Discurso durante a Sessão Solene, no Congresso Nacional

Sessão solene destinada a comemorar os 100 anos do Dia das Mães no Brasil.

Autor
Paulo Paim (PT - Partido dos Trabalhadores/RS)
Nome completo: Paulo Renato Paim
Casa
Congresso Nacional
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM:
  • Sessão solene destinada a comemorar os 100 anos do Dia das Mães no Brasil.
Publicação
Publicação no DCN de 10/05/2018 - Página 37
Assunto
Outros > HOMENAGEM
Indexação
  • SESSÃO SOLENE, CELEBRAÇÃO, CENTENARIO, DIA NACIONAL, HOMENAGEM, MÃE, COMENTARIO, ATUAÇÃO, MULHER.

     O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT-RS. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, todas as mães do mundo merecem ser reconhecidas, homenageadas e parabenizadas.

     Como disse Mário Quintana.1.

     Mãe…

     São três letras apenas,

     As desse nome bendito:

     Três letrinhas, nada mais…

     E nelas cabe o infinito

     E palavra tão pequena-confessam mesmo os ateus

     És do tamanho do céu

     E apenas menor do que Deus!

     Senhoras e Senhores, a esmagadora maioria das mães do mundo enfrenta carências impostas pela realidade. E, no caso de muitas mães brasileiras, essas carêndas são numerosas.

     São essas mulheres brasileiras mães batalhadoras, mães corajosas, mães heroicas; mães pobres, pretas, pardas; mães desempregadas, mães que fazem dupla ou tripla jornada de trabalho.

     Sao mães chefes de família; mães refugiadas ou imigrantes, mães encarceradas, mães sem-terra, mães sem-teto.

     Enfim, é a essas mães brasileiras em posição de vulnerabilidade social que hoje eu presto as minhas homenagens.

     A mãe brasileira é, antes de tudo, forte, porque tem de aprender a ser mãe em um contexto de negação e de violação sistemática de seus direitos humanos.

     Para as mães negras e pobres, por exemplo, a sucessão de desrespeitos começa já durante a gestação. De acordo com dados do Ministério da Saúde, as gestantes negras realizam menos consultas pré-natal, recebem menos informação sobre a importância da amamentação e estão mais expostas à mortalidade materna do que as gestantes brancas.

     Há, além disso, as torturantes experiências de milhares de mães brasileiras vítimas de violência obstétrica.

     De acordo com dados de uma pesquisa da Fundação Perseu Abramo, uma em cada 4 mulheres brasileiras sofre violência no parto; 9% das entrevistadas não receberam orientações sobre os procedimentos adotados pelos médicós; 9% ouviram gritos dos profissionais que as atenderam; 8% tiveram atendimento negado; e 7% foram xingadas e humilhadas.

     Isso acontece em todo o País. Acontece, inclusive, bem perto do Senado, no Distrito Federal, aqui em Planaltina.

     Em março deste ano, a Associação Ártemis, que atua no combate a todas as formas de violência contra a mulher, entregou um dossiê ao Ministério Público do Distrito Federal e Territórios denunciando abusos ocorridos no Hospital Regional de Planaltina: atendimento rude, procedimentos invasivos e dolorosos absolutamente desnecessários, privação alimentar, recusa de acompanhante, ausência de privacidade, uso excessivo de força no parto -- inclusive com casos de quebra de clavícula dos bebês.

     É em meio a esse tipo de brutalidade, covardia e degradação que muitas mães iniciam a sagrada jornada da maternidade.

     Para metade das mães brasileiras essa jornada passa, a seguir, pela exclusão do mercado de trabalho.

     Segundo levantamento elaborado pela Fundação Getúlio Vargas, um ano após dar à luz, 48% das brasileiras ficam desempregadas.

     Quanto menor o nível de escolaridade, menor a chance de essas mães retornarem ao mercado de trabalho.

     Nesse sentido, tive a honra de relatar, na Comissão de Assuntos Sociais, o Projeto de Lei do Senado n° 72, de 2017, de autoria na Senadora Rose de Freitas, que estende o prazo da licençamaternidade de 120 para 180 dias.

     Essa é uma medida essencial para reduzir o risco de o bebê contrair doenças, já que possibilita a manutenção do aleitamento materno durante os 6 primeiros meses de vida, bem como para reduzir a vulnerabilidade laboral das mães, que ganham mais tempo para se prepararem para conciliar os deveres da maternidade com as exigências do trabalho.

     Essa questão do desemprego materno é extremamente relevante, uma vez que o perfil da família brasileira sofreu, nos últimos anos, profundas alterações. Segundo dados produzidos por meio da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, do IBGE, entre 2001 e 2015, o número de famílias chefiadas por mulheres mais do que dobrou, tendo aumentado em 105%. Para efeito de comparação, a quantidade de famílias chefiadas por homens cresceu, no mesmo período, apenas 18%.

     Em 2015, o IBGE já contava quase 30 milhões de famílias chefiadas por mulheres. A maior parte dessas novas famílias centradas na figura da mulher está no Nordeste, e o maior crescimento desse arranjo familiar se verifica nas Regiões Norte e Centro-Oeste.

     Quase metade dessas 30 milhões de unidades familiares chefiadas por mulheres são famílias monoparentais femininas, ou seja, famílias nas quais a mãe arca, sozinha, com a responsabilidade de criar os filhos.

     Nos 15 anos abarcados pela pesquisa do IBGE, foram as famílias chefiadas por mulheres negras as que mais cresceram.

     Em 2001, as mulheres negras chefiavam 6,4 milhões de lares; em 2015, elas passaram a comandar quase 16 milhões de famílias. Isso representa um crescimento de 250%.

     Esses dados todos demonstram de modo eloquente alguns desafios da maternidade no Brasil, sobretudo os desafios que se apresentam às mães pobres, negras, desempregadas e chefes de família.

     Mas há, ainda, muitas outras situações peculiares no quadro geral da maternidade em nosso País.

     Ha, por exemplo, o caso das mães e gestantes que têm de conciliar a maternidade com a vida no cárcere.

     Houve, recentemente, avanço nessa questão, com o julgamento do STF que concedeu às presas provisórias grávidas e mães de crianças de até 12 anos de idade o direito de sair da cadeia e ficar em prisão domiciliar.

     Em 2015, ainda durante a gestão da Presidenta Duma Rousseff, o Ministério da Justiça publicou um um trabalho muito importante, um trabalho muito bonito, chamado Dar à Luz na Sombra: condições atuais e possibilidades futuras para o exercício da maternidade por mulheres em situação de prisão.

     Essa pesquisa revelou que parte significativa das mulheres presas eram, de fato, presas provisórias, e que havia uma inaceitável escassez e falta de precisão dos dados referentes à maternidade no sistema prisional.

     Mesmo hoje, quase três anos depois da realização dessa pesquisa, continuamos trabalhando com base em meras estimativas.

     Estima-se, nessa linha, que entre 4 mil e quinhentas e 14 mil presidiárias sejam gestantes ou mães de crianças com até 12 anos de idade.

     A imprecisão das estimativas é inaceitável, porque essa é uma questão muito séria. As consequências familiares da prisão de uma mãe são seriíssimas, profundas e podem causar prejuízos psicológicos e emocionais incalculáveis.

     Está mais do que na hora, então, de o poder público encaminhar uma solução efetiva para esses casos, e a decisão do STF é um passo nessa direção.

     Mas a lista de mães em situação de vulnerabilidade social não termina com as mães pobres, negras, desempregadas, sobrecarregadas pelo acúmulo de tarefas domésticas e profissionais e mães encarceradas. Há, no Brasil, muitas outras mães vítimas da injustiça, da intolerância e do preconceito.

     O que dizer das mães imigrantes e refugiadas?

     No ano passado, em 2017, a Polícia Federal recebeu número recorde de solicitações de refúgio. Foram mais de 33 mil pedidos, três vezes mais do que em 2016.

     Há, certamente, muitas gestantes e mães de crianças pequenas entre esses refugiados. Há notícia, inclusive, de maternidades nas quais os funcionários tiveram de aprender a comunicar-se em espanhol, árabe, mandarim e até mesmo em aimará, que é um dialeto indígena boliviano. Tudo isso dado o influxo de mães estrangeiras.

     Fico imaginando, Senhoras e Senhores Senadores, as dificuldades por que devem passar essas mães refugiadas e imigrantes. Além do preconceito partilhado com as mães pobres e negras, essas mães que vêm de fora ainda têm de lidar com um componente adicional, que é a xenofobia.

     Nenhum ser humano merece isso. Nenhuma mãe deveria, jamais, em qualquer lugar, sofrer esse tipo de humilhação, submeter-se a esse tipo de indignidade.

     Sr. Presidente, vou mencionar apenas mais um grupo de mães vítimas da insensibilidade social e da falta de observância dos direitos humanos.

     No final do ano passado, iniciou-se o processo de despejo de um grupo de famílias sem-terra que ocupava o acampamento Marcelino Chiarelio, no interior do Estado de Senta Catarina.

     É uma área de cerca de 200 hectares, tomada de plantações de milho, hortaliças, feijão e de animais criados para a subsistência das famílias que lá viviam há mais de 1 ano e meio.

     Pois bem, as mães do acampamento enviaram, no dia 1º de dezembro de 2017, uma carta para a juíza federal que ordenou o despejo.

     Peço permissão, Sr. Presidente, para encerrar meu pronunciamento com a leitura de um pequeno trecho dessa carta:

Quando tudo começou, era antes das seis da manhã, tivemos que acordar nossas crianças pra receber a polícia, a tropa de choque, a cavalaria, o helicóptero, os cães... As crianças se desesperaram, e como explicar que a juíza mandou a polícia derrubar nossos barracos?! Elas não queriam sair, nós não queríamos sair. Nós, mães, vimos nossas crianças ficarem cada vez mais apavoradas ao ver tanta polícia entrando no acampamento, empunhando armas nas mãos, e termos que dizer que não era nada, que ia ficar tudo bem. Nossos filhos diziam para a polícia parar, que não era pra derrubar nossos barracos, não era pra “matar nossas casas”. “Esse homem vai levar meu boizinho”, dizia o menino agarrado ao pescoço da mãe, sem poder, na sua inocência, compreender o que se passava. Fomos ensacando nossas coisas e não conseguíamos deixar de pensar que, no acampamento, quando íamos preparar as refeições, era só ir até as hortas, plantadas por nossas mãos... ... regadas com nosso suor sob o sol escaldante, e colher batatinha, mandioca, abóbora, batata doce, amendoim, abobrinha, couve, alface, cenoura, cebola, temperos... Nós não precisávamos comprar quase nada, o que a senhora pode imaginar de colocar na mesa a gente plantava. (...)

     Desejo, Sras. e Srs. Senadores, do fundo do meu coração que, em um futuro não muito distante, possamos celebrar, sem hipocrisia, realmente celebrar um Dia das Mães em um País mais justo, mais solidário, mais acolhedor.

     Um Brasil mais humano. Um País no qual sejam efetivamente garantidos os direitos das gestantes e das mães à integridade física, à segurança econômica e à liberdade política.

     Um País que tenha internalizado, de verdade, a noção de que a maternidade é sagrada.

     Um País em que qualquer mãe, em que todas as mães, não importando sua origem, sua cor, sua condição econômica, suas circunstâncias políticas, sejam respeitadas, valorizadas e homenageadas pelo simples e profundo fato de que é apenas por meio da maternidade que a vida humana persevera e se projeta em direção à eternidade.

     Felicidades a todas as mães do Brasil e do mundo!

     Era o que tinha a dizer.


Este texto não substitui o publicado no DCN de 10/05/2018 - Página 37