Discurso durante a 184ª Sessão Deliberativa Extraordinária, no Senado Federal

Reflexões sobre o Dia Interncional para a Eliminação da Violência Contra a Mulher, 25 de novembro.

Autor
Ângela Portela (PDT - Partido Democrático Trabalhista/RR)
Nome completo: Ângela Maria Gomes Portela
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DIREITOS HUMANOS E MINORIAS:
  • Reflexões sobre o Dia Interncional para a Eliminação da Violência Contra a Mulher, 25 de novembro.
Publicação
Publicação no DSF de 01/12/2017 - Página 110
Assunto
Outros > DIREITOS HUMANOS E MINORIAS
Indexação
  • COMENTARIO, ASSUNTO, DIA INTERNACIONAL, VIOLENCIA, VITIMA, MULHER, ORIGEM, REUNIÃO, ENCONTRO, LOCAL, PAIS, ESTRANGEIRO, COLOMBIA, NECESSIDADE, COMBATE, FEMINICIDIO.

  SENADO FEDERAL SF -

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30/11/2017


DISCURSO ENCAMINHADO À PUBLICAÇÃO, NA FORMA DO DISPOSTO NO ART. 203 DO REGIMENTO INTERNO.

    A SRª ÂNGELA PORTELA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PDT - RR. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs Senadoras e Srs. Senadores, chegamos ao Dia Internacional para a Eliminação da Violência Contra a Mulher - 25 de novembro - sob o impacto da aceleração da intolerância, do preconceito, da discriminação, do ódio e das violências que explodiram, nos últimos tempos, em todos os lugares, sem dar ao mundo a possibilidade de reflexão.

    Estabelecido em 1981, no Primeiro Encontro Feminista Latino-americano e do Caribe, realizado em Bogotá, na Colômbia, o Dia Internacional para a Eliminação da Violência Contra a Mulher homenageia as irmãs Mirabal, assassinadas no dia 25 de novembro de 1960, depois de serem presas e torturadas, a mando do governo de Trujillo, ditador da República Dominicana, que governou o país com enorme brutalidade, entre 1930 e 1961.

    Por terem dado a vida pela democracia, “Las Mariposas” - como são mais conhecidas, foram homenageadas pelas Nações Unidas em Assembleia Geral, realizada em 1999, e que declarou 25 de novembro como o Dia Internacional para a Eliminação da Violência Contra a Mulher.

    Para refletir sobre a importância desse dia, que este ano ocorreu no último sábado, destaco o depoimento de uma roraimense que foi vítima do machismo de seu companheiro. Com ele morou três anos e nesse período viveu um verdadeiro inferno.

    Conta ela: “Ele me agrediu várias vezes. Da última vez, após ele me agredir, eu consegui correr e me esconder na casa de uma amiga, onde fiquei por 15 dias, com minha filha. Nesse mesmo dia, ele invadiu minha casa, quebrou todos os meus móveis, meu carro e foi às casas de todas as minhas amigas. Ficou à minha procura até o dia amanhecer. Quem nunca passou por esse tormento não terá noção do que seja viver uma situação dessa”.

    Sobrevivente da violência de gênero, esta mulher, de 43 anos, linda, competente, bem instruída e muito humana, felizmente está viva para contar sua história, porque teve a ajuda de familiares, como ela mesma relatou:

    “Por um ano, ele me perseguiu. Minha filha não dormia com medo de ele me matar. Certa vez, meu primo o viu me agredindo e ligou para meu irmão, que foi à procura dele e o ameaçou. Mais uma vez, fomos à polícia pedir ajuda”.

    As marcas ficaram no corpo e na mente dessa mulher. Até hoje a atormentam, como confirma seu depoimento: “Não sei como eu não morri. Hoje, passado esse tormento, eu vivo só. Prefiro a solidão que uma vida de ameaças, medos e perigos”.

    Lembrando o caso chocante dessa mulher, entre tantos e tantos outros, faço um apelo aos que propõem extinguir do Código Penal o termo feminicídio. Trata-se de uma sugestão legislativa e os defensores dessa proposta argumentam que não somente o crime praticado contra mulheres deve ser considerado hediondo, mas qualquer crime passional praticado contra o indivíduo.

    Não é bem assim. O feminicídio, que é o crime contra a mulher por motivo de gênero, tem um forte traço cultural que o distingue das demais violações da lei. Ele ancora-se na concepção patriarcal. Com o fim de sua tipificação, muito mais mulheres serão vítimas da violência que o machismo gera e que ainda é muito forte em nosso país.

    A proposta de extinguir o termo feminicídio vai em sentido totalmente contrário à luta histórica das mulheres por direitos, proteção e cidadania. Vai na contramão, inclusive, das conquistas que vimos contabilizando no Brasil e no mundo, ao longo das últimas décadas.

    Em 1979, por exemplo, a ONU adotou a Carta Internacional dos Direitos da Mulher ou a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher. Esta convenção considera a cultura e a tradição como forças influentes para moldar os papéis de gênero e as relações familiares.

    Já em 1993, a ONU estabeleceu em sua Declaração sobre a Eliminação da Violência contra as Mulheres “uma definição clara e compreensiva da violência contra as mulheres”, determinando, também uma declaração clara sobre os direitos a serem aplicados para eliminar este tipo de violência.

    Em 1994, a Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), outro organismo internacional preocupado com a temática no mundo, adotou a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher.

    Conhecido como ‘Convenção de Belém do Pará’, este documento diz que a violência contra a mulher inclui violência física, sexual e psicológica, que tenha “ocorrido dentro da família ou unidade doméstica, ou em qualquer outra relação interpessoal”.

    O Brasil, que ratificou a Convenção de Belém do Pará, usou a definição de violência contra a mulher para construir a Lei Maria da Penha, que tem referência internacional, por ter se revelado um instrumento eficiente no combate à violência doméstica, sexual e de gênero.

    Segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a violência no Brasil tem aumentando consideravelmente. De acordo com o 11º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, com registros da violência no país, em 2015 e 2016, o número de mortes violentas intencionais, registradas em 2016, superou 60 mil casos, atingindo uma taxa média de 29,9 mortes a cada 100 mil habitantes.

    Fazendo um recorte dessas mortes, constata-se que o feminicídio está presente. Foram registrados 4.657 casos de mulheres assassinadas, em 2016, e, destas mortes, 533 foram notificadas como feminicídio.

    O mesmo anuário mostrou, ainda, que em 2016, foram registrados quase 50 mil estupros contra mulheres no Brasil; uma média de 135 casos por dia.

    Saiba o telespectador da TV Senado que os dados de assassinatos e estupros de mulheres no Brasil são sempre subnotificados, o que esconde a real condição dos crimes contra a mulher.

    Em Roraima, proporcionalmente, o quadro de violência doméstica e sexual fica ainda pior. O relatório “Um dia vou te matar”, da Human Rights Watch, que trata da impunidade em casos de violência doméstica no Brasil, mostra que a taxa de homicídio de mulheres em Roraima cresceu 139% em apenas cinco anos - de 2010 a 2015.

    Esse triste cenário atribuiu a Roraima o título de Estado em que mais se matam mulheres no Brasil, uma vez que são 11,4 mulheres assassinadas para cada 100 mil mulheres. No Brasil, a média nacional - em si uma das mais elevadas do mundo - é de 4,4 mortes.

    Baseado em 31 casos de violência doméstica, o relatório feito em fevereiro, março e maio de 2017, mostra o que já dizemos: que precisamos eliminar obstáculos às denúncias e garantirmos as condições para que as vítimas possam denunciar seus agressores, com segurança, proteção e confiança.

    Enfim, faz sentido aproveitar a passagem do Dia Internacional para a Eliminação da Violência Contra a Mulher, para ratificar bandeiras antigas, mas que ainda precisam de atenção e efetivação.

    Portanto, a aplicação da Lei Maria da Penha e a manutenção da tipificação do feminicídio são fundamentais para o combate à violência doméstica e sexual, que aumenta a cada dia e que nos assusta. Ou seja, em vez de reduzirmos precisamos é ampliar os mecanismos, ações e leis protetivos às mulheres.

    Era o que tinha a dizer.

    Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 01/12/2017 - Página 110