Discurso durante a 73ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Críticas ao Governo do Presidente em exercício Michel Temer.

Autor
Humberto Costa (PT - Partido dos Trabalhadores/PE)
Nome completo: Humberto Sérgio Costa Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL:
  • Críticas ao Governo do Presidente em exercício Michel Temer.
Publicação
Publicação no DSF de 17/05/2016 - Página 37
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL
Indexação
  • CRITICA, MICHEL TEMER, EXERCICIO, GOVERNO PROVISORIO, PRESIDENCIA DA REPUBLICA, MOTIVO, REPUTAÇÃO, MINISTRO DE ESTADO, VINCULAÇÃO, INVESTIGAÇÃO POLICIAL, POLICIA FEDERAL, CORRUPÇÃO, REFERENCIA, INELEGIBILIDADE, PRESIDENTE DA REPUBLICA, CARATER PROVISORIO, AUSENCIA, MULHER, NEGRO, ENFASE, POSSIBILIDADE, EXCLUSÃO, POLITICA SOCIAL, EDUCAÇÃO, CULTURA, PREVIDENCIA SOCIAL, REGISTRO, PRESENÇA, SENADOR, ASSEMBLEIA EURO-LATINO AMERICANA (EUROLAT), OBJETIVO, DENUNCIA, GOLPE DE ESTADO.

    O SR. HUMBERTO COSTA (Bloco Apoio Governo/PT - PE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs Senadoras, Srs. Senadores, telespectadores da TV Senado, ouvintes que nos acompanham pela Rádio Senado, eu penso que estes últimos dias foram reveladores da ressaca moral que tomou conta de muitas marionetes funcionais que serviram ao golpe havido nesta semana neste País.

    Aquele espetáculo dantesco protagonizado pela Câmara dos Deputados, na votação que deu seguimento ao processo de impeachment contra a Presidenta Dilma Rousseff, já tinha empulhado sobremaneira defensores dessa conspiração. No entanto, os primeiros movimentos desse Governo ilegítimo vieram para escancarar o resto e corar até os mais desavergonhados.

    O carro abre-alas do assombro é o primeiro escalão. Você, que foi à rua pedir a derrubada de Dilma pelo fim da corrupção, saiba que há mais ministros citados e investigados em operações policiais do que havia antes. Aliás, o próprio Michel Temer está inelegível por oito anos em razão de condenação da Justiça Eleitoral e é um dos citados por delatores da Operação Lava Jato. Dilma Rousseff, no entanto, nunca o foi.

    Ele, aliás, acaba de nomear para subchefia de assuntos jurídicos da Casa Civil, um dos cargos mais importantes da Administração Federal, o advogado de ninguém mais do que Eduardo Cunha, o presidente afastado da Câmara dos Deputados classificado como delinquente pelo Procurador-Geral da República.

    Então, eu quero parabenizar a seletividade moral dos que apearam da Presidência da República uma mulher honesta, para favorecer essa junta provisória que ocupa agora o Palácio do Planalto. É um primeiro escalão de homens brancos - não há mulheres, não há negros - e isso diz muito sobre mais uma das faces perversas desse golpe perpetrado contra a vontade da maioria dos brasileiros. É como se o golpista em exercício não reconhecesse competência entre os representantes das parcelas mais excluídas da nossa população para poderem compor o seu staff.

    Desde Geisel, não se via um primeiro escalão sem mulheres. E o problema não é também que seja um primeiro escalão sem mulheres - na verdade é o que isso tem de simbólico na política do atual Presidente. O fim do Ministério da Igualdade Racial, das Mulheres e da Juventude é um exemplo de como essas políticas serão tratadas. O fim do Ministério da Cultura é outra demonstração de como aquilo que é a alma do nosso povo, a sua cultura, está dentro dos planos e das prioridades do governo do senhor interino Presidente sem voto Michel Temer.

    Desde Geisel, não se via um primeiro escalão sem mulheres. Convivam com o fato de que o general ditador parece ser mais arejado do que o golpista dito constitucionalista. Que grande avanço o bate-panelas proporcionou ao País! É a visão elitista, colonial e excludente da casa-grande que volta a dar as caras depois de treze anos de políticas inclusivas.

    Além dos que compõem esse Ministério do terror, ficam também muito evidentes as linhas mestras que vão nortear esse ilegítimo governo provisório. Acabaram com o Ministério da Cultura. O Ministro da Educação que subordinará a área é um dos próceres do DEM, Partido que trabalhou incansavelmente para acabar com todas as políticas de ações afirmativas, que ofereceu ao Supremo Tribunal Federal ações de inconstitucionalidade contra as políticas de cotas, contra o Fies, contra o ProUni, contra o Mais Médicos. Esse é o Partido do Ministro da Educação e da Cultura. Tenho certeza de que continuarão a trabalhar incansavelmente para acabar com essas políticas de ação afirmativa, políticas que ofereceram mecanismos efetivos e ascensão social aos nossos negros por meio das universidades, condenados desde o início da escravidão à mais odiosa segregação neste País.

    Hoje, tomei conhecimento pelos jornais - não sem assombro - de que, não bastasse isso, vai caber ainda ao Ministro do DEM, o Partido ruralista que agiu deliberadamente contra os nossos negros, a demarcação das terras quilombolas, exatamente aquelas destinadas aos remanescentes das comunidades dos quilombos. Isso é um verdadeiro escândalo. É colocar a raposa em pleno meio do galinheiro. Morro de curiosidade para saber a política do Ministro da Educação para os quilombolas e para os negros brasileiros.

    Esses golpistas, da mesma forma, foram à Justiça para acabar com o Mais Médicos, que, hoje, atende mais de 70 milhões de brasileiros, e muito provavelmente será interrompido pelo ranço de um agente que nunca o aceitou. O Ministro da Saúde, aliás, é o mesmo que, no ano passado, foi Relator do Orçamento Geral da União e cortou R$10 bilhões do Bolsa Família, ação que só não se consolidou porque a Presidenta Dilma proibiu que o Programa mais importante do desenvolvimento inclusivo da nossa história fosse esfacelado pela cegueira de quem só enxerga número pela frente, sem se preocupar com o fato de que há seres humanos por trás deles.

    Extinguiram, Sr. Presidente, a Previdência Social, e jogaram os aposentados e pensionistas para as mãos nada solidárias do Ministério da Fazenda, que, sem o pulso firme de um Presidente da República comprometido com os mais pobres, só promove cortes e arrochos. Então, os mais velhos que se preparem para as maldades que virão pela frente.

    O Ministro do Desenvolvimento Social, que cuida do Bolsa Família, é um crítico contumaz do Programa, desses que acreditam que o Bolsa Família é meio de vida para sustentar vagabundos, desses que não conhecem a extrema miséria em que vivia a parte sensível da população e não têm noção de que o Bolsa Família veio, de fato, para complementar renda, para oferecer uma perspectiva de vida e restaurar a dignidade de mais de 36 milhões de brasileiros.

    Não é um fim em si mesmo, mas um meio para a saída da pobreza.

    O problema era também o aumento de impostos. "O País não aguenta", era o que muitos diziam. Aí vem o novo Ministro da Fazenda e diz que a meta é diminuir, mas agora é preciso aumentar.

    Quero ver aqui, Sr. Presidente, por exemplo, o Líder do DEM, que dizia que CPMF de jeito nenhum, não teria o voto deles, o DEM jamais votaria pela recriação da CPMF. Quero ver se, amanhã, ele aqui vai dizer isto, que continua defendendo essa ideia. Ou o nosso querido Líder do PSDB, que passou por aqui rapidamente - não sei se vem para cá falar, defender o novo Governo -, que também se colocou frontalmente contra a possibilidade de retorno da CPMF. Agora, o Governo que eles ajudaram a chegar ao poder, não ajudaram a eleger - porque esse Presidente não teve voto popular, é um golpista -, mas que ajudaram a colocar onde está...

    Então, é de se perguntar: foi para isso que muitos foram às ruas? Em busca desse golpe de estado? Tenho de pensar que não foi por repúdio à corrupção, que não foi porque o Brasil estava em crise; foi por ódio ao PT. Vi tantas vezes pessoas dizerem: "No dia em que o PT sair, tudo vai melhorar", "No dia em que Dilma for colocada para fora, o Brasil já nasce outro". E a gente vê que nasce outro mesmo; a começar do Ministério escolhido, tudo indica que vai ser um Brasil muito pior. Essas pessoas foram às urnas, grande parte delas, para acabar com um processo de desenvolvimento inclusivo, para acabar com a reforma agrária, as cotas e as demais ações afirmativas, para destruir programas como o Mais Médicos, que nunca aceitaram, o ProUni, o Fies, o Minha Casa Minha Vida, políticas públicas que essas elites consideram excessivas e abusivas em subsídios e financiamentos às parcelas mais pobres da população.

    Vi, aliás, alguns colegas Senadores meio confusos, assustados com o que têm visto, tentando justificar, nas redes sociais, o voto que deram aqui, na quinta-feira passada, em favor do golpe. Vi um deles que disse que "abrimos uma porta que ainda não temos certeza de onde nos deixará ir".

    É de se perguntar se um Parlamentar, um Senador deveria permitir que se abrisse uma porta que nós não sabemos aonde vai nos levar... Sejamos sinceros, na verdade todos sabiam e sabem onde essa porta vai dar. Ela já estava escancarada há muito tempo. Não se pode dizer que não se sabia o que estava por vir. Era previsível. Nós sabíamos que seria esse retrato que aí está.

    É óbvio que são poucas horas deste Governo, mas é desde o início da formação do Governo, dos seus primeiros atos, das suas primeiras entrevistas, das suas primeiras falas, da fala do Chefe do Governo que nós já vamos vendo o que é que espera por nós.

    É hora de se perguntar: será que vai valer a pena termos agredido tão violentamente a democracia deste País; termos fabricado um crime de responsabilidade para justificar a saída da Presidenta República para colocar no seu lugar esse time a que nós estamos assistindo, que virou motivo de chacota para o mundo - de chacota, a nos envergonhar?

     Os grandes jornais internacionais nos tratam como se nós fôssemos uma republiqueta de bananas. As maiores lideranças da política internacional se perguntam: "O que foi que aconteceu? Como é que uma mulher que não tem contra si nenhuma denúncia de corrupção é tirada e, no seu lugar, entra um time de fazer inveja à seleção da penitenciária? Como pode ser?" Sinceramente, são coisas do Brasil e, principalmente, da sua elite.

    Da nossa parte, vamos continuar denunciando, tanto aqui quanto para o mundo, esse golpe humilhante aplicado à democracia brasileira, que transformou nosso País na maior república de bananas de todos os tempos.

    Os editoriais de alguns dos maiores e mais respeitados jornais do planeta - The New York Times, The Guardian - têm sublinhado muito bem isso. Após a decisão do Senado, eles foram unânimes em registrar a pena excessivamente alta imposta à Dilma, uma mulher honesta - abre aspas: "cujos acusadores são acusados por pecados piores" - fecha aspas.

    Não cansaremos de denunciar esse golpe em todos os foros possíveis, para deixar claro que uma quartelada civil, operada vergonhosamente dentro do Parlamento por um grupo, derrubou do Poder uma mulher limpa, eleita democraticamente pela população, para substituí-la por um grupelho, que tomou o poder de assalto, para satisfação de seus interesses próprios.

    Hoje mesmo, os Senadores Roberto Requião, Lindbergh Farias, Gleisi Hoffmann, Lídice da Mata e Vanessa Grazziotin - ou seja, um grupo progressista suprapartidário - estão em Lisboa, participando da Assembleia Parlamentar Euro-Latinoamericana, onde denunciarão o golpe brasileiro nos debates do encontro, bem como em reuniões paralelas a esse importante foro de diálogo entre Parlamentares dos dois continentes.

    No início da próxima semana, nós iremos ao Parlasul para, também lá, relatarmos ao Mercosul - bloco que a política externa desta junta provisória quer destruir, em desapreço à integração latino-americana - os meandros da deposição da Presidenta eleita. Já me inscrevi antecipadamente, inclusive outros Parlamentares se inscreverão para dizer aos nossos irmãos latino-americanos o que se praticou no Brasil, a vergonha por que estamos passando.

    Hoje eu vi o valor que estão dando a este Governo; o Ministro das Relações Exteriores querendo passar um pito nos países que manifestaram inconformidade, estranheza, com este golpe a dizer que não se metam na política do Brasil. Ouvi também, com muita satisfação...

(Soa a campainha.)

    O SR. HUMBERTO COSTA (Bloco Apoio Governo/PT - PE) - ...o Secretário-Geral da Unasul, perguntado se iria responder ao Ministro das Relações Exteriores do Brasil, dizer: "Eu não falo com Ministro interino."

    Está mostrado como no mundo está sendo visto este nosso País. É muito lamentável para todos nós.

    Vou concluir, Sr. Presidente. Meu tempo já se esgotou.

    Quero dizer que não haverá acordo nem trégua aos golpistas. Não daremos sossego aos que mancharam a nossa história e jogaram no lixo os votos de mais de 54 milhões de brasileiros. Vamos seguir apontando essa trama sórdida que solapou o Estado democrático de direito, e não há a menor possibilidade de reconhecermos qualquer legitimidade em um governo que não chegou ao poder por meio das urnas, mas pelo trucidamento da Constituição Federal.

    Muito obrigado, Sr. Presidente, pela tolerância de V. Exª.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 17/05/2016 - Página 37