Discurso durante a 143ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Defesa da aprovação da Medida Provisória nº 746/2016, de autoria de Michel Temer, Presidente da República, que promove alterações na estrutura do ensino médio.

Autor
Cristovam Buarque (PPS - CIDADANIA/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
EDUCAÇÃO:
  • Defesa da aprovação da Medida Provisória nº 746/2016, de autoria de Michel Temer, Presidente da República, que promove alterações na estrutura do ensino médio.
Publicação
Publicação no DSF de 28/09/2016 - Página 12
Assunto
Outros > EDUCAÇÃO
Indexação
  • DEFESA, APROVAÇÃO, MEDIDA PROVISORIA (MPV), AUTORIA, MICHEL TEMER, PRESIDENTE DA REPUBLICA, OBJETO, ALTERAÇÃO, ESTRUTURA, ENSINO MEDIO, APOIO, ENSINO, TEMPO INTEGRAL, ENSINO PROFISSIONALIZANTE, CRITICA, ABANDONO, ALUNO, ESTABELECIMENTO DE ENSINO, REFERENCIA, INDICE DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO BASICA (IDEB).

    O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, eu levo uma porção de anos tentando convencer o Brasil, os dirigentes, de que o rumo certo para um país, no século XXI, mais até do que antes, é uma educação de qualidade para todos. Vivo anos com a batalha. Cheguei até a ter a ousadia de ser candidato a Presidente da República em 2006, com a ideia de que sim, é possível no Brasil, sim, é necessário no Brasil que o filho do pobre estude numa escola tão boa quanto o filho do rico. Sei que isso beira o desvario, mas é o que já acontece nos países minimamente decentes do mundo hoje - e não só os ricos: países que até eram pobres e ficaram ricos graças a fazerem isso. Isso é possível.

    Em tudo isso que faço, Sr. Presidente, em geral, procuro ouvir duas vozes: as vozes das crianças, dos adolescentes, dos jovens e as vozes que chegam do futuro do Brasil. São essas duas vozes que deveriam pautar tudo que a gente faz aqui, não as vozes dos banqueiros, não as vozes dos partidos, não as vozes dos industriais nem dos trabalhadores organizados, adultos de hoje. Nosso papel aqui é ouvir as vozes que chegam do futuro do Brasil e as vozes das crianças, dos adolescentes, dos jovens brasileiros. E essas vozes estão gritando, não estão apenas sussurrando.

    Os alunos do ensino médio, Senador Medeiros, estão gritando para nós todos os dias; sabe como? Abandonando a escola. Se um filho de vocês abandonasse o ensino médio, não era como um grito contra vocês, pais, que não fizeram o necessário - ou que não puderam fazer por causa da pobreza - para que eles continuassem estudando? Pois é assim que os adolescentes que estão no ensino médio gritam para nós: abandonando a escola. Isso, os que entram no ensino médio. E os que não chegaram lá? Milhões, milhões, milhões de crianças não chegam ao ensino médio. É um grito que eles fazem, um grito sem perceber, um grito in conscience, mas um grito, mesmo assim, que nós não ouvimos.

    O outro grito, Senador Medeiros, eles fizeram quando, quinze dias atrás, foi publicado o chamado Ideb, o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica, no capítulo do ensino médio. Quando eles tiraram 3,7, estavam gritando para a gente: "Esse ensino é uma porcaria! Não nos ensina, nós tiramos notas baixas". É um grito, é um grito brutal. Eles gritaram para nós - 3,7. Isso, os que fizeram o exame, porque estavam no ensino médio, mas isso é metade das nossas crianças. Os outros nem o exame fizeram, ficaram gritando fora, pela evasão que eu lhes disse. Os nossos jovens estão gritando: gritando, abandonando a escola; gritando, tirando as notas baixas no Ideb.

    Esses são os gritos das crianças que eu escuto há anos, há anos, há anos. Mas, até em função disso, nos chegam vozes do futuro, vozes do Brasil de daqui a 20, 30 anos; vozes que nos chegam do ano 2050. E que dizem essas vozes? Essas vozes nos dizem que, por conta do abandono da educação, o Brasil será um País, em 2020, 2030, 2050, de baixíssima produtividade - portanto, com uma renda per capita baixa, pobre. Mas elas gritam também lá de longe, as vozes do futuro, dizendo que o Brasil será um País que não acompanhará as necessidades da economia do futuro porque nós não teremos capacidade criativa, inovativa, científica, tecnológica - as vozes do futuro; na boca dos jovens de hoje estão nos dizendo que, lá adiante, a economia brasileira será uma tragédia. Essas vozes estão nos falando e nós não estamos ouvindo.

    Essas vozes também estão, lá de longe, dizendo que porque existe uma educação para rico e uma educação para pobre a sociedade daqui a 20, 30 anos será desigual, ainda mais do que é hoje. E uma sociedade desigual já é violenta, e ela ainda induz violência. As vozes do futuro estão dizendo - lá de longe estão nos dizendo - que o Brasil lá é um País ainda mais violento do que hoje. As vozes do futuro estão dizendo que o Brasil caminha para uma desagregação, uma espécie de Síria sem bombas - talvez, talvez - desagregada, cada um no seu condomínio privado fechado, isolado, aprisionado para se proteger, e os outros expulsos, excluídos sem poder entrar; com partidos sem convicções, sem utopias, sem ética. É isso que as vozes do futuro estão dizendo para nós quando as crianças de hoje e os jovens de hoje nos falam - abandonando a escola ou tirando as notas baixas no Ideb. E nós, aqui, Senador, escutando.

    É por isso, Senador, que eu recebi com muita satisfação a notícia da medida provisória que tenta reformar o ensino médio. Recebi com muita satisfação. Não com a ilusão de que isso vai fazer do Brasil uma Coreia do Sul, uma Finlândia. Não! Estamos muito longe disso. Isso só quando houver uma radical federalização de todo o sistema educacional, e isso não está previsto nessa medida provisória. Mas essa medida provisória tem a primeira grande vantagem, Senador Medeiros, de trazer a palavra urgente para a educação.

    Senador, em 1999 eu fiz parte de um grupo criado pelo candidato a Presidente Lula - derrotado - para a educação e publicamos um trabalho assinado por ele e por mim. O título? "Educação urgente". Quem assinou um documento, como o Lula assinou, escrito educação urgente não pode ser contra a medida provisória, porque a medida provisória é a manifestação da urgência.

    Mas parece que ficaram contra, agora. Como ficar contra a urgência na educação? Vamos deixar que os jovens que estão aí, nos três anos do ensino médio, saiam porque nós não queremos fazer com urgência a reforma? Como pode se imaginar isso? "Não tem pressa", como eu ouvi gente dizer. Não tem pressa fazer a mudança no ensino médio? Aí outros dizem: "Mas é que precisamos debater!" Senador, eu debato há 20 anos isso! A Câmara debate há cinco anos um projeto de lei que serviu de base para essa medida provisória. Não é diferente! Só que, se ficasse lá, levaria mais um ano ou dois, aí viria para aqui, mais dois ou três anos.

    A medida provisória vai exigir o debate rápido. Temos material para isso. Eu já preparei minhas emendas. Chegou antes de ontem, eu já preparei, são só cinco dias! Estavam prontas na cabeça minha e de meus assessores, porque a gente debate isso há décadas.

    Então, temos que reconhecer que a medida provisória é a manifestação de ouvir os jovens, urgente. As crianças não querem esperar, porque elas crescem! Elas não crescem no ritmo das eleições, no ritmo da política, mas sim no ritmo da biologia, e elas não esperam. Por isso, eu vi com satisfação a medida provisória, e estou pronto para analisar, emendar, propor, transformar essa medida - porque me dediquei a isso. Mas não sou o único. Milhares de pessoas estão prontas, e quem for da área de educação e nos disser que não está pronto é porque não estava preocupado; é porque não estava preocupado esse tempo todo! Agora que você está despertando?

    Por isso, primeira satisfação: ser medida provisória. Segunda satisfação: é que, de fato, ouve o jovem! Porque se tem uma coisa que os jovens estão gritando é que a escola é chata, é incômoda, é inconveniente, aprisiona o jovem em uma grade de disciplinas que, muitas vezes, eles não gostam, não querem. Por que não colocar a escola a serviço do que os jovens querem? E eu não estou falando do ensino fundamental, onde talvez as crianças tenham que ser ouvidas também, escutadas, mas talvez elas não tenham tanto discernimento, ainda. Mas o adolescente? Quinze, dezesseis, dezessete anos? Tem, sim, condições de saber se gosta mais de matemática ou se gosta mais de inglês; se gosta mais de uma disciplina ou outra. Aliás, no meu tempo, eu já tinha dois ensinos médios para escolher: um chamava-se científico, outro chamava-se clássico - se eu queria mais letras ou queria mais matemática. Eu escolhi. Queria ser engenheiro, escolhi a matemática. Não tive que ficar três anos estudando grego ou latim, em que eu teria muita dificuldade. E que, sinceramente, poderia ser útil culturalmente, e eu teria tempo de aprender depois, se quisesse.

    Por que não ouvir a criança, o jovem, na hora de fazer o seu currículo, gente? Como é que alguém reage a isso? E se diz discípulo de Paulo Freire! Paulo Freire escreveu que a educação é para a liberdade. E, se a educação é para a liberdade, ela tem que ser libertária desde ela própria, como nos ensinou Paulo Freire. Como é que alguém que se diz discípulo de Paulo Freire é contra o aluno dizer o que ele quer e o que ele não quer estudar?

    Não pode. É um contrassenso. É fruto desse Fla-Flu, porque, como veio do Governo Temer, quem é do PT não quer. A Senadora Gleisi acabou de dizer, há pouco, que a Presidente Dilma não propôs fazer uma reforma do ensino médio. Ela estava errada em não propor. Ela falou e falou inclusive isso, em alguns momentos, porque eu lembro.

    O SR. PRESIDENTE (José Medeiros. Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PSD - MT) - Pátria educadora.

    O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - Além disso, botou o título de Pátria Educadora, um slogan marqueteiro, a gente sabe. Mas ela falou da necessidade de a grade escolar do ensino médio ser flexível. Essa é a primeira... A segunda. A primeira é ser medida provisória. A segunda é a flexibilidade. Aí se diz: "Todo mundo tem que aprender filosofia". Todo mundo tem que praticar filosofia, que não é o mesmo que aprender filosofia. Uma coisa é o aluno ser obrigado a ter a disciplina filosofia e aprender quais foram os filósofos gregos; a outra é ele ter um fórum de debate na escola para debater, por exemplo, Lava Jato, e aí ver o que Aristóteles dizia sobre ética. É diferente. Eu duvido que as crianças não queiram debater assuntos do presente e, nesse debate, aprender filosofia.

    Educação física. O menino acorda um dia com dor de cabeça, na terça-feira, e tem que ter educação física. E às vezes é pura teoria. Sabiam, não é? Ensinam as regras do futebol, as regras do basquete. O menino quer é praticar basquete e futebol! Tem que ter o espaço para isso, com a orientação de um professor de educação física, e o debate de filosofia com um professor de filosofia. Isto tem que ter, este espaço. Aliás, a medida provisória não acabou com a obrigatoriedade da filosofia. Eu, pessoalmente, acho que filosofia tem que ter; não necessariamente disciplina, mas prática, debate. É disso que se precisa, com um professor por perto. Mas é o aluno que tem que escolher qual lado ele quer, para o que ele tem mais vocação, mais talento. Garanto como diminuirá a evasão escolar quando o aluno escolher o seu currículo.

    Terceiro ponto: horário integral, mais horas de aula. Horário integral, mais horas na escola, é fundamental hoje, por duas razões. Primeiro, porque a quantidade de coisas que o jovem precisa aprender hoje é muito maior do que antigamente. E, segundo, porque hoje ficar na rua é ir contra a escola. No nosso tempo - o senhor é mais jovem, então, talvez não -, a escola era até um lugar em que a gente brincava e, com isso, aprendia coisas que a escola não tinha ensinado. Hoje, a rua não ensina mais - a rua deforma, degrada. A rua, em geral, significa coisas ruins. Temos que tirar as crianças da rua - e colocá-las onde, já que as famílias trabalham? É na escola. Por isso, a medida provisória tem esta grande vantagem de aumentar o número de horas dentro da sala de aula, dentro da escola, indo assistir a eventos e, ao mesmo tempo, com mais dias por ano na escola; mais dias. Não dá para ficar tão poucos dias na escola, porque, nos outros dias, é na rua.

    Finalmente, a outra coisa de qualidade é o ensino profissionalizante. Estava na hora de cada jovem no ensino médio aprender um ofício. E eles vão gostar disso, porque eles vão escolher. Quantos alunos não gostariam de ter aula de gastronomia, que é um pouco moda hoje? Ou técnicas de turismo, para saírem dali e arranjarem um emprego em uma agência de turismo? Ou até técnico de futebol, para darem as primeiras noções aos jovens do bairro? Há muitas profissões que podem ser ensinadas no ensino médio.

    Uma jornalista me ligou perguntando se isso não era feito para, aumentando o número de profissionais, baixar o salário. Imagine, Senador! Ou seja, não vamos ensinar nada a ninguém, porque os que já sabem vão ganhar muito. É essa a ideia do corporativismo de hoje, esquecendo, inclusive, que, no mundo global, se aqui não houver quem saiba, a gente vai buscar lá fora, vai trazer de outros países...

    O SR. PRESIDENTE (José Medeiros. Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PSD - MT) - A Índia, por exemplo.

    O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - ... que estão fazendo cursos profissionalizantes, como trouxemos os médicos.

    Nós entramos num processo de obscurantismo tão grande que eu ouvi, ontem, uma jornalista me perguntando se curso profissionalizante não ia servir para baixar o salário dos trabalhadores. Ou seja, não vamos ensinar nada a quem não sabe, para que só os que estão sabendo continuem com seus empregos, como se taxa de salário fosse reflexo apenas do mercado, e não das pressões corporativas. Para que servem os sindicatos? Então, fechemos, já que é o mercado que decide.

    Veja como o Brasil está dividido entre os mudancistas e os conservadores reacionários que não querem mudanças. Reacionários! O pior é que se dizem de esquerda. Não existe esquerda que não seja transformadora e que, às vezes, aceite a mudança, provisoriamente, enquanto não faz a transformação.

    Eu quero a transformação. Não me basta mudança dessa medida provisória. Mas eu quero essa mudança, porque é um caminho para chegar, um dia, à transformação que eu defendo: escola federalizada; professor com uma carreira nacional, e não carreiras municipais, com salários equivalentes aos mais altos deste País, mas com dedicação exclusiva, com avaliações periódicas, com formações permanentes. Isso não vai chegar agora. Essa MP não traz isso, não traz meus sonhos. Está longe ainda, mas é um passo. É um passo para quem está ouvindo os jovens e para quem está ouvindo as vozes que vêm do futuro, angustiadas, assustadas, apavoradas com o Brasil que a gente está construindo hoje, para, no futuro, ser um Brasil desagregado, ineficiente, caótico, improdutivo, sem capacidade de inovação, com um brigando com outro, sem patriotismo.

    Eu creio que essa medida é um belo passo. Ela me lembrou, Senador Medeiros, do que eu vejo na história que eu tanto estudo: da Abolição da Escravatura e de Joaquim Nabuco. Joaquim Nabuco passou a vida dele querendo apresentar uma lei da abolição. No fim, quando Deputado, quem mandou a lei foi o maior opositor dele, um conservador, Deputado pernambucano que estava no governo daquele tempo. O que fez Joaquim Nabuco? Chega a lei que ele queria, mas trazida pelo seu adversário. O que fez ele? Pegou a bandeira que o adversário trouxe e, em dez dias, conseguiu aprovar aqui a Lei Áurea, que não era mais dele, mas era aquela pela qual ele tinha lutado.

    Eu quero fazer o mesmo, Senador. Adoraria ter feito isso, eu próprio, mas a história não permitiu. Estou pronto para lutar. Não importa quem mandou, não importa o governo que enviou, essa é uma medida provisória que ouve as vozes das crianças de hoje e as vozes angustiadas que vêm do futuro do Brasil. Não ouvi-las é ser reacionário, é ser antipatriótico, é não ouvir que, dentro dessa MP, estão coisas de Paulo Freire, de Anísio Teixeira de 80 anos atrás, de Darcy Ribeiro, como o horário integral. Estou ao lado desses e, ao lado destes, vou apresentar emendas, mas vou apoiar e, depois, vou continuar lutando, não vou me contentar, não vou me satisfazer, vou continuar lutando para que o Brasil, um dia, não apenas tenha uma medida provisória como essa para o ensino médio, mas que, um dia, o Brasil seja campeão mundial de educação, igual aos outros países, e onde o filho do mais pobre trabalhador estude na escola igual à do filho do patrão mais rico deste País. Isso é possível. Essa medida provisória não traz, mas dá um passozinho. Vou apoiar este passozinho e continuar lutando pela longa caminhada que ainda temos em frente.

    É isso, Senador José Medeiros, o que eu tinha para dizer.

    O SR. PRESIDENTE (José Medeiros. Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PSD - MT) - Senador Cristovam, em 1900, acredito que foi 1990 ou 1991, estive em um congresso da UNE e lembro-me de que V. Exª participou daquele congresso na USP, junto com várias outras autoridades políticas que lá estiveram, como Eunice Durham, Ennio Candotti, enfim, várias autoridades políticas brasileiras, e, naquela época, há mais de 20 anos, V. Exª repetia parecido com isso. Aí, o que me encanta é que V. Exª, desprovido de qualquer vaidade, elogia essa proposta de mudança que está acontecendo agora. É um embrião, que, como V. Exª diz, não tem o condão de nascer perfeito, mas podemos aperfeiçoá-la no que puder.

    Mais: quando V. Exª diz a questão da escola integral, isso é importantíssimo, porque muita gente diz que estamos indo para a escola para estudar, para aprender. Não, na verdade, não. Vamos lá para pegar o conteúdo. Aprender, você acaba aprendendo em casa se você fizer as tarefas, é ali que se fixa o conhecimento, porque você não aprende nada, se não praticar. Não adianta dar aula de Educação Física e falar: "Olhe, para você fazer uma boa cabeçada [ensinando futebol], você tem que visualizar o canto em que o goleiro não está, cabecear para baixo e ir na testa." Quando ele for, se não treinar aquilo, não vai conseguir fazer lá no campo, porque bom jogador é aquele que treina. Isso é em qualquer área do conhecimento.

    Hoje, vemos que boa parte dos pais trabalhando não têm tempo de acompanhar os deveres de casa do filho. Antigamente, havia mais essa capacidade. E o que acontece? Com os recursos tecnológicos que competem com o estudo, o estudo tem que se modernizar, a fim de, como V. Exª diz, de repente, eu debater Filosofia combinado com o que estou vendo no jornal todo da. Houve a prisão do Palocci ou de qualquer autoridade que seja, com aquilo está na mídia eu posso fazer esse link, aí, sim, torna-se uma coisa próxima ao aluno e tal.

    Bom, se não há essa possibilidade de fazer aquela fixação do conteúdo em casa, então é imprescindível que, no momento em que o professor explana o conteúdo - que vai para a memória curta -, haja aquele outro espaço para que, aí, sim, eu possa praticar ali e ir para a memória permanente.

    Então, encanta-me - e isso não é confete, Senador Cristovam - V. Exª fazer aqui um debate sobre o qual sempre digo que é como se fosse João Batista, a voz que clama no deserto, sobre um dos assuntos mais importantes, que é a educação.

    Falo isso, porque sou uma prova viva. Nasci no sertão de Caicó em uma família em que boa parte dos filhos morreu de fome, de desnutrição, na seca. Fui para Mato Grosso e fui salvo. Meu pai era analfabeto, mas queria que estudasse, porque tinha essa consciência. Por isso, fico emocionado quando vejo V. Exª falar. Meu pai é analfabeto, mas tinha essa consciência que V. Exª prega hoje aqui, a de que eu só tinha uma saída se estudasse, se aprendesse. Isso tive comigo e conto para os meus filhos hoje. Mas só vejo duas pessoas realmente muito preocupadas com isso: meu velho pai e V. Exª, que faz esse debate; um doutor, o outro analfabeto, mas dois grandes homens.

    Por isso, quero somar-me a V. Exª aqui, neste Senado Federal, para que a gente possa, um dia - talvez nós não veremos -, ver a semente que a gente plantou germinar. Que a gente possa, um dia, ao contrário do que essa jornalista pensou, ficar igual à Índia, que deu educação para muita gente e hoje eles vendem serviços para o mundo inteiro. O Imposto de Renda de boa parte dos norte-americanos é feita por cidadãos lá da Índia, o atendimento de call center das seguradoras é feito por cidadãos lá da Índia e boa parte da tecnologia, da programação da Apple e de grandes empresas é feita por programadores da Índia. Por quê? Porque tiveram acesso a cursos técnicos, porque tiveram acesso à educação.

    Então, queria, de coração, parabenizar V. Exª.

    Agora nós estamos indo para um debate. Nós vamos votar domingo e esse discurso de V. Exª traz esta reflexão: quais são os candidatos que estão alinhados com o grande debate, com o debate que nos levará a um Brasil diferente pela educação das nossas crianças?

    Meus parabéns, Senador Cristovam!

    O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - Muito obrigado, Senador.

    Fico muito feliz de vê-lo lembrar esse congresso da UNE em que estive.

    Quero dizer-lhe que, quando o senhor fala que estou falando igual, fico em dúvida sobre se fico orgulhoso da coerência ou com vergonha da pouca imaginação, imaginação que muitos políticos têm de mudar de tema e de propósito. Prefiro a coerência à imaginação. Gosto da imaginação para escrever e uso a coerência para fazer política.

    Então, alegrei-me muito com a sua lembrança da coerência, que alguns acham que é falta de imaginação, que acham que é uma nota só. Acho que é uma coerência que me foi dada e que mantenho de 1992, como o senhor lembrou, até hoje. Espero que não precise demorar muito para que isso fique fora de moda. Quando dizem que eu tenho uma nota só, digo que é porque ainda é moda. Quando ficar fora de moda e a educação do Brasil for igual às melhores do mundo, aí a gente fala de outras coisas. Até lá, vou falar de educação.

    Muito obrigado, Senador.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 28/09/2016 - Página 12