Discurso durante a 19ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Defesa da sustação da Portaria Interministerial nº 192, que suspendeu o pagamento do seguro-defeso a pescadores.

Autor
Randolfe Rodrigues (REDE - Rede Sustentabilidade/AP)
Nome completo: Randolph Frederich Rodrigues Alves
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
MEIO AMBIENTE:
  • Defesa da sustação da Portaria Interministerial nº 192, que suspendeu o pagamento do seguro-defeso a pescadores.
Aparteantes
Sérgio Petecão.
Publicação
Publicação no DSF de 02/03/2016 - Página 88
Assunto
Outros > MEIO AMBIENTE
Indexação
  • DEFESA, SUSTAÇÃO, PORTARIA, COMISSÃO INTERMINISTERIAL, ASSUNTO, SUSPENSÃO, PAGAMENTO, SEGURO SOCIAL, BENEFICIARIO, PESCADOR, PREJUIZO, PRESERVAÇÃO, MEIO AMBIENTE, ENFASE, REGIÃO AMAZONICA, CRITICA, COMENTARIO, AUTORIA, DESCONHECIMENTO, REFERENCIA, AUSENCIA, NECESSIDADE, PROIBIÇÃO, PESCA, PERIODO, REPRODUÇÃO, PEIXE, LOCAL, REGIÃO, BACIA AMAZONICA.

    O SR. RANDOLFE RODRIGUES (Bloco Socialismo e Democracia/REDE - AP. Sem revisão do orador.) - Agradeço a V. Exª, Presidente, Senador Paulo Paim. Senadora Rose, em qualquer momento que quiser, terei o maior prazer e honra em dispor do tempo da tribuna para V. Exª. Quando eu estiver diante de V. Exª ou atrás, na lista de oradores, terá a minha disposição, Senadora Rose.

    Sr. Presidente, Srª Senadora, senhoras e senhores, hoje as pescadoras e os pescadores do País estiveram aqui no Congresso Nacional. Tivemos, nesta tarde, uma audiência com o Presidente do Senado, Senador Renan Calheiros, para discutir as dramáticas consequências da chamada Portaria Interministerial, a famigerada Portaria Interministerial nº 192, de 5 de outubro de 2015. Portaria Interministerial subscrita pelo Ministério da Agricultura e - o que é mais absurdo - apoiada pelo Ministério do Meio Ambiente.

    Essa Portaria Interministerial, Sr. Presidente, suspendeu o pagamento do seguro-defeso para os pescadores do País no último período. Nós, lamentavelmente...

    Somente no meu Estado do Amapá são 17 mil pescadores. Em toda a Amazônia são mais de 100 mil pescadores. Nós já estamos vivendo hoje, lamentavelmente, as consequências, no Amapá e na Amazônia, da suspensão do seguro-defeso.

    Esses senhores pescadores trouxeram hoje essas fotos que dão conta de um gravíssimo crime de meio ambiente que está sendo cometido por parte do Governo brasileiro, através do Ministério da Agricultura e do Ministério do Meio Ambiente. Veja, Sr. Presidente, que nessas fotos se flagra a pesca de peixes ovados, de peixes que ainda estavam na fase de reprodução e que não poderiam, por proteção ao meio ambiente, ser pescados agora.

    Considero desastrosa uma declaração que ouvi. Espero que essa declaração não tenha saído de nenhuma autoridade do Governo brasileiro. A declaração de que na Bacia Amazônica, por exemplo, não se precisa de período de defeso é de uma ignomínia total e absoluta. Essas fotos demonstram concretamente o contrário; demonstram que a ausência do período de defeso para os pescadores, principalmente da Região Amazônica, pode comprometer, no curto e no médio prazo, a existência de espécies inteiras de peixes que ali são pescados.

    Quero lembrar, Sr. Presidente, que aqui no Congresso, aqui no Senado, nós aprovamos o Projeto de Decreto Legislativo nº 293, no último dia 10 de dezembro de 2015. Esse projeto de Decreto Legislativo sustava a Portaria Interministerial nº 192.

    Lamentavelmente, o ato do Congresso Nacional - aprovado na Câmara e depois no Senado, portanto, um ato do Congresso Nacional - foi objeto de uma ação direta de inconstitucionalidade movida pela Presidência da República contra esse ato que sustava a Portaria nº 192.

    Sr. Presidente, o nosso entendimento é diverso. Embora S. Exª, o Ministro Luís Barroso tenha concedido cautelar favorável a essa ação direta de inconstitucionalidade, sustando o ato do decreto legislativo do Congresso que suspendia a famigerada portaria, o nosso entendimento é diverso, porque é responsabilidade do Congresso Nacional atuar quando o Poder Executivo exorbita as suas atribuições.

    Sr. Presidente, é importante compreendermos o que significa o defeso. O defeso é a suspensão temporária do direito de pesca em determinadas áreas para fins de preservação da fauna. Assim é dito no art. 2º, inciso XIX, da Lei de 29 de junho de 2009 que institui o seguro defeso.

    Veja, o seguro defeso é, portanto, em primeiro lugar, uma medida de preservação ambiental. É, além disso, uma medida de seguro previdenciário e de seguro de emprego para os trabalhadores da pesca. É uma medida necessária à subsistência desses trabalhadores, os pescadores, ao mesmo tempo em que o Estado brasileiro assume a responsabilidade de proteger a fauna e os ecossistemas, para que sobrevivam a esta geração e às gerações futuras.

    O Senador Omar Aziz, hoje, em uma das reuniões, descendente de árabes que é, lembrou algo muito interessante, Senador Paulo Paim, sobre os seus ancestrais na Arábia, no Oriente Médio. Lá se plantam tâmaras. Um pé de tâmara, segundo o relato do Senador Omar Aziz, demora de 50 a 60 anos para dar frutos.

    E lá nunca falta tâmara. Então, a percepção é a seguinte: cada geração tem de plantar tâmaras para a geração futura. O que estamos fazendo com essa famigerada portaria interministerial, derrotando, suspendendo o seguro-defeso sem nenhuma justificativa, sem nenhuma explicação prática, é o inverso, não garantindo peixe para as gerações que virão.

    Senador Petecão, tenho o maior prazer em ouvi-lo.

    O Sr. Sérgio Petecão (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PSD - AC) - Senador Randolfe, quero agradecer o aparte. Eu estava acompanhando atentamente o seu pronunciamento. Eu moro na Amazônia, como V. Exª também. Eu moro no Acre.

    O SR. RANDOLFE RODRIGUES (Bloco Socialismo e Democracia/REDE - AP) - Os rios nascem no seu Acre e desaguam no meu Amapá.

    O Sr. Sérgio Petecão (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PSD - AC) - Exatamente, nascem nas cordilheiras e vão até o Amapá. O problema, Senador Randolfe, é essa decisão radical do Ministério em cortar o auxílio-defeso. Nós não podemos negar que existiam problemas nesse defeso. No Acre, o que foi derramado de carteira falsa, de pessoas que se aproveitaram em períodos eleitorais da situação desse defeso, às vezes tirando a oportunidade de pessoas que realmente precisam desse benefício! Agora, o que o Governo não podia fazer era cortá-lo, porque isso prejudica. Concordo...

    O SR. RANDOLFE RODRIGUES (Bloco Socialismo e Democracia/REDE - AP) - Jogou a água suja com o bebê dentro.

    O Sr. Sérgio Petecão (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PSD - AC) - Exatamente! No dito popular, virou a bacia com o bebê dentro. Não pode! O que deveria fazer era um levantamento, para ver realmente quem tem direito a esse benefício. Muita gente na nossa região precisa desse benefício, precisa muito dele. Causou um prejuízo grande para o nosso Estado o corte desse benefício. Agora, nós que estamos na Amazônia - eu, que estou no Acre, e V. Exª, que está no Amapá - precisamos nos unir. O Governo não pode penalizar as pessoas que precisam desse defeso por conta de meia dúzia, de centenas ou até de milhares de espertalhões que ficavam fraudando o Governo, tirando benefício do dinheiro público. O verdadeiro pescador, as famílias dos pescadores não podem ser penalizadas por conta de picaretas. Obrigado.

    O SR. RANDOLFE RODRIGUES (Bloco Socialismo e Democracia/REDE - AP) - Senador Petecão, incorporo ao meu pronunciamento o aparte de V. Exª, porque tenho pleno acordo. Reitero a máxima de jogar a água suja com o bebê lá dentro. Foi isso que, na prática, foi feito.

    Ora, na nossa compreensão, Senador Paulo Paim, desde quando é preciso suspender o pagamento do seguro-defeso para proceder à realização de recadastramento? Era possível fazer o recadastramento com todos os rigores necessários. Somos a favor disso, não queremos nenhum tipo de maracutaia, não queremos favorecimento. Não pode o seguro-defeso ser utilizado principalmente indevidamente nos períodos eleitorais. Concordo com V. Exª, Senador Petecão. Mas, para isso, não precisava a suspensão do benefício a todos os pescadores.

    Ouço o Senador Petecão.

    O Sr. Sérgio Petecão (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PSD - AC) - Inclusive, penaliza aquelas pessoas que estão acessando esse benefício. As pessoas de bem, as pessoas que precisam foram prejudicadas por conta desses que estavam acessando os recursos de forma irregular.

    O SR. RANDOLFE RODRIGUES (Bloco Socialismo e Democracia/REDE - AP) - Exatamente!

    Veja, Sr. Presidente, que milhares de pescadores, devido a isso, estão sendo prejudicados.

    Vis-à-vis, Sr. Presidente, parece-me que também a alegação da suspensão do seguro-defeso é, na prática, o chamado ajuste fiscal. Mas, em vez de invocar como motivo... E há aí um problema de hierarquia legislativa. Seja por motivos de ajuste fiscal, seja por motivos de regularização do pagamento do seguro-defeso, se assim de fato o Governo pretendia, se assim o Ministério da Agricultura pretendia, ele não poderia fazer isso por uma portaria interministerial. O seguro-defeso é instituído por lei. O Governo deveria editar - é da competência do Governo a edição de normas jurídicas - um projeto de lei e encaminhá-lo ao Congresso Nacional. Aqui, com todos os instrumentos de debate, democraticamente temos debatido. Não se pode fazer isso através de uma portaria interministerial. Na verdade, o que ocorre é que o Governo se valeu de motivação transversa para atingir seus objetivos.

    Sr. Presidente, há uma máxima com a qual quero aqui sustentar a decisão deste Congresso Nacional sobre o Decreto Legislativo nº 289, que suspendeu a Portaria Interministerial nº 192. Montesquieu, fundador do célebre princípio da separação dos Poderes e do equilíbrio das leis, em sua célebre obra L'Esprit des Lois, O Espírito das Leis, já dizia que o único Poder que tem competência para inovar é o Poder Legislativo. Aos Poderes Executivo e Judiciário compete a execução das leis. Onde cabe o surgimento, a origem da norma, a inovação legislativa é aqui no Congresso Nacional.

    O que ocorreu foi a subversão desse princípio, Sr. Presidente. Uma portaria, e não projeto de lei, suspende um direito e - vou além - fere a própria Constituição da República. A Constituição da República diz dos princípios da proteção ao meio ambiente, estabelece direitos ambientais e previdenciários, e esses direitos foram frontalmente atingidos por essa portaria interministerial. Aliás, esses direitos, que são tidos na Constituição da República como direitos fundamentais, não poderiam ter sido violados por essa portaria, como, de fato, ocorreu.

    O Poder Executivo, Sr. Presidente, quando exerce poder normativo, deve fazê-lo somente em caráter complementar. Isso significa que cabe ao Poder Executivo atuar no sentido da norma complementar, não no sentido de inspirar norma nova, não no sentido normativo, como foi o fato e o ato desse projeto de decreto legislativo.

    A atuação do Poder Executivo nesse projeto violou, no nosso entender, um dos princípios elementares do Estado de direito, que é o princípio da segurança jurídica. O próprio Supremo Tribunal Federal, anteriormente, em julgado, já estabeleceu a necessidade de proteção contra qualquer norma que viole esse princípio.

    O que está claro, Sr. Presidente, é que a publicação dessa portaria está totalmente em desacordo com os princípios do nosso ordenamento jurídico. É uma portaria que está suspendendo o pagamento do seguro-defeso de vários trabalhadores. Não se observa, então, a competência do Congresso Nacional como Casa legislativa, que é competente para fazer leis, para legislar a favor do povo brasileiro. Essa portaria, no nosso entender, foi uma subversão completa da hierarquia das normas jurídicas e da prerrogativa originária de legislar, que é do Congresso Nacional.

    Repito: se o Poder Executivo queria fazer o famigerado ajuste fiscal, Senador Paim, se o Poder Executivo queria fazer a regularização, como se alega, primeiro, não se justificava de forma alguma a suspensão do direito, que é um direito ambiental, um direito previdenciário e um direito trabalhista dos pescadores brasileiros. O Ministro Crivella, que foi Ministro da Pesca, sabe muito bem disso e muito bem cuidou desses direitos para todos os pescadores de nosso País. Segundo, se queriam de fato fazê-lo, seja como ajuste fiscal, seja como regularização, tinham de ter feito através de projeto de lei.

    De qualquer sorte, Sr. Presidente, tivemos hoje esse encontro com o Senador Renan Calheiros, que colocou à nossa disposição a Advocacia do Senado Federal. Um conjunto de Senadores aqui está mobilizado para derrogar em definitivo essa portaria interministerial.

    Teremos - há de se confirmar ainda a data -, provavelmente amanhã ou na semana que vem, um encontro com o Ministro Luís Barroso. Nós, um conjunto de Senadores, e associações de pescadores vamos solicitar ao Ministro Luís Barroso que ele realize, conforme prevê a lei das Ações Diretas de Inconstitucionalidade, uma audiência pública, ouça as partes e julgue, o quanto antes, essa Ação Direta de Inconstitucionalidade, para que o direito dos pescadores do nosso País, esse direito consagrado, não seja revogado.

    O período em que o seguro-defeso deveria ser pago já está acabando no próximo dia 15 de março. Nós estamos assistindo à destruição da fauna pesqueira brasileira pela suspensão desse direito elementar. O Brasil não merece isso, os pescadores deste País não merecem isso. Por isso, vamos utilizar todos os mecanismos necessários para suspender em definitivo essa famigerada portaria.

    Obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 02/03/2016 - Página 88