Discurso durante a 213ª Sessão Especial, no Senado Federal

Sessão Especial destinada comemorar o Dia Nacional da Consciência Negra e entregar a Comenda Abdias Nascimento, em sua 2ª edição.

Autor
Vanessa Grazziotin (PCdoB - Partido Comunista do Brasil/AM)
Nome completo: Vanessa Grazziotin
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM:
  • Sessão Especial destinada comemorar o Dia Nacional da Consciência Negra e entregar a Comenda Abdias Nascimento, em sua 2ª edição.
Publicação
Publicação no DSF de 02/12/2015 - Página 48
Assunto
Outros > HOMENAGEM
Indexação
  • SESSÃO ESPECIAL, OBJETIVO, COMEMORAÇÃO, DIA NACIONAL, CONSCIENTIZAÇÃO, GRUPO ETNICO, NEGRO, ENTREGA, COMENDA, ABDIAS NASCIMENTO.

    A SRª VANESSA GRAZZIOTIN (Bloco Socialismo e Democracia/PCdoB - AM. Sem revisão da oradora.) - A Senadora Lídice está dizendo "com a camisa que eu dei". De fato, foi um presente dessa minha querida companheira, Senadora e amiga Lídice da Mata. Eu digo onde quer que eu vá que, no ano de 1988, Rafael, quando o Congresso Nacional fervia porque discutia a nova Carta Constitucional, a Senadora Lídice, Collares, era Deputada Federal, Constituinte do meu Partido, o PCdoB. E eu era uma jovem estudante que vinha a Brasília lutar pela educação e lutar pelos direitos das mulheres e ficava lá na área de serviço do apartamento da querida Senadora Lídice da Mata.

    Enfim, Srs. Senadores, companheiros e companheiras convidadas, eu quero iniciar, Senador Paim, homenageando V. Exª, que tem sido um lutador das causas e das almas do povo brasileiro. Quero homenagear V. Exª, um grande parceiro deste Senado Federal, homenagear todos os agraciados que receberão aqui a Comenda Senador Abdias Nascimento, todos e todas que estão à Mesa, homenageando aquele em que me inspiro, aquele que tem sido uma luz, uma referência em toda essa minha pequena e humilde trajetória política, que é o nosso querido Alceu Collares.

    Um prazer muito grande em revê-lo, Alceu. (Palmas.)

    Eu tive a alegria de acompanhar um pouco a trajetória de Alceu Collares e de, ao lado dele, como ao lado da Senadora Lúcia Vânia, sermos Deputados Federais juntos.

    Toda vez que eu me pronunciava e descia, eu percebia o quanto ele prestava atenção no que eu estava dizendo, não só no conteúdo, mas também na forma. Ele dizia: "Senadora, não fale assim. Isso fica muito prepotente. Fale sempre assim, chamando as pessoas, comemorando as pessoas, e não apontando de forma autoritária o dedo às pessoas".

    Senador Collares, eu ainda não aprendi a lição, mas todos os dias eu me esforço para falar assim. É uma alegria revê-lo e ver que V. Exª recebe um reconhecimento muito importante do Parlamento brasileiro, do Senado Federal.

    Falar da Senadora Lídice é muito difícil. A Senadora Lídice já foi prefeita da capital Salvador, no Estado mais negro deste País, por isso um dos mais alegres. Eu digo "um dos" porque meu Estado também é um Estado muito alegre e tem uma presença negra não tão forte, mas indígena significativa. É o Estado de maior população indígena, que é um outro segmento da nossa população também muito discriminado, muito sofrido, deste País.

    Não é fácil. Por isso mesmo, eu trouxe aqui alguma coisa por escrito, falando do Dia Nacional da Consciência Negra. Além de homenagear essas figuras que estão à mesa, nós estamos comemorando o Dia Nacional da Consciência Negra, que foi a data da morte de Zumbi dos Palmares, em 20 de novembro de 1695. Simbolicamente representa o reconhecimento da luta história dos negros, mas também indica sua pertinácia e resistência, características essas que vêm gerando cada vez mais conquistas, embora persistam as dificuldades de toda ordem.

    No plano oficial, o reconhecimento se deu primeiro com a Lei nº 10.639, de março de 2003, que tornou obrigatório o ensino da história e culturas afro-brasileiras na rede oficial de educação, valorizando a diversidade e a consciência identitária. Em 2011, a Presidenta Dilma sancionou a Lei nº 12.519, instituindo o Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra e consagrando de vez no calendário honorífico nacional essa data de crucial importância para os movimentos negros e para todos os brasileiros e brasileiras.

    Como Parlamentar, como mulher, como cidadã, portanto, e como titular da Procuradoria Especial da Mulher no Senado Federal, cuja missão é não só zelar, fiscalizar, controlar, mas incentivar e lutar pelos direitos das mulheres, eu não poderia deixar de vir a esta tribuna, comemorando esta data tão importante, em um momento de reconhecimento para tanta gente que tem, na sua história, tantas lutas acumuladas. A melhor e maior de todas as heranças que vocês podem deixar para aqueles que os sucederão é a história da dignidade, a história da luta e a história das conquistas.

    Neste momento, eu quero falar um pouco sobre a situação da mulher, destacar sobretudo a situação da mulher negra. Sei que estou falando aqui para quem mais entende do assunto, não do ponto de vista da teoria, mas do ponto de vista da vivência do dia a dia. Além da desigualdade de gênero, pesam sobre as mulheres negras os preconceitos e opressões que são peculiares à sua cor, tornando duplamente árdua a sua luta e difíceis de transpor os obstáculos para seu empoderamento e para sua plena inserção nos espaços sociais.

    Na semana passada, nós tivemos uma das mais belas atividades, e eu tive a alegria de poder falar em um caminhão de som. Nos últimos anos em que eu estive em Brasília, esta foi uma das mais belas e emocionantes atividades de que eu participei: a Marcha das Mulheres Negras. (Palmas.)

    Eram milhares. Emocionante por quê? Porque eu me dirigi à Marcha, Senadora Lúcia Vânia, depois do que aconteceu. Nós estávamos em sessão do Congresso Nacional - Senadores e Senadoras, Deputados e Deputadas -, no plenário da Câmara, quando a Deputada Benedita chegou e relatou o que havia acontecido com as mulheres na Marcha. Elas haviam sido ameaçadas, Senador Cristovam, agredidas, por uma meia dúzia de pessoas que não sabem sobre - porque não respeitam - a democracia do Brasil. Imagino que não respeitam, porque não sabem o que significa a democracia, o quão importante ela é para a convivência das diferenças em nossa sociedade.

    Aquele pronunciamento da Deputada Benedita comoveu todos. Todos foram apoiar e exigir a intervenção e a fiscalização, que foi feita prontamente, tanto que aqueles, aspas, "ativistas" não do bem, mas do mal, foram retirados do gramado, logo em seguida à agressão que fizeram às mulheres negras em marcha, vindas do Brasil inteiro.

    Logo depois desse episódio, eu fui à Marcha, Senador Paim, e lá, já na rua, com o caminhão andando na Esplanada, elas disseram: "Senadora, fale aqui." Eu não queria nem falar, porque bastava estar lá. Depois de tudo aquilo, daquele sofrimento, daquela agressão, as mulheres cantavam; as mulheres dançavam; as mulheres reivindicavam! Eu falei: Isto é um exemplo para o Brasil, para o mundo inteiro, de como se enfrenta a adversidade com alegria, com unidade!

    Esse é o exemplo que vocês dão, no dia a dia, a todos nós! Esse é o exemplo que as mulheres dão também, Senador Paim! (Palmas.)

    Porque nós mulheres somos discriminadas só pelo fato de ser mulher. E a mulher negra sofre duplamente essa discriminação. Estão aí todos dados estatísticos a comprovar o que eu aqui falo.

    Como bem lembrou a representante aqui do Escritório da ONU Mulheres no Brasil, Nadine Gasman, uma grande parceira, nós temos, em nosso País, instituições oficiais de combate às desigualdades, como o Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos, e políticas públicas como o Bolsa Família, o Minha Casa Minha Vida, o Pronatec ou o Brasil sem Miséria, que têm sido muito importantes para mudar a situação das mulheres, sobretudo das mulheres negras, e para contribuir para sua inserção igualitária na sociedade.

    Porém, a caminhada ainda é extensa. No Brasil, deparamos com o fenômeno do feminicídio, os assassinatos de mulheres, geralmente praticados por parentes ou por parceiros, cônjuges, namorados. Os números são assustadores: de acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), pelo mapa da violência divulgado recentemente, entre 2001 e 2011, estima-se que tenha havido pelo menos 50 mil assassinatos de mulheres no Brasil decorrentes do conflito de gênero, cuja causa é apenas uma: a mulher ser mulher - única causa.

    Não por acaso, nós aprovamos um projeto de lei do Senado que foi transformado em lei, a Lei nº 13.104/15, a qual altera o Código Penal para prever o feminicídio como um tipo de homicídio qualificado e incluí-lo no rol dos crimes hediondos. A medida se impunha para que o Brasil abandonasse a 7ª posição - e, segundo o Mapa da Violência, a 5ª posição - infame no ranking mundial de assassinato de mulheres.

    Pois bem, Srªs Senadoras, Srs. Senadores, companheiras e companheiros, 61% desses óbitos foram de mulheres negras. As razões radicam na discriminação que sofrem, em sua posição de fragilidade social e econômica, e no fato de serem, também, as maiores vítimas de todas as facetas da violência de gênero.

    Além da violência de gênero a que está exposta, expressa em sua maior intensidade pelo feminicídio, a mulher negra tem menor acesso à educação, à saúde e à renda. Uma situação deveras preocupante e para a qual temos de destinar nossa energia e nossa vigilância.

    Sr. Presidente, Senador Paim, eu gostaria ainda, neste pouco tempo de que disponho, de me congratular com as companheiras que participaram da exitosa marcha. E digo que aprendi muito, Senadora Ana Amélia, porque me comoveu ver, depois de um episódio de agressão, diante de tanto descaso, de tanta discriminação, de tanta falta de reconhecimento, as mulheres unidas, de forma alegre, lutando contra isso tudo. Então, devemos lutar contra as adversidades, contra a discriminação, sendo cada vez pessoas mais generosas, pessoas mais solidárias. É isso que nós precisamos fazer.

    E por fim, Senador Paim, quero dizer que essa Comenda muito importante entre nós, a Comenda Abdias Nascimento - esse que foi um verdadeiro herói na luta dos negros -, é sem dúvida nenhuma uma demonstração de como nós já avançamos na sociedade. Se hoje está ruim, podemos concluir que o passado ainda era pior. Então, está um pouco melhor. Hoje está um pouco melhor do que ontem.

    Mas nós temos que continuar lutando, unidos, homens e nós, mulheres, que, apesar de sermos a maioria da população e termos um grau de escolaridade superior, só ocupamos dez por cento dessas cadeiras. Dez por cento das cadeiras, no Parlamento do País! Ganhamos 30% a menos. Não somos reconhecidas. Nós, mulheres, que somos punidas nessa sociedade capitalista por exercermos a função mais nobre da humanidade, que é a da geração, a da reprodução. Pois bem! A sociedade nos pune por sermos mães, porque muitas vezes, no trabalho, nós não ascendemos à posição de direção porque vamos dar à luz, porque vamos ter que tirar licença-maternidade, porque vamos cuidar dos nossos filhos.

    Então, a luta pelo direito dos negros, a luta contra a desigualdade, contra a discriminação de qualquer forma - de gênero, de opção sexual, seja do que for - é uma luta que tem que ser permanente, porque talvez seja, de todas, a primeira e a mais nobre.

    Então parabéns, Senador Paim; parabéns a todos e a todas, por esse grande reconhecimento feito pelo Senado Federal.

    Muito obrigada. (Palmas.)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 02/12/2015 - Página 48