Fala da Presidência durante a 178ª Sessão de Debates Temáticos, no Senado Federal

Sessão destinada a debater sobre o Projeto de Lei do Senado nº 280, de 2016, que define os crimes de abuso de autoridade e dá outras providências.

Autor
Renan Calheiros (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AL)
Nome completo: José Renan Vasconcelos Calheiros
Casa
Senado Federal
Tipo
Fala da Presidência
Resumo por assunto
LEGISLAÇÃO PENAL:
  • Sessão destinada a debater sobre o Projeto de Lei do Senado nº 280, de 2016, que define os crimes de abuso de autoridade e dá outras providências.
Publicação
Publicação no DSF de 24/11/2016 - Página 9
Assunto
Outros > LEGISLAÇÃO PENAL
Indexação
  • SESSÃO, OBJETIVO, DEBATE, PROJETO DE LEI DO SENADO (PLS), DEFINIÇÃO, CRIME, ABUSO DE AUTORIDADE.

    O SR. PRESIDENTE (Renan Calheiros. PMDB - AL) – Permitam-me chamar o feito à ordem, sem exorbitar da autoridade. Nas sessões temáticas, nós vamos dar a palavra primeiro aos convidados, em seguida nós inscreveremos os Senadores e vamos, de acordo com sugestões do Senador Aloysio e do Senador Jader Barbalho, objetivar ao máximo, para que nós possamos ter aqui, nesta sessão temática, o melhor rendimento dela.

    Norberto Bobbio – e já concluo esta minha introdução, que meramente servirá para estimular este debate – Norberto Bobbio, o notável pensador italiano, afirmava que "a capacidade de dialogar e de trocar argumentos está na base de qualquer pacífica convivência democrática" e que "o objetivo do diálogo é chegar a um acordo ou, pelo menos, clarear as ideias de ambas as partes".

    Nelson Rodrigues certa vez observou que o mais importante no diálogo não é a palavra, mas a pausa, acentuando que "é na pausa que duas pessoas se entendem e entram em comunhão".

    Refletir é preciso, e esta sessão temática, mais uma vez, é para que nós possamos democraticamente trocar ideias, pontos de vista, nesta primeira e na segunda sessão, para que nós possamos, no dia 6, deliberar sobre essa importantíssima e inadiável matéria.

    O amadurecimento proveniente dos embates parlamentares mostra que o convívio pacífico entre os contrários não apenas é possível como as soluções negociadas são as melhores e mais duradouras.

    O grande brasileiro que foi Aureliano Cândido Tavares Bastos, alagoano, meu conterrâneo, afirmava que a boa política de conciliação ocorre no terreno dos princípios e supera o individual.

    Fazer leis, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, senhores convidados, não é tarefa fácil. Fazer lei não é tarefa fácil. Sendo a expressão da vontade geral, a lei nasce do confronto de ideias e vontades para se tornar um instrumento de pacificação social.

    Pontes de Miranda propugnava que uma boa forma legal diz o que ela quer, nem mais nem menos, acrescentando com sabedoria que nem tudo se há de dizer em dez ou vinte palavras. A vida, como todos sabem – dizia Pontes de Miranda –, é multiforme; e a cada uma das mil direções que ela comporta correspondem novas arestas a que será preciso ajustar a lei.

    O objetivo desta sessão temática é exatamente este: debater o Brasil na perspectiva do abuso de autoridade, hoje disciplinado em nosso País pela Lei 4.898, de 1965, que pede, como todos sabem, aprimoramentos. E quem mais pediu ao Senado Federal os aprimoramentos dessa lei foi o Supremo Tribunal Federal, através de vários Ministros.

    Indispensável ressaltar que o texto original do projeto de lei – é muito importante esta informação – para alterar a Lei de Abuso de Autoridade surgiu, diferentemente do que a imprensa diz, no II Pacto Republicano de Estado por um Sistema de Justiça Mais Acessível, Ágil e Efetivo, firmado em 2009 entre os Chefes dos Três Poderes da República. Esse projeto, portanto, vem de 2009, em um pacto republicano firmado entre os Três Poderes da República.

    Entre as medidas prioritárias desse pacto republicano está, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, a revisão da legislação relativa ao abuso de autoridade, a fim de incorporar os atuais preceitos constitucionais de proteção e responsabilização administrativa e penal dos agentes e servidores públicos em eventuais violações aos direitos fundamentais.

    O projeto – e nós vamos poder esmiuçá-lo – estabelece tipos penais e, por isso mesmo, atinge o recalcitrante, o infrator, aquele que dolorosamente oprime terceiros de forma indevida às suas atribuições.

    Ressalta-se, Srs. Senadores, por oportuno que a lei penal é norma de direito estrito. A lei penal é norma de direito estrito e não comporta interpretações extensivas. Daí a impossibilidade de os julgadores criarem situações não descritas na norma.

    De mais a mais, não é crível nem sensato imaginar que o Poder Judiciário desconfie do próprio Poder Judiciário, encarregado de aplicar lei.

    O ideal seria, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, que a lei envelhecesse com a sociedade.

    A experiência, porém, mostra que o Direito, como tudo na vida, rende-se ao inevitável desgaste causado pelo tempo.

    Atento a essa realidade, o Senado Federal tem-se dedicado a reformar leis importantes, e fez isso com o Código de Processo Civil, a Lei de Arbitragem, Conciliação, já editadas. No mesmo caminho estão o Código de Processo Penal, o Código Comercial, a Lei de Execução Penal e a Lei de Licitações, que será votada, a nova Lei de Licitações, até o dia 15, quando terminaremos nossos trabalhos.

    O debate, portanto, e, mais uma vez, agradeço a presença de todos, é pertinente e atual, permitam-me dizer. Os episódios a que me referi no início dessa breve colocação, para suscitar exatamente o debate, refletem situações que acontecem diariamente e atingem principalmente o cidadão comum, justificando a iniciativa de fortalecer a disciplina legal para reprimir o abuso de autoridade.

    Trata-se, Srs. Senadores, de uma chaga incompatível com o regime democrático de proteção às liberdades civis. Nenhum agente do Estado, nenhum – nenhum! –, de nenhum Poder, está autorizado a usar suas atribuições legais para ofender, humilhar, agredir quem quer que seja, quem quer que seja.

    Todo poder, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, todo poder oprime, seja qual for a origem desse poder, e não há poder sem limites. A diferença é que, na ditadura, limitam-se os direitos em detrimento do cidadão, enquanto, na democracia, as liberdades civis são respeitadas, e os freios dirigem-se exatamente ao poder estatal para proteger o indivíduo.

    Em 1986, e me permitam essa citação, falando para uma plateia de formandos em Maceió, capital de Alagoas, nunca esqueci – nunca esqueci! – o Prof. José Joaquim Calmon de Passos, que defendeu que todos aqueles que tivessem obtido a proteção de mandado de segurança e do habeas corpus deveriam representar contra a autoridade responsável pela coação e pelo constrangimento ilegal, como exercício de cidadania.

    A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, Senador Roberto Requião, de 1789, proclama que toda sociedade em que não estiver assegurada a garantia de direitos, nem determinada a separação dos Poderes, não tem Constituição. Nem Constituição, nem Estado de direito. Foi exatamente a propensão do homem ao abuso de autoridade que levou Montesquieu a idealizar o sistema de freios e contrapesos. Essa inclinação humana encontra limites nos direitos e garantias individuais, geralmente com status de cláusula pétrea, encartados nas Constituições dos países civilizados.

    Leis punindo excessos de poder dos agentes de Estado são próprias dos países do chamado mundo civilizado. Podemos citar como exemplos Argentina, Peru, Chile, Cuba, Alemanha, Estados Unidos, Portugal, Espanha, Itália, França.

    O tema é seguramente importante, tanto, Senador Lindbergh, que em 1985 mereceu uma resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas, a declaração dos direitos das vítimas. No Brasil – e já encerro –, a legislação em vigor foi editada na ditadura militar, nos idos de 1965, época em que vigoravam impunes os métodos violentos do temido delegado Sérgio Fleury e os assustadores porões do Cenimar e do DOI-CODI, para onde eram levadas pessoas arbitrariamente.

    É uma lei, como todos sabem, Senador Aloysio, branda, com penas minúsculas, que se destinava a acobertar excessos de toda ordem. Está, portanto, defasada e não se ajusta aos tempos atuais, quando o País respira democracia.

    Os direitos fundamentais do indivíduo são as bases, como todos sabem, do regime democrático. Toda sociedade em que estes direitos não estejam efetivamente garantidos estará abandonada à própria sorte, refém de um Estado autoritário.

    Todos os dias, em algum ponto deste imenso País, há um cidadão, Senador Aloysio, Senador Jorge Viana, sendo constrangido por algum tipo de abuso de autoridade. É o caso daquele que mora numa comunidade pobre, vem cansado de um dia de trabalho e no caminho de casa é abordado por um policial truculento que lhe aplica, sem mais nem menos, uma cachação. Em seguida pega para si o dinheiro do trabalhador, como acontecia em Diadema, num fato sobejamente conhecido pelo Brasil. Ou a cidadã que abandonou o marido, porque apanhou do marido ou sofreu qualquer tipo de violência sexual, e vai, Senador Jader Barbalho, prestar queixa na delegacia, mas é atendida com preconceito, e ali é humilhada pela autoridade policial.

    O instrumento de que dispomos para combater os excessos dos agentes de Estado é uma lei de exceção que, deliberadamente, violava direitos. Por isso, não funciona, e interessa a alguns poucos, infelizmente, que continue a funcionar da forma que está.

    A proposta legislativa para aprovar a legislação que hoje infratores está delineada no PLS 280, tipificando o crime de abuso de autoridade dolorosamente praticado por servidores públicos dos três Poderes, tanto nas suas instâncias inferiores como nas mais altas esferas.

    Importante assinalar que o texto – já disse aqui e queria repetir – é de 2009 e foi elaborado com muita responsabilidade. É importante que todos atentem para isso: com muita responsabilidade. O texto do projeto foi elaborado com muita responsabilidade por uma insuspeita comissão especial, integrada, entre outros, pelo Ministro Teori Zavascki, pelo Desembargador Rui Stoco e pelo ex-Secretário da Receita Everardo Maciel. Estes redigiram a proposta que está tramitando no Senado Federal.

    O propósito da alteração legislativa em debate é apenas e tão somente resguardar direitos dos cidadãos contra o eventual autoritarismo do Estado. Sua finalidade, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, portanto, é punir o abuso exatamente para resguardar a autoridade. Inspirado na Constituição Federal, o projeto pune, como todos sabem, a prisão ilegal determinada; a colocação de presos de ambos os sexos na mesma cela, ou crianças e adolescente junto com maiores de idade; a realização de interceptações telefônicas ou escutas ambientes sem autorização judicial; a prática de violência moral ou física contra a pessoa.

    De tal modo, os abusos de autoridade puníveis são aqueles que, por exemplo, ofendem a liberdade individual, a inviolabilidade do domicílio e da correspondência, os direitos de locomoção e a incolumidade física do indivíduo. Tais direitos devem ou não merecer proteção efetiva? Essa é a primeira pergunta que deixo para a sessão temática responder.

    O inexcedível Pontes de Miranda, sempre ele... Eu ouso citar Pontes de Miranda, porque este Senado – eu me lembro –, por desejo da maioria, festejou aqui os cem anos de Pontes de Miranda. Pontes de Miranda é inexcedível, é considerado como o maior jurista de todos os tempos do Brasil. É considerado como o maior jurista de todos os tempos no Brasil. O inexcedível Pontes de Miranda, indagado, em plena ditadura militar, sobre as pessoas inocentes, presas sem julgamento por vários anos, respondeu:

Quem foi preso, não tendo sido feito julgamento em tempo e depois absolvido, a primeira coisa que deve fazer é procurar saber quem foram os responsáveis por isto e prendê-los. [E prendê-los!] Hoje, a gente vê cada coisa, mas espero que isto não aconteça.

    Sobre o significado de Estado de direito, o ilustre jurista alagoano pregava que:

O Estado de direito é um Estado em que não há nada de arbítrio e onde tudo se rege por regras jurídicas, feitas de acordo com a Constituição e a democracia. Sem democracia [dizia Pontes de Miranda] e liberdade, não há Estado de direito.

    O livro Eclesiastes diz que – e esta sessão também serve para isso – há tempo de espalhar pedras e tempo de juntar pedras. Este momento é, portanto, no Senado Federal, o momento de juntar pedras, num esforço conjunto de cultivar a paz, tendo como foco a tolerância com as opiniões divergentes o respeito ao próximo e, fundamentalmente, a proteção dos direitos e das liberdades individuais.

    Eu, de logo, nesta rápida introdução, agradeço o comparecimento de todos e a atenção que dispensaram a essas breves palavras, reiterando o meu compromisso, como Presidente do Senado Federal, com a Constituição Federal, com a harmonia e a independência dos poderes.

    Eu tenho a honra e a satisfação de registrar a presença de outras autoridades que nos honram nesta sessão temática: do Procurador Regional da República e Presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República, Sr. José Robalinho Cavalcanti; do Presidente do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais do Ministério Público, Sr. Rinaldo Reis Lima; do Procurador-Geral de Justiça do Ministério Público do Estado do Paraná, Sr. Ivonei Sfoggia; do Presidente da Associação Nacional dos Defensores Públicos Federais, Srª Michelle Leite; do Procurador Nacional de Defesas das Prerrogativas – muito boa e oportuna a sua presença aqui nesse debate –, Sr. Charles Dias; do Vice-Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil do Estado da Paraíba, Sr. Raoni Lacerda Vita; da Conselheira Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Srª Carolina Louzada Petrarca; e dos Defensores Daniele Osório, Dinarte da Páscoa Freitas, Felipe Augusto, Francisco Macedo, Luiz Carlos Martins, entre outros.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/11/2016 - Página 9