Fala da Presidência durante a 93ª Sessão Especial, no Senado Federal

Sessão especial em homenagem ao centenário de nascimento do ex-senador Pompeu de Sousa.

Autor
Cristovam Buarque (PPS - CIDADANIA/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Fala da Presidência
Resumo por assunto
HOMENAGEM:
  • Sessão especial em homenagem ao centenário de nascimento do ex-senador Pompeu de Sousa.
Publicação
Publicação no DSF de 14/06/2016 - Página 13
Assunto
Outros > HOMENAGEM
Indexação
  • SESSÃO ESPECIAL, HOMENAGEM, CENTENARIO, NASCIMENTO, EX SENADOR, ELOGIO, VIDA PUBLICA, PROFESSOR, POLITICO, DEFESA, DEMOCRACIA, LUTA, LIBERDADE DE IMPRENSA, COMENTARIO, MUNICIPIO, REDENÇÃO (CE), ESTADO DO CEARA (CE), PIONEIRO, ABOLIÇÃO, ESCRAVATURA, PAIS.

    O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - Consulto se outros querem fazer uso da palavra. (Pausa.)

    Quero dizer a vocês que, hoje, de manhã, conversando, em casa, com a Gladys, eu disse que ia tentar falar, lembrando as palavras com que Pompeu me toca. E ela, na hora, disse: "Alegria". De fato, "alegria" é uma das primeiras palavras, a meu ver, que me lembram Pompeu. É claro que coloco junto de "alegria" a palavra "jovialidade". Ele faleceu com 75 anos, mas, como ele mesmo disse, num momento, não sentia essa idade dentro dele. E ninguém por perto dele sentia que ele tinha essa idade. Nesse sentido, ele é um exemplo para nós que estamos chegando pertinho dos 75 anos. Creio que, aqui, Coutinho e Luís Humberto são meus colegas de idade. Nesse sentido, ele era um elixir que nós tínhamos por perto.

    Para mim também é fundamental a palavra "democracia". Pompeu tinha a cara da democracia, no seu jeito, no seu discurso, na sua luta, na sua profissão também. É claro que coloco junto de "democracia" a palavra "liberdade". Ele, que foi citado aqui - e ele a citou tantas vezes -, era um homem libertário e iluminista. Há uma frase dele que acho muito interessante, quando ele diz que o autoritarismo convive necessariamente com o obscurantismo. Ele era um iluminista e um iluminado para muitos de nós. Ele era um homem que defendia o mundo caminhando para um humanismo iluminado. Ele era contra radicalmente toda forma de obscurantismo. Nesse sentido, esse democrata, esse libertário fez coisas tais como lutar pela autonomia do Distrito Federal. Ele fez coisas como lutar pela liberdade mais radical possível de imprensa, coisas a que muitos de esquerda reagiam, achando que a liberdade tem de ser apenas para uso da classe que queremos representar, e não para os de outras classes.

    Não, ele defendia a liberdade plena, com toda convicção. Ele era um democrata libertário. O papel dele aqui, no Senado, foi de um democrata.

    A palavra que para mim lembra Pompeu é jornal. Pompeu é um homem que tem a cara da palavra "jornal". E aí ele faz falta pra caramba para nós! Nisso e em outras coisas que eu vou dizer. Ele faz falta no momento em que a palavra jornal está mudando de significado. Até o tempo dele, o jornal era um papel com textos escritos. Hoje, é óbvio que não é só isso. Jornal é algo mais.

    A parte digital do jornalismo, a parte on-line do jornalismo hoje está tomando conta, enriquecendo muito os sistemas de informação. Eu gostaria de ver o Pompeu libertário num mundo em que a palavra jornal está se modificando.

    Ele era um renovador. Esta é outra palavra que para mim lembra Pompeu. E, como jornalista, no mundo de hoje, ele seria fundamental, porque muitos não estão entendendo ainda essa mudança do jornal, em que nem vai adiantar mais querer censurar. É um jornalismo incensurável tão radicalmente que carrega, às vezes, infâmias. E nós vamos ter que conviver com isso, acreditando que a única forma de trazer a verdade não é querer censurar as verdades dos outros nem as mentiras dos outros, mas abrindo para todas as mentiras e verdades se enfrentarem.

    Aí, eu coloco a palavra "político". Muitos acham que a palavra político é até negativa. Não, Pompeu era um político, desde a sua juventude, quando ele fala ali que lutou pelas liberdades democráticas participando, e não apenas como intelectual. Ele foi um militante, ele foi um político. E por isso, sim, é que faz falta um Pompeu hoje, porque nós, os políticos, nos perdemos. Não estamos percebendo que a política é para canalizar.

    E você, Mathias, falou que Juscelino carregava isso. A política é para carregar duas forças: uma força centrípeta de agregação do povo em um país, em um Estado, em uma nação, uma força agregadora. É isso que é a política. E uma força motora de levar essa cidade, esse país, esse Estado para o futuro. Juscelino tinha isso. Ele foi o líder que agregou. Ele foi o estadista que nos levou em direção a um projeto.

    Hoje, a gente pode até fazer algumas críticas quando a gente olha na luz de hoje, mas, naquele momento, ele representou, sim, a força centrípeta de uma nação que ele conseguiu unir. Talvez tenha sido o período em que estivemos mais unidos com todas as liberdades para manifestar as suas divergências, mas unidos no conceito de pátria, de nação e com um projeto para nos levar adiante.

    Hoje, Pompeu faria falta, porque nós, políticos, perdemos a capacidade dessas duas forças. Nem estamos conseguindo agregar, nem estamos demonstrando um projeto motor de para onde levar o Brasil nos próximos 30, 50 anos.

    Juscelino disse "55". Então, ele tinha perspectiva de 50. Hoje, a gente não tem perspectiva de cinco meses adiante. Esta é uma falha do momento que nos deixa em uma situação constrangedora, sem trazer aquilo que o País mais precisa: a força centrípeta e a força motora para o seu progresso.

    Mas ele fazia política com uma palavra que muitos não querem mais usar, mas eu insisto, porque não há outra ainda melhor: ele era um político de esquerda e se assumia como tal. Hoje, tem gente que não quer mais usar essa palavra por causa do fracasso de diversas experiências de esquerda no mundo e até no Brasil também. Mas, que outra palavra para unificar o conjunto de políticos que têm, primeiro, o descontentamento com a realidade que está aí; segundo, um sonho utópico de futuro; e, terceiro, o entendimento de que esse sonho não virá das forças do mercado sozinhas? Isso exige militância, participação, intervenção política. Essa é esquerda. Muda a utopia que a gente tem. Há muitas esquerdas com utopias diferentes. Muda o caminho para chegar lá. Cada um tem sua estratégia, mas a esquerda é para quem não está contente com o que está aí, para quem tem um sonho de utopia e para quem tem uma estratégia baseada na intervenção da militância política.

    Eu sinto falta de alguém como Pompeu, que pudesse hoje compartir conosco, e não digo comigo, mas com todos os que têm hoje a angustia de definir claramente a utopia que queremos, a estratégia que devemos seguir para chegar lá.

    Ele carregava algo que falta muito hoje na política, que é a capacidade de indignar-se. Creio que ele toca nisso em alguns momentos. Ele tem essa capacidade, que muitos estão perdendo. Está virando um lugar comum aceitar o que está aí. Pior ainda, está virando um lugar comum aceitar locupletar-se com o que está aí. A política está virando uma maneira de você tirar proveito, e não de você construir algo novo.

    E aí vem o outro nome que me liga também a ele: ele era professor. Ninguém podia esquecer que Pompeu tinha casado com ele a palavra professor. Na atividade - desde muito novo, como ele diz -, mas também na criação e na manutenção da UnB.

    Eu creio que ele teria a visão de que a universidade - que também hoje é preciso discutir - não é apenas uma escada social para quem entra nela. É uma alavanca para o progresso do conjunto da sociedade. Nós perdemos isso. A universidade se transformou, meu caro Reitor, hoje, para quase todos, em uma escada social. Para Pompeu, era mais do que isso. Claro que é uma escada social para quem está estudando, mas esse não é o principal papel da universidade. O principal papel é formar saber - e Darcy tinha clareza disso - para ser a alavanca para o progresso, meu caro Embaixador Larbi, e muito me honra tê-lo aqui.

    Então, a palavra "professor" era uma coisa ligada a ele.

    Outra palavra é "Brasília". Pompeu era Brasília. Ele esteve aqui não apenas porque foi Senador, mas pela origem de Brasília, pela criação de Brasília, em que ele esteve envolvido, pelo gosto que ele tinha por Brasília, pelo amor por esta cidade, pelos serviços que ele prestou e, muito especialmente, pela autonomia que nós fizemos.

    Eu teria outras palavras, mas vou me limitar apenas a uma, que não tenho. Qual é a palavra que diria ausência? Eu não sei! Não é ausente. Pompeu não é ausente, nunca foi ausente, mas deixa na gente uma sensação muito grande de ausência. Em vocês, da família, provavelmente muito mais, mas, em todos nós, que convivemos com ele, que somos professores, que tentamos ser professores, políticos, jornalistas, tudo isso, democratas, ele deixa uma grande ausência. É uma palavra que não sei como colocar. Como indignar-se também. Eu não sei bem qual a palavra que casaria com isso. "Indignado" não é.

    Aliás, quando falo do papel do ensino e listo 15 itens, e os três primeiros são a capacidade de deslumbrar-se com as belezas, não dá para colocar "deslumbrado". Para a capacidade de entender o mundo, não dá para dizer "entendido". E para a capacidade de indignar-se com as injustiças, não dá para dizer "indignado".

    Assim, também falta a palavra para indicar a falta que ele nos faz.

    E, finalmente, a palavra "Brasil", que ele carrega tanto que carrega até no nome. Todo nós temos a palavra Brasil conosco, mas poucos, como vocês da família, carregam a palavra Brasil dentro do próprio nome.

    Eu quero concluir dizendo que há algo que me tocou muito. Foi o fato de ele ter nascido em Redenção. Eu tenho fascínio por essa pequena cidade por causa da abolição da escravatura.

    Eu fiz um pequeno livro sobre os dez dias de debate nesta Casa da Lei Áurea, os debates entre os Senadores escravocratas e abolicionistas. Interessante como é atual esse debate. Todos diziam que eram contra a escravidão, só não era ainda tempo de fazer a abolição. A mesma coisa que dizem hoje, quando a gente fala que o futuro está na escola igual para o filho do pobre e o filho do rico; o filho do trabalhador na mesma escola do filho do patrão. Alguns dizem: "Tudo bem, mas não dá. Isso não é possível, isso é impossível!"

    Na época em que eu estava analisando as atas do debate, fui a Redenção. Fui ver essa cidade onde um coronel - coronel no sentido de latifundiário, dono de escravos - decidiu alforriar seus escravos. Mas ele disse que não adiantava ele só alforriar; procurou os outros latifundiários e propôs que eles também alforriassem. E eles disseram que sim, desde que alguém comprasse.

    Ele foi ao Rio, arranjou dinheiro e disse: "Eu compro, mas com uma condição: vocês não comprem outro depois", senão não adiantava nada. E alforriou todos da região de Redenção, que mudou o nome para "Redenção", porque o nome era outro - eu me esqueci agora o nome da cidade.

    Uma figura que nasceu em Redenção e que se chama Brasil tinha que dar em Pompeu de Sousa, a ponto de, cem anos depois, como disse o nosso Reitor, Ivan, conseguir encher esta sala, porque, minha cara Othília, é muito raro, nesses eventos que faço aqui - é verdade que são raros os eventos de homenagem a alguém -, conseguir tanta gente presente. Foi preciso um Pompeu de Sousa Brasil, de Redenção, para fazer isso conosco.

    Muito obrigado, Pompeu, por ter estado conosco 75 anos - "conosco", referindo-me aos brasileiros - e por boas décadas com essa moça aqui, a quem pergunto: você quer dizer alguma palavra antes que eu encerre a sessão?

    Era isso que tinha a dizer.

    Muito obrigado a cada um e a cada uma de vocês que vieram a esta homenagem. (Palmas.)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/06/2016 - Página 13