Discurso durante a 216ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Registro histórico dos trinta anos de luta contra a Aids no Brasil.

Autor
Paulo Paim (PT - Partido dos Trabalhadores/RS)
Nome completo: Paulo Renato Paim
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE:
  • Registro histórico dos trinta anos de luta contra a Aids no Brasil.
Publicação
Publicação no DSF de 02/12/2015 - Página 144
Assunto
Outros > SAUDE
Indexação
  • COMENTARIO, PERIODO, DESCOBERTA, SINDROME DE IMUNODEFICIENCIA ADQUIRIDA (AIDS), ABRANGENCIA, MUNDO, ENFASE, LUTA, DOENÇA TRANSMISSIVEL, BRASIL, POLITICAS PUBLICAS, SAUDE PUBLICA, PAIS, OBJETIVO, DISTRIBUIÇÃO, MEDICAMENTOS, DOENÇA, ELOGIO, GOVERNO FEDERAL, MOTIVO, DISTRIBUIDOR, PRODUTO FARMACEUTICO, GRATUIDADE.

    O SR. PAULO PAIM (Bloco Apoio Governo/PT - RS. Sem revisão do orador.) - Presidente Renan Calheiros, eu solicitei a palavra a V. Exª - já falei na abertura dos trabalhos, mas até que os Senadores venham ao plenário - para falar sobre uma luta que é de todos nós, uma luta nacional, que é contra o vírus HIV, da aids.

    Sr. Presidente, na década de 1980, quando surgiram os primeiros casos de aids, ou na década de 1990, quando ela se transformou numa epidemia de proporções catastróficas, a aids chamou a atenção do mundo. Hoje, parece haver certa acomodação, um sentimento difuso, principalmente entre os mais jovens, de que a aids, segundo eles, não é mais a ameaça tenebrosa de outros tempos. Nós entendemos que é. Todo cuidado é pouco.

    É um sentimento, Sr. Presidente, que infelizmente não encontra respaldo na realidade do dia a dia. Segundo a Organização Mundial de Saúde, a Aids já ceifou cerca de 34 milhões de vidas. O número de pessoas vivendo com o vírus HIV chega hoje a 40 milhões. Só no ano passado, foram 1,2 milhão de óbitos e cerca de 2 milhões de novas infecções pelo vírus. Metade dos portadores não sabe que está infectado, e 19 milhões ainda não foram diagnosticados.

    As mortes, em decorrência da doença no mundo, caíram, sim, 35%, mas continuam em alto nível, infelizmente. Não existe ainda cura nem vacina para a doença. A única alternativa existente é o uso contínuo de remédios para controlar a multiplicação do vírus e evitar os danos que ele causa ao organismo. Ou seja, a Aids continua sendo uma ameaça para toda a humanidade, uma ameaça sem fronteira.

    A campanha Chegando a Zero esta aí. Zero novas infecções, zero mortes, zero discriminação. O objetivo da campanha é controlar a epidemia até o ano de 2030. Ainda não foi possível exterminar a aids, como se exterminou a varíola ou se controlou a poliomielite, por exemplo, mas se trabalha com o objetivo de que a doença deixe de ser uma questão tão relevante de saúde pública após a terceira década deste milênio.

    Em 1988, nós, no Brasil, atravessamos um momento singular. A memória da ditadura era recente, e vivíamos a estimulante experiência da redemocratização do País. E lá estávamos nós, na Assembleia Nacional Constituinte. Nessa mesma época, cerca de 5 mil brasileiros já estavam infectados pelo HIV. Henrique de Souza Filho, o Henfil, hemofílico e dependente de transfusão de sangue, morreu de Aids. Naquela época, a situação nos bancos de sangue era calamitosa. O sangue era uma reles mercadoria, fonte de renda para comerciantes e doadores. Não havia regulamentação ou controle de qualidade. Conta-se que um cidadão, certo dia, precisando de dinheiro, vendeu o seu sangue em troca de alguns Cruzados, cerca de R$15,00 no dinheiro de hoje. Como ainda precisasse de dinheiro, foi a outro estabelecimento e vendeu mais um pouco de sangue. Não satisfeito, foi a um terceiro local, desmaiou e teve que ser hospitalizado para receber transfusão de sangue.

    A situação era tão calamitosa que o jornal da Constituinte, no dia 29 de agosto de 1988, trazia três destaques. Uma manchete dizia: "Sangue, uma questão de vida ou morte."

    Uma charge do Henfil, com sua famosa graúna, implorando, dizia: "Salve o sangue do povo brasileiro"; e uma chamada, declarando: "O Brasil sai da ficção e cai no real; a Transilvânia não é aqui. Concordam os constituintes que sangue não será mais objeto de lucro."

    A luta contra o comércio de sangue foi a primeira política pública brasileira concreta elaborada para enfrentar a epidemia de Aids. E não é possível falar da luta mundial contra a Aids sem falar da luta brasileira contra a Aids. Não se trata de ufanismo. A experiência brasileira, que completa orgulhosos 30 anos, serviu de referência, sim, a vários outros países do mundo.

    Sr. Presidente, é V. Exª que determina, viu?

    A forma como se organizou nossa resposta à epidemia foi referência, sim, universal, com seus fundamentos, seus contornos, sua coragem e seus resultados. Pode ser considerada, sem medo de errar, um de nossos maiores e mais raros sucessos, em se tratando de políticas públicas de saúde no nosso País.

    Nossa luta começou cedo. Os primeiros casos de Aids no Brasil datam de 1983. Com o aumento geométrico do número de casos - e de mortes -, os grupos sociais mais afetados pela epidemia foram hemofílicos, homossexuais, usuários de drogas injetáveis e profissionais do sexo, que se mobilizaram e começaram a pressionar as instâncias decisórias em busca de salvação. Era uma realidade que se repetia mundo afora, mas que, aqui, por sorte, encontrou amparo no seio do movimento da reforma sanitária. Esse movimento reunia profissionais de saúde e forças políticas que, desde a década de 70, lutavam pela democracia e por uma saúde pública gratuita e de qualidade para todos.

    Esses objetivos acabaram se concretizando, pelo menos do ponto de vista legal, com o reconhecimento constitucional do direito universal à saúde, baseado no trabalho dos Constituintes, em 1988, e com a regulamentação, em seguida, do Sistema Único de Saúde, em 1990.

    Foi com esse espírito combativo e democrático que a experiência brasileira de luta contra a Aids se desenvolveu e ganhou reconhecimento mundial.

    Numa época em que muitos países baseavam suas ações de combate à epidemia na discriminação aos grupos de risco e na defesa da castidade como forma de prevenção; numa época em que o símbolo escolhido pela OMS para representar a luta contra a aids mostrava a pavorosa imagem de uma caveira partindo um coração ao meio; Numa época em que a aids chegou a ser chamada, na imprensa, de "peste gay". Nessa mesma época, no Brasil, o programa nacional contra a aids baseou suas ações em quatro princípios que, ao longo do tempo, se mostraram os mais acertados possíveis.

    Os princípios eram, Sr. Presidente: (1) solidariedade como ponto central para resposta à doença; (2) o respeito à diversidade em relação às comunidades e populações afetadas pela epidemia; (3) a necessidade de garantir a cidadania das pessoas que vivem com HIV e das que estão vulneráveis a essa infecção; e (4) o direito à saúde para todos os cidadãos brasileiros como pressuposto básico de resposta à epidemia.

    Foi um programa baseado na ética, na solidariedade, na cidadania e na competência técnica.

    Nos anos 80 e no começo dos anos 90, o diagnóstico de infecção pelo HIV era quase uma sentença de morte. Não havia tratamento específico para combater o vírus, e as medidas eram paliativas.

    Foi nesse cenário que os laboratórios farmacêuticos brasileiros desenvolveram as primeiras medicações eficazes contra o vírus - os chamados antirretrovirais.

(Soa a campainha.)

    O SR. PAULO PAIM (Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Esses remédios constituem, até hoje, o esteio do tratamento da aids.

    Sr. Presidente, cumprimento aqui todos aqueles que travaram o bom combate para que hoje pudéssemos fazer esta lembrança, dizendo que o Brasil até hoje é referência na luta contra a aids.

    Obrigado, Sr. Presidente.

    Essa era a reflexão, mostrando o trabalho do Brasil nessa área.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 02/12/2015 - Página 144