Discurso durante a 138ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Crítica à falta de convergência dos Senadores, obstáculo para implementar as reformas necessárias ao crescimento econômico do país.

Autor
Cristovam Buarque (PPS - CIDADANIA/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SENADO:
  • Crítica à falta de convergência dos Senadores, obstáculo para implementar as reformas necessárias ao crescimento econômico do país.
Publicação
Publicação no DSF de 14/09/2016 - Página 83
Assunto
Outros > SENADO
Indexação
  • CRITICA, FALTA, ACORDO, GRUPO, SENADOR, RESULTADO, OPOSIÇÃO, CRESCIMENTO ECONOMICO.

    O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, agradeço que, a essa hora, ainda tenha permitido que eu subisse à tribuna, mas não queria deixar passar este dia de hoje sem fazer certa referência a dois assuntos que se interligam. Primeiro, a intolerância que se percebe aqui nesta Casa, a divisão entre dois blocos sem tolerância entre si, sem diálogo, que podem atrapalhar muito o futuro do Brasil. Muito, muito, muito.

    O Presidente Renan, num desses dias, falou que isso aqui parece um hospício. Eu creio que ele usou a metáfora errada. Ele deveria dizer que isso está parecendo um estádio de futebol com duas torcidas. E torcida não precisa de lucidez. É paixão, um time contra o outro. Torcida não dialoga. Torcida torce por uma cor ou por outra cor. Não tem que ter diálogo. Não existe isso. Nem lucidez. Não tem lucidez. Aquele outro time, que não é o meu, fez um gol e eu vou bater palma? Não existe. O gol é contra o meu time.

    A gente fica contra no futebol, no estádio. Aqui não pode ser assim. Aqui o gol tem de ser de todos pelo Brasil, e não de um contra o outro. Tem que ter disputa, mas disputa com diálogo, buscando furar um gol em nome de todos, para todos. E eu temo que isso esteja desaparecendo cada vez mais, em vez de diminuir.

    Hoje, a reação para não votar projetos que interessam a dezenas, centenas de milhares de jovens que recebem o Fies. E outro, de que sou Relator inclusive, que é a continuação do projeto Brasil Carinhoso, da Presidente Dilma. De repente, o próprio PT cria dificuldades para aprovar, dizendo que chegou em cima da hora, o que é verdade. O atual Governo deveria ter feito isso há mais tempo, mas chegou agora. Como a gente vai impedir?

    E o Governo aceitou uma mudança que eu, como Relator, fiz, que não queriam, porque a proposta desse projeto, desde a lei inicial, é que o Governo Federal repasse 50% do custo de cada criança na creche para o prefeito. A Presidente Dilma, diante da crise fiscal, fez uma medida provisória que dizia "de zero a 50", não mais 50. De zero até 50. Mas manteve os 50. O Presidente Temer fez uma medida provisória que voltou ao "de zero a 50". Eu acho isso absurdo, porque, se é de zero a 50, pode ser zero. A gente vai dar zero para um prefeito que mantém criança na creche? Não pode.

    E eu fiz o meu relatório dizendo que teria que ser 50, lembrando que aqui se aprovou reajuste de salário que chega a R$68 bilhões em três anos, é verdade. Dá R$20 bilhões. Por que não aprovar para criança 50%, que vai custar no máximo R$1 bilhão por ano? O Governo aceitou, e não se conseguiu votar.

    Esse clima tem que parar, Senador. Não dá para a gente continuar com esse clima de animosidade e falta de diálogo. E eu disse que ontem aconteceu um fato que merece ser lembrado, a posse da nova Presidente do Supremo Tribunal, STF.

    A Ministra fez um discurso demonstrando austeridade não só no discurso, na sua postura. Essa é uma palavra-chave - e eu vou lembrar outras - que a gente tem que trazer aqui para dentro.

    Acabou o tempo da farra, quando havia dinheiro sobrando. Vamos entrar em um período de austeridade. Nós vamos precisar fazer mais com menos, porque não há recursos. E alguns começam a dizer que não, que tem que gastar mais e mais.

    Acabou! Depois da farra, não dá para continuar farreando. Acabou a farra! Nós vamos ter que ter responsabilidade. É a segunda palavra. Está faltando responsabilidade. Responsabilidade, por exemplo, com os jovens que vão ficar sem o Fies se não aprovarmos isso rapidamente. É preciso responsabilidade. Ontem a gente viu isso na posse da Ministra.

    É preciso lucidez. Está faltando lucidez. A gente não está conseguindo raciocinar. Não estamos conseguindo pôr a mente para funcionar perfeitamente e com responsabilidade, ao lado da tolerância que ela demonstrou também, até convidando o ex-Presidente Lula para estar presente, fato que tem sido muito criticado por todos. Não vou analisar o lado legal, mas, do ponto de vista da tolerância, é positivo. A gente precisa ter diálogo. O Presidente Temer vai ter que ter diálogo com o PT. O PT vai ter que ter diálogo com o Presidente Temer se a gente quiser que o Brasil caminhe de maneira satisfatória.

    Então, ontem a gente viu a prova de austeridade, de responsabilidade, de lucidez, de diálogo, de tolerância, palavras de que a gente precisa, e, além disso, discursos muito fortes contra a corrupção que trazem a palavra honestidade.

    Precisamos trazer para cá esse pequeno dicionário dos tempos de hoje na política, dicionário ausente diga-se de passagem. Temos que trazer para dentro daqui um dicionário que está ausente com estas palavras: lucidez, responsabilidade, austeridade, honestidade, tolerância e - quase que sinônimo de tolerância, mas indo além um pouco - diálogo.

    O Supremo ontem mostrou que está disposto a isso. Nós precisamos no Senado mais ainda, porque lá não têm que dar essa satisfação. Lá eles aplicam a lei. Aqui, não. Aqui a gente faz a lei. E fazer a lei exige tolerância, exige diálogo, exige lucidez, exige responsabilidade com o País.

    Eu espero que o que a gente viu hoje, que o Senador Magno viveu no avião esta semana, que outros de nós aqui, como a Senadora Vanessa viveu - veja que não é só de um lado, mas dos dois lados -, eu espero que isso passe rapidamente, porque nenhum país sobrevive à base do enfrentamento com intolerância entre seitas. País que põe sectarismo termina como a Síria está.

    Não podemos deixar que o Brasil vire uma Síria sem bombas, pela intolerância, pela sectarização, pela falta de diálogo, pela falta de honestidade, pela falta de austeridade. Eu quero repetir isso. Eu não entendo a esquerda ser contra a austeridade. A esquerda deveria ser a defensora de uma vida austera pelas pessoas; quebrar os privilégios que temos aqui dentro, quebrar o excesso de consumo, que é característica do capitalismo mais perverso do mundo, que é o consumismo. Nós precisamos adotar essa palavra "austeridade" para um projeto de futuro do Brasil.

    É isso, Sr. Presidente. Eu não queria perder a chance de falar da minha bela surpresa ao ver a posse, ontem, e de dizer que a gente tem muito que aprender, mas, sobretudo, nós temos muito o que praticar. Praticar! Praticar a tolerância, a lucidez, a responsabilidade, porque não deixa de ser um pouco sinônimo ou consequência de patriotismo a responsabilidade com o Brasil.

    É isso, Sr. Presidente. Eu espero que, passadas as eleições municipais - porque no processo eleitoral os ânimos ficam mais acirrados -, nós possamos sentar aqui e fazer aquilo para o que o povo nos mandou...

(Soa a campainha.)

    O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - ... que foi parlamentar. Parlamentar significa dialogar. Sem diálogo, não há parlamento; e, sem parlamento, nós enganamos os nossos eleitores quando dissemos a eles que viríamos para cá ser Parlamentares.

    Espero que a gente consiga ser Parlamentar e, através do Parlamento, encontrar saída para que o Brasil atravesse a grande crise que está diante de nós. E eu não falo só dessa crise econômica. Eu não falo só da crise educacional que a gente viu esta semana com a divulgação dos resultados das provas em que os nossos alunos do ensino médio têm nota 3,7. Qual é o pai que não fica desesperado quando o filho tira 3,7? E nós, que somos aqui os tios das crianças brasileiras, aceitamos isso? Então, eu não estou falando só dessas crises. Eu falo da crise das crises, que é a falta de responsabilidade, de lucidez e de diálogo.

    Era isso, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/09/2016 - Página 83