Discussão durante a 71ª Sessão Deliberativa Extraordinária, no Senado Federal

Defesa da admissibilidade do processo de impeachment da Presidente Dilma Rousseff, em razão das "pedaladas fiscais" e da publicação de decretos federais para abertura de crédito suplementar sem autorização do Congresso Nacional; comentários sobre a situação política e social do país, e críticas à gestão do PT no Governo Federal.

Autor
Cristovam Buarque (PPS - CIDADANIA/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discussão
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL:
  • Defesa da admissibilidade do processo de impeachment da Presidente Dilma Rousseff, em razão das "pedaladas fiscais" e da publicação de decretos federais para abertura de crédito suplementar sem autorização do Congresso Nacional; comentários sobre a situação política e social do país, e críticas à gestão do PT no Governo Federal.
Publicação
Publicação no DSF de 12/05/2016 - Página 48
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL
Indexação
  • DEFESA, ADMISSIBILIDADE, IMPEACHMENT, DILMA ROUSSEFF, PRESIDENTE DA REPUBLICA, ILEGALIDADE, PUBLICAÇÃO, DECRETO FEDERAL, OBJETIVO, ABERTURA, CREDITO SUPLEMENTAR, AUSENCIA, AUTORIZAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, DESCUMPRIMENTO, LEI FEDERAL, REFERENCIA, ATRASO, PAGAMENTO, BANCOS, MOTIVO, REPASSE, BENEFICIO, PROGRAMA DE GOVERNO, COMENTARIO, SITUAÇÃO, POLITICA NACIONAL, CRITICA, GESTÃO, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT), GOVERNO FEDERAL.

    O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF. Para discutir. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, deixe-me dizer, inicialmente, que este é um discurso que não eu gostaria de fazer. Este é um momento que eu preferia não viver, Senador Aloysio. Eu preferia estar debatendo outras coisas para o futuro do meu País, mas são estes momentos que dão grandeza à atividade política quando a gente enfrenta com respeito...

    Presidente, estão dizendo que não há som. E eu vinha sentindo isso também antes.

    A SRª VANESSA GRAZZIOTIN (Bloco Socialismo e Democracia/PCdoB - AM. Fora do microfone.) - Som, Presidente.

    O SR. SÉRGIO PETECÃO (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PSD - AC. Fora do microfone.) - O som dele está baixo.

    O SR. PRESIDENTE (Renan Calheiros. PMDB - AL) - É que todos são convidados, mas é preciso ouvir o orador.

    A SRª VANESSA GRAZZIOTIN (Bloco Socialismo e Democracia/PCdoB - AM. Fora do microfone.) - Mas é que não estamos ouvindo. Está baixo.

    O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - Não há som.

    O SR. SÉRGIO PETECÃO (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PSD - AC. Fora do microfone.) - O som dele está baixo.

    O SR. PRESIDENTE (Renan Calheiros. PMDB - AL) - Com a palavra V. Exª.

    E eu recomendo a todos nós ouvirmos o orador.

    O SR. SÉRGIO PETECÃO (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PSD - AC. Fora do microfone.) - Eu estou querendo ouvi-lo, mas não há som.

    O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - O som melhorou ou continua ruim?

    A SRª VANESSA GRAZZIOTIN (Bloco Socialismo e Democracia/PCdoB - AM. Fora do microfone.) - Melhorou. Melhorou.

    O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - Sr. Presidente, eu dizia que este é um momento que a gente prefere não viver na política. Há outras coisas, Senador Moka, que gratificam muito mais, mas, ao mesmo tempo, são estes momentos que engrandecem quando você toma a posição que é correta, necessária, embora incômoda.

    Eu lembrava, quando surgiu a hora de falar neste discurso, que minha primeira manifestação política foi cercando o palácio do Governador Miguel Arraes, para não deixar que ele fosse derrubado pelo golpe militar. Esse foi o meu primeiro gesto. E, de repente, aqui estou eu, 50 anos depois, um pouco mais, para discutir a necessidade ou não da destituição, do impeachment de uma Presidente.

    Mas, Senador Renan, por incrível que pareça, eu voto pela admissibilidade com a mesma convicção com que fiz, ao redor do palácio do Governador Arraes, o movimento para que ele não fosse derrubado.

    Ali, Senador Aloysio, caíram dois colegas nossos, mortos, adolescentes. E hoje, Senador Anastasia, por incrível que pareça, sem risco de balas, eu sinto riscos ainda maiores quando eu vejo a reação de forças que aí estão e que não querem aceitar a necessidade da admissibilidade deste processo de impeachment.

    Mas não fui eu que mudei; foi a esquerda que envelheceu, não eu. A esquerda que está há 13 anos no poder, o que demonstra um desapego à democracia, manipulando, cooptando, criando narrativas em vez de análises; com a preferência pelo assistencialismo em vez de uma preferência pela transformação social; com um apego ao poder que consegue, inclusive, driblar a Constituição, fazendo com que o Presidente Lula tenha quatro mandatos: dois em seu nome e dois em nome da Presidente Dilma Rousseff; com o vício de corrupção, que nenhum de nós imaginava; com a incompetência gerencial, cujos resultados são nefastos e visíveis; com o aparelhamento do Estado; e com gosto por narrativas como essa de que o que estamos fazendo aqui, dentro de todo o rigor constitucional, é golpe.

    As consequências desses 13 anos estão aí. Basta olhar ao redor, basta ver o noticiário, basta nós participarmos da vida deste País. Tudo isso não justifica, em si, um golpe, porque não estamos no parlamentarismo. No parlamentarismo, o voto de desconfiança passava aqui rápido; mas não basta. Só que, de repente, percebe-se um processo de impeachment com base em crimes que foram - ou pelo menos há indícios - cometidos. Nós estamos aqui para discutir a abertura do impeachment. E eu não entendo como votar contra a admissibilidade.

    Votar contra a admissibilidade é ignorar que há indícios de não atendimento à Lei Orçamentária, que há evidências de que houve incorreção jurídica no Governo Federal ao editar decretos de contingenciamento sem autorização do Congresso.

    Há indicações de que houve relacionamento espúrio entre banco estatal e o Tesouro Nacional, em contradição com o que é explicitamente proibido pela Lei de Responsabilidade Fiscal e, ainda mais grave, com a finalidade de manipular resultados eleitorais. Há indícios de que os atos tratados na denúncia foram feitos de forma deliberada, sistemática, intencional, para melhorar os resultados do Tesouro em seu resultado primário, sem contrapor, sem mostrar, sem alertar sobre os malefícios que isso traria, certamente, à sociedade brasileira.

    Esses pontos me levam a votar, baseado em um argumento robusto, pela admissibilidade da denúncia, acompanhando o voto do Relator. Falta muito ainda para votarmos o impeachment ou não; mas, quanto à admissibilidade, eu creio que o Brasil quer, o Brasil precisa.

    Este é um voto para que o Brasil seja passado a limpo. A Presidente não nos deixou outro caminho, não aceitou os alertas dos riscos econômicos, feitos em discursos e artigos desde 2011, inclusive por mim desta tribuna. Não considerou o cuidadoso trabalho de uma audiência que fizemos, em 2014, sobre a contabilidade criativa, mostrando já ali, Senadora Marta, o crime de responsabilidade em execução desde o seu início.

    Isso está publicado, Deputado Jungmann. Não ouviu quando, em 2015, junto com outros Senadores, fomos a ela e lhe dissemos pessoalmente que ela precisava mudar. Nada disso adiantou. Ela não nos deixou outro caminho. Tampouco levou em conta que sua eleição comprometeu as finanças e a economia do País - e o Senador Ferraço é um dos que alertou para isso muitas vezes.

    Este meu voto é um voto técnico, pela incompetência como a economia e a gestão foram administradas. É um voto político, pela análise dos rumos tomados pelo País no passado e do destino que nos ameaça no futuro. É um voto contra o estelionato eleitoral e a arrogância no exercício do poder, no lugar daquilo que deveria ser diálogo. É um voto moral, contra a corrupção generalizada, contra o saqueio da Petrobras e dos fundos de pensão. Mas é sobretudo, para ficar restrito à Constituição, um voto jurídico, pela abertura do julgamento de crimes de responsabilidade.

    O Brasil precisa sair da marcha da decadência em que está. A abertura do processo de impeachment pode ser o momento, durante 180 dias, para debatermos não apenas os crimes que temos indícios de que a Presidente cometeu, mas para debatermos nossa crise, em toda a sua profundidade. Ontem o Senador Tasso falava sobre isso. Não podemos ficar presos apenas a analisar crimes cometidos pela Presidente atual. É preciso levar adiante a ideia do impeachment a todo modelo social, político e econômico que rege o País nos dias de hoje.

    A esquerda fora do Governo poderá usar esse tempo para refletir onde errou. Os brasileiros todos podem pensar onde todos nós erramos.

    Por que não fomos capazes de transformar um Território rico e uma população sem divisões em uma Nação rica, feliz, saudável?

    Por que não fizemos as reformas necessárias na política, no fisco, na educação?

    Por que não fortalecemos a democracia, preferindo comprar Parlamentares com mensalão e movimentos sociais com financiamento de projeto?

    Por que não realizamos as transformações sociais, estruturais, preferindo a assistência, com propósitos generosos, mas também fisiológicos, em troca de votos?

    Por que não pusemos o Estado a serviço do povo? Ao contrário, entregamos os órgãos públicos aos partidos, porteira fechada; os fundos de pensão aos grupos sindicais e até mesmo ao financiamento de carteiras de governos estrangeiros aliados; os bancos estatais entregamos a negociatas, visando ao financiamento de campanhas eleitorais.

    Não investimos como se deveria na educação de base, e ainda criamos um falso slogan de Pátria Educadora. Sobretudo, não fizemos avançar a consciência popular. Fizemos consumidores, não cidadãos.

    Isso trouxe a este momento. Trouxe ao momento em que temos de fazer algo que eu creio que nenhum de nós deseja: avaliar, analisar, julgar e, talvez, fazer o impeachment. Nenhum deve querer isso, até porque é um fracasso de todos nós, e não só da Presidente em seu Governo.

    Erramos muito. Creio que o erro já começou quando fizemos a tal da reeleição e transformamos cada presidente, cada governador e cada prefeito, desde seu primeiro dia, em candidato, e não em estadista.

    O modelo se esgotou pelo excesso de gasto, pelo cansaço com slogans sem substância, como PAC, Pré-Sal, Pátria Educadora; pela indignação com o estelionato eleitoral e pelos indícios de crimes descobertos pela Operação Lava Jato e consubstanciados, do ponto de vista de responsabilidade, por essa figura maravilhosa que é o Dr. Hélio Bicudo.

    Há um clamor público contra o Governo, mas há um sentimento profundo de que nosso modelo social, econômico e político se esgotou.

    A máquina pública está paralisada, em alguns casos, destruída; levará anos ou décadas para se refazer. A corrupção está generalizada, levando ao clamor o povo por ver o Partido que se elegeu como símbolo da ética tendo agora seus dirigentes suspeitos e presos por corrupção. A pobreza persiste, e, apesar de bons programas assistenciais, nenhuma reforma estrutural foi realizada para dar uma nova cara social ao Brasil. O Governo atual - tanto quanto os anteriores - deixou o Brasil em decadência educacional, científica e tecnológica em relação ao resto do mundo.

    Nenhuma reforma foi proposta com a finalidade de mudar o vergonhoso quadro da vida política sem partidos, de fato, e com excesso de siglas, sem utopias, com campanhas milionárias, com um sistema legislativo inoperante e inconfiável. O resultado é um processo de judicialização que desorganiza o processo democrático e envergonha todos nós, como nesses últimos dias.

    Voto hoje pela necessidade de fazer renascer as propostas de uma revolução social que foi corrompida e soterrada por uma esquerda que se acomodou, que se acovardou, que vive de narrativas ilusórias e não da verdade transformadora.

    E não me venham dizer que mudei, daquela passeata para salvar Miguel Arraes da cassação, para o meu discurso de hoje, de aceitar a abertura do processo. O mundo mudou, a esquerda envelheceu, mas eu continuo com os mesmos sonhos.

    Desta vez, nenhuma bala passará perto de mim, como naquele dia; não terei de me esconder por dias, nem me exilar fora do País por quase uma década; as liberdades continuarão plenas, mas o risco, Senador Renan, pode ser até maior: é o risco de perder apoios, simpatias, reconhecimento das pessoas que formavam - e já começo a falar no plural - o meu círculo mais próximo de apoio político. Não haverá balas, mas tem havido agressões, mentiras, infâmias.

    O Senado é dividido por bancadas. Há bancadas de empresários, de religiosos, há bancadas de sindicalistas. A minha Bancada é a Bancada dos professores, dos estudantes, dos cineastas, dos cientistas, dos artistas, dos intelectuais. A minha Bancada é a Bancada da inteligência. Lamentavelmente, a inteligência brasileira não está querendo usar a inteligência para pensar o novo; está viciada, comprometida e sem querer avançar.

    Eu voto com a tristeza do momento, mas voto com a esperança de que nós possamos, a partir desta catástrofe produtiva, criativa, debater o futuro do Brasil, o futuro das forças progressistas, e não das siglas que se dizem progressistas, e não das pessoas que fazem parte de uma esquerda...

(Soa a campainha.)

    O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - ... antiquada, superada e saudosista.

    Eu voto pela abertura do processo, deixando em aberto qual vai ser a decisão quando nós analisarmos o centro do assunto e chegarmos a uma conclusão. Mas, se entendermos que houve crime, vamos saber explicar esse crime para o povo entender, porque, se não formos capazes disso, de nenhuma maneira será golpe - está na Constituição -, mas, se não explicarmos bem, vai ter um cheirinho de golpe, e isso não é bom para a democracia.

    Senador, hoje não é o fim de um processo, hoje é o começo. Vou continuar nele com a mesma responsabilidade de todos esses anos em que a vida, por alguma circunstância, levou-me à política.

    Era isso, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/05/2016 - Página 48