Discurso durante a 97ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações acerca da Proposta de Emenda à Constituição que visa fixar limite para o crescimento das despesas do governo, enfatizando a necessidade de estabelecer prioridades na alocação de recursos públicos.

Autor
Cristovam Buarque (PPS - CIDADANIA/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ECONOMIA:
  • Considerações acerca da Proposta de Emenda à Constituição que visa fixar limite para o crescimento das despesas do governo, enfatizando a necessidade de estabelecer prioridades na alocação de recursos públicos.
Aparteantes
Waldemir Moka.
Publicação
Publicação no DSF de 17/06/2016 - Página 15
Assunto
Outros > ECONOMIA
Indexação
  • COMENTARIO, PROPOSTA DE EMENDA A CONSTITUIÇÃO (PEC), OBJETIVO, FIXAÇÃO, LIMITAÇÃO, AUMENTO, GASTOS PUBLICOS, ENFASE, NECESSIDADE, ESTABELECIMENTO, PRIORIDADE, DESTINAÇÃO, RECURSOS PUBLICOS.

    O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Amigos antigos, que, entre muitas outras coisas, temos em comum a UnB, onde o senhor estudou.

(Intervenção fora do microfone.)

    O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - Muitos, muitos. E imagino que também muito em algo que vou falar aqui, Senador, que é a preocupação com o presente.

    Eu quero começar essa preocupação com uma frase que ouvi, nesta semana, de um amigo meu, professor da UnB, que preciso dizer que é chileno de nascimento, mas está aqui no Brasil há pelo menos 30 anos, embora, desses 30, Senador Lasier, ele ficou no Japão 20 anos.

    Em um almoço nesta semana aqui, o Prof. Neantro Saavedra disse uma expressão que me deixou profundamente inquieto, mas que resume muitas das nossas angústias. Ele disse: "Tenho pena do Brasil." Isso veio de uma pessoa que se considera brasileira, embora tenha nascido no Chile. Então, ele tem um sentimento de quem olha de fora, embora seja aqui de dentro, esposa, filhos. Eu creio que resume muito bem. Essa é a imagem que hoje está pesando no exterior a respeito do Brasil por aqueles que simpatizam com nosso País. Eles estão com pena do Brasil, pena pelo caos político em que nos metemos por erros sucessivos de governos; pena pela crise econômica que atravessamos, crise pela imagem de corrupção, crise pelo vírus da zika nas vésperas das Olimpíadas. "Tenho pena do Brasil.", me disse o meu amigo Neantro Saavedra.

    E como chegamos a isso? Como chegamos a isso, um país que tem a riqueza que o Brasil tem?

    Eu creio, Senadores, que nós chegamos a isso por termos esquecido uma porção de coisas. Ao longo dos séculos, Senador Moka, esquecemo-nos dos pobres; esquecemo-nos das crianças que construiriam o futuro; esquecemo-nos daquilo que construirá o futuro que é educação, ciência e tecnologia; e esquecemo-nos de que não se pode gastar mais do que se arrecada. Esquecemos isso. Acostumamo-nos a gastar levianamente recursos e, por isso, nos esquecemos de definir prioridades. Este é um país que, na imaginação dos brasileiros, se pode fazer tudo ao mesmo tempo: estradas, esportes, escolas, tudo. E que também se pode gastar tudo e ainda vai haver dinheiro para a poupança. Não existe isso! Ou poupa ou consome. Mas nós temos, por alguma característica talvez da mente brasileira, essa ideia de que é preciso consumir ao máximo. Aí nos apequenamos no futuro.

    Por isso, eu creio que é positiva a proposta que está enviando o Presidente Temer da ideia de limite de gastos. Mas é positiva, sobretudo, porque vai permitir um grande debate aqui dentro, Senador Moka. Nem deveria ser preciso falar que não se pode gastar mais do que a inflação permite naquele limite. Nem deveria precisar falar isso, Senador Dário. Isso é o óbvio, isso é aritmética, isso é como dizer que a gente não vai saltar do 10º andar. Ninguém precisa dizer isso. Mas, no Brasil, a Constituição vai ter que colocar algo parecido ao dizer que não se pode gastar mais do que o limite definido pelo que se gastou no ano anterior mais a inflação - que é a mesma coisa: não se gasta mais. Não deveria ser preciso, mas, no Brasil, é preciso colocar o óbvio. Mas o que é que vai ser bom disso? É o debate.

    O primeiro debate é perceber que existe uma coisa chamada aritmética, muito antiga, que define quanto se arrecada e quanto se gasta. Trazer isso que se tentou e até se conseguiu com Fernando Henrique Cardoso ao discutir a responsabilidade fiscal - e que está abalada e é uma das causas da nossa tragédia atual. Então, a primeira coisa é esta: o choque de limites. Isso é bom.

    Mas temos que discutir algumas coisas. Por exemplo, a necessidade de prioridades: não dá para gastar mais em tudo. E, aí, definirmos as prioridades, porque, ao haver um limite no gasto, nada impede que se gaste mais em um setor, desde que se gaste menos em outro, e a média fique igual. Vai ser a hora de definir prioridades. Por exemplo, se um professor se aposenta e ele continua recebendo do setor público na aposentadoria dele, aí, pela visão simples da lei, não se vai poder contratar outro professor, e a criança e o futuro do Brasil vão ser sacrificados.

    Então, a grande pergunta aqui é: quem vai pagar por isso? Esta é a pergunta: quem vai pagar? Qual setor a gente vai sacrificar e em qual setor a gente vai ter que gastar mais do que a inflação permite? Não se pode gastar mais na soma, mas nos pontos pode, sim, desde que suba um e caia outro. Então, esse vai ser um debate que, a meu ver, é interessante.

    Outro debate: eu ainda não tive acesso à PEC, mas, pelo que eu soube, há um ponto que permite que, em caso de calamidades, esse setor gaste mais.

    Aí, a definição de calamidade: uma criança sem escola é calamidade? Eu acho que é, mas é um debate que se tem que fazer aqui. Se vier uma epidemia, vai se poder gastar mais no Instituto Oswaldo Cruz, por exemplo, que cuida disso, ou nas universidades?

    Outro assunto: em que não podemos reduzir os gastos, porque aí sacrificamos o futuro? Porto, estrada, universidade. Esse pode vir a ser o grande debate, Senador Moka. E pode ser algo que engrandeça o Senado, se não cairmos na visão de alguns, que vão dizer "Isso é contra o povo, porque não vai permitir gastar mais do que o do ano anterior mais a inflação." Há gente que vai dizer isso. Acho que é contra o povo gastar muito mais ou mais do que se arrecada, porque se paga com a inflação. Então, vai haver esses.

    E vai haver os outros radicais, no outro lado, que vão dizer: "Não importa prioridade, chegou a hora da realidade. Vamos tratar todo mundo da mesma forma. E se gastará, daqui para frente, por 20 anos, com nove, depois mais a revisão, tudo igualzinho."

    Outros, como eu, vão achar que, sim, que se tem que fazer essa ideia, mas que não é gastar tudo igual: uns sobem, outros descem. Aí vou defender minhas prioridades. Outros vão defender suas prioridades. E nós podemos chegar ao final a algo que não vai resolver o Brasil.

    Muito mais complexa a nossa situação, há pouco conversávamos aqui, mas é um ponto fundamental para desenvolver o problema do Brasil, que se chama verdade fiscal, verdade financeira.

    Nós já ganhamos muito com a Comissão da Verdade, para descobrir quem torturou na ditadura, mas não fizemos a verdade financeira. Essa proposta pode ser, sim, que ajude a trazer para o Brasil, para a gestão do País a ideia de verdade fiscal, verdade financeira. E aí a gente vai começar a trabalhar outras coisas também, que não é o caso de se falar agora.

    Por isso, passo a palavra ao Senador Moka, com muito prazer.

    O Sr. Waldemir Moka (PMDB - MS) - Senador, Professor Cristovam Buarque, na minha avaliação, o que aconteceu? Eu tenho isso comigo e já disse publicamente.

(Soa a campainha.)

    O Sr. Waldemir Moka (PMDB - MS) - A partir de 2011, 2012, quando houve um problema - aí havia, realmente - na economia mundial, o Brasil optou por uma política econômica denominada anticíclica. Quer dizer, aumentava-se crédito, ofertava-se mais, injetava-se dinheiro. Aí, realmente, não houve limite. Nós chegamos ao ponto - o que depois deu problema - de oferecer financiamento para caminhões, com dois anos de carência e com juros de 2% ao ano. E para gente que nunca mexeu com caminhão: profissionais liberais... Aí foi aquele mundaréu de caminhões. De repente, houve uma superoferta de transporte, e, na hora em que a economia caiu, diminuiu a demanda, e nós tivemos aquele problema dos caminhoneiros. Por que estou citando isso? Porque, na verdade, isso deu certo durante 2011, 2012, 2013, aí esgotou. Aí foi a hora em que o próprio pessoal do Tesouro dizia: "Olha, vamos parar com essa coisa de subsídio para todo mundo, vamos...". E eu me lembro de V. Exª aqui, quero lhe fazer justiça, dizendo: "Olha, a parte econômica vai bem, mas a economia vai mal." Eu me lembro. V. Exª, por duas vezes, no mínimo, alertou o Governo. E deu no que deu. Nós chegamos aqui, no final de 2014, 2015, eu não me lembro, para sanarmos o problema da meta fiscal. Raspou-se o dinheiro de tudo, inclusive da saúde e da educação, para pagar 57 bilhões, porque esse era o rombo, e para as contas, o que eu acho que não saneia. Porque, para você emitir um crédito suplementar, você tem que ter aquele superávit...

(Soa a campainha.)

    O Sr. Waldemir Moka (PMDB - MS) - ... compatível com o crédito suplementar que você está enviando para o Congresso, a menos que o Congresso autorize. Estou trazendo isso porque esse debate que está sendo travado agora na Comissão do Impeachment tem muito a ver com essa questão da economia. Agora, concordo com V. Exª. A  PEC do Teto é importante porque ela vai colocar um freio de arrumação nos gastos. Mas nós vamos ter que discutir prioridades. Aí estou com V. Exª, porque V. Exª é um daqueles que briga muito pela educação. Eu também dei aula durante 15 anos, V. Exª sabe disso, e tenho como médico um compromisso com a saúde, que acho que são coisas básicas e que não podem e não devem ser esquecidas num debate de prioridade. Muito obrigado a V. Exª.

    O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - Concluindo, mesmo educação e saúde, Senador, em que temos que gastar mais provavelmente, temos que analisar até quanto mais, como reduzimos os gastos mantendo o funcionamento bom. Porque nossos setores precisam de mais recursos, mas precisam de mais eficiência.

    Nós precisamos gastar mais em educação e saúde, mas precisamos gastar melhor em educação e saúde. Na medida em que vier o freio de arrumação, é possível que a gente comece a provocar uma melhoria nos gastos, não apenas um aumento nos gastos.

    Para concluir, Senador, creio que essa PEC vai trazer o Brasil real aqui para dentro. Vai fazer com que entre aqui o Brasil dos seus limites fiscais, que tendemos a ignorar, e o Brasil real de problemas que precisam ser enfrentados com seriedade.

    Creio que o único ponto mais a discutir é se de fato precisamos colocar na Constituição, o que vai dar uma camisa de força muito forte e perigosa, ou projetos de lei que a gente possa respeitar.

    De qualquer maneira, está na hora, sim. Não é do freio de arrumação apenas que o Senador Moka falou, Senador Alvaro, é mais do que o freio de arrumação. Está na hora de um choque de realidade. E o choque de realidade implica a realidade do setor fiscal brasileiro, que tendemos a ignorar ao longo de décadas.

    E tentamos - eu digo nós como Brasil -, com a responsabilidade fiscal que Fernando Henrique trouxe, mas lamentavelmente foi arrefecido, frustrado nos últimos anos. É duro colocar numa PEC algo óbvio: não se pode gastar mais do que se têm...

(Soa a campainha.)

    O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - Mas é necessário colocar.

    Espero que seja um bom debate, Senador Jorge. Espero que isso traga um bom debate não só sobre o fisco, não só sobre finanças, mas sobre o Brasil inteiro, seus problemas e suas soluções através das suas prioridades.

    Era isso, Sr. Presidente.

    O SR. PRESIDENTE (Jorge Viana. Bloco Apoio Governo/PT - AC) - Cumprimento V. Exª, Senador Cristovam Buarque.

    Passo a Presidência dos trabalhos para o Senador Lasier Martins, para usar a tribuna. Depois falará o Senador Dário Berger, para uma comunicação inadiável, e o Senador Alvaro Dias como orador inscrito.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 17/06/2016 - Página 15