Discurso durante a 69ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Comentários sobre os 130 anos da sanção da Lei Áurea, celebrado em 13 de maio.

Autor
Paulo Paim (PT - Partido dos Trabalhadores/RS)
Nome completo: Paulo Renato Paim
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DIREITOS HUMANOS E MINORIAS:
  • Comentários sobre os 130 anos da sanção da Lei Áurea, celebrado em 13 de maio.
Publicação
Publicação no DSF de 15/05/2018 - Página 30
Assunto
Outros > DIREITOS HUMANOS E MINORIAS
Indexação
  • COMENTARIO, ANIVERSARIO, ABOLIÇÃO, ESCRAVATURA, BRASIL, REGISTRO, NUMERO, HOMICIDIO, AUMENTO, VIOLENCIA, DEFESA, RESPEITO, DIREITOS HUMANOS, NECESSIDADE, INVESTIMENTO, EDUCAÇÃO, SEGURANÇA PUBLICA, SAUDE.

    O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Presidente, Senador José Medeiros, ontem foi o Dias das Mães, e todos nós fizemos a justa homenagem a todas as mães, eu diria, do Planeta, do mundo, tanto à mãe adotante como àquela que gera. E, como eu disse aqui em uma sessão, para mim mãe é aquela que ama, que cuida – e pai também, aquele que ama, que cuida –, que zela, que dá orientação, que realmente cumpre o papel de mãe. Por isso, o mundo todo saudou ontem o Dia das Mães. Eu já fiz um pronunciamento longo aqui naquela sessão de homenagem encaminhada pela Senadora Ana Amélia.

    Hoje, Sr. Presidente, eu quero lembrar também o dia de ontem. Ontem, 13 de maio, foram celebrados os 130 anos da abolição da escravatura, os 130 anos da Lei Áurea. Por isso, Sr. Presidente, Senador José Medeiros, vou dedicar o meu tempo no dia de hoje para falar dessa situação.

    Ontem, 13 de maio, foram celebrados os 130 anos da abolição da escravatura. A escravidão pode ter sido juridicamente abolida aqui no nosso País pela Lei Áurea, mas, de fato, em diversos âmbitos, podemos considerar que ela permanece até os dias de hoje. Nossa luta é no sentido de que ela seja definitivamente extinta, juntamente com qualquer tipo de preconceito e racismo.

    Em nosso País, os homicídios dolosos atingiram padrões epidêmicos. Em 2016, foram assassinadas, no Brasil, 61.619 pessoas – quase 62 mil pessoas foram assassinadas. A vitimização apresenta padrões particulares: 53% das vítimas são jovens; desses, 77% são negros, e 93%, do sexo masculino. O homicídio doloso é a primeira causa de morte entre os jovens. Esses dados concentram-se na camada mais pobre e na população negra, reproduzindo e aprofundando as desigualdades sociais e o racismo estrutural.

    Não posso me omitir, não posso me calar diante da banalidade com que se desenrola o genocídio da população, principalmente a negra, no Brasil, especialmente no que tange a jovens negros – principalmente do sexo masculino. É claro que não queremos que ninguém, ninguém seja assassinado, seja branco, seja negro, seja índio, seja emigrante, seja imigrante, mas aqui os dados mostram que é principalmente o povo negro.

    Por todo o País, repetem-se relatos de crueldade com os adolescentes sob a custódia do Estado. A sociedade fecha os olhos para a tragédia dessa juventude – para a tragédia dessa juventude – por acreditar que os adolescentes infratores que morreram mereceram a morte e estavam mesmo fadados a ser bandidos a vida inteira. Isso é o que muitos pensam. E claro que nós discordamos.

    É uma geração que nasce e morre invisível ou, quando muito, que representa uma ameaça à manutenção da ordem social e, assim, é considerada merecedora da desgraça e do desterro. Muitos dizem: "Devem morrer cedo mesmo". É uma política, como eu sempre digo, desumana, cruel, truculenta, desrespeitosa à vida. A vida tem de estar sempre em primeiro lugar. Não importa se é branco, negro, índio, repito, cigano.

    Apresentei – o Senador Hélio José é o Relator –, aprovamos em duas comissões e vai para a de mérito, que é a CDH, o Estatuto do Cigano. Assim foi o Estatuto da Igualdade Racial, que é lei; o da Pessoa com Deficiência, que é lei. São setores considerados vulneráveis e discriminados. O da Juventude também, que relatei e que é lei; e o do Idoso, de que fui Autor, que é lei.

    Como muito bem se posiciona Mário Volpi, representante do Fundo das Nações Unidas para a Infância, o famoso Unicef, em função do preconceito social, há uma perspectiva de parte da sociedade, que imagina que, se o garoto foi assassinado, alguma coisa ele deve ter feito. Não. Não. Nós temos milhares de casos de covardia, de crime, de assassinato, de submissão à violência, de, inclusive, estupro de jovens negros e negras e também de brancos e índios. Ninguém tem de morrer porque é jovem.

    Não conseguimos responder que ele não fez nada, a não ser em alguns casos isolados, não porque ele tenha feito alguma coisa, mas porque nós não recolhemos essas informações, e assim não sistematizamos e não fazemos um trabalho sério de divulgar para a sociedade.

    Alguém poderia me assistir neste momento e dizer: "Não, tal jovem fez isso". Bom, que responda pelo que fez. O que eu não quero é que generalizem. É como se todo jovem assassinado fosse um marginal. Não. Não é verdade. Não é verdade.

    Quem cometeu algum tipo de delito vai responder pelo que fez.

    Como eu dizia, não recolhemos essas informações e não trabalhamos com elas. Assim, o que estamos fazendo é matar, matar e matar vítimas, na maioria dos casos, inocentes.

    Mesmo que elas não fossem inocentes, não é pela morte da juventude que você vai resolver. Cadê a chamada proposta de socialização? Cadê a chamada proposta de recuperação? Onde está a educação? Onde está o ensino técnico, para salvar a nossa juventude?

    Elza Soares, desde 2003, já denunciava que a carne mais barata do mercado é a carne negra, infelizmente. E não tem de ser carne nenhuma. É essa a carne que está em franca liquidação nos subempregos, que vai de graça para o presídio e, de lá, direto para um saco de plástico – isso quando não é indevidamente abandonada em qualquer canto ou recanto.

    Essa nossa política social, focada na marginalização, no extermínio e no subaproveitamento laboral da população negra e branca pobre, tem de parar. É um jogo de perdedores. Todo mundo perde. A violência só aumenta. É impossível dizer quantos músicos excepcionais, quantos cientistas brilhantes, quantos médicos inovadores, quantos intelectuais que poderiam ter mudado o mundo, quantos deles e delas o nosso racismo cotidiano não enterrou nesses sacos plásticos pretos, na vala de indigentes.

    A desigualdade racial em nossa sociedade viola os direitos humanos de milhões de brasileiros e tem um custo alto para o desenvolvimento econômico do País e, consequentemente, das políticas humanitárias.

    A população negra tem, em média, cerca de dois anos a menos de estudos do que a população não negra, que já tem um nível educacional baixo comparado aos países desenvolvidos. Dado que os negros são 55% da população, o País compromete a sua competitividade pela limitação nesse nível de escolaridade de negros e brancos pobres. Há uma disputa desigual, e, na economia global, nós vamos ficando para trás.

    O fato é que, mesmo que não fosse possível fazer uma análise perfeita do montante financeiro que perdemos com o racismo, não cabe dúvida. Nos países onde houve avanço em direção a uma sociedade mais igualitária, do ponto de vista racial, isso só foi possível graças ao reconhecimento da incapacidade do mercado em eliminar os mecanismos de discriminação. Foi e tem sido com o apoio decisivo do aparato regulatório do Estado que as diferenças sociais e econômicas entre grupos raciais distintos puderam ser abrandadas.

    E veja, vou lembrar aqui: nos Estados Unidos, se avançou muito; no Brasil, estamos dando marcha a ré, andando para trás. No Reino Unido se avançou muito; na Holanda se avançou muito; na França se avançou muito; na Itália se avançou muito, por exemplo. Aqui, no Brasil, a concentração de renda fica na mão de praticamente 1% da população, e aí eles entendem que, em vez de formar, preparar, educar, recuperar, dar ensino técnico, dar ensino profissional, dar educação à altura para que eles possam entrar na universidade... Eles entregam nas mãos do narcotráfico.

    Se não direcionarmos nossos esforços agora na agenda da desigualdade educacional, contemplando também a dimensão racial, estaremos fadados, num futuro próximo, a uma situação de limbo na competitividade global.

    O relatório final da CPI Assassinato de Jovens, onde eu fui Vice-Presidente, concluiu que, de fato, se quisermos resolver o problema do genocídio de nossa população negra e jovem, serão necessários alguns encaminhamentos: a construção de iniciativas articuladas e intersetoriais entre política, justiça, educação e saúde; priorizar investimentos, esforços e recursos em territórios selecionados com taxas maiores de vulnerabilidade; priorizar a situação com o segmento populacional jovem, especialmente a faixa etária entre 12 e 29 anos, que concentra a maioria das taxas de homicídio no Brasil, pretos e pardos; instituir e consolidar processos de avaliação, prestação de conta e controle social no âmbito da iniciativa do Plano Nacional, com forte engajamento e mobilização da sociedade, sobretudo dos próprios protagonistas da questão, os jovens, e da instituição e segurança entre outros.

    Eu sempre digo que a criança não é preconceituosa nem racista. Lembro-me de uma frase do Mandela que diz: como é triste, como é hediondo você obrigar uma criança ou um jovem a odiar o outro pela cor da pele.

    A política de cota no Brasil deu certo. Não há conflito nas universidades, não há conflito no campo da educação. No livro Quatro Gigantes Da Alma, o criminalista Mira y López trata desse medo, que se modifica em ódio contra a sociedade e contra cada um dos seus membros.

    A violência é o preço da exclusão, da redução da criatura humana ao estatuto de invisibilidade por meio da miséria opressiva.

    A guerra também tem um preço para os policiais. Em um período de seis meses, no primeiro semestre de 2015, só no Rio de Janeiro, 14 policiais foram mortos em áreas chamadas pacificadas, número que não encontra paralelo em outros países democráticos.

    Ao mesmo tempo em que falo aqui em salvar as crianças, fica também a minha solidariedade às famílias dos policiais porque vemos, todos os dias, em manchetes, sendo assassinados.

    Uma instituição que convive com tais números engendra medo e ódio. É nesse ponto que é preciso destacar o perfil do policial brasileiro, especialmente da Polícia Militar. Assim como as demais vítimas do absurdo da violência social, ele também é majoritariamente homem, jovem e negro pobre.

    Vejam os destaques que a gente está dando aqui. Não é só o menino jovem que é assassinado que é negro. A maioria dos policiais hoje, no Brasil, são homens jovens e negros, que vieram de camadas pobres. Ou seja, nas duas pontas da violência social brasileira, temos o aniquilamento da população masculina negra e jovem, seja policial seja o menino que tenha cometido ou que foi assassinado covardemente, mas, enfim, ele morreu.

    O que se observa na epidemia da violência aguda que vive o Brasil é que o perfil econômico, etário e principalmente racial do suposto algoz é o mesmo das vítimas.

    Como resultado desse ódio, há um Estado policial onde há uma guerra de todos contra todos, e aí ocorrem chacinas, e morrem dos dois lados: o policial negro e o jovem negro.

    Pratica-se a justiça pelas próprias mãos, por exemplo, quando uns querem vingar os outros sob a crença de que a Justiça não conseguirá manter preso o autor do crime, enquanto alguém de classe média promove linchamentos daqueles que identifica como ameaça ao seu patrimônio.

    Dados obtidos a partir da realização de um levantamento de políticas públicas, programas e projetos de prevenção à violência com potencial para enfrentamento da questão dos homicídios na adolescência e juventude, desenvolvidos em 11 regiões metropolitanas por secretarias estaduais e municipais, apontam que foram mapeados 160 programas de prevenção à violência.

    A despeito desses programas já chegarem a espaços mais populares, olhando mais diretamente para adolescentes e jovens, verificou-se a escassez de políticas e programas com foco específico na redução da letalidade, uma vez que, dos 160 programas, apenas 19 iniciativas tinham a redução de homicídios como objetivo específico.

    Ademais, verificou-se contradição entre o perfil das principais vítimas de homicídios e as prioridades das políticas públicas, visto que apenas 16% apresentavam algum critério relacionado a gênero e somente 8% utilizavam algum critério relacionado à questão racial para definição do seu público-alvo.

    Como consequência, há o aprofundamento de um quadro de extermínio da juventude, pois, desde 2002, observa-se uma situação perversa de aumento dos homicídios da população negra, o que, infelizmente, é fato e é real.

    Para solucionar esses problemas, é preciso respeitar os direitos humanos, transformando efetivamente o princípio da dignidade humana em um princípio estruturante de todos e para todos, assim fortalecendo políticas públicas decentes.

    Respeitar os direitos humanos é respeitar a lei, é respeitar a vida!

    Desenhou-se no imaginário popular que defender direitos humanos é coisa de esquerdista ou de bandido, quando, na verdade, tudo o que os agentes dos direitos humanos pedem é o que qualquer pessoa racional pediria: que a lei seja cumprida. E os direitos humanos são para policial. Os direitos humanos são para quem não é policial, para quem é civil. Os direitos humanos são para todos.

    Que o processo penal seja cumprido, que o Código Penal seja cumprido, que o Estatuto da Criança e do Adolescente seja cumprido, que o Estatuto da Igualdade Racial seja cumprido – fui autor desses dois –, mas que o Estatuto da Juventude, do qual fui Relator, seja cumprido e que a Constituição Federal, por fim, de cuja elaboração também participei como Constituinte, seja cumprida!

    É imprescindível, também, a existência de mecanismos de avaliação das políticas públicas.

(Soa a campainha.)

    O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) – Os programas de prevenção à violência já conseguiram atingir redução de homicídios em grande parte da população, mas, por falta de planejamento e avaliação das políticas públicas, os homicídios entre a população negra só aumentaram.

    Sr. Presidente, já estou indo para o final.

    Sou categórico em requerer que atitudes sejam tomadas, pois o Brasil se encontra em um quadro crítico de violência.

    O Estado precisa ser mais eficaz e aglutinar os recursos para combater essa questão que preocupa a todos.

    Por isso, temos obrigação de nos ajudarmos, para que todos se debrucem sobre o assunto com mais afinco, para que, assim, possamos dar a resposta que o problema impõe.

    E não é difícil aqui apontar caminhos. Começa com a educação; começa no jardim de infância até a universidade; começa com mais investimento em escolas técnicas; começa em garantir que lugar de criança não é no trabalho infantil, mas na escola; começa-se a investir mais em segurança pública para todos, tanto para os profissionais que atuam nessa área da segurança pública, seja a Polícia Civil; seja a Polícia Militar; sejam os agentes penitenciários; sejam aqueles que, de uma forma ou de outra, colaboram para a segurança pública; seja investindo em todo o segmento da população, seja negro, seja branco, seja índio, seja cigano, seja migrante, seja emigrante; seja investindo no mercado de trabalho, para que as pessoas tenham o direito de estudar, trabalhar e receber um salário decente; seja, Sr. Presidente, com mais investimento na saúde... Hoje, pela manhã, aqui, na sessão que presidi homenageando os defensores públicos, muitos falaram do SUS. Eu estou cada vez mais convencido, e não porque fui Constituinte, de que nós temos que investir na saúde pública decente para todos.

    Tivemos, recentemente, Sr. Presidente, e aqui eu vou terminar, um exemplo de uma colega minha que estava hospitalizada, numa situação muito difícil no SUS, e disse que ela poderia, a qualquer momento, inclusive falecer. Mas, felizmente, foi visto que ela tinha um plano de saúde que havia pagado há muito tempo, enfim, e, resumo da história, ela foi inclusive salva. Mas eu sou daqueles que dizem que o SUS tem tudo para dar certo, muito mais que os próprios planos de saúde, desde que se invista, que a peça orçamentária do Congresso Nacional, enfim, dos Poderes constituídos destine uma verba cada vez maior para o SUS.

    Eu sempre repito – e termino, Senador Medeiros, não preciso de mais do que um minuto –, que está comprovado que as pessoas precisam de estudo na idade adequada, como manda a Constituição, de trabalho, de saúde, de segurança e de educação. Se você assegurar para o brasileiro a possibilidade de ele ter um trabalho decente, que o estudo seja decente, que ele tenha plano de saúde, que ele tenha segurança, para que os pais não fiquem preocupados se ele saiu de casa e vai voltar vivo, se era para voltar às 11 e não voltou, já começa a dar um terror na família... São coisas que competem muito ao Legislativo sinalizar o caminho, contribuir, ajudar, conversar, dialogar.

    Eu repito aqui que não importa se é civil ou militar; o que importa é nós caminharmos todos juntos na construção de um País para todos, de um projeto de Nação onde os direitos sejam respeitados e assegurados para todo o povo brasileiro.

    Então, nesse 13 de maio, 130 anos da Lei Áurea, a gente gostaria mesmo que ninguém, ninguém fosse discriminado por motivo nenhum, pela cor da pele, pela origem, pela procedência, se é homem, se é mulher, se tem a sua orientação sexual ou a sua orientação religiosa... Todos têm de ser respeitados. Estamos em época de falar em paz, de falar de amor, de falar de solidariedade, de falar de aproximação e não de odiar o outro só porque pensa diferente.

    Então, nesse 13 de maio, que foi ontem, eu queria deixar esta mensagem, a mensagem de amor, de paz e que não passe na cabeça de alguém que a capacidade de um homem ou de uma mulher possa se medir pela cor da pele, senão não haveria homens que entraram para a história, como Zumbi dos Palmares, Nelson Mandela.

    Eu me lembro aqui de Gandhi. Gandhi negro não era. Mas são homens que entraram para a história, como Martin Luther King. Poderíamos aqui falar de todos.

    Para concluir, Senador, o Mestre dos mestres, Jesus Cristo sempre abraçou a todos, beijou a todos, caminhou com todos e foi injustiçado. Mas ele continua, de forma, eu diria, permanente, pedindo paz e muito amor para toda a nossa gente.

    Era isso.

    Obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/05/2018 - Página 30