Discurso durante a 22ª Sessão Especial, no Senado Federal

Sessão especial destinada a comemorar o centenário do poeta Manoel de Barros.

Autor
Cristovam Buarque (PPS - CIDADANIA/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM:
  • Sessão especial destinada a comemorar o centenário do poeta Manoel de Barros.
Aparteantes
Waldemir Moka.
Publicação
Publicação no DSF de 14/03/2017 - Página 16
Assunto
Outros > HOMENAGEM
Indexação
  • SESSÃO ESPECIAL, OBJETIVO, COMEMORAÇÃO, CENTENARIO, NASCIMENTO, POETA, MANOEL DE BARROS.

    O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Bom dia a cada um e a cada uma.

    Eu quero, primeiro, agradecer ao amigo Senador Pedro Chaves pelo fato de V. Exª ter tomado a iniciativa de fazer uma homenagem a um poeta. Aqui, Senador Moka, a gente faz muita homenagem a políticos, militares, cientistas e até escritores em geral, mas a poeta é muito raro. E o poeta é quem faz a maneira como a gente, de fato, vê o mundo. Imaginem, sem Castro Alves, como teria sido o Brasil não apenas para perceber a escravidão mas, sim, para sentir indignação moral com aquilo.

    É o poeta que faz a cabeça do povo. No caso do Brasil, têm sido mais os poetas ligados à música. Nós pensamos como Chico Buarque, como Caetano Veloso, Gilberto Gil e todos os outros, mas Manoel de Barros traz para nós uma maneira de ver a natureza diferente daquela que é vista em geral. Graças a Manoel de Barros, a gente ouve a natureza, ela fala com a gente. Hoje mesmo, abri um livro e estava lá: "Hoje, eu me sinto como se fosse uma árvore". É preciso muita poesia para alguém ter esse sentimento e escrever isso. E o resto da poesia é melhor ainda, mas não é hora de ler aqui. 

    Foi graças e ele que descobrimos a personalidade das rãs, dos sapos, dos grilos, das formigas. A gente ouve a natureza quando lê Manoel de Barros. Por isso, meu primeiro agradecimento ao Senador Pedro, por ter organizado esta solenidade. Mas tenho um segundo: ele me apresentou Manoel de Barros. E me apresentou provocando um fato que só com um poeta, acho, poderia ter acontecido.

    Eu fui fazer uma palestra na Universidade do Senador, ainda não Senador Pedro, e eu disse que queria uma coisa: visitar o poeta. E foi-me dito, não me lembro se pelo próprio Senador ou por alguém, que ele estava muito abatido, porque tinha perdido um filho num acidente aéreo – não era um homem jovem, tanto que isso deve fazer uns cinco, seis anos, e já estamos no centenário –, e que ele estava muito amargurado e exigente, que era preciso chegar às 7h da manhã para poder falar com ele, e não levasse fotógrafos nem muita gente.

    Nós chegamos às 6h50 e ficamos na calçada esperando que dessem 7h. Quando deu 7h, tocamos a campainha. Veio uma senhora muito simpática – eu adoraria ter anotado o nome dela para fazer uma referência aqui – que se surpreendeu com a minha presença e disse que estava muito contente de me ver ali, e pediu para entrar.

    Entramos, ela nos trouxe pão de queijo, conversamos, o tempo passou, e eu tive a sensação de que não estava na casa do poeta. E não estava, erramos a casa. (Risos.)

    E quando se descobriu e afirmamos para ela que não estávamos fazendo uma visita a ela e, sim, procurando Manoel de Barros, ela disse: "É muito interessante, é que ele mora nesse mesmo número, mas na rua de trás". E aí fomos.

    Aí, veio a surpresa: ele veio ao portão com um sorriso enorme nos lábios, nos recebeu, conversou tanto que quase eu perco o avião. Não deu tempo nem de ir àquele árabe que eu gosto de ir quando eu vou lá para comer pastel. Como é o nome?

    O SR. PRESIDENTE (Pedro Chaves. Bloco Moderador/PSC - MS) – Thomaz.

    O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) – É, Thomaz.

    E conversamos muito, Moka, com ele. E nos contou a história dele, o tempo que viveu fora do Pantanal, a volta para o Pantanal. Falou de tudo. Não falou das poesias. Poeta não fala das próprias poesias, quer que os outros leiam.

    E eu quero dizer que aqui estamos nós com uma pessoa que não morre, porque poeta não morre. Há muitos desconhecidos. Há muitos que a gente não toma conhecimento, como tomou conhecimento dele. Eu coloco como uma das boas coisas que eu tive, de pessoas que eu conheci, esse encontro com Manoel de Barros, de quem eu conhecia muito a poesia, e agradeço muito o Senador Pedro, meu colega, meu amigo, por esta solenidade, por aquele encontro, também pela palestra, pelo jantar na sua casa naquele dia, mas, sobretudo, pela possibilidade de conhecer aquele homem frágil no corpo, simples e com aquele coração, aquela cabeça que deixa o Brasil inteiro orgulhoso de ele ter passado por aqui, feito suas poesias e partido, mas não falecido do ponto de vista de morrer, tanto que estamos aqui lembrando dele com aquele sorriso maravilhoso.

    É diferente ler uma poesia de um poeta antes e depois de conhecê-lo. E depois que eu o conheci, as poesias dele adquiriram um sabor ainda maior. Eu não digo valor, o valor é fruto de uma análise, ficou igual, porque era alto, mas o sabor, deu um sabor diferente. E deu um sabor também a essa história.

    Como muitos dizem, às vezes até as coisas erradas são boas quando nos deixam a possibilidade de contá-las. Eu tenho um amigo que diz – eu não recomendo a ninguém – que ele não teria o menor problema de, numa viagem por aí, ser assaltado, porque ganharia uma boa história para contar. Pois bem, nós temos essa boa história e as maravilhosas poesias desse grande poeta.

    O Brasil, hoje, fala tanto que não tem políticos, que não tem isso, que não tem aquilo, que não tem lideranças. Mas hoje é um tempo em que nós não temos "o poeta". Todo povo tem um poeta, em algum momento, que encarna a poesia, como tivemos Drummond, por exemplo. Está faltando, hoje, esse poeta – dos vivos, eu falo. O Manoel talvez tenha sido o último deles – embora Ferreira Gullar eu coloque também nessa dimensão –, aquele poeta que a gente cita as coisas dele por aí. Como cita que "hoje eu acordei como se fosse árvore".

    Então, esse tipo de poeta que marca, Ferreira Gullar marcou a minha geração – e o Moka, mais moço, um pouco, mas deve lembrar – com aquela famosa... Com aquelas ideias dele sobre o regime militar: aquela sensação de que, acontecesse o que acontecesse, a gente estava vivo e iria continuar lutando.

    Manoel passa a ideia de que o Pantanal tem uma vida diferente do resto. E essa vida não é só de gente: é de pessoas, mas é de animais, da água, e que nos faz sentir orgulho, como brasileiros, de termos um Pantanal.

    Finalmente, para concluir, falei aqui de cientistas e vou falar de um detalhe que tem a ver com Manoel de Barros e com um grande matemático, um matemático alemão que viveu na França e que tem um nome muito complicado – não vou nem tentar lembrar. Ele disse que, quando era pequeno, judeu, não pôde estudar e foi à escola aos 15 anos. E, aí, o professor mandou ele fazer a dedução do Teorema de Pitágoras. Ele não fez de uma só forma, ele fez de três maneiras diferentes, e o professor não aceitou porque não era a maneira que o professor queria e conhecia. Ele morreu na mesma semana de Manoel de Barros.

(Soa a campainha.)

    O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) – E, na mesma semana em que vi da morte dele, eu li do Manoel de Barros uma referência a uma fala dele que mostra como... E nós aqui somos da área da educação e eu não consigo falar sem falar em educação, e por isso é que eu estou citando isto: Manoel de Barros conta que, quando era menino, foi à escola, ensinaram a ele, na aula de geografia, o que era um rio; ele aí descobriu que aquilo, quando ele era pequeno, ao redor da casa dele, que passava rodeando, não era uma cobra de vidro, era um rio.

    Um poeta e um matemático quase perdem a criatividade por causa da escola. A escola negou a um a criatividade de descobrir o Teorema de Pitágoras...

(Soa a campainha.)

    O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) – ... com uma dedução diferente – ele podia ter se inibido a partir daí –; e a Manoel de Barros, que foi salvo apesar da geografia, porque a geografia, nominando como "rio" algo que ele imaginava como uma cobra de vidro, quase mata a criatividade dele. Ele se salvou. O matemático se salvou; ele se salvou como grande matemático. É preciso que a escola seja o caminho da gente, mas que ela não tolha a liberdade de sonhar e de pensar, como fazem os poetas.

    Manoel de Barros é não apenas um grande poeta, mas um sobrevivente da escola. A escola não conseguiu fazer o que faz hoje com milhões de meninos e meninas: tolher o sentimento poético que as crianças carregam dentro de si. E é por isso que tanto Picasso como Manoel de Barros gostavam tanto de falar fazendo poesia, como se fossem crianças – o outro, pintando, e ele, escrevendo. Manoel de Barros é um exemplo de como a criatividade resiste mesmo às escolas que não permitem a criatividade. E nos deu essas maravilhas que, quando a gente as lê, não sabe de onde saíram, que nada têm a ver com a lógica, mas têm a ver com isso que brota de dentro de um poeta, que é o sentimento do mundo e o sentimento de dizer as coisas de maneira bonita.

    Parabéns, Senador! Parabéns, Mato Grosso do Sul! Parabéns para o Brasil pelo grande nome que tem, vivo, com suas poesias – Manoel de Barros. (Palmas.)

    O Sr. Waldemir Moka (PMDB - MS) – Manoel de Barros é do Mato Grosso. Na verdade, ele nasceu quando o Estado era uno – Mato Grosso. Então, não precisamos brigar por isso.

    O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) – Eu prefiro dizer que ele é brasileiro, ser humano – mas vivia, no final, no Mato Grosso do Sul. E a homenagem é do Senador Pedro, que representa esse belo Estado. (Palmas.)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/03/2017 - Página 16