Comunicação inadiável durante a 130ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Repúdio ao ataque contra haitianos, por meio de disparo de tiros, ocorrido em São Paulo.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Comunicação inadiável
Resumo por assunto
DIREITOS HUMANOS E MINORIAS:
  • Repúdio ao ataque contra haitianos, por meio de disparo de tiros, ocorrido em São Paulo.
Aparteantes
Ana Amélia.
Publicação
Publicação no DSF de 11/08/2015 - Página 55
Assunto
Outros > DIREITOS HUMANOS E MINORIAS
Indexação
  • REGISTRO, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, LOCAL, SÃO PAULO (SP), MOTIVO, RISCO DE VIDA, IMIGRANTE, ORIGEM, PAIS ESTRANGEIRO, HAITI, VITIMA, ATENTADO, AUTORIA, MINORIA, POPULAÇÃO, REPUDIO, CONDUTA, DISCRIMINAÇÃO, MIGRANTE, PAIS.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF. Para uma comunicação inadiável. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, estes dias, estes meses, são tempos de falarmos, Senador Gladson, da crise política que o Brasil atravessa, da necessidade de encontrarmos um denominador comum que nos unifique naquilo que nós temos em comum, como a democracia e a garantia das instituições, como não parar as conquistas sociais, como levar adiante a luta contra a corrupção - os pontos que nos unem independentemente dos partidos.

            Sei que é tempo também de se falar da crise econômica. Como atravessar, pela ponte do ajuste, os problemas que vêm do pântano do desajuste - como a Senadora Ana Amélia, inclusive, falou - que foi criado antes?

            Eu sei que é tempo de falar de crise, e falar de outra coisa parece tergiversar, mas não posso deixar de falar aqui - e fico contente que esteja na Presidência o Presidente quase que permanente da Comissão Direitos Humanos, Paulo Paim -, não posso deixar de me manifestar contra o que aconteceu com quatro haitianos na cidade de São Paulo.

            Senadora Ana Amélia, no nosso País quatro haitianos pobres, fugindo de terremotos, de pobreza, buscando sobrevivência no nosso solo, foram alvejados por tiros e ouviram pessoas, aos gritos, dizerem: “Vocês estão aqui roubando nosso emprego!”. Não é possível que um fato como esse passe em branco neste País.

            Nós, por 355 anos, portugueses e brasileiros, fomos à África, entrávamos nas aldeias, sequestrávamos os africanos e os colocávamos em navios negreiros para trazê-los para cá e escraviza-los. O mesmo fizemos com seus filhos, netos, bisnetos, com todos os seus descendentes. E o País nasceu sobre o sangue dos escravos que trazíamos, obrigados, para cá. Agora,  africanos da África, como muitos do Senegal, ou africanos da América, como são os haitianos, vêm para cá buscando sair da fome. E nós queremos expulsá-los, assassiná-los com esses tiros que nós vimos ou, pelo menos, assustá-los para que eles fujam do Brasil! Isso é indigno, isso é absurdo, isso é desumano!

            Aí, quando eu coloco esse assunto nos meus debates, vêm dizer que há um erro histórico, porque quem entrava na selva, segundo as pessoas dizem, não eram os portugueses, eram outros africanos que sequestravam africanos. Até é verdade em muitos casos, não em todos, mas quem manda sequestrar é tão sequestrador como quem sequestra. Ou a gente não vai culpar Hitler por tudo aquilo que ele fez apenas porque ele não estava presente no campo de concentração, ligando as câmaras de gás? Sequestrador é quem sequestra e quem manda sequestrar; escravocrata é quem trafica o escravo ou quem compra o escravo e o pôe para trabalhar. Eram escravocratas todos eles. Não dá para a gente deixar passar isso assim sem um protesto muito grande, não podemos deixar de refletir cuidadosamente sobre o que está acontecendo no Brasil, sobre por que a gente tenta expulsar os poucos imigrantes que aqui vêm.

            Além disso, temos que pensar sobre os nossos 3,5 milhões de brasileiros lá fora. A gente vai querer que os Estados Unidos expulsem mais de um milhão de brasileiros que estão lá trabalhando? Ou eles são diferentes dos haitianos que aqui chegaram? Qual é a diferença entre esses imigrantes e aqueles brasileiros que saíram do Brasil porque não conseguiam sobreviver bem aqui? E olhem que tinham muito melhores condições de sobrevivência aqui do que as que os haitianos e os senegaleses têm em seus países.

            Nós precisamos cuidar disso, Senador Paim. Algo está errado com a consciência do brasileiro, que se dizia homem cordial, mulheres cordiais, quando estamos fazendo coisas desse tipo. E está se generalizando essa xenofobia contra estrangeiros pobres, porque, se forem ricos os que vierem para cá... Comemoramos os turistas que trazem dólares; os que trazem o sangue, querendo sobreviver, estamos querendo expulsar.

            E eu sei que a maioria vai dizer que é hora de pensarmos em nós aqui, que é hora de pensarmos na crise que nós atravessamos e não no fato - como alguns dizem, esporádico - da perseguição a haitianos em São Paulo. Eu considero que a dimensão desse problema não tem as características da nossa crise, mas tem um sinal, uma marca extremamente nefasta diante do que o Brasil quer passar para o mundo. Queremos aparecer como um país perseguidor de imigrantes que aqui chegam querendo sair da miséria ou como um país que é capaz de abraçar essas pessoas como são abraçados em outros países os nossos emigrantes?

            Eu não podia deixar de passar isso como uma comunicação inadiável, Senador Paim, mas quero passar a palavra, com muita satisfação, à Senadora Ana Amélia.

            A Srª Ana Amélia (Bloco Apoio Governo/PP - RS. Sem revisão da oradora.) - Senador, Cristovam, quero aplaudir a manifestação de V. Exª. E vou repetir a primeira palavra, e eu diria a mais forte e a mais emblemática do início dessa sua comunicação inadiável: intolerância. E esse sentimento, Senador, tem que ser banido não só do nosso dicionário, mas das nossas atitudes. No início deste mês, no Município de Charqueadas, um jovem adolescente foi morto na frente do pai por intolerância, apenas por intolerância; não foi para roubar, não foi violência, foi uma intolerância, e por motivo fútil, torpe até. Ele namorava uma menina de outro Município - veja só! -, tinha uma relação... Porque não aceitavam, vinda de um Município do lado, de Charqueadas... E essa intolerância se manifesta contra irmãos pobres, muito pobres, que, como disse V. Exª, saíram de um terremoto que destruiu seu país. Eles vêm em busca de situação mais digna para eles, para ajudar suas famílias. Encontrei em Canela um jovem sendo atendido num hospital. Estava sentado. Perguntei: “Você é de que cidade?” “Eu sou do Ceará.” “Do Ceará? Está visitando?” “Não, eu vim em busca de trabalho, Senadora. Faz dois meses que eu estou aqui.” Veio do Ceará! Imagine se nós não fôssemos aceitá-lo como um irmão, como um gaúcho, como uma pessoa que está precisando de apoio! Como lá o turismo continua em alta apesar da crise, ele foi para lá em busca de uma oportunidade. Então veja, Senador: precisamos banir a intolerância, não só a que se manifesta sob a forma de um gesto condenável que fere os direitos humanos, como esse que aconteceu em São Paulo, mas nós temos que banir a intolerância também no campo político. Cumprimento o Senador Cristovam Buarque.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - Muito obrigado, Senadora.

            Senador Presidente, Senadora Ana Amélia, quando eu vi a notícia, eu lembrei do nosso querido colega Suplicy, que é um dos líderes mundiais no que diz respeito à ideia de se acabar com as fronteiras entre os países, de permitir o fluxo de pessoas como hoje se permite o fluxo de mercadorias e de dinheiro. Imagino a tristeza que ele, Secretário em São Paulo, deve ter sentido ao ver que, na sua cidade, acontece fato - “fato” no singular; não quis botar no plural - como o que aconteceu essa semana.

            Este é o registro que eu queria deixar aqui, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/08/2015 - Página 55