSENCIA, PLANEJAMENTO, DECISÃO, GOVERNO FEDERAL, MOTIVO, IMPRUDENCIA, ENFASE, VETO (VET), PROJETO DE LEI, ALTERAÇÃO, FATOR PREVIDENCIARIO, DEFESA, NECESSIDADE, POLITICA, LONGO PRAZO, ESTUDO PREVIO, OBJETIVO, ADAPTAÇÃO, PREVIDENCIA SOCIAL, AUMENTO, POPULAÇÃO, ADULTO, IDOSO.
  • COMENTARIO, PEDIDO, TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO (TCU), ESCLARECIMENTOS, GOVERNO FEDERAL, ENFASE, DILMA ROUSSEFF, PRESIDENTE DA REPUBLICA, ASSUNTO, TENTATIVA, MANIPULAÇÃO, FINANÇAS PUBLICAS, RETIRADA, DINHEIRO, FUNDO DE GARANTIA POR TEMPO DE SERVIÇO (FGTS), ADIANTAMENTO, PAGAMENTO, BANCO NACIONAL DO DESENVOLVIMENTO ECONOMICO E SOCIAL (BNDES), DESTINATARIO, UNIÃO FEDERAL.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, vou falar de algo que eu não gostaria de falar: a improvisação que está dominando a ação do Governo da Presidente Dilma. Essa improvisação poderá levar-nos a situações que irão além das dificuldades, além da crise, e nos causar tragédias políticas, como pode acontecer diante da possível recusa, daqui a 30 anos, da aprovação das contas pelo Tribunal de Contas da União. Nós não sabemos o que acontece neste País se o Tribunal, de fato, recusa as contas diante das dificuldades da Presidente para explicar as dificuldades, os pacotes, as pedaladas, as contabilidades criativas, tudo isso que nos leva a essa improvisação.

            Comecemos por uma de ontem: o veto ao fator previdenciário é resultado de uma improvisação. Veja que não estou dizendo que foi errado o veto. É muito fácil, do ponto de vista eleitoral, chegar aqui denunciando o veto - não vou entrar nesse detalhe.

            Quero mostrar que foi fruto não necessariamente da decisão correta, mas da improvisação, porque foi, sobretudo, feito para garantir a retomada da credibilidade diante do chamado mercado, diante das autoridades econômicas, diante dos agentes econômicos. Sabe-se que, se ela não vetasse o fator, a credibilidade do Ministro Levy, da política de ajustes levaria, provavelmente, a uma situação de dificuldade. Ou seja, o veto foi feito não porque deveria necessariamente ser feito, mas porque precisava dar a impressão de que está fazendo uma política séria. Agora, veja bem, se, para dar a impressão de uma política séria, é necessário vetar o fim do fator previdenciário, houve o resultado de uma improvisação quando se acabou o fator previdenciário - e eu disse isso aqui.

            É claro que nós todos sentimos, lamentados uma vergonha, que é o fator, que tira dinheiro do aposentado, mas há duas maneiras de enfrentar isso, Senador. Uma é a maneira simples, rápida, dizendo: “Acabamos o fator.” A outra é sentarmos e discutirmos a crise da Previdência, que é muito maior do que apenas quanto nós recebemos, qual é o fator.

            Nós estamos na véspera de uma inversão demográfica, em que o País vai ter o número de jovens proporcionalmente menor do que deveria ser do que de adultos aposentados. Isso exige reformas. Nós não estamos querendo enfrentar essas dificuldades e ficamos fazendo improvisações.

            Eu pedi aqui ao Senador Renan que faça um grande debate, como ele tem feito em outros setores, sobre dois aspectos: a Previdência e a demografia no Brasil. Os dois têm que ser analisados juntos. Como é que vai ser a pirâmide etária, a pirâmide da população por idade?

            Ela pode ser de muitos jovens e poucos adultos, ou pode ser com poucos jovens e muitos adultos. E pode chegar a isso, com o aumento da esperança de vida. Alguns países já estão assim, o Japão, hoje, é um país assim.

            Nisso nenhuma previdência se sustém, a não ser que ela se adapte. A adaptação da Previdência à realidade demográfica não está sendo feita. Isso, porque improvisamos.

            Mas não é essa a única improvisação do Governo. O Governo Dilma, na sua política econômica, tem-se caracterizado pelas improvisações dos pacotes que o Ministro Mantega fazia todo dia, como se fosse um embrulhador de problemas, e, não, um solucionador dos problemas. Um dia era um pacote, desonerava-se, para vender mais carros, mas, aí, gerava-se um déficit na conta e tinha-se que aumentar a conta, aí se gerava uma pedalada, para dizer que não havia déficit.

            Ele embrulhava e escondia os problemas - embrulhava e escondia! -; embrulhava com os pacotes e escondia com as pedaladas. O resultado é que um governo de pacotes e pedaladas termina caindo na situação em que nós estamos. Escondia com pedaladas, também com a contabilidade criativa e fazia pacotes para ver se saía da crise, e o resultado é onde nós estamos.

            Nós temos que sair da improvisação, e um item fundamental é esse da Previdência.

            O Senador Renan criou uma comissão para estudar a MP que a Presidente mandou substituindo o fator previdenciário anterior, que foi extinto no voto aqui e que ele vetou a extinção, logo voltou, e imediatamente ela fez uma medida provisória que mantém o fator, mas que vai modificando o fator ao longo dos anos.

            Não está ruim. Não estou aqui dizendo que a proposta da Presidente seja ruim. Não estou. E olhe que poucos aqui tiveram a coragem de dizer isso. A maioria aqui foi pelo simplismo. O que estou dizendo que está ruim é a improvisação. É não discutir com seriedade, é não aprofundar o tema.

            O Presidente Renan criou uma comissão para estudar essa MP, como é praxe aqui. Espero que essa comissão também não fique apenas na improvisação de saber o que a população de hoje quer, o que os aposentados de hoje querem. Mas que olhem os aposentados daqui a trinta anos, que são nossos filhos e netos. Nós temos obrigação aqui de olhar não apenas para aqueles da nossa idade, mas também para os nossos filhos e netos, e eu diria até bisnetos. E isso exige seriedade, exige sair da improvisação.

            Nós continuamos a ser um país de improvisação. Os problemas estruturais são relegados. Os problemas estruturais que exigem soluções de fato, como educação de qualidade, a gente não faz, fica também improvisando na educação, criando, um dia aqui, um Fundeb, um dia ali, a merenda, um dia ali, o Fies, um dia ali, o ProUni. Tudo bom, mas tudo improvisado. E tudo simplista e tudo superficial. Cadê a radicalidade de fazer com que neste País a educação passe a ser da maior qualidade e para todos?

            Não enfrentamos. Ficamos, dessa forma, como o país do improviso, regido por medida provisória e por pacote.

            Medida provisória em si já é improvisação. Uma lei não é improvisada, uma lei passa por comissões, uma lei é debatida, uma lei recebe aqui as pressões dos grupos e, no fim, é votada, depois de meses, de anos de debate. Pode até ser lento, mas não é improvisado. Só que não é assim que a gente tem feito.

            O que temos feito é procurar apenas a solução de curto prazo, sem olhar as consequências no longo prazo. Isso é improvisação.

            O Governo tem sido prolífico em fazer medidas provisórias, uma quantidade de medidas provisórias para resolver problemas que mereciam uma solução mais detalhada, que contemplasse um largo debate com o Congresso Nacional e com a sociedade. No lugar disso, soluções de afogadilho. 

            Não vai dar certo. Diminui a crise, mas não dá certo, porque daqui a dois, três anos, ou menos, vai ser preciso outro pacote, vai ser preciso outra improvisação. Nós não precisamos de improvisação, precisamos de políticas de longo prazo. Não precisamos de medidas provisórias, precisamos de leis concretas, longas, que durem, para que a gente saiba como vai ser o futuro da gente, para que a gente saiba como vai ser o futuro dos nossos filhos, e que os nossos filhos, hoje adolescentes, crianças já de uma idade maior, saibam como será o futuro deles. Eles não sabem qual será o futuro deles. As decisões que nós estamos tomando aqui não levam em conta como será o mundo do futuro para as nossas crianças. E isso é uma irresponsabilidade que se manifesta nas improvisações que estão sendo feitas.

            A Medida Provisória nº 676, que altera a Lei nº 8.213, dispõe sobre planos. O que ela traz? Ela foi editada apenas porque o Governo foi pressionado pelo Congresso a agir sobre o tema da Previdência Social. Aí já é outra prova da improvisação.

            Essa medida provisória que a Presidente fez não existiria se o Congresso não tivesse extinto o fator previdenciário. Mas o fator previdenciário foi feito pra durar pouco tempo, ele tinha que acabar um dia. Ao invés de a gente discutir como acabar, a gente acabou. É diferente, como acabar e acabar. Nós não discutimos com clareza as consequências disso.

            Tive um debate aqui com o Senador Paim em que ele apenas dizia que não haveria déficit, e eu disse: “Os dados que me passam é que haverá, sim, um déficit trágico”. Os dados do Governo parecem que chegaram à mesma conclusão.

            A Presidente vetou ontem, ontem foi o veto, que flexibilizou a aplicação do fator. Ou seja, ela disse: “Vamos mudar o fator”. Por que ela não tomou essa iniciativa antes? Em 1º de janeiro de 2017 vai ser um; em 1º de janeiro de 2019, outro; em 1º de janeiro de 2020, outro; em 1º de janeiro de 2021, outro; em 1º de janeiro de 2022, outro.

            Eu não vou discutir se está certo ou errado porque não deu tempo de ver. Mas eu pergunto: por que ela não fez isso antes? Por que não mandou um projeto de lei para cá, substituindo o fator previdenciário, que é considerado maldito por todos? E é mesmo, só que, às vezes, certas coisas malditas são necessárias, como tomar injeção na veia. É chato injeção na veia, é maldita a injeção na veia, mas, às vezes, a gente precisa tomar. Mas por que ela não fez isso? Porque improvisou. Está improvisando em cima de um problema que chegou para ela. Aí improvisa. Qual vai ser a próxima improvisação depois dessa? Não sabemos, mas virá alguma, porque improvisação exige improvisação sempre. Não há como você improvisar sem ter que se preparar para improvisar de novo.

            A Previdência Social tem um problema grave e estrutural. Portanto, exige mudanças graves e estruturais, radicais, que levem em conta o tempo para a aposentadoria, que levem em conta o tempo do trabalho, que levem em conta o valor da Previdência, que levem em conta uma coisa esquisita que nós temos, que é diferente, a aposentadoria para quem é do setor público e para quem é do setor privado.

            Isso a gente precisa considerar. Essas são as bases de uma estrutura que não está dando certo. Por que um trabalhador privado tem um sistema de previdência diferente de um trabalhador do setor público? Eu não estou dizendo que tem que abandonar o do setor público e pegar o do privado, nem abandonar o do privado e pegar o público, mas tem que ser um só. O cidadão é brasileiro. Ele não é cidadão público ou cidadão privado. Ele é cidadão. Então, ele tem que ter um sistema previdenciário.

            Tem que se levar em conta a mudança na esperança de vida. Fechar os olhos para isso é um suicídio coletivo dos futuros aposentados, que vão ter o privilégio de viver muitos mais anos do que nós, mas talvez o dissabor de não ter uma previdência que lhes atenda, porque nós estamos queimando o dinheiro da Previdência antes do tempo.

            É estrutural. O fator tinha que ser temporário se o objetivo era adiar a aposentadoria. Isso não aconteceu. Queria se dizer, ao reduzir o valor da aposentadoria: “Então, você não se aposente logo”. Só que, como viram que isso prejudicava, fizemos outra improvisação: a ideia de que o aposentado volte a trabalhar e depois some as duas aposentadorias. Aí o papel do fator previdenciário deixou de servir, como o Paim diz muito bem aqui. Do jeito que está o fator previdenciário não está ajudando a reduzir o déficit da Previdência.

            A proposta que veio de somar o tempo do trabalho com a idade e colocar 85 e 95, de fato, não prejudicaria os primeiros anos, porque as pessoas deixariam de se aposentar, sabendo que, mais adiante um pouco, três, quatro anos, teriam aposentadoria sem o fator previdenciário.

            Só que as análises de muitos - insisto, porque eu me baseio no que outros dizem, nos especialistas em que acredito e confio, pessoas sérias e competentes - é de que arrebentaria totalmente o fundo de onde sai o dinheiro da Previdência em oito anos. Daqui a vinte anos, seria o fim do sistema. Teria que se dizer que a Previdência quebrou, o que seria uma tragédia. E não é para velhos de daqui a muito tempo não, é para daqui a vinte anos, para uma pessoa que hoje está com seus quarenta e cinco, cinquenta anos. Não é muito tempo.

            Então, nós mudamos improvisadamente. A solução para acabar com o fator é negociar a introdução da idade mínima no Regime Geral da Previdência. Isso já aconteceu na maioria dos países. A nova estrutura demográfica do Brasil somente agrava o problema. Não há como ter um sistema previdenciário que funcione bem sem uma idade mínima, não há. Agora, o que a gente tem que levar em conta é que para certos trabalhos, de fato, a idade mínima tem que ser diferente, tem que haver exceções.

            Um trabalhador da cana não trabalha até 70 anos, como um juiz do Supremo trabalha, como um professor universitário trabalha. Aliás, defendo que professor universitário não deveria nem se aposentar, a gente deveria continuar trabalhando sempre, poderia até receber o salário da aposentadoria e continuar trabalhando, como eu tento fazer na Universidade de Brasília.

            Pois bem, a gente vai ter que ter uma idade mínima com exceções para certos trabalhadores que não conseguem. Os trabalhadores físicos não conseguem trabalhar além de uma certa idade. Isso nós fizemos até com os escravos quando fizemos a Lei dos Sexagenários, em que a partir de 60 anos nem escravo precisava trabalhar mais.

            Só que o trabalho escravo hoje é realizado por poucos naquelas condições. Esses, sim, não deveriam nem ser aos 60, mas a maioria, como regra geral, vai ter que ter uma idade limite. Não adianta fugir disso, é uma questão de tempo, que a gente vai adiando porque vai improvisando, mas na hora que quiser sair da improvisação, sim, vai ter que ter uma idade mínima.

            Não estamos querendo discutir isso. O problema é crescente e explosivo. Desde 1996, as receitas têm sido menores que os gastos. Ou seja, o déficit gerado tem sido coberto pelo Tesouro Nacional, ano após ano. Como é que a gente cobre? Alguém poderia dizer: “Bem, se é coberto, então que se cubra. O Tesouro cobre”.

            Gente, quando o Tesouro cobre, só há duas maneiras de se fazer isso: aumentar a dívida ou provocar a inflação. Provocando a inflação, o Governo gasta sem problema, porque o dinheiro se desvaloriza. Aí, a gente vai pagar porque o “salariozinho” da gente chega e já vale menos do que estava acertado.

            Nós não queremos aumentar a dívida porque ela também gera aumento de juros, e, aí, traz prejuízo para quem quer comprar coisas de valor maior do que o salário porque precisa se endividar.

            E a dívida pública gera também inflação. É questão de tempo. Com um percentual do PIB, para se ter uma ideia, os gastos com o INSS aumentaram de 4,81%, em 1996, para 7,1%, em 2014. É muito. Daqui a pouco, dobrou.

            Isso significa que a gente está tirando dinheiro de educação, está tirando dinheiro de saúde, está tirando dinheiro de infraestrutura, está dinheiro de outros gastos de que o País precisa, inclusive os aposentados precisam também. Alguém pode dizer: “Tire dinheiro da educação e ponha para a aposentadoria”. Mas os netos dos aposentados vão ficar sem escola. Ou: “Tira dinheiro de estrada e põe na aposentadoria”. Os velhos vão ficar sem estrada, e a economia vai ficar sem estrada e vai gerar desemprego para os filhos dos velhos aposentados. Outras maneiras, e, aí, a gente improvisa.

            Não dá para continuar assim. Este Governo tem que ser sério. O Congresso tem que agir seriamente. E eu espero que essa comissão que o Presidente Renan vai criar trate o assunto com a seriedade devida, que não fique na improvisação da MP que ela vai estudar, que vá além da medida provisória. Nada impede que a comissão pegue a medida provisória como pretexto e trabalhe, de fato, uma proposta séria, estrutural, radical, que diga ao povo brasileiro.

            E quando eu digo povo brasileiro, eu digo até para os que não nasceram ainda, porque um povo é diferente de uma população. População é quem está aí, povo é quem já veio, quem nos deixou a história e quem ainda virá e viverá a história futura que a gente vai fazer aqui.

            Nós precisamos que a sessão temática para discutir a Previdência Social, que propus ao Presidente Renan no dia da votação da Medida Provisória nº 664, seja feita.

            Eu estou aqui, Presidente, pedindo que o senhor, como Presidente, leve ao Presidente Renan a minha cobrança para convocarmos a sessão temática, para trazer aqui aqueles que dizem que não há déficit na Previdência, e trazer aqueles que dizem que há déficit na Previdência. Vamos ouvi-los, vamos ver os quadros deles projetados aqui, as planilhas, para saber quem é que está dizendo, eu não vou dizer verdade ou mentira, mas quem está dizendo o certo, do ponto de vista das projeções de gastos e de receitas da Previdência.

           Dito isso, eu quero falar de outro tipo de imprevidência. É a imprevidência que provocou o relatório das contas do Governo de 2014, que foi elaborado pelo TCU e divulgado ontem.

            O posicionamento do TCU foi conceder 30 dias para o Governo Federal, e à Presidente em particular. Estamos esquecendo isso. O relatório não foi dirigido ao Governo apenas, foi dirigido à pessoa da Presidente. Ela é responsável pessoalmente também. Isso é muito grave. Não foram ressalvas ao Governo, essa entidade abstrata. Foram ressalvas à figura simbólica da Presidente da República.

            Ele deu 30 dias ao Governo Federal e à Presidente explicarem os graves problemas listados, os quais vou listar aqui. É um gravíssimo ato político feito pelo Tribunal de Contas - e digo “político” não do ponto de vista eleitoreiro, politiqueiro, mas do ponto de vista das consequências na vida nacional. E é uma decisão inédita. Nunca havia ocorrido isso.

            Ao dar esse tempo, reconheceu que há de fato erros, que eu vou ler, e ao mesmo tempo disse: “Mas eu não queremos correr risco de que pareça que não é certo. Nós damos 30 dias para apurar”.

            Veja bem, os problemas apontados nesse denso documento que foi apresentado pelo Ministro Relator Augusto Nardes tem 454 páginas. Não é um documentozinho. São 450 páginas que compõem uma lista de 13 pontos, todos substancialmente fortes.

            Os 13 pontos que a Presidente terá de explicar eu quero dizer aqui. Os jornais têm falado, mas eu quero colocar aqui, para que vejam como é grave. Primeiro ponto: omissão de dívidas da União com o Banco do Brasil, Caixa Econômica, FGTS nas estatísticas da dívida do Governo em 2014.

            É muito grave! É muito grave que um Ministro do Tribunal de Contas faça o seu relatório e os outros aprovem dizendo que houve esconderijo de dívidas. Omissão de vidas quer dizer dívidas escondidas, camufladas. Isso é muito grave.

            Imaginem se nós, nas prestações de contas da gente, omitíssemos dívidas, se escondêssemos dívidas. Imaginem! A Receita não iria dar 30 dias para explicar, não! A gente está dando 30 dias.

            Segundo, adiantamentos concedidos pela Caixa à União, para pagamento de despesas no Programa Bolsa Família, seguro-desemprego, abono salarial, em 2013 e 2014. São as chamadas pedaladas.

            Isso aqui pode até ser justificado socialmente, mas, se foi ilegal, foi ilegal. Bolsa Família, quem é que não quer pagar? Seguro-desemprego tem que pagar. Abono salarial tem que pagar. Mas o Governo tinha que ter dinheiro para isso.

            Aí se diz: “Mas e se não tem? Tem que fazer isso para não deixar o povo sem Bolsa Família”. Só que tem que custear. Mas por que não teve? Porque deu desonerações fiscais à venda de automóveis e outros produtos. Então, não teve o dinheiro porque o Governo foi irresponsável. E eu aqui denunciei tantas vezes isso. Tantas vezes eu disse aqui isso. Tantas vezes eu alertei que o que estava se fazendo ia levar a isso.

            Gasta-se o que não pode e, depois, esconde-se fazendo isso. O Governo adianta. É adiantamento concedido pela Caixa. A Caixa adianta dinheiro. Isso é proibido, mesmo que o objetivo fosse certo, porque, além de não ser legal, foi um adiantamento feito para corrigir um erro, um equívoco do Governo.

            O pior é que a gente pode interpretar que esse erro teve um acerto do ponto de vista eleitoral, foi feito para ganhar voto, foi feito para ganhar a eleição. E agora está pagando.

            O terceiro que o Tribunal mostra são adiantamentos concedidos pelo FGTS à União, para pagamento de despesas no Programa Minha Casa, Minha Vida, em 2010 e 2014 - também pedalada.

            Veja vem, é um belíssimo programa o Minha Casa, Minha Vida. Dar casa para o povo é uma obrigação do Governo, é bonito. Lamento que tantos governos passaram sem fazer isso. E a Presidente Dilma lançou um programa assim. E aí eu fico satisfeito. Lamento que os outros não fizeram, e não que ela fez. Fico contente que ela tenha feito.

            Mas ela tinha que ter feito, primeiro, dentro da lei, porque não é uma ditadura. Há ditadura que faz bem ao povo do ponto de vista do serviço, mas põe na cadeia quem é contra. Se fosse uma ditadura, poderia fazer isso, porque poderia até mudar a lei, fechava o Tribunal de Contas. Mas há o Tribunal de Contas. Há a lei.

            Além disso, por que foi feito assim? Por erros do Governo.

            Outra coisa é tirar dinheiro do FGTS, que é dinheiro do trabalhador. Quem é que vai repor esse dinheiro? Quem? O Tesouro. Quem é o Tesouro? Você que está me assistindo aqui.

            E quando você puser dinheiro do Tesouro lá, você vai perder alguma coisa, porque o Governo vai deixar de gastar com você. Ou você vai continuar recebendo, só que o valor diminui por causa da inflação - é uma maneira de ele enganar também.

            Adiantamentos concedidos pelo BNDES à União para pagamento de subsídios a empréstimos concedidos pelo banco de fomento entre 2010 e 2014. O BNDES não é para isso! O BNDES é para promover o desenvolvimento, não é para fazer adiantamentos à União para pagamento de subsídio. O subsídio foi errado se precisou recorrer ao BNDES. Tem que assumir o erro

            Ausência de uma lista de prioridades da Administração Federal na Lei de Diretrizes Orçamentárias. Isso é uma lei, é constitucional. O Governo tem que mostrar as suas prioridades. Não mostrou, e os ministros do Tribunal de Contas perceberam.

            Pagamento de dívida contratual junto ao FGTS sem autorização orçamentária. Veja bem, sem autorização orçamentária! Passou por cima do Congresso. Isso é coisa de ditadura ou de irresponsáveis improvisadores.

            Excesso de recursos, para além dos valores aprovados - se já aprovou-se um valor, o Governo gasta mais ainda -, por parte da Amazonas Distribuidora de Energia, Araucária Nitrogenados, Boa Vista Energia, Energética Camaçari Muricy e Petrobras Netherlands, Telebrás, Transmissora Sul Litorânea de Energia S.A e Furnas: entidades do Governo Federal fazendo coisas ilegais, obviamente por mando do Governo Federal!

            Pagamento de despesa, sem previsão no Orçamento, de investimentos pela empresa pública Araucária Nitrogenados S.A.; ausência de contingenciamento de R$28,54 bilhões em decreto presidencial de novembro de 2014; utilização da execução orçamentária para “influir” na aprovação pelo Congresso de alteração na legislação que permitiu ao Governo não cumprir meta de superávit primário.

            Quantos de nós viemos aqui dizer que o que o Governo estava fazendo era errado quando mudou a lei para esconder o déficit, mudou a lei para esconder que não cumpria a Lei de Responsabilidade Fiscal, mudou a lei sem passar pelo Congresso, mudou a lei forçando que o Congresso escondesse os erros. Podia até ter feito isso se fosse antes do problema acontecer, mas, depois do problema acontecer, é improvisação para esconder um erro. E nós avisamos, lutamos contra, muitos de nós aqui. E, no fim, conseguiram, no “rolo compressor” que faz com que este Congresso seja responsável pela a maior parte dos erros que o Governo está sendo acusado. Isto aqui se precisa lembrar também: o Tribunal de Contas está jogando a culpa no Governo,

            Mas nós, do Congresso Nacional, somos também culpados, porque não conseguimos impedir, porque fomos tratorados, mas tratorados na base de convencimentos com emendas, nomeações, com benesses. E aí votamos o que o Governo queria, mesmo sabendo que era errado. E agora só o Governo vai pagar? Nós não vamos pagar? O Congresso vai ficar de fora naquilo que foi aprovado aqui? Temos que ser responsabilizados também.

            Inscrição irregular e resto a pagar de despesa de 1,3 trilhão, referente ao Programa Minha Casa, Minha Vida, em 2014; omissão de déficit primário da União em operações com Banco do Brasil, BNDES e FGTS em 2014. Finalmente, distorções materiais que afastam a confiabilidade em parcela significativa de indicadores e metas estabelecidas no plano plurianual.

            O que quer dizer isso, com essas palavras bonitas? Quer dizer aquilo de que acusávamos Delfim Neto na ditadura: de manipular os dados. Manipulação de dados. A gente acusava quando os ditadores faziam isso e agora aceita que um governo democrático faça o mesmo?

            Lembro-me de que, há muitos anos, quando propus a criação de um tribunal para julgar os crimes do desenvolvimento, no regime militar. E um dos crimes que eu punha era manipulação de dados. Vemos que continuam fazendo manipulação de dados, que, felizmente o Tribunal de Contas identifica e faz um documento com essa robustez, essa força, essa coragem e esse cuidado de pedir que a Presidente analise e responda.

            Vou dizer uma coisa, Senador Férrer: sinceramente, desejo que a Presidente tenha explicações para todos esses pontos. Desejo, porque se ela não tiver, vamos ter uma crise muito séria. O que vai acontecer se essas explicações, que ela vier a dar não forem convincentes ao Tribunal e o Tribunal nos mande o relatório dizendo: nós identificamos os seguintes - vou usar uma palavra forte - crimes de responsabilidade? Demos 30 dias e a Presidente não nos respondeu satisfatoriamente. Aí vai o nosso relatório.

            O que vamos fazer? Vamos passar por cima do Tribunal e aprovar? E se aceitarmos o que o Tribunal mandar e recusarmos as contas da Presidente, pela primeira vez, o que vai acontecer?

            Por isso, lamento muito todas essas falhas que a Presidente cometeu e que eu alertei aqui antes, e outros também, e éramos ridicularizados, tratados como, uma vez, até de antipatrióticos porque estávamos criticando o Governo, aqui, me disseram isso, pessimistas, cassandras. Então nós alertamos. Mas eu espero que se chegue à conclusão de que eu estava errado, de que aquelas análises que eu fazia estavam erradas, de que a Presidente estava certa, de que o Ministro Mantega estava certo, de que aquele subsecretário Arno estava certo e de que o Tribunal esteja errado. Eu desejo, porque o Brasil precisa se acalmar.

            E se ela, de fato, estava errada e o Tribunal está de fato certo, nós vamos ter aqui uma situação extremamente complicada politicamente. A não ser - e aí eu não sei como é que reagiríamos - que a Presidente diga: é verdade e eu peço mil desculpas ao povo brasileiro por ter cometido todos esses erros, por ter sido levada à mentira ou a mentir, por usado dados e informações falsas durante a campanha eleitoral que eu venci.

            Se ela pedir desculpas, vamos ver o que fazemos. Eu espero que ela nem precise disso, eu espero que ela seja capaz de explicar tudo diretinho e que, ao final, os ministros do Tribunal de Contas digam: nós, ministros, depois de analisarmos tanto, com tanto cuidado e rigor, nós estávamos errados e o Governo está certo, a Presidente acertou.

            Tudo isso é uma maravilha. Eu espero que aconteça isso, mas, sinceramente, não acredito que isso vá acontecer. Esperar é uma coisa, acreditar é outra. Eu espero, eu até desejo, mas não acredito. Não acredito que os ministros tenham feito um trabalho que seja agora passível de correção pelo Governo em 30 dias.

            E me preocupa, Senador, e termino, que nós vamos passar 30 dias com o relogiozinho contando 30, 29, 28, 27, até chegar ao zero, e nós recebermos a resposta da Presidente. Vão ser 30 dias de suspense neste País e que vão se vencer bem no final do nosso ano legislativo. Não sei se já olharam que o dia 30 acontece um ou dois dias depois da suspensão dos trabalhos legislativos, ou no dia da suspensão do trabalho legislativo. E aí o País vai entrar 15 dias sem o Congresso funcionar, por causa do recesso, e uma crise muito séria entre: ou erraram esses Ministros do Tribunal de Contas ou a Presidente cometeu irresponsabilidades por improvisações muito próximas da palavra crime. Vai ser um momento muito difícil, que não sei se nós estamos preparados para enfrentar com a grandeza que o momento exige.

            Essa é a minha preocupação que eu queria trazer aqui, hoje, Senador, e que eu espero que ajude a fazer com que o Brasil enfrente esse momento.

            Obrigado pelo tempo, Senador Elmano Férrer.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/06/2015 - Página 220