Discurso durante a 223ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Registro do Dia Mundial dos Direitos Humanos, celebrado em 10 de dezembro, e reflexões acerca do alcance desses direitos.

Autor
Paulo Paim (PT - Partido dos Trabalhadores/RS)
Nome completo: Paulo Renato Paim
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DIREITOS HUMANOS E MINORIAS:
  • Registro do Dia Mundial dos Direitos Humanos, celebrado em 10 de dezembro, e reflexões acerca do alcance desses direitos.
Publicação
Publicação no DSF de 11/12/2015 - Página 195
Assunto
Outros > DIREITOS HUMANOS E MINORIAS
Indexação
  • REGISTRO, COMEMORAÇÃO, DIA INTERNACIONAL, DIREITOS HUMANOS, NECESSIDADE, MELHORIA, QUALIDADE, ENSINO, SAUDE PUBLICA, COMBATE, DISCRIMINAÇÃO RACIAL, BRASIL, COMENTARIO, AMEAÇA, TERRORISMO, VIOLENCIA, ADOLESCENTE, MULHER.

    O SR. PAULO PAIM (Bloco Apoio Governo/PT - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Romero Jucá, primeiro, cumprimento V. Exª pela disposição de participar da audiência pública que me foi me pedida por inúmeros setores da sociedade sobre esta matéria da qual V. Exª é o Relator. E V. Exª se dispõe a ir lá.

    Tive uma situação semelhante. Lembro também que o autor do projeto era o Senador Cássio Cunha Lima, que teve a mesma postura de V. Exª. Então, não se trata de ser ou não Base do Governo. Foi lá, participou do debate no mais alto nível. Chegamos a um entendimento. Espero que aconteça o mesmo - esta é minha esperança - na próxima terça-feira.

    Sr. Presidente, como Presidente da Comissão de Direitos Humanos, não tinha como, embora eu tenha que viajar ainda hoje, eu deixar de vir à tribuna neste dia.

    Hoje, 10 de dezembro, o mundo celebra o Dia Universal dos Direitos Humanos.

    Essa data foi instituída pela ONU porque foi em 10 de dezembro de 1948 que a Assembleia Gerai das Nações Unidas adotou a Declaração Universal dos Direitos do Homem. Esse documento, com 30 artigos, contém "o ideal comum a ser atingido por todos os povos e todas as nações" em matéria de direitos humanos. É o dia que o planeta para, a fim de discutir os direitos humanos. Ela se configura, na verdade, como uma afirmação coletiva de repúdio à barbárie e às atrocidades cometidas durante a Segunda Guerra Mundial.

    De fato, em 1945, à medida que o final do conflito se aproximava, cidades por toda a Europa e a Ásia estendiam-se em ruínas e chamas. Milhões de pessoas estavam mortas, outros tantos milhões estavam sem lar e sem comida e choravam por seus filhos. O mundo se horrorizava diante das atrocidades cometidas nos campos de batalha e nas concentrações nazistas e da destruição em massa produzida pelas bombas atômicas de Hiroshima e Nagasaki.

    Diante desse cenário, que depunha contra todas os valores fundamentais afirmados pela humanidade até então, a comunidade internacional decidiu fundar as Nações Unidas e assinar a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Ao fazê-lo, os líderes mundiais acenavam com um futuro de esperança e também de paz. Acenavam, ainda, com o compromisso pela busca ao respeito dos direitos consagrados naquela declaração, cujo Preâmbulo afirma que o desconhecimento e o desprezo dos direitos humanos conduziram a atos de barbárie que revoltam a consciência da humanidade. E o advento de um mundo em que os seres humanos sejam livres, livres de falar, livres para crer, libertos do terror e da miséria, foi programado como a mais alta inspiração do homem.

    Diz o art. 1º: "Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos." Todos os seres humanos nascem livres e iguais - repito - em dignidade e, também, em direitos. Esse pequeno trecho da declaração expressa a essência daquele documento e, ao mesmo tempo, revela o grande desafio que se colocava diante de nós enquanto humanidade.

    Estávamos propondo construir uma consciência coletiva a partir da qual todos fossem respeitados em seus direitos básicos, essenciais, apenas e simplesmente por serem humanos.

    Hoje, decorridos quase 70 anos - são 67 anos - da Declaração Universal dos Direitos Humanos, é importante fazer aqui uma reflexão sobre o alcance desses direitos, sobretudo num País como o nosso, marcado por profundas desigualdades socioeconômicas que se arrastam ao longo dos tempos.

    É exatamente esse o tom do meu pronunciamento hoje, senhores e senhoras. Quero convidar todos e também toda a sociedade brasileira que nos assiste neste momento a uma reflexão sobre o que fizemos e sobre o que ainda falta fazer, para que aqueles princípios consagrados na Declaração Universal dos Direitos Humanos se tornem uma realidade, uma orientação para todos os povos do Planeta.

    Aqui no Brasil, desde que iniciamos o processo da redemocratização, temos conseguido avançar, sim, no que diz respeito aos direitos e às garantias individuais consagrados no art. 5º da nossa Constituição, tão bem lembrada, tão bem batizada pelo inesquecível Ulysses Guimarães, que disse: "Esta é a Constituição Cidadã."

    Hoje, desfrutamos de ampla liberdade de pensamento e de opiniões. Os partidos políticos se manifestam livremente e estão todos legalizados. Não existe qualquer agremiação que esteja na clandestinidade, não existem presos políticos, não existe censura, e nós todos continuamos combatendo a tortura. As instituições funcionam dentro da normalidade democrática, e os conflitos são sanados, obedecendo-se ao princípio do devido processo legal, na ótica dos direitos humanos.

    Caminhamos, sim, caminhamos, a passos largos, senhoras e senhores, para a consolidação definitiva do Estado democrático de direito no Brasil. Sem dúvida, esta é uma importantíssima conquista em matéria de direitos humanos: a própria democracia.

    Do ponto de vista social, também avançamos nesses últimos tempos. Houve avanços, por exemplo, na edição do nosso Código Civil, que, entre outras coisas, acabou com a figura do cabeça do casal e reconheceu a igualdade entre homens e mulheres no que diz respeito à condução dos destinos da família.

    Registro ainda a Lei de Cotas, que permitiu o acesso ao ensino superior de um grande número de pessoas brancas e negras, mas pobres, construindo, para resgatar uma dívida histórica que temos com aqueles que foram marginalizados ao longo do tempo, principalmente os negros, mas também os brancos pobres.

    Outro avanço importante em matéria de direitos humanos foi o reconhecimento da união homoafetiva, com a possibilidade de sua conversão em casamento e com a inclusão social de milhões de pessoas, ocorrida durante os governos que passaram, independentemente da época.

    Com certeza, avançamos muito depois da ditadura militar.

    Avançamos também no que diz respeito ao direito dos idosos. Está aí o Estatuto do Idoso, está aí o Estatuto da Igualdade Racial, está aí o Estatuto da Pessoa com Deficiência.

    Estamos construindo, Senador Hélio José, V. Exª é o Relator, o Estatuto do Cigano.

    Está aí a política do salário mínimo, que era de US$60 e que, hoje, vale mais de US$300.

    Do mesmo modo, avançamos no que diz respeito aos direitos da criança e do adolescente. Tive a alegria, embora não tenha sido o autor - dos outros fui o autor -, de participar da construção do Estatuto da Criança e do Adolescente. Depois, aqui, aprovamos a famosa Lei da Palmada.

    Avançamos também quanto ao trabalho doméstico, Senador Romero Jucá, que foi o grande Relator dessa matéria, não posso deixar de reconhecer. Avançamos, sim! Quando diziam que haveria demissão em massa das empregadas domésticas, houve exatamente o contrário. Agora, com o conforto legal, há os direitos das trabalhadoras domésticas, conferindo a todos os que labutam nos lares brasileiros os direitos trabalhistas dos demais trabalhadores, pela chamada PEC das Domésticas.

    Então, senhoras e senhores, esses são alguns dos avanços que posso registrar neste momento em matéria de direitos humanos no País desde que foi promulgada a Constituição Federal. Eu estava lá, fui constituinte, ajudei na elaboração da Carta Magna.

    Em um período relativamente curto, estamos vendo nascer um novo Brasil, um Brasil em que começa a surgir esta consciência de igualdade perante a lei, em que começa a surgir este sentimento de que não podemos discriminar ninguém por motivo nenhum, de que não podemos discriminar outro irmão nosso apenas pelo fato de ele ou ela ser diferente de nós ou pensar de forma diferenciada.

    Mas, para mim, é apenas um começo, senhoras e senhores. A caminhada é longa, ainda nos resta muito por fazer. Eu gostaria de dizer que fizemos muito, mas temos condição de fazer muito mais para melhorar a qualidade de vida do povo brasileiro.

    Somos um País em que ainda imperam as desigualdades - é claro que elas imperam! -, embora tenhamos avançado. Somos um País em que ainda existe uma brutal concentração de renda, onde o capital especulativo alcança lucros extraordinários à custa de juros estratosféricos e da exploração dos mais pobres, os assalariados. Somos um País que se nega a discutir, como propus recentemente numa reunião com mais de 40 Senadores, a regulamentação do imposto sobre grandes fortunas ou sobre heranças. Poderíamos regulamentá-lo; outros países assim já o fizeram.

    Ao mesmo tempo, persistem as desigualdades regionais, que vitimam, sobretudo, aqueles que vivem no Norte e no Nordeste do País, desigualdades essas que lhes tiram o acesso a melhores condições de vida. Somos um País que ainda não respeita os direitos das populações indígenas, os direitos do povo quilombola. Não os respeitamos e não trabalhamos por um meio ambiente saudável.

    Lamentavelmente, apesar de todos os esforços que têm sido feitos para combater o preconceito e a discriminação, ainda presenciamos episódios de racismo que nos envergonham. Os recentes casos da apresentadora Maju, da TV Globo, e da atriz Taís Araújo mostram como o Brasil ainda é um País em que o preconceito racial é muito forte. Na periferia das grandes cidades, muitos jovens negros ou pardos e brancos pobres, arbitrariamente, são confundidos com marginais apenas às vezes pela cor da pele, como foi o caso dos cinco jovens assassinados covardemente pela Polícia no Rio de Janeiro.

    E o que dizer da saúde e da educação? O SUS - é claro que é uma grande proposta; colaboramos no momento da sua criação - tem prestado um grande serviço ao País. Bem sei que não é fácil garantir uma atenção à saúde de qualidade para milhões e milhões de brasileiros e brasileiras. Temos muitos serviços de excelência, reconhecidos até mesmo pela Organização Mundial de Saúde, como é o caso do Programa Nacional de Combate à Aids, em que somos referência no mundo, e o Programa Nacional de Transplantes, por exemplo. Mas, por outro lado, ainda deixamos muito a desejar no atendimento emergencial. Os pacientes esperam durante longas horas, às vezes durante dias ou meses, para serem atendidos.

    Faltam materiais básicos, como gaze, fita para sutura e esparadrapo. Mais parece que nossas emergências hospitalares funcionam no Iraque ou na Síria, países que passam por conflitos armados de sérias proporções, tamanha sua superlotação e precariedade.

    Na educação, apesar dos avanços que tivemos, como a política de cotas, o Piso Nacional do Magistério, o aumento do quantitativo de estudantes em todos os níveis e o aumento de universidades, ainda registramos baixo rendimento, quando comparado com outros países.

    Nossos jovens não conseguem competir com igualdade de condições em matéria de qualidade de ensino com aqueles que residem em países mais desenvolvidos ou até mesmo em países semelhantes ao nosso. Internamente, ainda presenciamos a segregação. O filho do rico estuda na escola particular; o pobre estuda na escola pública, precária e de má qualidade. Precisamos, sim, avançar. Essa é uma desigualdade de base que mexe com a estrutura da sociedade brasileira e, por isso, precisa ser superada, para que possamos oferecer oportunidades iguais e acesso à educação para todos.

     Essa é apenas uma pequena radiografia do Brasil em matéria de direitos humanos. Digo que é pequena porque cada um dos assuntos que abordei aqui mereceria, no mínimo, duas horas em matéria de pronunciamento.

    Do mesmo modo, considero importante fazer referência aos direitos humanos no mundo, já que estamos lembrando aqui o Dia Universal dos Direitos Humanos. Não resta dúvida de que, do ponto de vista planetário, a situação é ainda muito mais complexa do que em nosso País isoladamente. São diversos povos, diversas nações com ideologias e pensamentos diferentes que cultivam valores igualmente diferentes. Chegar a um denominador comum compatível com os direitos humanos não é, portanto, tarefa fácil. Por isso, eu não poderia aqui, nestes breves minutos de que ainda disponho, deixar de fazer um comentário mais aprofundado sobre essa realidade.

    Sr. Presidente, começo este encerramento lembrando a questão do terrorismo. Assistimos perplexos quando, no último dia 13 de novembro, atentados terroristas praticados pelo Estado Islâmico deixaram dezenas de mortos e feridos. Eram pessoas inocentes que estavam ali levando uma vida normal, divertindo-se, e que foram covardemente assassinadas. Seus algozes representam aquilo que há de mais bárbaro e desprezível no mundo atual. Não falam em nome de ninguém. Como disse o Presidente Barack Obama em recente pronunciamento, eles falam e agem em nome de si mesmos e merecem todo o nosso repúdio porque representam a antítese da civilização.

    O terrorismo representa uma grande ameaça aos direitos humanos. Mesmo o Brasil, um País tradicionalmente pacífico do ponto de vista internacional, não está livre dessa ameaça. De acordo com o Índice de Terrorismo Global, que avalia o terrorismo em 162 países, o Brasil está na posição 74. Estamos, assim, classificados na primeira etapa do ranking que constatou que as mortes por esse tipo de ataque aumentaram 80% em comparação a 2013. Neste ano, o Brasil ocupava a posição de número 80. Em 2011, estava no número 122. Creio que isso é um alerta, lembrando que precisamos estar vigilantes.

    Outra grande ameaça que temos hoje aos direitos humanos em todo o mundo diz respeito à violência praticada contra jovens e mulheres. De acordo com a Organização Mundial de Saúde, 35% das mulheres do mundo foram vítimas de violência física ou sexual em 2013. Em alguns países, essa realidade atinge 70%, Sr. Presidente. Assim, em outros países, 71,8% das situações de violência física ou sexual cometida contra as mulheres ocorrem no ambiente doméstico.

    A situação dos jovens não é menos dramática. De acordo com o Relatório da Unicef divulgado em 2014, o Brasil é o vice-campeão mundial no número de homicídios de jovens de 0 a 19 anos. Mais de 11 mil foram assassinados no nosso País em 2012. Nesse item, só perdemos para a Nigéria. Quanto à taxa por 100 mil habitantes, o Brasil é o sexto colocado: 17 por 100 mil. Na sua frente, estão El Salvador, 27; Guatemala, 22; Venezuela, 20; Haiti, 19; e Lesoto, 18. No Planeta, Sr. Presidente, 95 mil crianças e adolescentes foram assassinados em 2012, sendo que 90% dessas mortes ocorreram em países com renda média baixa.

    Quando falamos em direitos humanos, não podemos deixar de nos lembrar, Sr. Presidente, de um dos direitos mais básicos de todos nós, a alimentação. Embora este seja um direito elementar do ser humano, Sr. Presidente, cerca de 795 milhões de pessoas passam fome no mundo, muitas delas em consequência de conflitos armados, de acordo com o Índice Geral da Fome.

    A fome no mundo continua sendo um desafio, com uma em cada nove pessoas sofrendo de desnutrição crônica e com mais de 15% das crianças com atrasos de crescimento como consequência de deficiência nutricional.

    Diretamente relacionada à questão da fome está a concentração de riqueza. Como falar em respeito aos direitos humanos, à dignidade da pessoa humana, quando 1% da população mundial detém quase metade da riqueza mundial, ou seja, em torno de US$110 trilhões? Esse é um dado...

(Interrupção do som.)

    O SR. PRESIDENTE (Hélio José. PMB - DF) - Nobre Senador Paulo Paim...

    O SR. PAULO PAIM (Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Não há um Senador nesta Casa que não se lembre de ter pedido dez minutos e de eu acabar dando até 30 minutos. Não quero isso.

    O SR. PRESIDENTE (Hélio José. PMB - DF) - Tenho certeza.

    O SR. PAULO PAIM (Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Mas pelo menos uns dez minutos.

    O SR. PRESIDENTE (Hélio José. PMB - DF) - Fique tranquilo.

    O SR. PAULO PAIM (Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Sr. Presidente, é uma data importante. Direitos Humanos é o direito à vida. O mundo todo tinha que parar hoje e refletir sobre este tema.

    Como eu dizia, é um dado chocante, que consta da última pesquisa divulgada pela Oxfam International, às vésperas do Fórum Econômico Mundial de Davos, na Suíça, ocorrido em janeiro deste ano.

    Enquanto não forem adotadas medidas concretas para reduzir essa brutal concentração das riquezas no Brasil e no mundo, veremos um abismo cada vez maior entre ricos e pobres, a acentuação das desigualdades, da fome e da miséria, pelos quais somos coletivamente responsáveis. Todos nós somos responsáveis pela miséria no mundo.

    Sr. Presidente, a reflexão que estou fazendo aqui, em lembrança ao Dia Universal dos Direitos Humanos, leva-nos também a pensar sobre outro grave problema referente a esse tema, que é a questão dos refugiados e das guerras. A Europa tem sido particularmente atingida por esse problema, com levas de milhares de refugiados que fogem, desesperados, dos conflitos no Oriente Médio. E fogem em condições das mais deploráveis, colocando sua própria vida em risco. Na maioria das vezes, são mulheres, crianças e idosos em situação de risco.

    No mundo, 59,5 milhões de pessoas estavam fora de seus locais de moradia até o final de 2014, por motivos tais como conflitos, violação de direitos humanos, guerras e perseguições. Desse total, 19,5 milhões são de refugiados; 38,2 milhões, de deslocados internos; e 1,8 milhão de requerentes de asilo, segundo balanço divulgado pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados.

    O número total de refugiados no mundo cresce de maneira acelerada desde 2011, quando era em torno de 42,5 milhões. Em três anos, o aumento foi de 40%. Entre 2013 e 2014, o crescimento foi de 8,3 milhões de pessoas e representou o maior aumento já registrado em um ano - agora, entre 2013 e 2014.

    Quero aqui lembrar as palavras do Papa Francisco, em recente homília proferida na Praça de São Pedro:

Estamos próximos ao Natal; haverá luzes, festas, árvores iluminadas, presépios (...) Tudo é falso. [Isso porque a fome e a miséria permeiam o mundo.]

O mundo continua fazendo guerra, não compreendeu o caminho da paz (...). Existem hoje guerras em toda parte. [É guerra, é tortura, é ódio.] (...) E o que nos resta? Ruínas, milhares de crianças sem educação, tantos mortos inocentes. [E outros milhões de desesperados].

E tanto dinheiro nos bolsos [por exemplo] dos traficantes de armas (...) [e também de produtos químicos]. A guerra é a escolha de quem prefere as 'riquezas' ao ser humano.

    Sua Santidade mencionou os traficantes de armas. Poderíamos falar de outros traficantes; existem também os traficantes de órgãos humanos.

    Esse é um assunto preocupante - eu diria mesmo, assustador -, que não tem merecido a atenção adequada dos governantes. Crianças são sequestradas e são retirados os órgãos.

    O tráfico de órgãos humanos é uma das dez atividades ilegais mais lucrativas do mundo, Sr. Presidente. A cada ano, gera mais de US$1 bilhão de lucro, em nível mundial, para esses traficantes de órgãos humanos.

    A Organização Mundial de Saúde estima que, a cada ano, sejam realizados cerca de 10 mil transplantes ilegais, que envolvem cifras altíssimas. Há casos na Ucrânia, por exemplo, em que os receptores chegam a pagar até 200 mil euros por um rim!

    Quando falamos em direitos humanos, não podemos nos esquecer de que, de acordo com a Declaração de Estocolmo, de 1972, todo ser humano tem direito a um meio ambiente de qualidade, que lhe permita levar uma vida digna e com bem-estar. Mas ainda estamos longe disso tudo.

    Enchentes afetaram quase 2,5 bilhões de pessoas nos últimos 20 anos. Além disso, o balanço do período de 2002 a 2012 é alarmante: foram 4.130 catástrofes ambientais; mais de um milhão de mortos e prejuízos econômicos que ultrapassam a cifra de US$1 trilhão - não há como não lembrar o caso de Mariana, em Minas Gerais.

    Esses dados fazem parte do Relatório dos Riscos Mundiais, que é desenvolvido pela Universidade das Nações Unidas para a Segurança Humana e Ambiental (UNU-EHS) e foi apresentado recentemente em Bruxelas, antecedendo o Dia Internacional para a Redução de Catástrofes.

    Não podemos falar de direitos humanos sem mencionar dois dos direitos mais básicos: saúde e educação.

    Na saúde, a situação é muito preocupante. De acordo com os últimos levantamentos, cerca de 400 milhões de pessoas em todo o mundo não dispõem de acesso aos serviços básicos de saúde, e os gastos com esse tipo de despesa estão empurrando milhares de famílias para a pobreza absoluta. Isso é ainda mais grave nas áreas rurais, onde mais da metade da população não tem acesso aos serviços de saúde, Sr. Presidente.

    Segundo dados da OIT (Organização Internacional do Trabalho), no continente africano, 83% dos que vivem nas zonas rurais nunca tiveram acesso aos serviços básicos de saúde.

    Na educação, o quadro não é muito diferente, porque esse direito nunca foi, de fato, alcançado de modo universal e permanece como um desafio mundial na agenda de desenvolvimento pós-2015.

    É triste, Sr. Presidente, neste Dia Internacional dos Direitos Humanos, eu vir à tribuna e reconhecer isso, no momento em que o mundo conta com tantos jovens que sonham com um mundo melhor.

    Um levantamento inédito do Fundo de População das Nações Unidas, divulgado no ano passado, mostra que, hoje, temos 1,8 bilhão de jovens no Planeta, o maior número até hoje registrado. Contudo, parte dessa juventude já está praticamente condenada. Isso porque, ainda segundo o Fundo de População das Nações Unidas, 60% dessa juventude não têm acesso à educação e, consequentemente, não têm condições de ter uma boa disputa no mercado de trabalho. Pior do que isso: mais de 500 milhões de jovens lutam para viver com menos de US$2 por dia, abaixo da linha de pobreza, considerada pela ONU.

    As crianças e os jovens não são as únicas afetadas pelos problemas de acesso à educação. De acordo com o relatório, cerca de 796 milhões de pessoas, 17% dos adultos de todo o mundo, são analfabetas; deste percentual, dois terços são mulheres.

    Diante dessa tragédia que é a educação em todo o mundo, em especial nos países pobres e mais populosos, quero aqui prestar uma singela homenagem à jovem paquistanesa Malala Yousafzai, vencedora do Prêmio Nobel da Paz, em 2014, por sua luta e coragem de defender o simples e básico direito de estudar.

    Sr. Presidente, neste breve panorama que estou terminando, que acabo de apresentar neste meu pronunciamento, podemos ver que ainda falta muito para alcançarmos aquele ideal traçado na Declaração Universal dos Direitos Humanos: "Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos." Mas isso não pode nos deixar pessimistas; temos de continuar lutando. Ao contrário, deve nos servir de inspiração para que continuemos peleando sempre para um dia chegar lá. Foi assim com a abolição, foi assim com o fim do apartheid, na África do Sul.

    Se hoje temos um negro na presidência dos Estados Unidos, Barack Obama, devemos esse fato às lutas históricas travadas pelo povo daquele país e por líderes como Martin Luther King, que dizia: "Sonho com uma sociedade em que brancos e negros sentem-se à mesma mesa e comam do mesmo pão;" devemos a líderes mais duros, como Malcolm X; a líderes que, com sua sabedoria, souberam unir a África do Sul, como Nelson Mandela.

    Na luta em prol dos direitos humanos, a nossa trincheira é a trincheira da paz, da fraternidade, da cooperação e do diálogo. Precisamos saber que brancos e negros podem, sim, caminhar de mãos dadas. Que possamos ter a coragem de avançar coletivamente na construção desse ideal, eliminando os privilégios, a ostentação, a hipocrisia e trabalhando em prol de um mundo mais fraterno, uno e solidário.

    Encerro, Sr. Presidente, agradecendo a V. Exª e lembrando três figuras que já faleceram e para as quais quero render minhas homenagens: Zumbi dos Palmares, que foi esquartejado aqui, no Brasil, porque defendeu a liberdade do povo negro; Nelson Mandela, que praticamente foi a figura número um em matéria de direitos humanos no Planeta; e Mahatma Gandhi. São exemplos de não violência e de lutas em prol dos direitos humanos em seus respectivos países e, por que não dizer, referência para o mundo.

    Agradeço a tolerância de V. Exª, Sr. Presidente, mas tinha de falar, precisava falar. Aguardei o dia todo. Se em todos os parlamentos do mundo dedicassem ao menos um dia para debater a política de direitos humanos, quem sabe a história da humanidade seria diferente.

    Obrigado, Senador Hélio José, pela tolerância de V. Exª.

    O SR. PRESIDENTE (Hélio José. PMB - DF) - Parabéns ao Senador Paulo Paim. Esta Mesa foi tolerante com muita razão. O Senador é uma voz ativa dos direitos humanos aqui nesta Casa. Para mim, é com muita honra que presido esta sessão, em que V. Exª pôde fazer esse pronunciamento tão importante no Dia Internacional dos Direitos Humanos e dizer uma quantidade sem-fim de verdades sobre o nosso dia a dia.

    Parabéns!

    O SR. PAULO PAIM (Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/12/2015 - Página 195