Discurso durante a 26ª Sessão Solene, no Congresso Nacional

Sessão solene destinada a homenagear o centenário de nascimento de Djalma Maranhão.

Autor
Fátima Bezerra (PT - Partido dos Trabalhadores/RN)
Nome completo: Maria de Fátima Bezerra
Casa
Congresso Nacional
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM:
  • Sessão solene destinada a homenagear o centenário de nascimento de Djalma Maranhão.
Publicação
Publicação no DCN de 17/11/2015 - Página 4
Assunto
Outros > HOMENAGEM
Indexação
  • HOMENAGEM, CENTENARIO, ANIVERSARIO DE NASCIMENTO, POLITICO, PROFESSOR, JORNALISTA, EMPRESARIO, ORIGEM, MUNICIPIO, NATAL (RN), ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE (RN).

     A SRª FÁTIMA BEZERRA (Bloco Apoio Governo/PT-RN. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sras. e Srs. Deputados e Senadores, convidados e convidadas, delegação potiguar, ouvintes da Rádio Senado, telespectadores da TV Senado, nesta sessão solene, o Congresso Nacional se reúne para prestar suas justas e merecidas homenagens ao centenário de nascimento de Djalma Maranhão, ex-Deputado Estadual, ex-Prefeito de Natal, ex-Deputado Federal e líder da resistência às ditaduras civis-militares brasileiras, nascido a 27 de novembro de 1915.

     Dentro do calendário alusivo ao centenário de Djalma Maranhão, tomei a iniciativa de apresentar o requerimento para realização da presente sessão. Esse requerimento foi subscrito pelo Senador José Agripino, pelo Senador Garibaldi Alves Filho, que ora preside os trabalhos desta sessão solene, bem como, na Câmara dos Deputados, pelos Deputados Walter Alves e Fábio Faria.

     Na verdade, a realização desta sessão justifica-se não só porque eu tenho a honra de representar o povo do Rio Grande do Norte aqui, mas também pela biografia, história e trajetória de Djalma, um homem visionário que ousou, que lutou para além do seu tempo. Djalma, inclusive, representou o povo do Rio Grande do Norte no Congresso Nacional, quando assumiu, durante um período, o mandato de Deputado Federal.

     Portanto, no Congresso Nacional, nós não poderíamos, de maneira nenhuma, deixar de prestar nossas justas e merecidas homenagens a Djalma Maranhão, pela sua história, pelo homem público que foi, pelo militante das causas sociais que foi, pelo militante em defesa da democracia que foi, pelo militante das forças progressistas que foi. Com essa militância, eu me identifico, seja pela luta em defesa da educação, seja como militante política, seja como militante do meu partido, o Partido dos Trabalhadores.

     O fato é que, desde minha juventude, ao chegar a Natal, vinda da pequena cidade de Nova Palmeira, no Seridó Paraibano, senti que a cidade vivia ares diferentes. Ainda que com os desmandos da ditadura militar, Natal já tinha conhecido Djalma Maranhão e estava impregnada da influência de sua luta por uma sociedade igualitária e por uma educação libertadora e inclusiva, o que me fez admirá-lo cada vez mais.

     Seu legado de resistência, de honradez e de sensibilidade, bem como a dedicação que ele expressou pela educação e pela cultura, certamente tocaram mais forte ainda meu coração de professora, que, assim como Djalma, Paulo Freire, Moacyr de Góes e tantos outros acreditam na força das ideias, na força transformadora da educação e da cultura.

     Portanto, homenagear Djalma Maranhão hoje é reconhecer a importância das forças populares para a construção da democracia. Homenagear Djalma Maranhão hoje, Roberto Monte, é homenagear toda uma geração, é homenagear a geração de Emmanuel Bezerra; de Moacyr de Góes; de Luiz Maranhão; de Mailde Pinto; de Omar Pimenta; do Prof. Hélio Vasconcelos; de Margarida Cortez; da Profa. Diva de Lucena; de Afonso Laurentino, aqui presente; de Ana Maria Cocentino, aqui presente; do Prof. Willington Germano, aqui presente.

     Enfim, homenagear Djalma Maranhão, repito, é reconhecer a importância das forças populares para a construção da democracia, é homenagear, portanto, todos aqueles e todas aquelas que, um dia, sonharam com um País melhor e mais justo e que, por terem cometido esse absurdo “crime”, entre aspas, tombaram perante os algozes dos anos de chumbo.

     Djalma Maranhão nasceu em Natal, no Rio Grande do Norte, precisamente em 27 de novembro de 1915. Filho de Salomé de Carvalho Maranhão e de Luís de Albuquerque Maranhão, Djalma foi um político além do seu tempo e revolucionou o modo de se administrar. Comprometido com as causas sociais, como era, governou com os olhos voltados para o povo.

     Por seu comprometimento com a população mais humilde, foi Prefeito de Natal por duas vezes, sendo a primeira gestão quando ainda vigorava a indicação dos Prefeitos para as capitais. Em 1960, Djalma Maranhão surgiu nos braços do povo natalense, sendo o primeiro Prefeito eleito pelo voto popular da Capital do Rio Grande do Norte.

     Em sua administração, Djalma Maranhão demonstrou toda sua capacidade de trabalho e de liderança política. Aos poucos, conquistou a confiança e o respeito da classe média, aumentando, cada vez mais, seu prestígio com as classes populares. Sua gestão à frente do Município é considerada, ainda hoje, uma das mais progressistas da história de Natal. Progressista, porque veio das bases e governou para as bases.

     Djalma não teve vida fácil, mesmo com todo o respaldo popular com que contava. Encontrou, na Prefeitura de Natal, um grande déficit financeiro, além de a população enfrentando altíssimas taxas de desemprego, analfabetismo e pobreza. Ousou, e essa pode ser considerada a sua principal marca política: a ousadia.

     O programa de Governo de Djalma Maranhão foi forjado nas bases, teve suas origens nos Comitês Nacionalistas, e aí foram definidas as prioridades que o seu Governo deveria ter: a educação e a cultura -- meta número 1 de sua administração. Daí resultou o seu mais importante projeto, um dos seus mais importantes legados, a campanha De Pé no Chão Também se Aprende a Ler.

     Essa campanha foi um importante movimento de educação popular desenvolvido por Djalma à frente da Prefeitura de Natal no período entre 1961 e 31 de março de 1964. Ele atendia aos clamores populares por mais educação e mais cultura.

     A situação do Município era dramática. O número de escolas públicas regredira ao longo dos anos, ao invés de aumentar. Natal contava com uma população de quase 150 mil habitantes, dos quais mais de 30 mil eram analfabetos, entre adultos e crianças.

Foi nesse contexto que surgiu a campanha De Pé no Chão Também se Aprende a Ler, cujo nome surgiu de uma reportagem feita pelo jornalista Expedito Silva, na qual se afirmava, nas palavras de Djalma Maranhão, que, abro aspas, “até de pé no chão também se aprender a ler, querendo dizer que de agora em diante educação não era mais privilégio, pois todos teriam acesso à escola, sem fardas, com qualquer roupa e até mesmo sem calçados”. Sobre isso, o próprio Djalma Maranhão escreveu que “a inteligência não está nos pés da criança”. Por isso, a vestimenta e, mais especificamente, o uniforme não eram um obstáculo à frequência escolar. E foi assim que Djalma foi à luta pela alfabetização dos natalenses.

     É importante destacar o papel fundamental que teve o Secretário de Educação do Município à época, o genial Prof. Moacyr de Góes -- aqui representado pela sua filha Clara --, um entusiasta da educação popular que soube reconhecer o que Natal precisava para dar o salto de inclusão educacional, urgente naquele momento.

     A campanha consistia no seguinte: como a Prefeitura não dispunha de recursos para enfrentar a construção dos prédios escolares, apelou à população para que fosse cedida gratuitamente uma sala, onde seria instalada uma escolinha. A ideia ganhou corpo rapidamente. Sindicatos, sociedade beneficentes, sedes de clubes e igrejas abriram suas portas e ofereceram uma de suas salas para abrigar a escolinha. Em 2 anos, já eram 271 escolas espalhadas pelos quatro cantos da cidade. Além disso, havia também os acampamentos escolares, grandes galpões construídos de palha, destinados à recreação, a reuniões de pais e mestres, bem como a sessões festivas. Era uma escola erguida sem paredes e sem portas, aberta inteiramente à comunidade.

     Mas a campanha foi muito além das escolinhas e dos acampamentos escolares. Ela significou a criação de bibliotecas populares, de praças de cultura, do Centro de Formação de Professores, do Teatrinho do Povo-- até hoje, no Alecrim --, da Galeria de Arte. Significou a formação dos círculos de leitura, a realização de encontros culturais, a reativação de grupos de danças folclóricas. Tudo isso resultou em uma nova e contagiante organização cultural da cidade, na qual o povo participava efetivamente do fazer cultural e não apenas assistia, como mero expectador.

     A campanha De Pé no Chão Também se Aprende a Ler é uma prova de que é possível produzir cultura e educar o nosso povo com criatividade, ousadia e competência, características essas que, repito, eram uma das marcas principais da personalidade de Djalma Maranhão.

     A campanha lidava com a realidade concreta, baseando-se nos ensinamentos do educador o nosso sempre mestre Paulo Freire. Além disso, possuía uma preocupação de associar o trabalho à educação e à cultura, isso porque os aviários e as hortas escolares presentes em alguns acampamentos eram trabalhados pelos próprios estudantes, cuja produção era consumida como merenda escolar. Disso resultou a campanha De Pé no Chão Também se Aprende uma Profissão, cujos cursos profissionalizantes eram votados sobretudo ao artesanato, à datilografia, à enfermagem de urgência e à eletricidade.

     Esse foi um momento muito rico da história de Natal, um momento em que houve uma verdadeira experiência democrática: do povo, pelo povo e para o povo! Volto a repetir, esse foi um dos momentos mais belos da história de Natal, um dos momentos em que realmente pudemos afirmar uma gestão verdadeiramente marcada do ponto de vista da democracia e da participação popular. Não é à toa que os que conviveram com o Djalma Maranhão não se cansam de repetir que foi uma das gestões que marcaram a história política de Natal e um dos Prefeitos mais queridos da nossa cidade.

     O povo queria ser alfabetizado! O povo queria ler, queria cultura, e o Governo de Djalma Maranhão se empenhava em garantir essa prioridade e esse direito.

     Foi exatamente o lado em que Djalma Maranhão escolheu lutar e a coerência política ao longo de toda a sua trajetória que o levaram a ser deposto pelo golpe militar de 64. Colocou a Prefeitura de Natal à disposição de todos aqueles que defendiam a democracia como trincheira na luta contra a opressão, exatamente como foi seu Governo: uma trincheira contra as injustiças, contra a opressão, contra os desmandos e pela igualdade plena.

     Naquele momento, Djalma Maranhão não vacilou. Não vacilou e ficou ao lado da legalidade democrática, ficou ao lado do Brasil. Naquele momento, ele não vacilou, inclusive, quando fez da Prefeitura de Natal, onde chegou respaldado pelo voto do povo natalense, um quartel general em defesa da legalidade democrática. Foi convidado, inclusive, a contemporizar e pactuar na medida em que recebeu dos generais, na época, a proposta de renunciar à Prefeitura de Natal. Em troca, ele não seria perseguido e teria os seus direitos políticos respeitados. E ele não hesitou de maneira nenhuma quando disse que do mesmo jeito que ele havia entrado na Prefeitura de Natal, através do respaldo popular, só sairia da Prefeitura se fosse pelo uso da força, o que de fato, infelizmente, aconteceu.

     Do exílio, Djalma continuou acreditando no Brasil e nos brasileiros e brasileiras que lutavam pela liberdade.

     Escreveu ele, em julho de 1965:

“Meu crime maior foi alfabetizar 25 mil crianças na pioneira campanha De Pé no Chão Também se

Aprende a Ler, reconhecida pela UNESCO como válida para as regiões subdesenvolvidas do mundo,

em um país de humilhante maioria de analfabetos, e lutar para dar ao povo acesso às fontes do

saber, no plano de democratização da cultura. De fazer Feira de Livros, de construir uma Galeria de Arte e estimular o Teatro do Povo. De restaurar e promover a revalorização dos Autos Folclóricos. De

abrir Bibliotecas Populares que estabeleceram recordes nacionais de empréstimos de livros, numa

cidade que não tinha nenhuma biblioteca pública.

(...)

Caso venha a morrer no exílio, peço que o meu corpo seja transportado para Natal. O caixão coberto

com a bandeira da campanha De Pé no Chão Também se Aprende a Ler e que, na hora em que o corpo baixar à sepultura, as crianças da minha cidade, que se alfabetizaram nos Acampamentos Escolares cobertos de palhas de coqueiros, cantem o nosso Hino De Pé no Chão.”

     O hino será tocado para você, Djalma, aqui do Congresso Nacional, daqui a pouco. Será cantado pelo nosso talento potiguar, o cantor Tovar, que aqui se encontra. A bandeira, Djalma, está aqui. Está aqui a bandeira da campanha De Pé no Chão Também se Aprende a Ler. Está aqui para nos espiar cada vez mais na luta incansável em defesa da educação que você sonhou, a educação inclusiva, a educação de qualidade, a educação para todos e para todas.

     Djalma morreu em Montevidéu, na madrugada do dia 30 de julho de 1971, vítima de um colapso cardíaco. Nas palavras do antropólogo Darcy Ribeiro em seu último livro, O Povo Brasileiro -- A Formação e o Sentido do Brasil: “O Prefeito de Natal morreu em Montevidéu de pura tristeza. Nunca quis aprender espanhol, nem o suficiente para comprar uma caixa de fósforos”. Djalma foi sepultado em Natal no dia 2 de agosto. Uma verdadeira multidão compareceu ao seu sepultamento. Contava apenas 55 anos de idade.

     Sr. Presidente, Sras. e Srs. Senadores, convidados e autoridades aqui presentes, mais uma vez, em meu nome, em nome do Estado do Rio Grande do Norte e de todos aqueles e aquelas que me honraram com seu voto, quero reverenciar neste momento a memória de Djalma Maranhão pela passagem de seu centenário de nascimento. Homem de fibra, de caráter como poucos, Djalma foi um visionário, idealista, que não ficou só nos sonhos, homem de ação em favor dos mais pobres e dos mais humildes.

     Ao defender o lema Ser Culto para Ser Livre, do Líder cubano José Martí Pérez, Djalma reafirmava o poder da educação libertária e via na educação o único caminho que o nosso povo poderia seguir para superar o atraso e o subdesenvolvimento.

     Esse, senhoras e senhores, é o grande legado de Djalma Maranhão. Ele provou que é possível fazer política sem se render aos interesses do grande capital; que é possível fazer política com idealismo e paixão, com criatividade e poucos recursos. Esse é Djalma Maranhão: homem que será sempre um exemplo, uma lição de vida a inspirar a todos nós. Esse é Djalma Maranhão: um homem, repito, que será sempre um exemplo, uma lição de vida a inspirar nossa militância política, a militância das causas sociais que nós temos abraçado e a inspirar especialmente a nossa luta incansável em defesa da educação transformadora e inclusiva.

     Nesta sessão solene, estamos relançando a cartilha que ensinou milhares de natalenses a ler e a escrever com consciência crítica.

     Eu gostaria que a câmera do Senado pudesse dar um foco na cartilha utilizada à época na campanha De Pé no Chão Também se Aprende a Ler, repito, que ensinou milhares de natalenses a ler e escrever.

     Quero agradecer, para concluir, à gráfica do Senado Federal e aos seus servidores pelo empenho na republicação desta importante obra. Nossos agradecimentos também ao Diretor da SEGRAF -- Secretaria de Editoração e Publicações do Senado Federal, também natalense, Florian Madruga.

     Antes de encerrar, quero aqui mais uma vez cumprimentar e agradecer pela presença honrosa a nossa querida Ana Maria Cavalcanti Maranhão Fagundes, filha de Djalma Maranhão, que compõe aqui a Mesa dos trabalhos; Haroldo Maranhão Bezerra Cabral, o engenheiro Haroldo Maranhão, também arquiteto e sobrinho-neto de Djalma; Clara de Góes, filha do ex-Secretário de Educação de Natal, Moacyr de Góes; Roberto de Oliveira Monte, Presidente da Comissão do Centenário de Djalma Maranhão no Rio Grande do Norte. Quero agradecer ao querido Prof. José Willington Germano, autor da obra Lendo e Aprendendo -- A Campanha de Pé no Chão, obra esta também que terá mais uma edição via gráfica do nosso Senado.

     Cumprimento aqui também toda a delegação potiguar, começando aqui mais uma vez agradecendo a presença honrosa do nosso Ministro Marcelo Navarro e do Ministro Emmanoel Pereira, a presença muito honrosa para nós do meu companheiro, Deputado Fernando Mineiro, que aqui está representando a Comissão de Educação da Assembleia Legislativa. Sua presença aqui, Deputado Mineiro, é muito importante para mim e para todos nós pelo quanto temos em comum do exemplo que é Djalma Maranhão e das lições que Djalma exatamente nos deixou, para que nós continuemos a nossa luta em defesa da democracia e da educação pública.

Quero cumprimentar aqui igualmente o meu companheiro, o Vereador Hugo Manso, aqui representando a Câmara Municipal de Natal. Muito obrigada, Hugo, pela sua presença. A Câmara Municipal de Natal não poderia também deixar de estar presente na sessão solene que homenageia um dos Prefeitos mais queridos, mais amados do povo de Natal. Quero cumprimentar o Prefeito da nossa capital, Natal, Carlos Eduardo Alves; a companheira Teresa Freire, Secretária de Políticas Públicas para as Mulheres, do Rio Grande do Norte; o Sr.Afonso Laurentino e, em seu nome, todos os demais representantes da delegação potiguar.

     Enfim, Sr. Presidente, todos nós que estamos aqui temos por Djalma Maranhão uma profunda admiração.

Portanto, termino, Senador Garibaldi Alves Filho, dizendo que, quanto mais homens e mulheres seguirem o exemplo de Djalma Maranhão, mais firmes, mais seguros estaremos de caminhar para uma sociedade melhor, mais inclusiva e democrática.

     Viva Djalma Maranhão! Viva Natal! Viva o povo brasileiro!

     Muito obrigada. (Palmas.)


Este texto não substitui o publicado no DCN de 17/11/2015 - Página 4