Discurso durante a 56ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Registro dos 516 anos de descobrimento do Brasil e comentários sobre as melhorias que o País necessita.

Comentários sobre o processo de impeachment da Presidente Dilma Rousseff.

Autor
Cristovam Buarque (PPS - CIDADANIA/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM:
  • Registro dos 516 anos de descobrimento do Brasil e comentários sobre as melhorias que o País necessita.
GOVERNO FEDERAL:
  • Comentários sobre o processo de impeachment da Presidente Dilma Rousseff.
Aparteantes
Gleisi Hoffmann, Hélio José.
Publicação
Publicação no DSF de 23/04/2016 - Página 38
Assuntos
Outros > HOMENAGEM
Outros > GOVERNO FEDERAL
Indexação
  • COMEMORAÇÃO, DIA NACIONAL, DESCOBERTA, BRASIL, CHEGADA, PESSOAS, ORIGEM, PAIS ESTRANGEIRO, PORTUGAL, COMENTARIO, NECESSIDADE, PROVIDENCIA, OBJETIVO, MELHORIA, PAIS, ENFASE, SAUDE, EDUCAÇÃO, ECONOMIA, INCLUSÃO SOCIAL, COMBATE, CORRUPÇÃO.
  • COMENTARIO, NECESSIDADE, ANALISE, PROCESSO, IMPEACHMENT, DILMA ROUSSEFF, PRESIDENTE DA REPUBLICA, OBJETIVO, DECISÃO, VOTO.

    O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Muito obrigado, Senador Wellington. Com essa recepção, fico até tímido quanto à fala que vou fazer, mas não posso deixar de fazer uma reflexão, Senador Wellington e Senador Hélio.

    Ontem, todos nós comemoramos o feriado de Tiradentes, e nós de Brasília comemoramos a inauguração de Brasília, mas esquecemos que hoje é um dia muito especial: faz 516 anos que um grupinho de portugueses ficou perdido no Oceano Atlântico, porque os ventos que eles queriam que os levasse para as Índias terminaram levando-os para uma pequena praia no litoral do que veio a ser o Brasil. Faz 516 anos! Pelas crônicas, isso ocorreu mais ou menos nesta hora. Chegaram aqui aqueles portugueses e encontraram um grupinho de índios. Eles não entendiam o que falavam os índios, que estavam sem roupa. Começamos a grande aventura da qual, hoje, terminamos sendo atores fundamentais no Senado.

    Isso merece duas reflexões. Primeiro: o que é que fizemos nesses 516 anos? Segundo, o que não fizemos nesses 516 anos? Terceiro, não podemos deixar de fazer uma reflexão, porque estaríamos fora do Planeta se esquecêssemos da situação que se nos coloca, a de votar a favor ou contra a interrupção do mandato de uma Presidente da República.

    Creio, Senador Wellington, embora não tenhamos conversado, pelo que leio por aí, que é capaz de nós dois estarmos na mesma posição: a favor da abertura do processo. Acho até que o próprio PT e todos os Senadores deveriam votar a favor da abertura, dizendo que não têm medo do processo. Mas confesso que ainda não decidi o voto durante o processo.

    Nós fizemos muito, Senador, nesses 516 anos. Transformamos aquela terra, com aquele pequeno grupo de índios, em um dos maiores Produtos Internos Brutos do mundo, com uma renda per capita que, embora não seja alta pelos padrões dos países ricos, não é uma renda per capita pequena.

    Nós fizemos muito ao construirmos uma democracia, com altos e baixos, com avanços e retrocessos, mas uma democracia sólida. Fico até feliz de saber que a Presidente Dilma reconheceu isso hoje de manhã nas Nações Unidas. Nós conseguimos fazer com que 220 milhões de pessoas, salvo exceções, tivessem o que comer, apesar do desemprego de dez milhões, apesar das dificuldades todas. Mas nós fazemos parte dos países onde há fome endêmica.

    Nós conseguimos, inclusive, levar médicos a lugares em que não havia médicos. Hoje há médicos praticamente em todas as partes, mesmo que não haja os equipamentos.

    Nós conseguimos avanços na educação. Hoje, praticamente, todas as crianças estão matriculadas. Mas, para isso, nós maltratamos negros e índios durante séculos. Mais do que maltratar, no caso dos índios, nós exterminamos nações inteiras de índios. Nós destruímos as florestas e a qualidade da água nos rios.

    Nós fizemos uma sociedade profundamente desigual, uma das mais desiguais do mundo, por todas as estatísticas. Nós fizemos uma democracia, é verdade, mas com corrupção espalhada, generalizada, ao longo dos séculos, o que aflora agora de maneira tão forte! E fizemos uma democracia com essa falha imensa de chegarmos a este momento e termos de escolher se interrompemos ou não o mandato de Presidente.

    A democracia está funcionando, tanto que estamos discutindo isso, sem tanques de guerra ao redor, sem ameaça de golpe, mas não deixa de ser, Senador Wellington, lamentável que nós não tenhamos feito um sistema funcionar tão bem, que os presidentes conseguissem chegar ao fim dos seus mandatos pela própria competência do Presidente, pelos acertos do Presidente, pela respeitabilidade do Presidente e pelo nosso papel dos que estamos no Parlamento para ajudar no que for necessário e, quando criticarmos, sermos ouvidos.

    Chegamos, então, aos 516 anos tendo feito muito e, ao mesmo tempo, tendo feito pouco diante das expectativas, diante do que nós gostaríamos que fosse a Nação brasileira hoje. O que não fizemos?

    Terei o maior prazer de conceder apartes. Se quiserem agora, sim, senão, esperando um pouco, falarão mais.

    O que não fizemos? Nós não fizemos um Produto Interno Bruto que tenha substância, solidez, ao ponto de não sofrer uma recessão por dois ou três anos seguidos na dimensão do que acontecerá provavelmente este ano. Nosso PIB, embora grande, é frágil. Além disso, ele não é sustentável, ele se baseia na depredação, na depredação de prédios históricos, na depredação da natureza, na depredação de uma imensa população marginalizada, que é depredada, inclusive aquela que cai na violência. A economia cresceu, mas hoje há mais de 500 mil pessoas prisioneiras. É um dos maiores conjuntos de prisioneiros do mundo inteiro. Sobretudo, não fizemos, como deveríamos, um PIB que tivesse alta produtividade e que tivesse alta inovação nos seus produtos. Nosso Produto, nosso PIB imenso, continua baseado na agroindústria, na indústria de metal, na indústria metalmecânica. Não fizemos a indústria baseada nesses modernos equipamentos maravilhosos da ciência e da tecnologia.

    Nossos remédios são importados na fórmula, mesmo que não o sejam no comprimido. Nossos equipamentos médicos são importados. Tudo de informática é importado. Nossos automóveis são fabricados aqui, mas o desenho é importado, e, por isso, os nomes dos nossos automóveis são estrangeiros.

    Então, fizemos um PIB que não tem solidez, que não é bonito do ponto de vista da inovação e que não tem alta produtividade, por culpa, em geral, das leis que atrapalham a produtividade, por culpa da voracidade do capital, por culpa do corporativismo também.

    Não fizemos uma sociedade integrada. O Brasil continua sendo uma sociedade desintegrada. De um lado, há alguns; de outro lado, muitos. O que nos une é a urna. Daí eu ser favorável à eleição antecipada neste momento de crise.

    Nós temos ainda uma sociedade desintegrada, e eu temo, Senador, que da crise a gente já tenha entrado na decadência. Temo que a gente possa entrar na desagregação social. Não digo da desagregação do Sul separado do Norte e do Nordeste, não digo da desagregação regional, mas da desagregação social. A violência urbana é um sintoma de desagregação, não é mais um sintoma de malfeitos de alguns bandidos. Não! É uma desagregação social, que já nos deixou acostumados quase. A desigualdade cria uma desagregação mais do que uma injustiça.

    Então, nós não conseguimos fazer uma sociedade integrada até hoje, nós não conseguimos fazer um sistema de saúde que funcione satisfatoriamente desde a ponta do saneamento. O melhor médico para a dengue é o saneamento; não é o hospital, não é o doutor, mas é o engenheiro sanitário. Não fizemos o dever de casa no saneamento. Então, não fizemos um bom sistema de saúde. E os hospitais não conseguimos fazer funcionar satisfatoriamente. E, no meio, entre o hospital e o saneamento, não conseguimos um sistema de saúde familiar que atenda as pessoas onde elas estão.

    Hoje, Senadora Gleisi, vi um programa na televisão mostrando uma cidade de que não vou falar, onde mulheres grávidas, às vésperas ou no instante de dar à luz, não têm onde deitar para esperar o parto, mas ficam sentadas em cadeiras. Outras que fizeram o parto ficam deitadas no corredor; outras não puderam sair da sala de cirurgia. Pode ser que eu esteja errado, mas um bom sistema de saúde, com gestos simples, poderia fazer com que muitas daquelas mulheres fizessem o parto de forma confortável, se é que isso é possível dentro do ponto de vista confortável da saúde, perto de casa, até com o velho sistema das parteiras - uma delas me fez nascer.

    Poderia ter havido um treinamento, poderia ter havido outra concepção para esvaziar os hospitais. Então, não fizemos um sistema de saúde que satisfaça, apesar de termos feito o esforço do SUS nesses 500 anos.

    Não fizemos uma democracia sólida, que fosse capaz de evitar a necessidade de impeachment, que fosse capaz de nos libertar desse debate que não deixa de ser estéril entre impeachment ou não impeachment, estéril no sentido de que a gente devia discutir como dar emprego a dez milhões de desempregados, como fazer com que as escolas fossem de qualidade para todos e com que não houvesse risco de epidemias na saúde. Em vez disso, estamos, por culpa da fragilidade da nossa democracia, discutindo impeachment ou não impeachment, num debate, às vezes, sectário em que as pessoas não querem ver a realidade.

    Houve crime, ou não houve crime? Passou a ser um credo: para uns, houve crime. Passou a ser um credo: para outros, não houve crime. E a gente não senta para ver se houve ou se não houve. Além disso, nós nos sentimos policiados em votar num ou noutro sem ter a certeza se houve ou não houve crime, porque atrás estão nos pressionando. Estão nos pressionando as massas nas ruas, estão nos pressionando os amigos, artistas e intelectuais, estão nos pressionando os partidos. Há partido decretando questão de ordem: tem de votar assim ou assado. Essa é uma questão que transcende a política. O impeachment é uma decisão que vai ao nível do jurídico e do ético. Portanto, fechar questão, a meu ver, não é um caminho correto, mas a gente está prisioneiro deste momento.

    Nós não fizemos com que a educação fosse de qualidade, e aí, para mim, talvez, esteja o maior de todos os erros desses 516 anos. Não fizemos com que a educação fosse de alta qualidade nem de qualidade igual para todos. Até há gente que defende qualidade na educação, mas não defende a igualdade na qualidade para todos.

    Não adianta este País ter alta qualidade para poucos, e a média ser boa. Não basta, porque, cada talento desperdiçado, do ponto de vista do intelecto humano, é um recurso perdido para o País na economia, na justiça, na democracia. Não dá para desperdiçar poços de petróleo, não dá para desperdiçar cérebro, que é um recurso mais importante do que petróleo na economia do conhecimento.

    Erramos um bocado nesses 516 anos, apesar de termos muitas razões para nos orgulhar. Vale a pena perder um pouco de tempo para pensar em tudo o que fizemos nesses 516 anos; e quando digo "nós" aqui, Senador Wellington, creio que trago uma dimensão positiva, de colocar como "nós" todos os que vieram antes. E não apenas do partido de hoje, do outro partido. O Brasil é "nós", o Brasil teve uma característica de nós nesses 516 anos.

    Temos do que nos orgulhar de termos feito, mas não podemos ter euforia com o que fizemos. Não há motivos para deslumbramentos com o que fizemos, embora tenhamos orgulho, mas sem deslumbramento, sem euforia, para pensar o que fazer daqui para frente. E, daqui para frente, sem dúvida alguma, passa, nos próximos dias, essa decisão terrível de interromper ou não um mandato de presidente. E terrível porque, não interromper significa continuar um não governo, mas interromper significa macular. Não golpe - não aceito essa afirmação - mas mácula, uma mácula na democracia.

    O impeachment do Presidente Collor, a meu ver, foi uma decisão sábia, embora eu tenha ficado contra até o último momento, quando fiz uma carta, que um dia desses me mostraram, ao Leonel Brizola, em que eu dizia: "Dr. Brizola, chegou ao limite de não ficar a favor desse processo. Quero lhe avisar que, a partir de agora, estou a favor." Mas demorei muito, por causa da mácula que significa o impeachment. Mas, nesse caso, se não fizermos o impeachment, como será o dia seguinte? Mas, se fizermos o impeachment, como será o dia seguinte? O dia seguinte desses 516 anos? Como vai ser?

    E quais serão as consequências de votar "sim" ou "não" para os próximos 20, 50 anos? Não vou falar em 500. Isso seria uma maluquice. Mas, para os próximos 10, 15, 20, 30 anos, quais seriam as consequências?

    É isso que eu creio que seja o aniversário da descoberta do Brasil, que a gente pode até dizer do início do Brasil, embora muitos contestem, dizendo que o Brasil já tinha começado 40 mil anos antes com as primeiras populações indígenas, mas eram populações indígenas. Não era o Brasil. O Brasil é quando se encontram os dois. É ali que começa o Brasil.

    Então, 516 anos do grande encontro Europa e indígenas - porque, se eu chamar América, já estou dando um salto -, aquele encontro, 516 anos atrás, permite uma reflexão, para que o que nós decidirmos aqui tenha repercussão pelos próximos anos da melhor maneira possível para o Brasil, o que significa ter um Governo capaz de enfrentar as dificuldades que temos na realidade da economia, da saúde, da educação, da ordem pública e também da democracia. Não apenas servindo para manter a democracia, mas servindo para formar o espírito dos jovens na consolidação da democracia.

    Eu vou votar como Senador, mas não há como eu não votar também como professor. Não há como! Você não se livra dos seus cacoetes. O que vai ser bom, do ponto de vista pedagógico para o Brasil? Tirar a Dilma ou manter a Dilma? Não apenas do ponto de vista político, não apenas do ponto de vista jurídico, não apenas do ponto de vista econômico, mas do ponto de vista pedagógico do processo democrático.

    E aí eu quero dizer - e concluo para termos um debate - que confesso que tenho dúvidas, Senador Wellington; e eu tenho não sei se uma inveja ou um certo... Vou ficar com a inveja. Tenho certa inveja dos que têm certeza demais nas coisas, mas eu tenho também - e é esta a palavra que eu queria dizer - muito temor de quem tem certeza na política. Assusta-me a certeza na política, porque a certeza na política leva ao autoritarismo. Quem é dono da verdade na política, chegando ao poder, honestamente até, tende a impor a sua verdade porque acha que todos os outros não são críticos. São desprovidos de razão. Por isso a certeza é tão perigosa na política; por isso a dúvida é importante na política.

    Mas nós chegamos ao ponto em que o Brasil se divide em seitas, a ponto de ser necessário fazer um muro, separando manifestantes, porque não poderiam conviver. Dividiu-se tanto em seitas que a razão desaparece.

(Soa a campainha.)

    O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - E existe uma verdade de um lado e uma verdade do outro. Qualquer verdade que prevalecer, desprezando o outro lado, é perigosíssimo.

    A certeza me causa certa inveja, pela facilidade que é viver com a certeza. É uma coisa que tranquiliza, mas me causa, como cidadão, temor aqueles que têm absoluta certeza na hora de decidir na política. Eu sou defensor de certeza na Física, na Matemática, nas Ciências. Aí há certezas; e mesmo essas, provisórias, porque vem outro cientista e muda, com novas certezas. Mas, na política, a certeza dá inveja existencial. É cômodo ter certeza, mas dá uma preocupação muito grande ao cidadão que ama seu País, porque a certeza não é uma boa conselheira.

    Eu vou ficar em dúvida; agora, não posso, em cima do muro. Qual é a diferença? É que, na hora H, você vota. Então, você leva a sua dúvida, vai aperfeiçoando, vai aproximando, vai buscando certeza, até o dia em que vota, mesmo que ainda esteja em dúvida, mas opta. Você tem que optar. Nós não temos o direito de, em nome da dúvida, não optar. Aí, renuncie, saia, fique fora do mandato. Você tem um mandato, você tem que votar, você tem que optar, mas opte depois de esgotar todas as suas dúvidas; opte quando você estiver o mais perto possível da certeza, embora não esteja ainda com ela plena, total, porque isso alguns de nós nunca vão ter.

    Senadora, eu vou passar a palavra, dizendo que é disso que eu me lembrei hoje, quando acordei, lembrando que era o aniversário do Brasil. A gente tende a esquecer, ao pensar muito em Tiradentes e no aniversário de Brasília, mas hoje é o aniversário - 516 anos - de grandes realizações desse povo do qual nós aqui nos orgulhamos de fazer parte. Mas temos que reconhecer nossos erros, nossas dificuldades de hoje e os desafios para os próximos anos.

    Era isso, Sr. Presidente.

    Passo a palavra, com muita satisfação, à Senadora Gleisi.

    A Srª Gleisi Hoffmann (Bloco Apoio Governo/PT - PR) - Obrigada, Senador Cristovam. Sempre é muito bom ouvir V. Exª, como professor, como um político que tem muita experiência e também pela sua sabedoria. Eu gosto muito dos seus discursos. Muitas vezes divergimos em posicionamentos, mas V. Exª sempre traz conteúdo ao debate. Eu ia fazer uma brincadeira no sentido de que, depois da relatividade de Einstein e da física quântica, a gente não tem mais certeza de nada no mundo. Estamos descobrindo muitas coisas, inclusive em relação ao nosso Planeta e ao Universo. Mas queria falar sobre isso com V. Exª. Eu também acho que a gente sempre tem que questionar o que estamos vivendo e fazendo. Eu tenho hoje uma posição muito definida nessa questão do impeachment porque já estudei muito sobre esse assunto e o venho acompanhando. Então, para mim, realmente, é muito difícil fazer outro julgamento que não o que estou fazendo, porque não vejo nesse processo crime. Acho que vou ter oportunidade de discutir isso na Comissão. E quero dizer para V. Exª que eu acho que a decisão mais difícil que a gente tem na democracia é mudar o voto do eleitor. É possível fazer isso, a Constituição prevê, através do impeachment, a mudança do voto, mas é uma decisão muito séria, é uma decisão muito pesada. Por isso, temos que ser muito cautelosos e levar com muita seriedade esse processo. Tenho criticado muito a forma como foi na Câmara, porque me passa que foi um oba-oba, quase um FLA-FLU, em que as discussões eram muito mais rasas e muito mais de argumentação política do que efetivamente de mérito. Como nós estamos falando de impeachment, pressupõe-se que haja crime de responsabilidade; e crime tem que ter conduta, tem que ter dolo. É sobre isso que a gente tem que discutir. Os posicionamentos políticos, as críticas à Presidenta, querer mudar de Governo, é legítimo, mas é um debate para as urnas, e não um debate para usar um mecanismo tão agressivo à democracia. Queria apenas falar isso para V. Exª, dizer que eu o admiro muito. Tenho certeza de que V. Exª colaborará muito para o engrandecimento do debate que esta Casa fará nesse processo.

    O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - Senadora, eu fico feliz. Agradeço.

    Um desses dias, fui conversar com uma pessoa pela qual tenho o maior carinho, o maior respeito. Quase nascemos no mesmo dia, que é o Frei Betto, ao lado do Chico Buarque, do Sebastião Salgado - somos dos mesmos meses, perto do mesmo ano. São pessoas por quem tenho grande carinho e respeito. O Frei Betto, depois de muita conversa sobre esse assunto, perguntou-me: "E o seu eleitor, o que pensa?" Eu disse para ele, Senadora Gleisi, que cada um de nós tem dois eleitores: o eleitor da urna, que é a grande massa que vota na gente, e o eleitor da turma, das pessoas próximas, dos amigos, do partido.

    No meu caso, hoje é um divórcio; um divórcio que percebi nesta manhã, numa padaria, em Brasília, onde, antes de vir para cá, tomei um café. Chegou um jovem - e esta é a minha turma: os jovens, os professores, os intelectuais, os artistas; são a minha turma, a minha praia - com um brinquinho, e me disse: "Cristovam, sua história não vai permitir votar pelo impeachment. Nós temos o maior carinho e respeito por você."

    Eu falei para ele: "Se houver crime, se eu for convencido, eu voto, porque a minha história é a de votar pelo que é certo. Se não houver, eu voto contra." Ele entrou na padaria. Havia um senhor ao lado, um senhor bem mais jovem que eu. E eu disse: "Estamos divididos, não é?" Ele disse: "Não, porque 80% de Brasília quer o impeachment; ele faz parte dos 20%." Mas, e a turma?

    Há um divórcio hoje entre aqueles com quem eu convivo, como Chico Buarque, como Sebastião Salgado, que é um amigo que eu tenho, como Frei Betto, que é um grande crítico ao Governo, grande crítico ao PT, mas é contra o impeachment, ele me disse.

    Então, hoje, Senadora, há uma dificuldade muito grande se alguém quiser se basear pelo eleitor, porque o eleitor são dois, não é verdade, Senadora? Há o eleitor, as massas que votam em vocês, que os elegem e os trazem para cá. Nós somos amigos. Mas há aquele que compõe um conjunto de comportamentos, de tradições, inclusive, de sonhos, que é a turma. Alguns têm turmas por outras razões, para ganhar dinheiro. Há a turma por razões negativas. Não é o meu caso, mas existe, sim, um conjunto de pessoas que representam a sua base. Essa é a palavra. Hoje há um divórcio muito grande, porque o País está dividido. O País se dividiu, e a gente vai ter que optar, mesmo que a dúvida exista no último momento, mas, enquanto essa dúvida existir, eu não vejo por que optar, se ainda há tempo. E nós temos tempo. É para isso que eu vou votar a favor da abertura, mesmo sabendo que é lamentável, que a Presidente tem que se afastar nesse período. Era melhor que nem precisasse se afastar, e que nós pudéssemos fazer aqui o debate, como estamos fazendo com o Sr. Eduardo Cunha. Enquanto a Comissão de Ética o está julgando, ele continua Presidente. Não deveria ser assim e também para Presidente da República. Mas, como não é, eu vou votar a favor, mesmo com esse afastamento por no máximo 180 dias, se o impeachment não passar.

    Até lá, eu quero que a senhora me ajude a tirar minha dúvida; o Wellington também, o Hélio também e o povo da padaria também.

    Esse debate é fundamental, embora eu preferisse que o nosso debate fosse outro. Como garantir escola para todos; como não ter desemprego; como resolver a tragédia das nossas dívidas com os velhos aposentados, que não estão recebendo dinheiro; com os bancos, porque nós tomamos empréstimos e temos que pagar; nossas dívidas todas com o passado, para podermos construir o futuro.

    Senador Hélio.

    O Sr. Hélio José (PMDB - DF) - V. Exª, nobre Senador Cristovam, tem plena razão em vários dos argumentos aqui apresentados. Quero cumprimentar V. Exª pela importante lembrança do descobrimento do Brasil, há mais de 500 anos, no dia 22 de abril, uma data importante. Quando viajamos e ouvimos as pessoas se referirem à alegria e às realizações do Brasil, a este País lindo e maravilhoso, com suas belezas naturais, nós nos damos conta de como é importante o nosso País e de como é bom morar aqui e conviver com os brasileiros. Eu tive várias oportunidades de fazer esse paralelo. V. Exª foi muito feliz ao se lembrar dessa data, quando um grupo perdido de portugueses foi levado pelo vento, chegou a uma ilha e encontrou meia dúzia de índios, sem roupa, sem nada, conversando de forma diferente, e, de repente, deu-se o descobrimento desta Nação maravilhosa, que é motivo de orgulho para nós brasileiros e de preocupações para muitos outros que gostariam de ter o que nós temos e não têm: um país sem tantas catástrofes naturais. Nós não temos problemas com vulcões nem com maremotos e outros tipos de cataclismos. Temos um número grande de belezas naturais. Cada Estado deste País tem uma potencialidade muito grande em relação ao turismo. Não vou citar o meu Estado, que é Goiás, mas vou citar Santa Catarina, por exemplo. Se eu viajo para Santa Catarina, somente em Florianópolis, em 15 dias, cada dia vou a uma praia diferente. Somente em Florianópolis.

(Soa a campainha.)

    O Sr. Hélio José (PMDB - DF) - Mas posso ir a Rio do Sul, a Itajaí, a Chapecó, a Lages ou a Curitibanos, que são cidades lindas e maravilhosas, cada uma com sua história. O Brasil tem um potencial imenso. Nós precisamos levantar a nossa estima, saber que é possível nós nos organizarmos e trabalharmos no sentido de encontrar saídas para a crise. E a crise é mundial, a crise não é local. Alguns pensam que tirando A e substituindo por B, fazendo isso e aquilo, resolveremos o problema. E não é fato. Por isso que eu concordo com V. Exª, quando externa todas essas preocupações. Temos que fazer uma análise cuidadosa, julgando corretamente. Concordo com V. Exª quando fala sobre a admissibilidade. Nós dois fazemos parte da Comissão.

(Soa a campainha.)

    O Sr. Hélio José (PMDB - DF) - Em respeito não aos Deputados, mas à Câmara dos Deputados, que é uma instituição que aprovou essa questão - respeito todos os Deputados, mas estou falando da instituição Câmara, que aprovou a questão -, acho que devemos admitir inclusive de forma consensual. Em entrevista à Rádio BandNews falei sobre a admissibilidade. Eu disse que a admissão deveria ser acatada por todos os partidos, talvez até por uma votação simbólica, demonstrando que não há medo, não há receio, não há preocupação em apurar e examinar todas as nuances da situação, se há crime ou não, como vai ser feito. E, no momento oportuno, cada um de nós, Senadores da República, faremos o nosso juízo de valor. O que não pode acontecer, como o Senador Perrella disse anteontem, é tanto os prós como os contras fazerem terrorismo em cima das pessoas, pois somos autoridades constituídas legalmente, temos responsabilidade. Em nenhum julgamento o juiz profere a sentença antes de a sentença ocorrer.

    O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - Isso.

    O Sr. Hélio José (PMDB - DF) - A sentença só será proferida, pelo menos da minha parte, no dia do julgamento.

    O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - Isso.

    O Sr. Hélio José (PMDB - DF) - Eu já antecipo a questão da admissibilidade, porque, para mim, é inequívoco o Senado admitir uma questão que veio da instituição Câmara. E digo isso porque tenho certeza de que a instituição Câmara iria admitir uma questão que viesse da instituição Senado Federal. Então, estaremos trabalhando nessa Comissão, que se instalará na segunda-feira, e vamos apurar todos os fatos. Já relatei aqui que o meu compromisso é com o servidor público, o meu compromisso é com a população do Distrito Federal, com a dona de casa, com as pessoas pobres que precisam de um País estabilizado, que volte a crescer, que volte a gerar empregos, o meu compromisso não é com pessoas.

    O Sr. Hélio José (PMDB - DF) - Não adianta o terrorismo sem tamanho, querendo colocar palavras na boca de quem não as proferiu. Não adianta usarem de expedientes marrons para terem conversas informais e transformarem em entrevistas, tentando colocar na boca das pessoas o que elas não falaram. Fui vítima de um ataque desses no Correio Braziliense, pois nunca dei entrevista para aquele jornal, que nunca me ligou para falar sobre esse assunto. Foi uma conversa de corredor, quando uma pessoa se utilizou de uma conversa telefônica, fazendo-se passar por um amigo meu. Eu não estava conversando com nenhum blogueiro. Fiz alguns comentários sobre algumas dificuldades, dificuldades que são naturais. Não há dificuldade com as pessoas que estão sendo apuradas na Laja Jato, na questão da Lava Jato? Há dificuldade. Não há dificuldade para uma instituição tão importante como a Câmara e que tem um presidente que não resolve as dificuldades? Há dificuldade. Relatei isso. Há dificuldades para nós que somos moradores do Distrito Federal em vários pontos para o futuro. Nós temos que ter uma discussão clara com o funcionalismo, com os servidores, com as donas de casa, com o pessoal do meio de campo sobre como vai ser o comportamento desse ponto para o futuro, para preservar os direitos sociais. Os direitos foram conquistados ao longo da vida, com muito sacrifício de todos. Então, não é pura e simplesmente dizendo "sim" ou "não" para agradar um ou outro que vamos resolver o problema. Nós vamos resolver o problema pensando no País, valorizando as nossas belezas, as nossas riquezas, os nossos potenciais. V. Exª aqui é conhecido como o Senador da educação, uma pessoa que, a cada dez palavras, pelo menos mais da metade delas é sobre educação, porque sabe que a libertação de um povo se dá pela educação. Todos nós temos consciência disso, e V. Exª, que é o maior estudioso da área nesta Casa, é profundamente respeitado por todos nós, porque sempre colocou coisa com coisa nessa linha. E nós temos contribuído, dentro do possível, ajudando V. Exª nessa importante discussão para o País. E é isso que cada um precisa saber. Cada coisa na sua hora, não adianta fazer esse terror, como estão fazendo não apenas comigo, mas com todos os 81 Senadores da República, porque todos os 81 Senadores da República são pessoas de alta responsabilidade e compromisso. O nosso Presidente, Wellington Fagundes, um dia desses, estava reclamando aqui que puseram um outdoor contra ele no Estado, como se ele deixasse de ser a pessoa responsável que é, que sempre defendeu os interesses do Mato Grosso, que sempre defendeu os interesses do setor produtivo brasileiro, que defendeu os interesses das pessoas que realmente produzem neste País, como nós aqui defendemos, em razão da sua posição. Cada um de nós tem que ter a sua posição, conforme os autos, conforme o que existe ou deixa de existir, para podermos ter a tranquilidade de andar sempre de cabeça erguida e não sermos maria vai com as outras, de ficar tomando posição por causa disso ou por causa daquilo, por paixão ou por pressão de A ou de B. Isso comigo não vai ocorrer. E tenho certeza de que com cada um dos 81 Senadores também não irá ocorrer, porque cada um de nós, aqui, tem alta responsabilidade com o nosso Estado e com nosso País. Finalizando, nobre Senador Cristovam Buarque, ontem comemoramos os 56 anos de Brasília. Hoje estamos comemoramos quantos anos do Brasil?

    O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - São 516 anos.

    O Sr. Hélio José (PMDB - DF) - Comemoramos os 516 anos do descobrimento do nosso País. É com muito orgulho que falamos sobre os dois assuntos.

(Soa a campainha.)

    O Sr. Hélio José (PMDB - DF) - São assuntos muito caros tanto para nós brasilienses como para nós brasileiros, porque somos uma Nação que nasceu há 516 anos para fazer a diferença no mundo. Para isso precisamos ter tranquilidade, autoestima, valorizar o que temos de bom e consertar o que está errado. Ninguém precisa ter dúvidas sobre o meu comportamento, o de V. Exª, o do Senador Wellington Fagundes ou de qualquer um dos 81 Senadores desta Casa, pois temos responsabilidade e compromisso com a Nação. Muito obrigado a V. Exª pelo aparte e parabéns pelo pronunciamento.

    O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - Muito obrigado, Senador.

    Para concluir, Senador Wellington Fagundes, quero dizer, na linha do que o Senador Hélio José falou, que me constrange votar pela abertura - mas votarei - do processo de impeachment com base em um documento que veio da Câmara com a mesma assinatura, Senador Hélio José, que assina cheques em contas secretas escondidas na Suíça. É a mesma assinatura com a qual o Senador Eduardo Cunha mandou para cá o processo de abertura do impeachment. Essa mesma assinatura que maneja milhões de dólares e euros em contas secretas, que ele disse não tinha. Isso me constrange.

    Constrange-me também aquela sessão em que foi votado o processo, mas, como disse o Senador Hélio, é a realidade. Se não me engano, 367 Deputados votaram e o mandaram para cá, e não temos como rasgar isso e devolver para a Câmara, dizendo: "Não vale o que vocês fizeram". Aí, sim, cria-se uma crise institucional dificílima de resolver.

    Agora, no momento de votar, de decidir, é preciso que não apenas seja legal, é preciso que pareça legal. É como a corrupção de um político. O político não tem apenas que ser honesto, ele precisa parecer honesto. Assim vai ser a nossa decisão. Ela tem que ser legal e parecer legal.

    Para mim, não há a menor dúvida, não é golpe um processo de impeachment, tratado no Congresso, quando houve crime de responsabilidade, mas é preciso não apenas que eu acredite nisso, mas que o povo acredite. Nem pode ser golpe, nem parecer golpe e tampouco ter cheiro de golpe.

    Para isso, é preciso estar muito claro o que houve para sabermos explicar ao povo o que houve. Alguns podem espernear, mas é um esperneio que será feito por alguns, e não pela população.

    E essa decisão, voltando ao início da minha fala, não vai ter vento para ajudar a gente a chegar a ela como Cabral teve. Cabral contou com os ventos, que levaram até o litoral do que hoje é a Bahia. Nós não vamos ter ventos. Nós vamos ter que decidir com isso, com a lógica e com a consciência. Até lá, vou continuar explorando.

    Mas tenho a certeza de que - quero concluir dizendo, Senador Wellington - quando eu abrir o computador, daqui a pouco, vou ter recebido centenas de e-mails, porque eu me correspondo muito. Eu tenho certeza de que uma parte vai me considerar golpista, porque eu não disse aqui que sou contra o impeachment. E a outra parte vai me considerar serviçal dos petistas, porque eu não disse que votarei pelo impeachment.

    O Brasil ficou dividido dessa maneira, em duas seitas. É como se houvesse uma Síria e você fosse xiita ou de outra seita. Não há diálogo, não há convencimento, há "converter". Você tem que converter as pessoas hoje. E converter é muito difícil. Você precisa ser mais do que político, precisa ser um guru, um padre, para converter. E converter significa mudar de uma fé para outra. Eu não quero que ninguém mude de fé. Eu quero é que se chegue a um entendimento, e que esse entendimento seja comum aos brasileiros.

    E aí eu concluo: a única maneira de fazer um pensamento comum é pelas urnas. Não é apenas pelo nosso voto aqui. A gente cumpre a obrigação, mas as urnas, essas, sim, unificam um povo.

    Era isso, Sr. Presidente.

    O SR. PRESIDENTE (Wellington Fagundes. Bloco Moderador/PR - MT) - Senador Cristovam, eu gostaria de fazer um aparte ao vosso pronunciamento, mas vou convidá-lo para presidir a sessão para que eu possa falar. Eu quero abordar o assunto que V. Exª aborda e outro muito importante, que V. Exª sempre defendeu como bandeira de vida e que eu gostaria de também abordar. Portanto, eu o convido e digo que é uma honra poder falar sob a sua Presidência.

    O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - Muito obrigado.

(O Sr. Wellington Fagundes deixa a cadeira da Presidência, que é ocupada pelo Sr. Cristovam Buarque.)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 23/04/2016 - Página 38