Discurso durante a 133ª Sessão Deliberativa Extraordinária, no Senado Federal

Inquirição do Sr. Júlio Marcelo de Oliveira, Procurador do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União, sobre o cometimento de crime de responsabilidade pela Presidente Dilma Rousseff.

Autor
Fernando Bezerra Coelho (PSB - Partido Socialista Brasileiro/PE)
Nome completo: Fernando Bezerra de Souza Coelho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL:
  • Inquirição do Sr. Júlio Marcelo de Oliveira, Procurador do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União, sobre o cometimento de crime de responsabilidade pela Presidente Dilma Rousseff.
Publicação
Publicação no DSF de 26/08/2016 - Página 52
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL
Indexação
  • INQUIRIÇÃO, INFORMANTE, PROCURADOR, MINISTERIO PUBLICO, TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO (TCU), ASSUNTO, CRIME DE RESPONSABILIDADE, AUTORIA, DILMA ROUSSEFF, PRESIDENTE DA REPUBLICA, REFERENCIA, UTILIZAÇÃO, DECRETO FEDERAL, OBJETIVO, ABERTURA, CREDITO SUPLEMENTAR, AUSENCIA, AUTORIZAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL.

    O SR. FERNANDO BEZERRA COELHO (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - PE) - Dr. Júlio Marcelo, o art. 4 da Lei Orçamentária, Lei nº 13.115, de 2015, previa que fica autorizada a abertura de créditos suplementares desde que as alterações promovidas na programação orçamentária sejam compatíveis com a obtenção da meta de resultado primário estabelecida para o exercício de 2015.

    Pois bem, os decretos que estão sendo questionados no âmbito do processo de impeachment tinham o objetivo de suplementar despesas, sobretudo despesas primárias. No caso concreto, parte dos recursos para abertura do crédito suplementar decorreu de superávit financeiro, apurado no balanço patrimonial do exercício de 2014 e de excesso de arrecadação.

    Em tese, seriam hipóteses válidas, conforme o art. 43 da Lei nº 4.320, de 1964, mas, para tanto, faz-se necessário analisar o cenário fiscal vigente à abertura de cada crédito orçamentário.

    Em 22 de julho de 2015, o Poder Executivo começou a reconhecer a ausência de espaço fiscal quando envia ao Congresso Nacional o PLN 5, de 2015, com vistas a reduzir a meta de superávit primário legalmente definida para o ano. Vigorava na época uma meta de superávit primário de R$22,2 bilhões, mas o resultado acumulado...

(Soa a campainha.)

    O SR. FERNANDO BEZERRA COELHO (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - PE) - ...obtido até esse mês, havia sido deficitário em 15,2 bilhões. Diante desse quadro, não havia espaço fiscal disponível para operações que implicassem aumento de déficit primário.

    Tendo em vista esse quadro, gostaria que V. Exª esclarecesse se era possível admitir o uso de recursos de origem financeira para suplementar despesas primárias.

    Essa é a nossa indagação.

    O SR. PRESIDENTE (Ricardo Lewandowski) - Com a palavra o Sr. Júlio Marcelo de Oliveira.

    O SR. JÚLIO MARCELO DE OLIVEIRA - Muito obrigado, Sr. Presidente, Sr. Senador Fernando Bezerra.

    A resposta é negativa. Não poderia ter admitida a edição desses decretos com superávit financeiro do exercício anterior, porque, mesmo no plano da autorização legislativa, no plano da elaboração do orçamento já, o orçamento e suas suplementações, ainda sem adentrar no campo da execução orçamentária, mas no campo da autorização legislativa, já se exige uma compatibilidade da programação orçamentária com a meta estabelecida e que tem força de lei.

    Quando se elabora lei orçamentária, ela já tem que obedecer à meta fiscal estabelecida e que é demonstrada no anexo de metas fiscais constantes da LDO por determinação da LRF. Justamente por isso, de maneira coerente, essa autorização que o Congresso Nacional confere ao Poder Executivo para suplementar o orçamento durante o exercício, sem precisar consultar o Congresso, é condicionada, é limitada a situações em que há compatibilidade dessa suplementação com a obtenção da meta em vigor.

    Sempre que se utiliza um recurso de origem financeira, seja suplementação, superávit financeiro do exercício anterior ou emissão de títulos para custeio de uma despesa primária, haverá um impacto, uma piora do resultado fiscal primário.

    Então, em razão disso, em hipótese alguma, nenhum critério...

(Soa a campainha.)

    O SR. JÚLIO MARCELO DE OLIVEIRA - ...por mais benevolente que seja, admitiria utilização dessa fonte de recursos para abertura de créditos suplementares em situação de descumprimento de meta fiscal.

    Obrigado, Sr. Senador.

    O SR. PRESIDENTE (Ricardo Lewandowski) - Agradeço ao Sr. Júlio Marcelo de Oliveira.

    Indago do Senador Fernando Bezerra Coelho se está satisfeito.

    Pois não.

    O SR. FERNANDO BEZERRA COELHO (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - PE) - Tenho mais uma pergunta.

    O SR. PRESIDENTE (Ricardo Lewandowski) - Tem mais uma pergunta. Então, V. Exª pode formulá-la.

    O SR. FERNANDO BEZERRA COELHO (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - PE) - Como V. Exª, Dr. Júlio Marcelo, deixou claro, se em situações como aquelas, ocorridas em 2015, o desempenho da arrecadação estiver aquém da meta de resultado fiscal, então qualquer excesso que se apure deve, em primeiro lugar, compor o caixa da União, com vistas ao cumprimento da referida meta. Somente depois de eventualmente ultrapassada a meta estipulada é que passaria a haver efetivo excesso disponível para o aumento de despesa mediante crédito adicional, mas não foi isso o que aconteceu.

    Como ficou demonstrado nos trabalhos da Comissão Especial do Impeachment e no relatório do Senador Antonio Anastasia, pelo menos três decretos arrolados na denúncia são deficitários. Eles se fundamentam em superávit financeiro e excesso de arrecadação, este último completamente inapto para abertura desses créditos, já que, no momento em que foram abertos, tal excedente, do ponto de vista fiscal, em verdade não existia. Diante dessa situação, não há como deixar de concluir que os decretos editados com repercussão negativa representam uma evidente inobservância à condicionante fiscal prevista no art. 4º da Lei Orçamentária Anual do ano de 2015.

    Em face desses impactos fiscais negativos, com a transgressão de comando da Lei Orçamentária e considerando que os decretos de abertura de créditos constantes da denúncia foram todos assinados pela Presidente da República, eu pergunto: V. Exª entende que a situação configura crime de responsabilidade...

(Soa a campainha.)

    O SR. FERNANDO BEZERRA COELHO (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - PE) - ...tendo em vista o disposto no art. 85, inciso VI, e art. 167, inciso V, da Constituição Federal?

    O SR. PRESIDENTE (Ricardo Lewandowski) - Agradeço a V. Exª.

    Devolvo a palavra ao Sr. Júlio Marcelo de Oliveira.

    O SR. JÚLIO MARCELO DE OLIVEIRA - Obrigado, Sr. Presidente.

    Como bem disse V. Exª, o excesso de arrecadação, ainda que de uma fonte específica e ainda que tenha uma aplicação vinculada a uma finalidade específica, só pode ser utilizado, incorporado ou suplementar uma dotação para um gasto futuro se houver autorização adequada; tem que estar no Orçamento. E essa autorização adequada, em caso de descumprimento da meta fiscal, só pode ser concedida pelo Congresso Nacional. Então, no meu ponto de vista, carecia a Presidente da República da autorização do Congresso para editar um decreto utilizando excesso de arrecadação nesse momento.

    E este foi o critério que o Tribunal de Contas adotou no Acórdão nº 2461, de 2015: ele considerou como fontes que não podem ser utilizadas justamente o superávit financeiro de exercícios anteriores e o excesso de arrecadação. Então, uma vez que não havia autorização legislativa, a autorização legislativa não alcançava essa hipótese utilizada pela Presidente da República, incidiu ela em violação ao art. 167, V, da Constituição, que V. Exª citou, portanto, um atentado contra as leis orçamentárias. E, na minha opinião, sim, está configurada a hipótese do crime de responsabilidade.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 26/08/2016 - Página 52